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Federalismo e direitos sociais:

reflexões sobre a possibilidade de conciliação

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Agenda 22/09/2005 às 00:00

6. CONCLUSÃO

            O pacto federativo de 1988 obedece a uma vocação democrática sem precedentes em nosso país. Seu grau de abertura e pluralismo se reflete diretamente no reconhecimento de uma vasta gama de direitos e garantias individuais, o que se estende para a cobertura de um invejável leque de direitos fundamentais sociais, como saúde, educação, moradia, previdência social, dentre outros.

            A divisão de competências experimentada também é reflexo dessa proposta de abertura democrática, importando para o texto da Lei Fundamental uma elastecida capacidade de ação por parte de Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios se comparada aos padrões da Carta Outorgada de 1967 e 1969, em cujos termos pode-se afirmar que não passou de um Federalismo meramente formal.

            Dentro desse quadro, e ao perceber que os direitos sociais merecem fundamental atenção dos poderes públicos, sem o que não se efetivam no plano concreto, temos por certo que é do rol de competências comuns [22] que emerge a possibilidade dos entes federados estabelecem uma permanente interação, baseado na cooperação, criatividade e coordenação, no sentido de buscarem o melhor incremento dessa garantias.

            O que se sustenta é que nosso modelo federativo pode ser pródigo na consecução dessas metas sociais, pois é da comunicação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, na conformidade das peculiaridades regionais brasileiras, que se poderá atingir em maior grau de eficiência a totalidade dos indivíduos. O esforço compartilhado dessas esferas federativas, cada um contribuindo na medida de suas forças, chegando-se sempre a uma soma, representa muito mais do que suas atuações isoladas. Nossa Constituição não foi desenhada para um afastamento destes entes sobretudo quando se cogita da persecução da mitigação das desigualdades sociais. Pelo contrário, prevê expressamente que Lei Complementar fixará normas para cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar no âmbito nacional (art. 23, parágrafo único). A feição dessa regulamentação, no entanto, poderá se aproximar mais das realidades regionais e locais se levar em consideração que Estados e Municípios tem mais proximidade das demandas sociais que, em última análise, não ocorrem na União, e sim nos Estados-membros e nas suas respectivas municipalidades.

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            Este dispositivo de nossa Lei Fundamental lança a pedra fundamental que consagra em nosso direito constitucional a cooperação não só como uma faculdade a ser partilhada entre os entes federados, mas como autêntico dever de Estado, gerando direito subjetivo à unidade federada, fator que poderá ser explorado num estudo futuro e mais aprofundado, mas que merece ser citado principalmente se considerarmos os reflexos dessa assertiva nos critérios hermenêuticos de nosso controle de constitucionalidade [23].


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

            ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 3 ed. São Paulo : Atlas, 2005;

            BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E DIREITOS FUNDAMENTAIS. 1 ed. 2ª tiragem. Brasília : Brasília Jurídica, 2002;

            DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal. São Paulo : Ática, 1986;

            KATZ, Ellis. Aspectos Constitucionais e Políticos do Federalismo Americano. Trad. Artur Lima Gonçalves. Revista de Direito Público, jan./mar. 1983;

            MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. PACTO FEDERATIVO. Belo Horizonte : Mandamentos, 2000;

            MENDES, Gilmar Ferreira. HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E DIREITOS FUNDAMENTAIS. 1 ed. 2ª tiragem. Brasília : Brasília Jurídica, 2002;

            PINTO FERREIRA. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo : Saraiva, 1989;

            RAMOS, Dircêo Torrecillas. O FEDERALISMO ASSIMÉTRICO. 2 ed. Rio de Janeiro : Forense, 2000;

            SARLET, Ingo Wolfgang. A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. 5 ed. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2005.

            ___________________. DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado / Organizador: Ingo Wolfgang Sarlet. Rio de Janeiro : Renovar, 2003.


NOTAS

            01

Diz-se em princípio porque certos direitos de defesa igualmente implicam, em situações extremas, atuação estatal positiva, o que ocorre, v.g., com o direito de proteção que se faz necessária em face da agressão de terceiros. Sobre o tema, ver Gilmar Ferreira Mendes, in HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E DIREITOS FUNDAMENTAIS. 1 Ed. 2ª tiragem. Brasília : Brasília Jurídica, 2002, p. 200.

            02

DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal, São Paulo : Ática, 1986, p.18.

            03

Os conceitos de federação e confederação são inconfundíveis. Naquele ocorre o surgimento de um novo Estado soberano, e já neste os entes confederados não perdem sua soberania, de sorte a preservarem o direito de auto-determinação e a possibilidade de secessão, características estas que comprometeram de morte a manutenção do pacto confederativo americano.

            04

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 3 ed. São Paulo : Atlas, 2005, p. 25.

            05

PINTO FERREIRA. Comentários à Constituição brasileira, São Paulo : Saraiva, 1989, v. 1, p. 395 e ss.

            06

Esse modelo dualista presumia que os Estados-membros fossem privilegiados, pois eram os beneficiários dos poderes não-enumerados, de rigor, mais amplos. Contudo, essa otimista previsão não se verificou no plano da realidade, já que a evolução do Estado Federal se guiou em sentido oposto.

            07

RAMOS, Dircêo Torecillas. O FEDERALISMO ASSIMÉTRICO. 2 ed. Rio de Janeiro : Forense, 2000, p. 162/163.

            08

MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. PACTO FEDERATIVO. Belo Horizonte : Mandamentos, 2000, p. 19.

            09

KATZ, Ellis. Aspectos constitucionais e políticos do federalismo americano. Trad. Artur Lima Gonçalves. Revista de Direito Público, jan./mar. 1983, v. 65.

            10

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 3. ed. São Paulo : Atlas, 2005, p. 77

            11

ACO n° 792, distribuída em 4/8/2005 à relatoria do Ministro Carlos Velloso.

            12

O Distrito Federal também é reconhecido como ente federativo, ora reunindo competências municipais, ora estaduais.

            13

A única distinção que se tem apontado em doutrina entre direitos fundamentais e direitos humanos aponta para fato de que, naqueles, os direitos já se encontram incorporados à Constituição (ou diploma normativo similar)

            14

BRANCO. Paulo Gustavo Gonet. HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E DIREITOS FUNDAMENTAIS. 1 ed. 2ª tiragem, Brasília : Brasília Jurídica, 2002, p. 139/140.

            15

MENDES, Gilmar Ferreira. HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E DIREITOS FUNDAMENTAIS. 1 ed. 2ª tiragem, Brasília : Brasília Jurídica, 2002, p. 139/140.

            16

Constam como efeitos concretos das normas programáticas: a) revogação dos atos normativos anteriores e contrários ao conteúdo da norma definidora de direito fundamental; b) o legislador não pode se afastar dos parâmetros preestabelecidos nas normas definidoras de direitos fundamentais a prestações; c) impõe a declaração de inconstitucionalidade de todos os atos normativos editados após a vigência da Constituição, estando em colisão com os direitos fundamentais por esta criada; d) constituem parâmetro para interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas; e e) assuem relevante perspectiva jurídico-objetiva em relação à esfera subjetiva dos direitos, estabelecendo um novo vetor de orientação constitucional.

            17

SARLET, Ingo Wolfgang. A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. 5 ed. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2005, p. 288.

            18

Norma de eficácia limitada que exige regulamentação por lei específica (v.g.direito à participação nos lucros, art. 7º, XI, da CF/88 )

            19

BARRETTO, Vicente de Paulo. DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado / Organizador: Ingo Wolfgang Sarlet. Rio de Janeiro : Renovar, 2003, 120.

            20

Citado na obra de Ingo Wolfgang Sarlet. A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. 5 ed. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2005, p. 289

            21

Para José E. Faria, citado na obra de Ingo W. Sarlet (in A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. 5 ed. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2005, p. 284): "os direitos sociais não configuram um direito a igualdade, baseado em regras de julgamento que implicam um tratamento uniforme; são, isto sim, um direito das preferências e das desigualdades, ou seja, um direito discriminatório com propósitos compensatórios."

            22

Este rol está em plena harmonia com os direitos sociais previstos nos artigos 6º, da CF/88.

            23

Em princípio, teríamos uma implicação subjetiva, mesmo sem a edição de lei complementar, no dever de tratamento igualitário das unidades federadas, isto, é claro, na medida de suas igualdades.
Sobre o autor
Antônio Saboia de Melo Neto

procurador do Estado do Pará com lotação em Brasília (DF), pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá em convênio com Escola Superior de Advocacia do Pará, pós-graduando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO NETO, Antônio Saboia. Federalismo e direitos sociais:: reflexões sobre a possibilidade de conciliação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 811, 22 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7315. Acesso em: 18 mai. 2024.

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