4 A LIMITAÇÃO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO DE PARLAMENTAR RESGUARDADO POR IMUNIDADE MATERIAL PELO DIREITO PENAL E SUA RESPONSABILIDADE CRIMINAL POR CONDUTAS DE DISCURSO DE ÓDIO.
Nos termos já tratados, os Deputados e Senadores gozam de imunidade parlamentar, nos termos do art. 53 da Constituição Federal, sob o viés material, ou seja, no que se refere ao exercício de sua liberdade de expressão.
Ante a interpretação de mero viés literal do dispositivo supramencionado, poderá se chegar à equivocada interpretação que tal imunidade possui caráter absoluto, tendo em vista que o texto constitucional é claro ao destacar a extensão da garantia conferida aos parlamentares para o pleno exercício de suas funções, conforme novamente vejamos: “Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.”. (BRASIL, 1988).
Ocorre que, o entendimento acima destacado, que infelizmente, era aplicado em algumas épocas atrás, restou-se ou vem sendo superado, sobretudo pela necessária análise sistemática da Constituição Federal.
Em interessante artigo, Cavalcante Filho (s.d), destaca que – e em um exemplo que aplica-se ao presente artigo – os direitos fundamentais não são absolutos, como antes se pensava, mas podem sofrer relativizações/limitações se interpretados em um sistema jurídico com diversas outras garantias constitucionais e até mesmo infraconstitucionais. Desta forma, vejamos:
Como já dissemos (tópico 2.2.), os direitos fundamentais são relativos, quer dizer, nenhum direito fundamental é absoluto. É costumeiro dizer isso por dois motivos: a) Os direitos fundamentais podem entrar em conflito uns com os outros, o que determina se imponham limitações recíprocas. Assim, por exemplo, o direito à liberdade de expressão não é absoluto, porque pode chocar-se com o direito à intimidade. b) Nenhum direito fundamental pode ser usado como escudo para a prática de atos ilícitos. Com efeito, os direitos fundamentais só protegem o seu titular quando este se move na seara dos atos lícitos, pois seria uma contradição em termos definir uma mesma conduta como um direito e um ilícito. Logo, se o direito define uma conduta como ilícito (crime, por exemplo), não se pode considerar como justo o exercício de um direito fundamental que leve a essa conduta. Não é válido, por exemplo, alegar liberdade de manifestação do pensamento para propagar idéias racistas ou discriminatórias, conforme reiterada jurisprudência do STF.
Veja que o doutrinador trata o exemplo da ideia de liberdade de expressão como sendo uma espécie de discurso para a propagação daquilo que se convencionou chamar de discurso de ódio, que nas palavras do autor, se tratam de ideias racistas ou discriminatórias.
Nesse sentido, já se pode ser depreendido que a imunidade material do parlamentar pode ser afastada quando este profere suas opiniões desconexas à sua função de representante do povo em defesa dos direitos insculpidos na Constituição Federal, ou seja, quando profere discursos de ódio discriminando, ofendendo ou mesmo violando as premissas do respeito a um determinado grupo social.
Schafer (2015), destaca que, se o parlamentar sem qualquer razão ou fundamento, insulta gravemente minorias éticas ou defende qualquer ideologia contrária aos preceitos constitucionais, deverá haver o afastamento da regra prevista no art. 53 da Constituição Federal.
A jurisprudência, em que pese ser minoritária, declara como punível, o excesso proferido nas opiniões de Parlamentar, sendo tal prática reprimida em âmbito cível e criminal, conforme vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. FATOS NOVOS ALEGADOS EM RÉPLICA. ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR. IMPOSSIBILIDADE. PUBLICAÇÃO NA REDE SOCIAL FACEBOOK. EXCESSO PÚNIVEL. OFENSA À HONRA SUBJETIVA. DANO MORAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO. ARBITRAMENTO. [...] 3. Tendo o réu incorrido em excesso punível em comentários sobre o autor, transmitidos na rede social da internet facebook, quando extrapolou da crítica política, isto é, a censura ao homem público, para irrogar ofensas à dignidade e ao decoro do autor, correta a sentença que o condenou a indenizar pelos danos morais causados. [...]
(TJ-DF 20160111127403 DF 0032555-42.2016.8.07.0001, Relator: CESAR LOYOLA, Data de Julgamento: 21/02/2018, 2ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 06/03/2018 . Pág.: 286/287).
Ementa: AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIMES CONTRA A HONRA. INDIVISIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. NÃO INCIDÊNCIA NA HIPÓTESE. VÍNCULO ENTRE AS SUPOSTAS OFENSAS PROFERIDAS E A FUNÇÃO PARLAMENTAR EXERCIDA. IMUNIDADE PARLAMENTAR. EXCLUDENTE DE TIPICIDADE. IMPROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO. 1. O afastamento da imunidade material prevista no art. 53, caput, da Constituição da República só se mostra cabível quando claramente ausente vínculo entre o conteúdo do ato praticado e a função pública parlamentar exercida ou quando as ofensas proferidas exorbitem manifestamente os limites da crítica política. Precedentes. [...]
(STF - Inq: 3677 RJ, Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 27/03/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014).
Observa-se deste modo que qualquer conduta que comprovadamente caracterize um ato de discriminação, de excesso ou de dissociação das atividades parlamentares, como forma de segregação social, é hábil para que se reconheça a desconsideração da imunidade parlamentar.
Não se trata de uma desconsideração mediante mera alegação, mas no caso concreto, desde que se comprove a ofensa ao bem jurídico da dignidade humana, pode perfeitamente ser desconsiderada a imunidade parlamentar. Neste sentido, o Direito Penal, deve atuar quando as opiniões do parlamentar, configurem o ainda amplo art. 20 da Lei n° n° 7.716/89.
O sentido que se dá, é que por ser a liberdade de expressão um direito fundamental que deve atender a uma limitação constitucional, sobretudo quando se fere bens jurídicos de outrem. Neste plano, o Parlamentar não pode se valer de sua imunidade para promover atos criminosos contra grupos sociais minoritários, sob pena de responsabilização cível e criminal.
Assim sendo, a conduta do parlamentar que não tiver relação com o exercício do cargo que ocupa, ainda que se leve em conta o direito à liberdade de expressão, bem como o sistema de representação política concretizado pela imunidade parlamentar, possibilita a superação da inviolabilidade de suas opiniões e a consequente responsabilização criminal por ofensa a bem jurídico tutelado pelo Direito Penal.
5 CONCLUSÃO
A liberdade de expressão, em que pese a sua clara fundamentalidade, não pode ser exercida de modo absoluto ou seja, sem que se entenda que estamos dentro de um ordenamento jurídico complexo que exige um sistema de limitações com diversos outros direitos igualmente previstos.
Porém, não se pode desconsiderar que a liberdade de expressão fundamenta a própria noção de Estado Democrático, como um ente que se preocupa, teoricamente, com os interesses de seus tutelados, seja em âmbito individual ou mesmo coletivo, manifestado pela representatividade dos sujeitos que ocupam um dos poderes da República, onde fora especificado, no presente artigo, os membros do Poder Legislativo, ou seja, parlamentares como Deputados e Senadores.
O próprio legislador constituinte originário, tratou de definir a imunidade parlamentar para proteger e dar máxima eficácia à liberdade de expressão daqueles que representam os interesses do povo, porém a interpretação literal do dispositivo, dá a entender que tal inviolabilidade se mostra absoluta, o que não se pode admitir em virtude das limitações constitucionais e infraconstitucionais que devem ser observadas ao se aplicar o dispositivo analisado.
A interpretação da norma da imunidade material como absoluta daria/e dá, carta branca para a hoje costumeira prática de discursos de ódio, que constitui crime contra a dignidade e honra, rotineiramente, daqueles que fazem parte de um grupo social historicamente estigmatizado.
Deste modo, que o presente artigo foi escrito, sobre o viés da possibilidade de responsabilização criminal do Parlamentar que incorre em discurso de ódio, mesmo sendo este imune por suas opiniões proferidas.
O posicionamento se justifica pelo fato de que todo e qualquer direito pode e deve ser ponderado com bens jurídicos importantes para a manutenção da pacificação social, inclusive sendo esta a função do Direito Penal.
Em conclusão, e com base nos fundamentos legais, jurisprudenciais e doutrinários sobre o tema em análise, é que se justifica a relativização de imunidade parlamentar e responsabilização criminal deste, quando profere opiniões marcadas pelo ódio, nos termos do art; 20 da Lei n° 7.716/89.
REFERÊNCIAS
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