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Legítima defesa: excesso e ofendículos

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Agenda 28/03/2019 às 15:19

 “O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer”.(Albert Einstein)

Resumo: A pesquisa tem por finalidade de estudo o instituto jurídico da excludente de ilicitude da legítima defesa, conceitos, definições e requisitos de configuração e sua importância no meio legal, bem como os casos e tipos de excesso na legítima defesa e os ofendículos. A legítima defesa é a excludente de ilicitude mais antiga e mais conhecida; cuja definição é dada pela própria lei que estabelece encontrar-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. A excludente de ilicitude tem o condão de alijar o elemento ilicitude da conduta típica, não permitindo a formação da estrutura analítica do crime, por conseguinte, afastando as consequências que devam pesar sobre o agente, isentando de pena ou diminuindo, conforme o caso em concreto. Estuda-se o cabimento da justificativa da excludente diante dos requisitos objetivos e subjetivos e preceitos legais estabelecidos em lei, bem como o excesso e seus tipos. Explica-se os ofendículos e sua importância para a sociedade atual, elencando os entendimentos doutrinários existentes.

Palavras-chave: Legítima defesa, antijuridicidade, excesso, ofendículos.

Sumário: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO I – CONCEITO, FUNDAMENTO E NATUREZA JURÍDICA DA LEGÍTIMA DEFESA. 1.1 Conceito. 1.2    Fundamento e natureza jurídica. 1.3 Requisitos. 1.3.1 Agressão injusta atual ou iminente. 1.3.2 Direito próprio ou alheio. 1.3.3 Meios necessários, usados moderadamente (Proporcionalidade). 1.3.4 Elemento subjetivo “animus defendendi”. CAPÍTULO Il – MODALIDADES DE LEGÍTIMA DEFESA.2.1 Legítima defesa real, própria ou autêntica. 2.2 Legítima defesa putativa (imaginária). 2.3 Legítima defesa sucessiva. 2.4 Legítima defesa recíproca.2.5    Legítima defesa da honra. 2.6 Legítima defesa e aberratio ictus (erro na execução). CAPÍTULO Ill – EXCESSO E OFENDÍCULOS. 3.1    Conceito de excesso. 3.2 Os tipos de excesso..3.2.1 Excesso doloso.3.2.2 Excesso culposo. 3.2.3 Excesso intensivo. 3.2.4 Excesso extensivo. 3.3  Ofendículos. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS .


INTRODUÇÃO

É grande, atualmente, a preocupação no mundo jurídico quanto à ineficiência do Estado em relação a criminalidade, que está cada vez maior e ocorrendo com mais violência contra o cidadão de bem. É também indiscutível que nem sempre se pode aguardar o socorro do poder público, nem sempre presente ou imediato, para afastar uma injusta agressão ao bem jurídico tutelado desse cidadão.

O assunto, não tão recente, ainda tem sido motivo de estudos doutrinários por se fazer presente nos tribunais pátrios em razão das condutas de indivíduos que se veem em vias de ter sua integridade ferida pela onda crescente da criminalidade.

Por isso esse trabalho se propõe a compreender o instituto da legítima defesa, resgatando seus conceitos, fundamentos, características, natureza jurídica, bem como seus requisitos e modalidades; além de eventuais divergências doutrinárias quanto a eles.

O objetivo é analisar as causas que excluem a antijuricidade do fato típico, determinando as situações possíveis de utilização da legítima defesa pela sociedade com o objetivo específico de determinar os requisitos para configuração da legítima defesa, avaliando os casos em que é possível o emprego do instituto e demostrar as hipóteses de excesso e as possibilidades dos ofendículos.

A pesquisa bibliográfica pelo método dedutivo abrangeu consultas a livros específicos da área, com autores de admirável conhecimento jurídico como Júlio Fabbrini Mirabete, Damásio Evangelista de Jesus, Magalhães Noronha, Fernando Capez, Rogério Greco, Aníbal Bruno, Guilherme de Souza Nucci, Francisco de Assis Toledo, dentre outros doutrinadores; bem como legislação e jurisprudências.

O primeiro capítulo da pesquisa define conceito, fundamento, natureza jurídica, requisitos objetivos e subjetivos da excludente de ilicitude da legítima defesa, constatando que o instinto de defesa é inerente ao ser humano, surge com ele, nasce com ele, não se tratando de um direito inventado pelos homens, mas de um direito natural que foi tutelado e regulado pela lei.

É fato indiscutível que o Estado é o único possuidor legal para o uso exclusivo da força, bem como o legítimo detentor da punição (jus puniendi); logo, não é admitido pelo ordenamento jurídico que alguém faça justiça com as próprias mãos, que aja para punir ou a outro agredir.

Porém, existem as causas excludentes de ilicitude, previstas no artigo 23 do Código Penal Brasileiro, significando que o indivíduo que encontrar-se em uma ou mais das condições ali descritas após cometer determinados atos não terá cometido crime algum, dada a exclusão da ilicitude do ato praticado. O inciso ll do artigo 23 ratifica a legítima defesa, e o artigo 25, caput, explica este instituto.

No segundo capítulo foram trazidas as modalidades do instituto adotadas pelos principais doutrinadores da matéria, com ênfase na legítima defesa real, própria ou autêntica, tendo em vista que é a hipótese que se encaixa perfeitamente nos limites legais, e na sequência se encontram seus desmembramentos específicos, estando descritas as modalidades de legítima defesa putativa, sucessiva como aquela que transforma o agressor também em agredido, recíproca, na qual existem ao mesmo tempo duas defesas legitimas reais, da honra e também a aberratio ictus, em que o agente agredido se depara com o erro na execução da defesa contra agressão injusta atual ou iminente e acaba ferindo terceiros inocentes no curso da repulsa.

As hipóteses importantes de excesso doloso e culposo na legítima defesa, previstas no artigo 23 do Código Penal; além das modalidades de excesso intensivo e extensivo foram abordados no terceiro e último capítulo, e também os ofendículos com sua definição, configuração e divergências doutrinárias acerca de sua natureza jurídica, de maneira a tornar o estudo mais completo.

Ao longo deste estudo, percebeu-se que o instituto da legítima defesa é complexo, pois para que ela seja configurada é necessária a presença dos requisitos objetivos dispostos no artigo 25 do Código Penal, bem como do requisito de ordem subjetiva, que é o conhecimento por parte do agredido da situação da injusta agressão e da necessidade da defesa, sendo essencial e indispensável.

Que são preciosos os bens jurídicos amparados pela lei que este instituto visa tutelar, amparando àqueles que efetivamente estiverem sofrendo injusta agressão ou mesmo estiverem prestes a sofrer qualquer agressão, diante do enorme risco de ter ceifada a vida, própria ou de terceiros, sua integridade física, patrimônio, dignidade sexual, liberdade, honra etc.

Pode-se concluir que ocorre o excesso na legítima defesa por parte do agente quando ele atua imoderadamente e utiliza-se de meios desproporcionais para empreender a repulsa, transformando o amparo inicial da excludente de ilicitude em conduta punível, por ter sido realizada desnecessariamente, seja de forma dolosa, culposa, extensiva ou intensiva, e fazendo o agente responder pelos resultados advindos do excesso; sem, entretanto, desamparar a legítima defesa anterior ao excesso cometido.

Em síntese, mesmo que vindo a praticar uma conduta tipificada no ordenamento jurídico penal, esta não será constituída plenamente tendo em vista, a exclusão de ilicitude da conduta quando a ação ocorre em legítima defesa ao bem jurídico agredido, devendo gerar absolvição sumária nos termos da lei processual penal.

Para concluir, a discussão quanto à natureza jurídica dos ofendículos é de mero caráter antecedente, pois os mesmos são aceitos pelo nosso ordenamento jurídico, devendo o agente tomar certas precauções e ficar atento às normas de utilização desses instrumentos, pois cabe responsabilização pelos resultados advindos.


CAPÍTULO I – CONCEITO, FUNDAMENTO E NATUREZA JURÍDICA DA LEGÍTIMA DEFESA

1.1 Conceito

A própria expressão “legítima defesa”, por sua clareza, leva a um entendimento pelo senso comum, no entanto os conceitos doutrinários são relevantes para uma compreensão mais profunda do instituto, para melhor assimilar e entender como tal conceito se configura dentro de um fato penal.

Como primordial linha de pensamento sobre o conceito jurídico de legítima defesa, explana Fernando Capez:

Causa de exclusão da ilicitude que consiste em repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, usando moderadamente dos meios necessários. Não há, aqui, uma situação de perigo pondo em conflito dois ou mais bens, na qual um deles deverá ser sacrificado. Ao contrário, ocorre um efetivo ataque ilícito contra o agente ou terceiro, legitimando a repulsa.[1]

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Contemplando a legislação vigente, tal conceito traz os requisitos específicos contidos e positivados em dispositivos do Decreto Lei n° 2.848/1940[2], o Código Penal, no artigo 23, inciso II, in verbis: “Não há crime quando o agente pratica o fato: II – em legítima defesa”; e do artigo 25, que diz: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio”.

Entre várias doutrinas podem-se encontrar diversos conceitos quase idênticos. Para Welzel a legítima defesa é “àquela requerida para repelir de si ou de outro uma agressão atual e ilegítima. Seu pensamento fundamental é que o Direito não tem por que ceder ante o injusto”.[3]

Já na visão de Rogério Greco:

Como é do conhecimento de todos, o Estado, por meio de seus representantes, não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, razão pela qual permite aos cidadãos a possibilidade de, em determinadas situações, agir em sua própria defesa.

Contudo, tal permissão não é ilimitada, pois encontra suas regras na própria lei penal. Para que se possa falar em legítima defesa, que não pode jamais ser confundida com vingança privada, é preciso que o agente se veja diante de uma situação de total impossibilidade de recorrer ao Estado, responsável constitucionalmente por nossa segurança pública, e, só assim, uma vez presentes os requisitos legais de ordem objetiva e subjetiva, agir em sua defesa ou na defesa de terceiros.[4]

Francisco de Assis Toledo apresenta um conceito interessante a respeito da legítima defesa:

O reconhecimento da faculdade de autodefesa contra agressões injustas não constitui uma delegação estatal, como já se pensou, mas a legitimação pela ordem jurídica de uma situação de fato na qual o direito se impôs diante do ilícito. Significativo, pois, é que, no direito alemão, o instituto tenha o nome de defesa necessária. (Notwehr). Segundo Dreher e trondle, “a defesa necessária (legítima defesa) é uma causa de justificação que se baseia no princípio de que o direito não precisa retroceder diante do injusto.” pelo que “. a defesa vale, pois, não só para o bem jurídico ameaçado mas também, simultaneamente, para a afirmação da ordem jurídica”[5]

É oportuno expressar um conceito esclarecedor e muito dinâmico de Guilherme de Souza Nucci:

É a defesa necessária empreendida contra agressão injusta, atual ou iminente, contra direito próprio ou de terceiros, usando, para tanto, moderadamente, os meios necessários. Trata-se do mais tradicional exemplo de justificação para a prática de fatos típicos. Por isso, sempre foi acolhida, ao longo dos tempos, em inúmeros ordenamentos jurídicos, desde o direito romano, passando pelo direito canônico, até chegar à legislação moderna.[6]

Portanto, a legítima defesa consiste em repelir injusta agressão, sendo atual ou iminente a direito próprio ou alheio, usando meios necessários moderados.

1.2 Fundamento e Natureza Jurídica

Como o Estado não tem como cumprir totalmente seu papel de precursor da segurança e usar de seu poder para cessar uma ação criminosa contra a sociedade de bem, uma vez que não tem condições para estar no lugar dos atos delituosos no exato momento em que são praticados, para suprir sua omissão surgiu o instituto da legítima defesa, uma hipótese em que se dá ao cidadão a possibilidade de repelir uma agressão injusta de maneira legal, sem se tornar punível; ilustrando um trecho de Nucci: “Valendo-se da legítima defesa, o indivíduo consegue repelir agressões indevidas a direito seu ou de outrem, substituindo a atuação da sociedade ou do Estado”.[7]

Assim, a legítima defesa é fundada no direito de uma pessoa se defender de maneira lícita; pois, ainda conforme Nucci, “A ordem jurídica precisa ser mantida, cabendo ao particular assegurá-la de modo eficiente e dinâmico”.[8]

Baseando-se no que diz o doutrinador Fernando Capez, “O Estado não tem condições de oferecer proteção aos cidadãos em todos os lugares e momentos, logo, permite que se defendam quando não houver outro meio”. Citando também a importância da legitima defesa: “Natureza Jurídica: Causa de Exclusão da ilicitude”.[9]

E também Rogério Greco:

Como é do conhecimento de todos, o Estado, por meio de seus representantes, não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, razão pela qual permite aos cidadãos a possibilidade de, em determinadas situações, agir em sua própria defesa.[10]

Dessa forma, a legítima defesa estabelecida em lei, como o próprio nome diz, é um instituto que legalizou a defesa pessoal, contra uma agressão atual ou iminente que seja extremamente injusta e que cuja conduta do agressor esteja tipificada em norma penal; bem como a conduta contrária do agredido, ou seja, da vítima que comete ato típico para repelir a injusta agressão suprindo a omissão do Estado em uma hora de enorme necessidade, sendo indiscutível a defesa do agredido que não poderia esperar até que a segurança pública pudesse socorrê-lo.

Contempla a mesma linha o pensamento de Damásio E. de Jesus:

Entendemos que a legítima defesa constitui em direito e causa de exclusão da antijuridicidade. Não é certo afirmar que exclui a culpabilidade. Como dizia Bettiol, afirma que constitui uma causa de isenção de culpabilidade supõe desconhecer o que há de mais característico na luta em que se vê o bem injustamente agredido. Não pode ser considerada ilícita a afirmação do próprio direito contra a agressão que é contrária às exigências do ordenamento jurídico. É uma causa de justificação porque não atua contra o direito quem comete a reação para proteger um direito próprio ou alheio ao qual o Estado, em face das circunstâncias, não pode oferecer a tutela mínima.[11]

Damásio E. de Jesus também explica que:

Só o Estado tem o direito de castigar o autor de um delito. Nem sempre, porém, o Estado se encontra em condições de intervir direta ou indiretamente para resolver problemas que se apresentam na vida cotidiana. Se não permitisse a quem se vê injustamente agredido em determinado bem reagir contra o perigo de lesão, em vez de aguardar a providência da autoridade pública, estaria sancionando a obrigação de o sujeito sofrer passivamente a agressão e legitimando a injustiça.[12]

No Direito existem várias teorias e pensamentos expressos de distintas maneiras. Mas nos estudos de renomados doutores e vasta gama de autores sobre o tema, salvo algumas minúcias, o sentido é o mesmo, formando as teorias que temos hoje em dia na órbita jurídica. Como norte de qualquer estudo, o doutrinador Júlio Fabbrini Mirabete divide o fundamento da legítima defesa em dois grupos de teorias, o das subjetivas e o das objetivas, conforme:

As teorias subjetivas, que a consideram como causas excludentes de culpabilidade, fundam-se na perturbação de ânimo da pessoa agredida ou nos motivos determinantes do agente, que conferem licitude ao ato de quem se defende etc. As teorias objetivas, que consideram a legítima defesa como causas excludentes da antijuridicidade, fundamentam-se na existência de um direito primário do homem de defender-se, na retomada pelo homem na faculdade de defesa que cedeu ao Estado, na delegação de defesa pelo Estado, na colisão de bens em que o mais valioso deve sobreviver na autorização para ressalvar o interesse do agredido, no respeito à ordem jurídica, indispensável à convivência ou na ausência de injuridicidade da ação agressiva. É indiscutível que mais acertadas são as teorias objetivas, cada uma delas ressaltando uma das características do fenômeno jurídico em estudo.[13]

Por fim, a natureza jurídica resume-se em uma causa de exclusão da ilicitude.

1.3 Requisitos

É importante elencar que na regra existente no Código Penal Brasileiro exige-se a presença obrigatória dos requisitos para a configuração da legítima defesa entre as demais causas de justificação tendo em vista, a consequência de ser considerada uma excludente de ilicitude; e também do estudo do caso concreto para chegar a uma conclusão exata e benéfica também para o agredido.

A legítima defesa é a causa de justificação mais antiga para a excludente que transforma uma ação típica em lícita.[14] Ou seja, aquele que vem a ser agredido, agindo corretamente dentro dos requisitos necessários da legitima defesa, estará amparado pela normal legal. Sobre os requisitos necessários pronuncia-se Cezar Roberto Bitencourt:

A legítima defesa, nos termos em que é proposta pelo nosso código Penal, exige a presença simultânea dos seguintes requisitos: agressão injusta, atual ou iminente; direito próprio ou alheio; meios necessários usados moderadamente; elemento subjetivo; animus defendendi. Este último é um requisito subjetivo; os demais são objetivos.[15]

1.3.1 Agressão injusta atual ou iminente

Agressão é tudo aquilo que lesione ou tente lesionar o indivíduo; mas para que enseje a legítima defesa é necessário que seja injusta e humana e que o agredido não tenha provocado ou dado motivo para ser agredido, caso contrário não há que se falar em legítima defesa. Além disso, a agressão pode ser atual, ou seja, que esteja acontecendo no momento; ou já presumida ou iminente, significando que está para acontecer e, nesse caso, que se está presumindo a injustiça da agressão.

A agressão é o primeiro requisito e de muita relevância para a configuração da excludente assim conceituada por Fernando Capez:

É toda conduta humana que ataca um bem jurídico. Só as pessoas humanas, portanto, praticam agressões. Ataque de animal não a configura, logo, não autoriza a legítima defesa. No caso, se a pessoa se defende do animal, está em estado de necessidade. Convém notar, contudo, que, se uma pessoa açula um animal para que ele avance em outra, nesse caso existe agressão autorizadora da legítima defesa, pois o irracional está sendo utilizado como instrumento do crime (poderia usar uma arma branca, uma arma de fogo, mas preferiu servir-se do animal).[16]

E, também conceituando-a de forma clara, Cezar Roberto Bitencourt:

Define-se a agressão como a conduta humana que lesa ou põe em perigo um bem ou interesse juridicamente tutelado. É irrelevante que a agressão não constitua um ilícito penal. A agressão, porém, não pode confundir-se com provocação do agente, devendo-se considerar a sua intensidade para valorá-la adequadamente.[17]

Conforme o explanado, se entende por agressão tudo que vem de pessoas humanas, bem como àquela que vem de um mandado, ou seja, daquele humano que “atiça” seu cão de guarda para atacar e que responderá por qualquer lesão que ele vier a causar. Se o ataque do animal ocorrer sem ordem de humano não se configura legítima defesa, mas sim o estado de necessidade, outra excludente de ilicitude que pode ser alegada pelo agredido ou o atacado pelo animal que vier a repelir o ataque sacrificando a vida do animal, ficando isento de pena.

É provável que a agressão vinda de provocação não constitua a excludente, podendo configurar, contudo, a modalidade de legítima defesa recíproca, vinda de legítima defesa contra legítima defesa a exemplo do duelo, um ato em que não há o requisito de injusta agressão.

Decerto existem variações de agressão, igualmente das definições de vários autores à agressão atual, como vislumbrado no que Fernando Capez exterioriza:

É a que está ocorrendo, ou seja, o efetivo ataque já em curso no momento da reação defensiva. No crime permanente, a defesa é possível a qualquer momento, uma vez que a conduta se protrai no tempo, renovando-se a todo instante a sua atualidade. Exemplo: defende-se legitimamente a vítima de sequestro, embora já esteja privada da liberdade há algum tempo, pois existe agressão enquanto durar essa situação. Para ser admitida, a repulsa deve ser imediata, isto é, logo após ou durante a agressão atual.[18]

E também em relação à agressão iminente:

É a que está prestes a ocorrer. Neste caso, a lesão ainda não começou a ser produzida, mas deve iniciar a qualquer momento. Admite-se a repulsa desde logo, pois ninguém está obrigado a esperar até que seja atingido por um golpe (Nemo expectare tenetur donec percutietur).[19]

Para buscar melhor entender, destaca-se Cezar Roberto Bitencourt:

Além de injusta a agressão deve ser atual ou iminente. Atual é a agressão que está acontecendo, isto é, que ainda não foi concluída; iminente é a que está prestes a acontecer, que não admite nenhuma demora para a repulsa. Agressão iminente não se confunde com agressão futura. A reação do agredido para caracterizar a legítima defesa deve ser sempre preventiva: deve impedir o início da ofensa ou sua continuidade, desde que esta, se não for interrompida, produziu dano maior.[20]

Ademais a agressão deve ser repelida de imediato, pois se a repulsa não ocorrer no instante não se deve falar de defesa legitima, conforme trazido plausivelmente por Cezar Roberto Bitencourt:

A reação deve ser imediata à agressão, pois a demora na repulsa descaracteriza o instituto da legítima defesa. Se passou o perigo, deixou de existir, não se pode mais fundamentar a defesa legítima, que se justificaria para eliminá-lo. Como afirmava Bettiol, a legítima defesa “deve exteriorizar-se antes que a lesão ao bem tenha sido produzida”. A ação exercida após cessado o perigo caracteriza vingança, que é penalmente reprimida. Igual sorte tem o perigo futuro, que possibilita a utilização de outros meios, inclusive a busca de socorro da autoridade pública.[21]

Para Francisco de Assis Toledo, desde os primórdios do direito romano, a legítima defesa era tida como uma reação defensiva (vim vi repellere licet), a repulsa à agressão atual ou iminente e injusta. Também o direito canônico a admitia somente quando exercida nos limites da necessidade e dentro de certa proporcionalidade (cum moderamine inculpatae tutelae). E até hoje se admite, desde que mantida a devida moderação (debitum servans moderamen). Esses princípios que vieram no decorrer dos séculos formaram um dos institutos mais bem elaborados da ciência penal.[22]

1.3.2 Direito Próprio ou Alheio

É oportuno dizer que nos dias atuais o mundo vive uma realidade de violência que se alastrou e pode-se afirmar que a legítima defesa contribui como um importante instituto; logo, se faz importante o conhecimento jurídico relacionado por parte de todos os cidadãos, para que se tornem conhecedores de seus direitos protegidos pela Constituição Federal e positivados em lei. E o direito à vida e liberdade logo vem à mente quando se fala necessidade de agir em legítima defesa.

Este instituto serve para proteger qualquer bem jurídico tutelado pelo ordenamento jurídico e para repelir injusta agressão, não havendo relevância na diferença entre bens pessoais e impessoais.[23] Por outro lado, a legítima defesa pode ser classificada como própria, quando o repelente da agressão é o próprio titular do bem jurídico ameaçado ou atacado; ou de terceiros, quando o objetivo é proteger direito de outrem.

Entretanto, Cezar Roberto Bitencourt, alerta sobre a defesa de direito de terceiro:

No entanto, na defesa de direito alheio, deve-se observar a natureza do direito defendido. Como adverte Assis Toledo, quando se tratar “de direitos disponíveis e de agente capaz, a defesa por terceiro não pode fazer-se sem a concordância do titular desses direitos, obviamente.”[24]

Há uma semelhança ao estado de necessidade que consiste em somente poder invocar a legítima defesa aquele que estiver defendendo absolutamente bem ou interesse tipificado e protegido. Então não há de se falar em legitima defesa se a repulsa à agressão ocorrer para proteger um direito ou um bem que não tenha proteção tutelada juridicamente; um exemplo concreto de fácil compreensão é a proteção de uma substância entorpecente que alguém mantém em seu poder. Logo, não existe a possibilidade de invocar legítima defesa no caso do exemplo anterior, tendo em vista que portar substância entorpecente é crime de acordo com a Lei de Drogas, nº 11.343/06, e do porte ter sido o motivo de haver uma agressão.[25]

Contudo, decerto que a defesa a um direito de terceiros é um dos extraordinários requisitos, que permite nada mais do que o ser humano defender seu próximo, com base no que diz Guilherme de Souza Nucci:

Permitir que o agente defenda terceiros que nem mesmo conhece é uma das hipóteses em que o direito admite e incentiva a solidariedade. Admite-se a defesa, como está expresso em lei, de direito próprio ou de terceiros, podendo o terceiro ser pessoa física ou jurídica, inclusive porque esta última não tem condições de agir sozinha.[26]

Julio Fabbrini Mirabete diz que na defesa a direito de terceiro só será admitida a defesa de bens indisponíveis quando o titular consente na agressão, mas não quando há agressão consentida e a bens disponíveis, e também exterioriza:

A legítima defesa de terceiro inclui a dos bens particulares e também o interesse da coletividade (como na hipótese da pratica de atos obscenos em lugar público, da perturbação de uma cerimônia fúnebre etc.), bem como do próprio Estado, preservando-se sua integridade, a administração da justiça, o prestígio de seus funcionários etc.[27]

A legítima defesa é um tema amplo e complexo; pois com o conceito analítico de crime dominante e adotado pelo Brasil existem várias condutas típicas que são ilícitas, nas quais pode-se chegar a uma isenção de pena, tendo em vista que praticadas para amparar direito próprio ou alheio, como no exemplo de um sujeito que mata alguém para proteger o direito de outra pessoa que nunca vira antes; e, mesmo tendo praticado uma conduta proibida pelo Código Penal, o ordenamento pátrio permite pensar que praticou uma ação heroica.[28]

1.3.3 Meios necessários, usados moderadamente (proporcionalidade)

O princípio da proporcionalidade consiste em o agredido poder usar qualquer meio disponível para repelir injusta agressão vinda em seu desfavor, desde que necessário e até que cesse agressão. Este princípio está atrelado ao da razoabilidade ensina Rogério Greco:

Os princípios reitores, destinados à aferição da necessidade dos meios empregados pelo agente, são o da proporcionalidade e o da razoabilidade. A reação deve ser proporcional ao ataque, bem como deve ser razoável. Caso contrário, devemos descartar a necessidade do meio utilizado e, como consequência lógica, afastar a causa de exclusão da ilicitude.[29]

É preciso insistir também no fato de que o agente poderá utilizar meios que tenha no momento, entretanto poderá ser punido se incorrer em algum excesso, ou seja, ele terá que ter a consciência de escolher o meio a ser empregado e que seja eficaz e proporcional, segundo Guilherme de Souza Nucci:

A lei não a exige (art. 25, CP), mas a doutrina e a jurisprudência brasileira posicionam-se no sentido de ser necessária a proporcionalidade (critério adotado no estado de necessidade) também na legítima defesa. Por tal razão, se o agente defender bem de menor valor fazendo parecer bem de valor muito superior, deve responder por excesso. É o caso de se defender a propriedade à custa da vida. Àquele que mata o ladrão que, sem emprego de grave ameaça ou violência, levava seus pertences, fatalmente não poderá alegar legítima defesa, pois terá havido excesso, doloso ou culposo, conforme o caso.[30]

Nas lições do mesmo autor:

A escolha do meio defensivo e o seu uso importarão na eleição daquilo que constitua a menor carga ofensiva possível, pois a legítima defesa foi criada para legalizar a defesa de um direito e não para a punição do agressor.[31]

Rogério Greco explica que “Meios necessários são todos aqueles eficazes e suficientes à repulsa da agressão que está sendo praticada ou que está prestes a acontecer”.[32]

Este requisito é muito importante, haja vista que a lei diz claramente que os meios necessários devem ser usados moderadamente, ou seja, não pode haver nenhum excesso no uso dos meios, mas apenas o uso necessário para repelir a injusta agressão e configurar a legítima defesa.

Com essa mesma linha de pensamento, Julio Fabbrini Mirabete:

Na reação, deve o agente utilizar moderadamente os meios necessários para repelir a agressão atual ou iminente e injusta. Tem-se entendido que meios necessários são os que causam o menor dano indisponível à defesa do direito, já que, em princípio, a necessidade se determina de acordo com a força real da agressão. É evidente, porém, que “meios necessários” é àquele de que o agente dispõe no momento em que rechaça a agressão, podendo ser até mesmo desproporcional com o utilizado no ataque, desde que seja o único à sua disposição no momento.[33]

De acordo com Rogério Greco:

Com a devida vênia daqueles que adotam este último posicionamento, entendemos que para que se possa falar em meio necessário é preciso que haja proporcionalidade entre o bem que se quer proteger e a repulsa contra o agressor.[34]

Pode-se observar que os meios podem ser qualquer um, tanto proporcional ao do ataque quanto desproporcional, desde que seja realmente, e apenas, para cessar a agressão, significando que o sujeito tem que ser moderado ao repelir a agressão, não podendo agir com excesso ou com raiva contra o agressor, sob pena de configuração da modalidade de legítima defesa sucessiva, aquela que se sucede da legítima defesa própria do agredido e passa a ser defesa legítima do agressor.[35]

1.3.4 Elemento subjetivo: “animus defendendi”

Animus defendendi é o próprio ânimo do agente para se defender, ou seja, a vontade de quem defende de agressão um bem juridicamente tutelado; ao contrário do agressor, que tem a vontade subjetiva de agredir, de lesionar alguém, chamada de animus necandi. Para que se configure a legítima defesa é necessário haver os dois elementos; entretanto, este trabalho vai se deter na indispensável vontade subjetiva de se defender; pois, conforme os ensinamentos de Julio Fabbrini Mirabete:

Como em todas as justificativas, o elemento subjetivo, ou seja, o conhecimento de que está sendo agredido, é indispensável. Como já se observou, não se tem em vista apenas o fato objetivo nas justificativas, não ocorrendo a excludente quando o agente supõe estar praticando ato ilícito. Inexistirá a legítima defesa quando, por exemplo, o sujeito atirar em um ladrão que esta à porta de sua casa, supondo tratar-se do agente policial que vai cumprir o mandado de prisão expedido contra o autor do disparo.[36]

Como no estado de necessidade, exige-se o elemento intencional que, na legítima defesa, se dá como a vontade de defender-se. Assim, a legítima defesa somente pode ocorrer como reação a uma ação de agressão humana, podendo se estender ao ataque de animal determinado por um ser humano que o manobra como uma arma. Ela não será possível em relação a um ataque de animal que independa de volição humana para ocorrer.

A visão de Francisco de Assis Toledo concatena os elementos objetivo e subjetivo, nos seguintes termos:

Assim como no estado de necessidade e nas demais causas de justificação, exige-se o elemento intencional que, na legítima defesa, se traduz no propósito de defender-se. A ação defensiva – já o dissemos – não é um fenômeno cego do mundo físico, mas uma verdadeira ação humana. E como tal só se distingue da ação criminosa pelo significado positivo que lhe atribui a ordem jurídica. Em uma, isto é, na ação criminosa, dá-se o desvalor da ação; em outra, na ação defensiva, reconhece-se a existência de um intenso conteúdo valioso. Em ambas, porém, a orientação de ânimo, a intencionalidade do agente, é elemento decisivo, pois o fato, que, na sua configuração ou aparência exterior, permanece o mesmo (ex: causar a morte de um ser humano), dependendo das circunstâncias e também dos motivos e da intenção do agente, pode ser: homicídio doloso ou culposo; legítima defesa, excesso doloso, culposo ou exculpante de legítima defesa; legítima defesa putativa.[37]

Assim, o elemento subjetivo elencado pelo autor são os motivos e a intenção do agente que se revelam no intuito de defender-se, no agir “para defender-se”, sem que com isso se exija uma consciência da ilicitude do fato.[38]

É oportuno salientar que sem o elemento subjetivo de vontade de se defender, somente o elemento objetivo, ou seja, elencados no art. 25 do Código Penal, não podemos chegar a uma conclusão de um delito a excludente de ilicitude: legítima defesa do agredido, conforme Rogério Greco:

Para que se possa falar em legítima defesa não basta só a presença de seus elementos de natureza objetiva, elencados no art. 25 do Código Penal. É preciso que, além deles, saiba o agente que atua nessa condição, ou, pelo menos, acredita agir assim, pois, caso contrário, não se poderá cogitar de exclusão da ilicitude de sua conduta, permanecendo esta, ainda, contrária ao ordenamento jurídico.[39]

Portanto, além dos requisitos objetivos da agressão injusta, atual ou iminente a direito próprio ou alheio e os meios necessários usados moderadamente, Rogério Greco conclui que necessário se faz à caracterização da legítima defesa o chamado animus defendendi, traduzido no propósito, na finalidade, de defender a si ou a terceira pessoa.[40]

Sobre o autor
Alison Henrique Gabelone de Paula

Bacharel em Direito pela Faculdades Integradas do Vale do Ivaí (UNIVALE) - 2017.

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