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Reestruturação da segurança pública no atual cenário jurídico

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Agenda 12/04/2019 às 10:50

A segurança pública como conhecemos hoje está em total declínio, seja por falta de gestão de qualidade, seja por questões culturais ou por ineficiência do Estado num todo.

1 - INTRODUÇÃO

A Segurança Pública não é só uma área coadjuvante na gestão de um Estado, mas sim um dos maiores clamores sociais. É também uma área baseada nos direitos e nas garantias individuais e coletivas, portanto, é de suma importância abordar esse tema que hodiernamente preocupa os brasileiros. Desse modo, busca-se analisar o sistema de segurança atual, o ordenamento jurídico que regula esse sistema e possíveis alterações sem que se modifique sobremaneira tal sistema, objetivando com essas inovações obter resultados mais positivos do que os que temos na atualidade.

A segurança pública como conhecemos hoje está em total declínio, seja por falta de gestão de qualidade, seja por questões culturais ou por ineficiência do Estado num todo. Por esses fatos o trabalho em tela se objetiva, e todos os estudos e esforços são voltados para buscar uma possível solução para esse problema que assola a sociedade brasileira.


2 - SEGURANÇA PÚBLICA

Conforme nos ensina Silva, segurança

[...] assume o sentido geral da garantia, proteção, estabilidade de situação ou pessoa em vários campos, depende do adjetivo que a qualifica [...] A Segurança Pública consiste numa situação de preservação ou restabelecimento dessa convivência social que permite que todos gozem de seus direitos e defesa de seus legítimos interesses.[1]

A Escola Nacional de Administração Pública ensina que segurança pública é “o conjunto de ações e decisões do governo, voltadas para a solução (ou não) de problemas da sociedade [...] são a totalidade de ações, metas e planos que os governos (nacionais, estaduais e municipais) traçam para alcançar o bem-estar da sociedade e o interesse público”.[2]

Nesse sentido, podemos concluir que Segurança Pública nada mais é do que o conjunto de ações e organizações do Estado que visam manter a paz e a ordem pública interna e a defesa da nação contra ameaças externas.

2.1 Breve histórico

A origem propriamente dita dos serviços de segurança pública no Brasil se dá na descoberta do país. Deve ser mencionado que Dom João III, então rei de Portugal, para garantir a dominação das terras brasileiras em meio a inúmeras tentativas de usurpar e conquistar terras ao redor do mundo, estabeleceu um sistema de controle, organização, domínio e exploração territorial denominado Capitanias. Essas Capitanias tornaram-se províncias, pois não tiveram o efeito desejado por conta da dificuldade na manutenção do vasto território brasileiro, essas províncias foram então administradas por um governador geral, substituindo a figura dos Capitães extintos.

Com o sucesso das operações de Napoleão Bonaparte, o príncipe Dom João de Bragança, o futuro rei Dom João VI, foi forçado a deixar o território lusitano com sua família e cerca de 15 mil pessoas ligadas à corte, fixando residência em solo tupiniquim.[3] Dom João VI, agora rei, enfrentou a inadequação do sistema de capitanias hereditárias, e se viu obrigado a reorganizar sua administração colonial, estabelecendo assim a primeira força militar de segurança e defesa nacional, chamada “Academia Real Militar”, para garantir a proteção de fronteiras e evitar que a crise internacional atingisse o Brasil.

Além dessa força militar, existiam nas administrações provinciais as chamadas câmaras municipais, compostas pelos chamados “homens bons”, milícias formadas por quadrilheiros, meirinhos, juízes e alcaides, a fim de garantir a ordem local. Nasce nesse período a primeira força municipal de segurança.

Algum tempo após a chegada da família real no Brasil, foi criada a Intendência Geral de Polícia, destinada a garantir a ordem e os direitos dos cidadãos. Essa instituição obteve êxito em gerir conflitos locais, o que no futuro seria competência específica das chamadas polícia judiciária e polícia militar, com intenção de aplicar o modelo europeu para civilizar o Estado brasileiro.

Para realizar o serviço policial ostensivo, foi criada a Divisão da Guarda Real de Polícia, com a incumbência de garantir a manutenção da ordem pública. Com a ineficácia da Guarda Real de Polícia para manter o controle dos municípios do Estado Imperial brasileiro, esta foi extinta, resultando na criação do Corpo de Guardas Municipais Permanentes, que acabou sendo denominada, em 1866, Corpo Militar de Polícia da Corte e, em 1920, recebeu o nome Polícia Militar, até hoje presente no país.[4]

Com a promulgação da Constituição Federal de 1934, as Polícias Militares passaram a estar no contexto de proteção e garantia da ordem pública e foram integradas às forças auxiliares do Exército Brasileiro, pelo teor de seu art. 167. Com a Lei federal 192/1936, foram reorganizadas as funções estaduais das Polícias Militares, atribuindo-lhes atividades efetivamente policiais, atuando em âmbito territorial estadual em tempo de paz e se submetendo à convocação do Exército Brasileiro em tempos de guerra.

Em 1967 nasce a Inspetoria Geral de Polícias Militares, criada pelo Ministério do Exército (Decreto-Lei 317/1967), com a finalidade de supervisão e controle da atividade de repressão e garantia da ordem pública, exercida pelas Polícias Militares estaduais em todo o território nacional.

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No auge do regime militar no Brasil, sob o comando do General de Exército Emílio Garrastazu Médici, presidente do Brasil (1969-1974), a história mostra efetiva fusão entre Guardas Civis atuantes e as Polícias Militares estaduais.

Com a Constituição Federal de 1988, a qual vige na atualidade, volta ao cenário a Guarda Civil Municipal, destinada à proteção dos bens, serviços e instalações do município, mantendo as Polícias Militares como forças de segurança pública estaduais.


3 - OS ÓRGÃOS DE SEGURANÇA PÚBLICA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

A Constituição da República Federativa do Brasil trouxe, entre tantos assuntos, a Segurança Pública em seu art. 144, e em seu caput demonstra que esse serviço é de prestação exclusiva do Estado, porém, a responsabilidade é de todos. Ou seja, todo cidadão deve contribuir de forma a resguardar a ordem pública e zelar pela segurança individual e coletiva.

O que a Constituição Federal não relaciona é a defesa da nação contra ameaças externas como tema de Segurança Pública.[5] Ora, não são questão de Segurança Pública Nacional ameaças externas contra a nação? Em seu artigo 142, tratou sobre as Forças Armadas, que, estando em capítulo exclusivo, na visão constituinte não são assunto de Segurança Pública, in verbis:

Art. 142 - As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

O Brasil vem mostrando uma tendência de unificar as informações das forças de segurança existentes, dessa forma, não há como deixar as Forças Armadas de fora dos assuntos de Segurança Pública, sendo que a estas é atribuído o dever de proteção da pátria e de garantir a lei e a ordem. E, ainda, incluí-las é de extrema importância, como será demonstrado no desenrolar deste trabalho.

O artigo 144 da Constituição Federal, por sua vez, elencou os órgãos estatais responsáveis pela execução dos serviços de Segurança Pública:

Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Em decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade sob o nº 236-8/RJ, os Ministros concluíram que esse rol de órgãos responsáveis pela Segurança Pública é taxativo, não se poderia expandi-lo, porém há a possibilidade. Conforme Alexandre de Moraes, “A multiplicidade dos órgãos de defesa da segurança pública, pela nova Constituição, teve dupla finalidade: o atendimento aos reclamos sociais e a redução da possibilidade de intervenção das Forças Armadas na segurança interna”.[6]

Corroborando esse entendimento e reforçando o que foi supracitado, as Forças Armadas destinam-se à proteção da nação contra ameaças externas – a manutenção da ordem interna deve ser realizada por Forças Policiais –, somente em casos excepcionais devem agir na preservação da lei e da ordem.

Outro ponto importante em relação ao capítulo sobre Segurança Pública é que a responsabilidade de garantir tal segurança não é apenas da União, mas da Federação como um todo. José Afonso da Silva nos demonstra isso em seus ensinamentos:

Há, contudo, uma repartição de competências nessa matéria entre a União e os Estados, de tal sorte que o princípio que rege é o de que o problema da segurança pública é de competência e responsabilidade de cada unidade da Federação, tendo em vista as peculiaridades regionais e o fortalecimento do princípio federativo, como, aliás, é da tradição do sistema brasileiro.[7]

Dessa forma, entram em cena os Municípios, que contribuem de maneira significativa na prestação desse serviço, de maneira residual e tendo como principal foco o sistema de prevenção.

3.1 Competências

Diante do que foi arguido, trataremos das funções específicas desses órgãos que são mencionados nos parágrafos do artigo 144, como segue:

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

 I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

O parágrafo 1º traz a destinação da Polícia Federal, instituição de caráter civil. O primeiro ponto é fácil de entender: sempre que há uma ofensa contra a União, uma de suas autarquias ou uma empresa pública, a PF será responsável pela investigação. Além disso, sempre que houver uma ofensa legal que tenha repercussão em mais de um estado ou em mais de um país, ela também será responsável.

O segundo ponto ocorre quando houver tráfico de drogas, contrabando ou descaminho (entrada e saída de produtos legais no país, mas sem seguir os procedimentos necessários), a PF também será responsável pela investigação.

O terceiro ponto diz respeito ao controle de nossas fronteiras. Por exemplo, quando você chega ou sai do país, apresenta seu passaporte a um policial federal. Ele está lá porque a PF é responsável por garantir que aqueles que não podem sair do país não o façam, e aqueles que não devem entrar não entrem, basicamente o serviço administrativo de fiscalização de fronteiras, diferentemente das Forças Armadas, que executam a proteção das fronteiras.

O último ponto é o maior, porque temos de entender a polícia judiciária na União. A polícia judiciária é aquela que investiga crimes. Isso é o que a polícia civil costuma fazer. É a polícia que age após o crime. É chamado de “judicial” porque suas investigações ajudam o Judiciário a encontrar a verdade (a ser julgada).

Mas se a Polícia Civil já é responsável pela investigação, por que a PF também seria? Elas têm funções diferentes. A Polícia Civil é órgão do Estado-membro e investiga crimes que são julgados por juizados estaduais. A PF investiga o que é julgado pelo Judiciário federal.

§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) é uma instituição policial federal cuja função primordial é garantir a segurança nas estradas federais e em áreas de interesse da União. Nesse sentido, combate as mais diversas formas de criminalidade em estradas e rodovias federais e também monitora o trânsito de veículos, bens e pessoas.

§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.

A Polícia Ferroviária Federal é o órgão policial responsável pelo policiamento ostensivo das ferrovias federais do Brasil, previsto na Constituição Federal, mas ainda não totalmente estabelecido nem administrativamente nem funcionalmente.

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

A Polícia Civil é aquela que age após um crime, buscando esclarecer o que aconteceu. Em seu trabalho cotidiano, a Polícia Civil registra os fatos, coleta as primeiras informações através do Boletim de Ocorrência (BO) e inicia investigação através do Inquérito Policial, ressalvadas as competências da União, ou seja, as que são destinadas à Polícia Federal.

§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

A Polícia Militar é a polícia ostensiva, responsável pela segurança da população e pela prevenção do crime. Como medida preventiva, o policial militar faz policiamento ostensivo, isto é, circula pelas ruas e circula em lugares públicos, sempre buscando garantir a paz e a tranquilidade das pessoas. Se necessário, a Polícia Militar também deve perseguir criminosos e realizar prisões, desde que cumpridas as exigências legais. Em situações de alta concentração de pessoas, a Polícia Militar age orientando-as e antecipando-se a problemas.

Já os Bombeiros Militares são corporação cuja principal missão é conduzir atividades de defesa civil, prevenção de incêndios, combate a incêndios, busca, resgate e socorro público dentro de suas respectivas unidades federais.

§ 6º As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

Policiais militares, bombeiros militares e policiais civis são subordinados aos governos estaduais, ao Distrito Federal e territórios. Tal subordinação limita a independência e autonomia dos órgãos, deixando claro o vínculo com o Poder Executivo, bem como demonstra que a Polícia Militar e os Bombeiros Militares são forças auxiliares do Exército, ou seja, em tempos de guerra deverão auxiliar o Exército Brasileiro.

§ 7º A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.

Referente a esse parágrafo, está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei 3.734/2012, que disciplina a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, e ainda institui o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), que deverá planejar e executar as ações de segurança pública em todo o Brasil, com o objetivo de garantir a eficiência das atividades policiais. O SUSP será integrado pelos órgãos mencionados no art. 144 da Constituição Federal e pela Força Nacional de Segurança Pública, que poderão atuar, em conjunto ou isoladamente, nas vias, rodovias, ferrovias e hidrovias federais, estaduais ou municipais, no âmbito de suas respectivas competências.

O projeto do SUSP prevê também o compartilhamento de informações entre as entidades policiais, ou seja, uma base de dados que será alimentada e poderá ser compartilhada por todos os órgãos policiais existentes.

§ 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

O parágrafo 8º trata da possibilidade de os municípios estabelecerem Guardas Municipais para auxiliar na segurança pública. A Lei nº 13.022/14 dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais e inclui, especificamente em seu art. 6°, a possibilidade mencionada.

Para validar a relevância das Guardas Municipais, é necessário analisar recente julgamento, in verbis:

[...] é constitucional a atribuição às guardas municipais do exercício de poder de polícia de trânsito, inclusive para imposição de sanções administrativas legalmente previstas.[8]

Ao observar o trecho do parágrafo 8º em que o legislador menciona “como dispuser lei”, fica claro que, inteligentemente, já previa que as Guardas Municipais também necessitariam de regulamentação própria, assim como as outras instituições, que majoritariamente já possuíam, inclusive até mesmo antes da promulgação da Constituição Federal de 1988.

Até o ano de 2014, foram criadas inúmeras Guardas Municipais sem nenhuma padronização, sem normas que as norteassem. Essas Guardas foram criadas e regimentadas por princípios e preceitos militares, pois, em sua grande maioria, eram iniciadas e comandadas por militares da reserva.

Com o advento do Estatuto Geral das Guardas Municipais, foi destinada aos municípios uma instituição de segurança com característica civil, desde o início quebrando os conceitos militares, caracterizando-as como instituição uniformizada, e não “fardada”. Outra característica que vale salientar é a de instituição armada, que traz a concepção de força pública de enfrentamento, com função preventiva, ou seja, primariamente social, com intervenção precoce e proteção sistêmica da população, e secundariamente a ostensividade, com o patrulhamento dos logradouros públicos.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORALES, Bruno. Reestruturação da segurança pública no atual cenário jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5763, 12 abr. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73208. Acesso em: 21 nov. 2024.

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