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Algumas considerações acerca do controle jurisdicional do mérito administrativo

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Agenda 13/09/2005 às 00:00

1 INTRODUÇÃO

            Os princípios constitucionais, sobretudo com os contornos traçados pelo pós-positivismo jurídico, representam verdadeiros refúgios à efetivação dos ideais de igualdade e justiça, arrimos sólidos e concretizadores de um substancial Estado democrático de direito. Nesta esteira, as máximas da razoabilidade e proporcionalidade (01) se consubstanciam em limites substantivos às restrições a direitos fundamentais, protegendo os cidadãos das ações inconstitucionais do Poder Público.

            A atuação estatal, além da imprescindível satisfação à finalidade legal, deve, materialmente, guardar consonância com os ditames constitucionais, não sendo bastante a conformidade à lei, mas, sobretudo, a adequação ao Direito. O parâmetro positivista da legalidade carece de um alargamento, sobretudo com a consolidação do modelo pós-positivista e a noção de juridicidade.

            Desta forma, a discricionariedade administrativa não prescinde da estreita adequação ao princípio constitucional da juridicidade, sendo que a simples adequação do ato à lei não é o bastante, já que esta é apenas uma das fontes de Direito. A atividade administrativa discricionária deve, por conseguinte, mostrar-se de acordo com o princípio da legalidade material, guardando conformidade às máximas da razoabilidade e da proporcionalidade. Se inadequado, desarrazoado ou desproporcional o ato discricionário, necessária será sua invalidação quando do controle jurisdicional.

            Neste contexto de superação das teorias positivistas e consolidação do pós-positivismo (02), pautado pela supremacia da Constituição, pela força normativa dos princípios constitucionais, a defesa da vinculatividade e eficácia dos direitos fundamentais, pretende-se discutir os contornos do mérito administrativo e o dogma de sua insindicabilidade pelo Poder Judiciário.

            As pretensões deste texto se resumem a tecer algumas considerações acerca da justiciabilidade do mérito administrativo, sob parâmetros como a razoabilidade e a proporcionalidade, substrato argumentativo capaz de sustentar a possibilidade de o Poder Judiciário romper o denso manto que protege o mérito administrativo e anular atos lesivos ou excessivamente prejudiciais aos direitos dos cidadãos.


2 O Mérito Administrativo

            O Poder Público, no cumprimento do dever-poder de fazer atuar o Estado, concretiza sua atuação por meio de atos administrativos, legislativos e jurisdicionais, conforme as funções próprias de cada poder constituído. Compete, precipuamente, ao Poder Legislativo criar as leis, ao Poder Executivo executar os mandamentos normativos, e ao Poder Judiciário julgar a legitimidade das atuações legislativa e executiva, invalidando o que for destoante do ordenamento jurídico.

            A Administração Pública, como é sabido, cumpre sua função executiva por meio de atos administrativos, numa atividade de subsunção dos fatos da vida real às previsões legais. A atuação administrava, quando vinculada, não comporta apreciação subjetiva, valoração por parte do administrador público, porquanto existe prévia descrição normativa do comportamento exigido, visando o interesse público insculpido na norma.

            Quando, por outro lado, a Administração atua no exercício de competências discricionárias, tem lugar certa margem de liberdade decisória, legalmente prevista para que seja tomada a medida que melhor satisfaça a finalidade normativa. Dentro dos limites legais, a Administração deve avaliar as circunstâncias do caso concreto e decidir pela solução que realize, na maior intensidade, a finalidade legal.

            Por vezes, entretanto, a discricionariedade administrativa, concedida pela norma à Administração Pública, quando da aplicação da lei ao caso concreto desaparece completamente, restando apenas uma única solução a ser tomada. A Administração, neste caso, fica vinculada à solução subsistente, não havendo mais que se cogitar de atividade discricionária.

            Discricionariedade administrativa (03), por conseqüência, somente subsiste quando na subsunção do fato concreto à norma, pela existência de expressões vagas e imprecisas ou mesmo por disposição expressa da norma, restar mais de uma solução legítima a ser tomada pela Administração, ambas satisfazendo plenamente a finalidade legal. Neste caso, se a decisão tomada pela Administração se encontrar dentro dos parâmetros traçados pelos princípios constitucionais, fica vedado ao Poder Judiciário anular a medida discricionariamente praticada, sob o fundamento da existência de outra medida também legítima e razoável. Do contrário, o juiz estaria fazendo às vezes de administrador.

            Quando a Administração Pública, no caso concreto, tiver de decidir acerca da conveniência ou da oportunidade da prática de determinado ato administrativo, neste juízo político do administrador, restará consubstanciado o mérito administrativo, o confim discricionário do procedimento administrativo. Deduz-se, consequentemente, que o mérito administrativo é elemento integrante de determinadas práticas discricionárias da Administração, jamais existindo na atividade administrativa vinculada.

            O entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, acerca do mérito administrativo, pode ser resumido nos seguintes termos:

            Mérito do ato é o campo de liberdade suposto na lei e que efetivamente venha a remanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, decida-se entre duas ou mais soluções admissíveis perante a situação vertente, tendo em vista o exato atendimento da finalidade legal, ante a impossibilidade de ser objetivamente identificada qual delas seria a única adequada (04).

            Antes, porém, de aprofundar o estudo tangente ao conceito e aos elementos integrantes do mérito administrativo, cabe uma breve e necessária diferenciação entre mérito administrativo e mérito processual.

            2.1 Mérito administrativo e mérito processual

            As categorias jurídicas "mérito administrativo" e "mérito processual" devem ser firmemente definidas para que não reste a menor confusão semântica entre os dois institutos, dada a natureza equívoca da expressão "mérito". O mérito processual é o cerne do litígio, a pretensão que o autor leva ao Juiz por meio do requerimento. É o conflito que se quer conhecer e resolver com a propositura da ação judicial, o conteúdo material e substancial da contenda, presente em todos os processos judiciais como uma parte constante e principal.

            O mérito processual não se confunde com as questões preliminares ou prejudiciais (05), que devem ser conhecidas antes do exame do cerne do litígio, podendo até, nos termos da legislação processual civil, decidir o processo sem a apreciação do mérito. Mérito processual, deste modo, é o âmago do conflito que se põe em Juízo.

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            No Direito Administrativo é perfeitamente possível falar em mérito no sentido processual, no que toca ao Direito Administrativo adjetivo, o processo administrativo. No caso, v. g., de um processo administrativo disciplinar, o conteúdo do processo, o pano de fundo da discussão a ser resolvida, será a demissão de um servidor. Fala-se, pois, em mérito no sentido processual.

            O mérito administrativo, de outra banda, é um elemento integrante da atividade administrativa discricionária que se configura num juízo valorativo do administrador público, acerca do caso concreto, buscando escolher a melhor solução possível à situação posta, na intenção de satisfazer a finalidade imposta pela norma. Não se encontra presente em toda a atividade administrativa, pelo contrário, é elemento integrante de parte das competências discricionárias da Administração Pública.

            Não há, pois, que confundir mérito processual com mérito administrativo. Este é a valoração da Administração Pública acerca da utilidade, da razoabilidade, do acerto e adequação de uma dada medida à solução de determinada situação concreta, enquanto aquele, personifica "a pretensão que o autor deduz em juízo através do pedido" (06).

            2.2 Conceito de mérito administrativo

            A conceituação do que se possa entender por mérito administrativo reveste a mais larga relevância, porquanto permite discriminar o cerne da discricionariedade administrativa, a situação onde o administrador, obedecendo ao ordenamento jurídico e por ele legitimado, pode, com certa margem de liberdade, decidir a extensão e a intensidade da medida a ser praticada, a fim de solucionar o caso concreto e realizar o interesse público.

            Se estabelecer um conceito de mérito administrativo já não é tarefa tranqüila, árdua, em verdade, é a sua identificação no ato administrativo. Conforme o escólio de Seabra Fagundes, em alguns casos o mérito "parecerá confundir-se com o motivo do ato; noutros com a finalidade. É que o mérito se constitui dessês imponderáveis (...), presentes no procedimento administrativo, mas insuscetíveis de determinação precisa como a que comportam os aspectos legais de tal procedimento" (07).

            Para demonstrar a dificuldade da identificação do mérito administrativo, Seabra Fagundes toma como exemplo um ato de demissão de servidor público, mediante processo administrativo disciplinar. Os fatos apurados e as provas coligidas no inquérito, bem como tudo o que sirva de fundamento à decisão da autoridade administrativa, constituem a apuração do motivo do ato de demissão, e não como possa parecer a alguns, no mérito ou merecimento do ato. O conteúdo do inquérito diz respeito apenas ao motivo do ato, envolvendo matéria de legalidade e não de mérito. Do contrário, segundo o autor, ficaria vedado o controle jurisdicional da legalidade e legitimidade da demissão (08).

            O mérito, fator não essencial na integração do ato administrativo que, por vezes, relaciona-se com o motivo e o conteúdo do ato administrativo, é a margem de atuação do administrador público, no exercício de competências discricionárias, onde resta facultada a valoração subjetiva acerca da utilidade e da necessidade do ato a ser praticado. Trata-se de uma esfera de apreciação onde o administrador decide a conveniência e a oportunidade da medida administrativa à satisfação da finalidade prevista no mandamento normativo.

            Quando se afirma que o mérito administrativo, em certas circunstâncias, relaciona-se com o motivo e o conteúdo do ato administrativo, não se está referindo à existência de confusão conceitual entre os elementos do ato administrativo, mas sim, estreito relacionamento quando da apreciação do caso concreto. Pode-se dizer, com mais acerto, que o mérito, por vezes, relaciona-se com a própria causa do ato administrativo.

            A causa do ato administrativo se configura em uma relação de adequação entre o pressuposto de fato do ato (motivo) e o seu conteúdo, a correlação lógica entre o motivo do ato, sua razão (por quê?), e o seu conteúdo (o quê?), a fim de cumprir a finalidade prevista pela norma. O ato que demite servidor público (conteúdo) por improbidade administrativa (motivo), destarte, se mostra adequado e proporcional, pois que a finalidade da medida é preservar a moralidade administrativa. Acontece que, na análise do caso concreto, os elementos do ato administrativo podem não aparecer bem nítidos e separados, ocasionando possíveis confusões.

            Interessante é o entendimento de Seabra Fagundes acerca de mérito administrativo, como se infere do seguinte:

            O mérito se relaciona com a intimidade do ato administrativo, concernente ao seu valor intrínseco, à sua valorização sob critérios comparativos. Ao ângulo do merecimento, não se diz se o ato é ilegal ou legal, senão que é ou não o que devia ser, que é bom ou mau, que é pior ou melhor do que outro. E por isso é que os administrativistas o conceituam, uniformemente, como o aspecto do ato administrativo relativo à conveniência, à oportunidade, à utilidade intrínseca do ato, à sua justiça, à fidelidade aos princípios de boa gestão, à obtenção dos desígnios genéricos e específicos, inspiradores da atividade estatal (09).

            O vício de mérito do ato administrativo, conforme sustenta Manuel Maria Diez, "implica la inoportunidad o inconveniencia del acto, derivada de la apreciación errónea de los hechos en relación com los fines que la ley se propone. En estos supuestos el acto no resulta idóneo para el cumplimiento de los fines perseguidos por el legislador, sin que pueda considerarse que és contrario a éstos" (10).

            Necessária a fixação do que se pode entender, em Direito Administrativo, por conveniência e oportunidade, buscando certa determinação ao alcance do mérito administrativo, imprescindível ao estudo de seu controle.

            2.3 Conveniência e oportunidade da atividade discricionária

            A conceituação e a definição do alcance do mérito administrativo é matéria um tanto complexa e controvertida. Contudo, a quase unanimidade dos autores, quando da especificação dos elementos formadores do mérito, referem-se à sintética expressão do binômio conveniência-oportunidade (11). O administrador, na apreciação do caso concreto, por meio de valoração subjetiva sobre determinados fatos, decide pela conveniência e oportunidade na prática de uma dada medida, de um ou de outro modo, ou, em inúmeros casos, pela prudência em não praticar medida alguma.

            O mérito administrativo, para usar novamente o escólio de Seabra Fagundes, "está no sentido político do ato administrativo. É o sentido dele em função das normas da boa administração. (…) Compreende os aspectos, nem sempre de fácil percepção, atinentes ao acerto, à justiça, utilidade, equidade, razoabilidade, moralidade etc. de cada procedimento administrativo" (12).

            O administrador, antes de decidir por editar o ato administrativo, ou abster-se de sua prática, deve refletir satisfatoriamente acerca da conveniência e oportunidade da atividade administrativa, ponderando sobre uma infinidade de aspectos que possam influenciar no acerto ou desacerto da medida eleita. O julgamento do que se pode entender por conveniente e oportuno, no mundo do ser, com certeza não reflete uma uniformidade plena, dada a indeterminação e vagueza do significado destas expressões.

            Conveniente é aquilo que é adequado, apropriado ao objeto que se destinou. A medida administrativa editada será conveniente se for apta a cumprir o objetivo previsto, se for proporcional e útil, ajustada ao interesse público. "Conveniência diz respeito a fatos, lugares, acontecimentos, situações, razoabilidade, utilidade, moralidade, economia" (13).

            A oportunidade se refere à adaptação da medida ao cumprimento dos fins pretendidos pelo mandamento normativo que o ato administrativo busca satisfazer. Oportuno é o que se pratica em tempo hábil, em boa hora. O critério de oportunidade guarda afetação às circunstâncias de tempo e ambiente, sendo, portanto, variável de um indivíduo a outro, em diferentes lugares e momentos históricos.

            O mérito administrativo, no entendimento de Manuel Maria Diez, é a exteriorização do princípio da oportunidade, podendo ser entendido como regra que obriga o administrador a atuar, sempre e necessariamente, para o cumprimento de certos fins. Apresenta-se como medida de proporção entre o conteúdo do ato e o resultado que se quer obter. O princípio da oportunidade, para o autor argentino, está relacionado com a observância das chamadas normas de boa administração (14).

            As normas de boa administração, como as regras técnicas, não são jurídicas, entretanto, enquanto estas são conhecidas pelo caráter de precisão, certeza e objetividade, as normas de boa administração são consideradas elásticas, ligadas à avaliação subjetiva do administrador, razão que as distingue das regras técnicas.

            Por outro lado, ainda que entendidas como regras de conduta elásticas, os mandamentos de boa administração pressupõem aquela atividade cujo exercício busca realizar o que seja mais conveniente à satisfação do interesse público. Conforme ressalta Manuel Maria Diez:

            Cuando se habla de buena administración no debe referírsela a un criterio medio, sino que se debe perseguir el fin que forma el objeto de la función realizándolo de la mejor manera possible. La actividad debe desarrollarse en la forma más adecuada y oportuna para la obtención del fin perseguido a través de la elección de los medios que resulten más idóneos (15).

            Interessante é a relação entre os mandamentos de eqüidade e oportunidade, no estudo dos elementos do mérito administrativo. A oportunidade tem visível caráter econômico, estabelecendo quais as medidas mais adequadas para realizar uma boa administração, ao passo que a eqüidade possui acentuado conteúdo jurídico, relacionando-se à observância de um determinado comportamento em relação a outros sujeitos de direito. "El principio de la equidad importa una relación entre administración y administrados y en función de estos sujetos adecua la acción administrativa. El principio de la oportunidad se desarrolla en el ámbito de la misma administración" (16).

            Tanto a oportunidade como a eqüidade são mandamentos que devem inspirar a autoridade administrativa na obtenção dos meios mais idôneos à solução da situação prevista pela norma, na decisão pelo ato que melhor respeite os interesses da Administração e dos administrados. Se o ato não for oportuno e eqüitativo, a discricionariedade administrativa restará viciada em suas questões de mérito.

            2.4 Mérito e legalidade

            No entendimento de uma corrente doutrinária, os conceitos de mérito e legalidade se repelem, enquanto para outros autores, há questões de mérito que excedem os limites da legalidade, ao passo que há questões meritórias abrangidas pelo conceito de legalidade. Apenas "determinados aspectos do merecimento (e não todos) é que são exorbitantes da noção de legalidade" (17).

            A discussão acerca da relação entre questões de mérito e de legalidade não é de interesse meramente teórico, guardando profunda repercussão prática quando da análise da justiciabilidade da atividade administrativa. Como dito anteriormente, a maioria dos autores nacionais, seguindo o entendimento estrangeiro, afirma que as questões de mérito não podem ser examinadas pelo Poder Judiciário, pois que é vedado ao juiz controlar o mérito administrativo.

            Entendendo-se, todavia, que existem questões de mérito insertas no conceito de legalidade, e que somente em determinadas situações o mérito foge à órbita da legalidade, parece forçoso inferir que somente quando, no caso concreto, o administrador puder decidir entre duas ou mais medidas, todas convenientes, oportunas, razoáveis, justas, e capazes de alcançar, na mesma intensidade, o resultado pretendido, com o mínimo de sacrifício aos direitos subjetivos dos cidadãos, fica vedado ao Poder Judiciário anular a medida escolhida, sob o fundamento de que outra medida alcançaria melhor resultado.

            Conforme os ensinamentos de Renato Alessi, o conceito de mérito pode ser considerado tanto sob o aspecto meramente negativo, como limite ao conhecimento jurisdicional de mera legalidade, como sob o aspecto positivo, indicando o pleno e perfeito ajustamento da medida à norma jurídica, sua interação com o interesse público, segundo um critério de efetiva oportunidade e conveniência. E arremata o autor italiano:

            Sob o primeiro aspecto, o conceito de mérito se põe em antítese com o de legitimidade em sentido estrito – adquirindo um e outro um valor meramente processual – enquanto sob o aspecto positivo o conceito de mérito está compreendido no conceito de legalidade – ou legitimidade em sentido lato – da medida, adquirindo, ambos, valor substancial relativo à adequação efetiva, plena e perfeita à norma jurídica (18).

            Parece necessário, ainda que brevemente, traçar os pontos distintivos entre os conceitos de legalidade e legitimidade da atuação administrativa. A legalidade da atividade administrativa se refere ao cumprimento das disposições já abstratamente previstas pelo ordenamento normativo, o conhecido "agir conforme a lei". Por outro lado, a legitimidade da atuação do Poder Público guarda relação com os parâmetros de racionalidade, oportunidade e razoabilidade do agir administrativo na consecução do interesse público, aforando principalmente quando a Administração atua no exercício de competências discricionárias (19).

            O certo é que tanto sob o prisma da legalidade, quanto sob o aspecto da legitimidade, a atividade administrativa se mostra passível de controle jurisdicional. A atuação discricionária do Poder Público somente pode atender ao interesse da sociedade, mostrando-se consequentemente legítima, se estiver de acordo com os parâmetros de racionalidade e razoabilidade. A noção de legitimidade da atividade administrativa, portanto, demonstra significar uma realidade mais ampla que a idéia de legalidade, envolvendo-a e se espraiando sobre os campos da discricionariedade administrativa, da atuação político-administrativa.

            Neste contexto, mérito e legalidade, ao contrário do entendimento de alguns autores, não são conceitos que se repelem, fazendo parte de um conceito mais amplo, a noção de "legitimidade lato senso". Enquanto em um sentido estrito, legalidade e legitimidade se relacionam e se eqüivalem, referindo-se à noção de lei, de atuação conforme à lei, em um contorno mais abrangente, legitimidade quer se referir não apenas à noção de lei, mas à noção de Direito, de juridicidade, que transcende aos meros confins limitados da legalidade. Neste sentido, pode-se falar, positiva e substancialmente, em vício de mérito e vício de legalidade dos atos administrativos. Se a medida administrativa escolhida for desarrazoada, inconveniente e inoportuna, restará viciada por aspectos de mérito.

            Bastante oportuno é o entendimento de Guido Zanobini acerca do controle jurisdicional da discricionariedade administrativa, sob os diferentes prismas da legalidade e do mérito administrativo. Quando o juiz examina o ato discricionário com os olhos da legalidade, segundo o administrativista italiano, decide uma controvérsia jurídica, confrontando a medida praticada com as leis e os regulamentos que a elas se referem. De outra forma, o juiz investido de uma competência de mérito não conhece tão-somente uma contenda jurídica, mas, sobretudo, uma controvérsia de boa administração. Quando conhece o mérito administrativo, o juiz "deve examinar se a autoridade, mesmo mantendo-se dentro dos limites da lei, agiu útil e convenientemente, de modo mais útil ao interesse público e menos gravoso para os interesses privados dos particulares" (20).

            Em seguida será abordado o controle jurisdicional do mérito administrativo, tema bastante discutido no meio jurídico. Pretende-se, além de defender a legitimidade da justiciabilidade do mérito administrativo, contribuir para a superação do dogma da insindicabilidade do mérito administrativo, circunscrevendo-o em seus devidos contornos.

Sobre o autor
José Sérgio da Silva Cristóvam

Professor Adjunto de Direito Administrativo (Graduação, Mestrado e Doutorado) da UFSC. Subcoordenador do PPGD/UFSC. Doutor em Direito Administrativo pela UFSC (2014), com estágio de Doutoramento Sanduíche junto à Universidade de Lisboa – Portugal (2012). Mestre em Direito Constitucional pela UFSC (2005). Membro fundador e Presidente do Instituto Catarinense de Direito Público (ICDP). Membro fundador e Diretor Acadêmico do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina (IDASC). ex-Conselheiro Federal da OAB/SC. Presidente da Comissão Especial de Direito Administrativo da OAB Nacional. Membro da Rede de Pesquisa em Direito Administrativo Social (REDAS). Coordenador do Grupo de Estudos em Direito Público do CCJ/UFSC (GEDIP/CCJ/UFSC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRISTÓVAM, José Sérgio Silva. Algumas considerações acerca do controle jurisdicional do mérito administrativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 802, 13 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7258. Acesso em: 15 nov. 2024.

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