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Alguns apontamentos sobre as lições de Hegel

Agenda 14/06/2019 às 09:00

Para Hegel, o Estado era a quintessência da “espiritualidade orgânica” do povo. E, sendo visto como produto da raça, da língua, da tradição, das ideias e das aspirações deste mesmo povo, variava no tempo e no espaço.

Segundo os autores, George Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831) nunca concebeu a razão de maneira abstrata, separada dos dados empíricos; ao contrário, o que distingue a filosofia de Hegel é o desejo de levar a posição oriunda de Kant até as que lhe parecem ser suas últimas consequências, partindo da ideia fundamental do espírito como “síntese a priori”, como força sintética constitutiva da realidade cognoscível”.

Hegel em sua Fenomenologia não se contentou com uma adequação estática entre o empírico e o racional, mas desenvolvendo o pensamento crítico em função da afirmada “força sintética” do Espírito, levou a cabo uma fusão entre o real e o racional.

Para Hegel “o que é real é racional e o que é racional é real”.

Para Hegel, história é filosofia. 

Para Joaquim de Carvalho (Hegel e o conceito de história da filosofia), "a historicidade apresenta-se, pois, como condição categorial do pensamento historiográfico, e foi à luz deste descobrimento fundamental que pôde ver-se com nitidez a existência de épocas cegas para o objeto próprio da indagação histórico-filosófica, cuja cegueira aliás ainda afeta contemporâneos nossos que creem historiar filosoficamente quando acarretam materiais biográficos e bibliográficos, imprescindíveis, sem dúvida, mas cujo lugar é, por assim dizer, vestibular.

Essas épocas, que acima designamos de proto-história da História da Filosofia, caracterizam-se, pois, pela inapreensão do objeto histórico-filosófico, assentam no pressuposto a-histórico da existência de verdades filosóficas atópicas e acrónicas, e exprimem a atitude historizante, isto é, o apelo ou a compreensão do passado, pelo comentário glosante de um texto ou pelo registo das variações das opiniões, e em particular dos erros e deturpações da verdade."

Disse, ainda, Joaquim de Carvalho: 

"A  Filosofia e a História da Filosofia são intimamente conexas, porque se a Filosofia é o conhecimento do sistema (ou da Ideia) que evolve, a História da Filosofia é o conhecimento do sistema (ou da Ideia) já evolvido. Na Filosofia enquanto Filosofia, isto é, enquanto sistema, os momentos da Ideia são estabelecidos dialeticamente; na História da Filosofia, os momentos da Ideia são apreendidos temporalmente, isto é, nas sucessivas e diversas determinações da Ideia no decurso do seu desenvolvimento, mas a desenvolução da Ideia é uma e a mesma na dialética e na história.

Tal é, em síntese elementar, o conceito hegeliano da História da Filosofia, cujo início o filósofo da Fenomenologia do Espírito (1807) radicou na Grécia, isto é, contemporaneamente ao nascimento do pensamento livre ou seja o pensamento liberto do enleio das fantasmagorias e das intuições meramente sensíveis. Duas notas sobressaem na esfera de propriedades deste conceito: a temporalidade da mensagem própria de cada filosofia e a conexão das diversas filosofias, por antagónicas que pareçam, mediante a desenvolução inerente à Ideia de Filosofia.

A primeira, situa o historiador-filosófico no hic et nane peculiares de cada filosofia, e portanto condu-lo a reconstituir e a pensar sob a categoria do passado a génese e a conceituação de cada filosofia; a segunda, situa-o na universalidade do objeto da Filosofia, e portanto condu-lo a discorrer dialeticamente e a estabelecer a identidade do facto e da ideia e a conformidade da ordem lógica e da ordem cronológica.

Com estarem relacionadas na mente de Hegel, estas duas conceptuações são separáveis e tiveram desenvolução relativamente independente, pois da primeira resultou uma verdadeira floração da historiografia filosófica, e da segunda uma das teses mais características do hodierno idealismo italiano, designadamente de Benedetto Croce, ou seja a identidade da História e da Filosofia, isto é, a história não é compreensível sem a filosofia e a filosofia sem a história, que é o terreno em que ela nasce e se dá."

O que se conhece? Nós só conhecemos aquilo que elevamos ao plano do pensamento, de maneira que só há realidade como realidade espiritual. Assim, ser é ser percebido, atitude psicológica, ser é ser pensado, atitude lógica.

Como revelou Márcio Tadeu Girotti (A crítica de Hegel ao dualismo sujeito-objeto de Kant) para Hegel, “o sujeito deve abarcar o absoluto do objeto, conhecer a própria coisa nela mesma, pois, o correlato do sujeito é o objeto e deste é o sujeito, eles são interdependentes – sujeito e objeto são correlatos, participativos. Hegel busca superar a dicotomia sujeito objeto por meio da dialética enquanto negação e suprassumir do sujeito e do objeto. O sujeito é o objeto e vice-versa, o objeto nega o sujeito, que se reconhece num ser outro distinto dele, mas que é ele mesmo para-si. Ou seja, o sujeito se exterioriza no objeto enquanto este supera a interioridade do sujeito que guarda em si o conceito do objeto efetivo quando realizado dentro da relação sujeito/objeto tomada dialeticamente”.

No adendo do §10 da Enciclopédia, Hegel mostra sua interpretação da filosofia transcendental de Kant, promovendo assim, sua crítica ao kantismo que busca antes saber como se deve conhecer e não conhecer de fato o que quer conhecer: Um ponto de vista fundamental da filosofia crítica é que, antes de se proceder a conhecer Deus, a essência das coisas, etc., importa primeiro investigar a faculdade de conhecer e ver se ela é capaz de realizar tal [tarefa]; deve aprender-se a conhecer o instrumento antes de se empreender o trabalho que, mediante o mesmo, se deve levar a cabo; se o instrumento fosse insuficiente, todo o esforço se despenderia em vão. [...] Mas querer conhecer antes de se conhecer é tão destoante como o sábio propósito daquele escolástico [Hiérocles] de aprender a nadar antes de se aventurar à água, como ainda revelou Márcio Tadeu Girotti (obra citada).

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A ideia hegeliana é a representação do Conceito em sua efetividade, a reunião de todas as determinações do Conceito. A ideia é o verdadeiro em si e para si, a unidade absoluta do conceito e da objetividade. O seu conteúdo ideal nada mais é do que o conceito nas suas determinações; o seu conteúdo real é apenas a sua exibição, que o conceito a si mesmo dá na forma de existência externa, e esta forma, incluída na idealidade dele, no seu poder conservar-se assim na ideia. (HEGEL, 1988, p. 209, § 213).

Luciana Schneider(A ideia, a natureza e o espírito) nos ensina que "com o espírito subjetivo, a individualidade empírica, nasce a consciência do mundo. O espírito subjetivo compreende três graus dialéticos: consciência, autoconsciência e razão; com esta última é atingida a consciência da unidade do eu e do não-eu. O espírito subjetivo é estudado, em sentido vasto, pela psicologia, que se divide em antropologia, fenomenologia do espírito, psicologia propriamente dita. Não estando, pois, o espírito individual em condição de alcançar, no seu isolamento, os fins do espírito, de realizar a plena consciência e liberdade do espírito, surge e se afirma a fase do espírito objetivo, isto é, a sociedade. No espírito objetivo, nas concretizações da sociedade, Hegel distingue ainda três graus dialéticos: odireito (que reconhece a personalidade em cada homem, mas pode regular apenas a conduta externa dos homens); amoralidade (que subordina interiormente o espírito humano à lei do dever); a eticidade ou moralidade social (que atribui uma finalidade concreta à ação moral, e se determina hierarquicamente na família, na sociedade civil, no estado)."

Assume-se com Hegel uma atitude de desconfiança ao que parece ser dado.

A filosofia de Hegel pode ser compreendida através de sua obra principal “A Fenomenologia do Espírito”, escrita em 1807.

Trata-se de uma introdução ao sistema lógico criado por Hegel que compreende três partes: a Lógica, Filosofia da Natureza e a Filosofia do Espírito.

Para Hegel, deve-se distinguir “ciência filosófica do direito” – que “tem por objetivo a ideia do direito, ou seja, o conceito do direito e sua realização – da ciência positiva do direito”  - que “trata principalmente de assinalar o que é jurídico o que vale dizer, as particulares prescrições legais”. Essa distinção levou-o a fazer outra, também fundamental, entre “direito natural ou filosófico” e o “direito positivo ou científico”, o primeiro, cuidando das indagações apriorísticas e o segundo, restrito à aposterioridade fenomênica.

Com esses pressupostos, afirma-se que “o campo do Direito é, em geral, a espiritualidade, e seu lugar próximo, e ponto de partida, é a vontade, que é livre de sorte que a liberdade constitui a sua substância e a sua determinação. Tem-se o conceito de direito: “liberdade enquanto ideia, que se funda na existência da vontade livre e se manifesta no mundo do Espírito, razão por que é algo sagrado, como “conceito absoluto”.

Para Hegel, o Estado é o “espírito real e orgânico do povo”, que se manifesta “através das relações dos específicos espíritos nacionais”, realizando-se, na História Universal, como espírito universal do mundo”. O Estado, para Hegel, era a quintessência da “espiritualidade orgânica”, do povo, o que vale dizer, produto da raça, da língua, da tradição, das ideias e das aspirações do povo(o Volk), e por isso, variava no tempo e no espaço, projetando-se na história do mundo como autêntico espírito etológico(o Geist). De outro lado, o Estado se apresentava como “realidade da ideia ética, o espírito ético enquanto vontade patente, claro por si mesmo, substancial, que se pensa e se conhece, e que cumpre o que sabe e como o sabe”. O Staat era autossuficiente e encontrava em sai a sua justificação e finalidade, tanto assim que se revelava “o racional em si e por si”, possuindo “o mais alto direito em face dos indivíduos”, cujo caráter supremo se exprime no fato “de serem seus membros”. Aí está o germe da chamada direita(fascismo, nazismo etc) e ainda da esquerda, cujo pensamento Marx se sentiu influenciado.

O Estado de Hegel era unívoco.

Para Hegel, pois, o Estado, Deus e a Filosofia se constituíam no absoluto, Tudo o mais relativo, na medida em que sobre os objetos pode haver uma tese, uma antítese e uma síntese.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Alguns apontamentos sobre as lições de Hegel. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5826, 14 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73061. Acesso em: 21 nov. 2024.

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