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Da (im)possibilidade de responsabilização civil pelo dano ambiental causado por empreendimento operante em conformidade com a licença ambiental obtida

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A existência de licença ambiental e o atendimento às normas prescritas são excludentes da responsabilização civil? O órgão ambiental responsável pela concessão da licença será responsabilizado pelos danos ambientais?

1. Introdução

            A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, caput, instituiu ao Poder Público e à coletividade a responsabilidade de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Visando ao cumprimento do mandamento constitucional o Estado brasileiro criou diversos órgãos e instrumentos ambientais aptos a perseguir tal desígnio.

            O licenciamento ambiental [01] é um dos principais instrumentos jurídicos criados visando o controle, proteção e preservação do meio ambiente. É através deste instrumento que os órgãos ambientais competentes exigirão para a construção, instalação, ampliação e funcionamento de empreendimentos e atividades considerados efetiva e/ou potencialmente poluidores, como também dos que utilizem recursos naturais o licenciamento ambiental, conforme prescreve o artigo 1º, I, da Resolução CONAMA 237/97 e o artigo 10, da Política Nacional do Meio Ambiente.

            Com o transcorrer do procedimento do licenciamento ambiental e de acordo com o cumprimento das normas e exigências estabelecidas o empreendedor obterá as licenças ambientais [02], quais sejam, licença ambiental prévia (LAP), licença ambiental de instalação (LAI) e licença ambiental de operação (LAO), de forma sucessiva.

            As licenças ambientais concedidas pelos órgãos competentes, federais [03] (IBAMA) ou estaduais [04], definirão de que forma os empreendimentos ou atividades poderão operar, bem como serão fixadas as medidas mitigatórias, compensatórias e preventivas aos danos ambientais. Assim sendo a licença ambiental é um instrumento preventivo imposto pela Administração Pública em decorrência do poder de polícia visando a evitar o cometimento de danos ambientais e promover o desenvolvimento sustentável, ou seja, o desenvolvimento econômico em consonância com a proteção ambiental, todavia é imprescindível que as normas sejam respeitadas e os empreendimentos permanentemente fiscalizados.

            O empreendedor deverá agir em consonância com a licença ambiental concedida, ou seja, de acordo com os limites estipulados na licença. Caso o empreendedor opere sem a licença ambiental ou em desacordo com a obtida estará cometendo a infração administrativa prevista no artigo 44, do Decreto 3.179/99, como também o crime ambiental previsto no artigo 61, da Lei 9.605/98, passíveis de serem aplicados cumulativamente:

            Art. 44 - Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes. Multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$10.000.000,00 (dez milhões de reais).

            Art.60 – Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes. Pena – detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

            O empreendedor também responderá por todos os demais eventuais crimes e infrações que resultarem do funcionamento do empreendimento sem a obtenção das licenças ou em desconformidade com as obtidas, como, por exemplo, pelo cometimento de poluição, morte de animais, além de ter que reparar os danos cometidos ao ambiente.

            Importante salientar que "as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados" conforme dispõe o artigo 225, §3º, da CF/88, ou seja, a responsabilidade e tríplice.

            Quanto à responsabilização civil pelos danos ambientais cometidos, indaga-se acerca da possibilidade ou não de responsabilizar civilmente o empreendedor pelos danos causados ao meio ambiente se o empreendimento estiver operando em conformidade com a licença obtida, ou seja, neste caso a existência de licença ambiental e o atendimento às normas prescritas são excludentes da responsabilização civil ou fato irrelevante? E ainda, devendo o empreendedor reparar ou não o dano ambiental indaga-se também se: o órgão ambiental responsável pela concessão da licença será responsabilizado ou co-responsabilizado pelos danos ambientais cometidos por não ter fiscalizado o empreendimento e/ou por ter sido negligente na concessão da licença?

            O presente trabalho tem por objetivo responder aos questionamentos acima formulados, e para atingir este objetivo é necessário analisar as formas de responsabilidade ambiental, principalmente no pertinente à reparação dos danos, ou seja, no tocante à responsabilidade civil pelos danos causados ao ambiente. E neste sentido, é necessário estudar ainda que de forma breve as teorias de responsabilização civil existentes no ordenamento jurídico brasileiro, bem como as possíveis espécies de danos perpetrados contra o ambiente, o que se dará no item 2 do trabalho. Para então, no item 3, estudar acerca da possibilidade ou não de responsabilizar civilmente o empreendedor pelos danos causados ao meio ambiente se o empreendimento estiver operando em conformidade com a licença obtida e também para perquirir acerca da co-responsabilização do órgão ambiental responsável pela concessão da licença. No item 4, serão tecidas as considerações do trabalho.

            Para a consecução deste objetivo foi realizada vasta revisão bibliográfica, bem como a leitura das normas aplicáveis ao caso, tanto constitucionais como infraconstitucionais.


2. Das Formas de Responsabilidade Ambiental

            Conforme mencionado anteriormente, a CF/88, em seu artigo 225, §3º, prescreve que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, à sanções nas três esferas, quais sejam, penal, administrativa e cível, de forma cumulativa, ou seja, em decorrência da mesma conduta o infrator poderá ser punido nas três esferas.

            2.1. Da Responsabilidade Administrativa

            A responsabilidade administrativa, segundo Silva (2004, p. 301) "resulta da infração às normas administrativas, sujeitando-se o infrator a uma sanção de natureza também administrativa".

            As sanções administrativas derivam do poder de polícia exercido pela administração pública sobre todas as atividades e bens que afetem ou possam afetar a coletividade. As normas administrativas são desenvolvidas pelos entes do poder público, União, Estados, Município e Distrito Federal, cada qual no exercício de suas competências (SILVA, 2004). O Poder de Polícia conforme Meirelles (2001, p. 123) é:

            [...] a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado [...] é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual.

            O decreto 3.179/99 prescreve quais as condutas lesivas ao meio ambiente são consideradas infrações administrativas e quais as sanções aplicáveis em cada caso. A competência para lavrar os autos de infração ambiental e instaurar o processo é dos órgãos ambientais integrantes do SISNAMA. Os órgãos do SISNAMA são responsáveis pelo início do procedimento administrativo e serão obrigados a apurar o fato quando tiverem ciência do cometimento de uma infração ambiental, sob pena de serem considerados co-responsáveis pelo mesmo (FREIRE, 2000).

            Na responsabilidade administrativa emprega-se a teoria objetiva, ou seja, independe da intenção do agente para haver responsabilização. Conforme exposto por Régis Fernando de Oliveira (apud COSTA NETO e BELLO FILHO, 2001, p. 377) "exclui-se como requisito necessário à culpabilidade para integração do tipo punível de caráter administrativo".

            Na legislação a responsabilidade administrativa ambiental encontra previsão no artigo 2º, parágrafo 10, do Decreto 3.179/99, "independentemente de existência de culpa, é o infrator obrigado à reparação do dano causado ao meio ambiente, afetado por sua atividade". (grifo nosso).

            2.2. Da Responsabilidade Penal

            O infrator será responsabilizado penalmente quando cometer algum crime ou contravenção penal, capituladas nas leis ambientais, principalmente na Lei 9.605/98 - Lei de Crimes Ambientais.

            Na responsabilidade por crimes e contravenções, o agente estará sujeito à pena privativa de liberdade, restritiva de direito ou multa (art. 32, Código Penal).

            Para demonstrar a necessidade do direito penal na proteção ambiental, necessário se faz transcrever a lição de Jorge de Figueiredo Dias (apud LEITE, 2000, p, 119), que afirma:

            Julgo poder afirmar, assim, que nas sociedades dos nossos dias, especialmente nas sociedades industriais, dirigidas à produção e ao consumo de massas, um meio de vida constitui sem dúvida um bem jurídico em sentido próprio e autônomo, que reclama a intervenção protetora do direito penal. Não se trata, pois, aqui só – como já pensou da via mais adequada, se não mesmo a única correta ou possível - de uma proteção mediata de bens jurídicos da vida e da saúde de pessoas individuais, mas de uma proteção imediata de valores ambientais essenciais à plena realização da personalidade de cada homem.

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            Neste sentido, Freire (2000, p. 115) demonstra seu entendimento acerca das normas penais ambientais:

            Se o ambiente é juridicamente protegido, a atuação do homem em desacordo com a lei o sujeita a uma sanção. A natureza humana exige normas repressoras cada vez mais severas. Considerando-se a relevância dos interesses sociais e difusos, é natural que tenham surgido normas penais destinadas a protegê-los. Entretanto em se tratando de meio ambiente, há sérias dúvidas quanto à eficácia da sanção penal para a solução do problema, que tem causa principal nas atividades não-individuais, como as indústrias, os hospitais, o trânsito, a falta de saneamento e a pobreza generalizada do País.

            A legitimidade passiva nos crimes e contravenções ambientais está prevista no art. 2, da Lei 9.605/98, sendo eles:

            Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.

            Na esfera penal o infrator somente será responsabilizado na medida de sua culpa para a ocorrência do fato criminoso. Trata-se de responsabilidade subjetiva.

            2.3. Da Responsabilidade Civil Ambiental

            A responsabilização civil ambiental consiste em atribuir ao causador de um dano ambiental, ainda que não consumado, à obrigação de indenizar ou reparar o prejuízo que causou ou poderia ter causado. Segundo Steigleder (2004, p. 177) "Cuida-se, então de perceber que a responsabilidade civil pelo dano ambiental possui uma função social que ultrapassa as finalidades punitiva, preventiva e reparatória, normalmente atribuídas ao instituto". Ainda conforme Steigleder (2004, p.178):

            Na sociedade pós-industrial, marcada pela proliferação de riscos, no entanto, a responsabilidade civil deve desempenhar novas funções. Gutiérrez refere que a responsabilidade civil típica da "era tecnológica", desempenha funções que se desenvolvem em dois âmbitos: Como instrumento de regulação social e como mecanismo para a indenização da vítima.

            No âmbito de ser instrumento de regulação social, a responsabilidade exerce a função de prevenir comportamentos anti-sociais, dentre os quais aqueles que implicam geração de riscos; de distribuir a carga dos riscos, pelo que se torna otimizadora de justiça social; e de garantia dos direitos do cidadão.

            Maria Helena Diniz (apud LEITE, 2000, p. 118), também escreve a respeito da função da responsabilidade civil:

            [...] garantir às pessoas o direito de segurança, um dos valores maiores do direito, de forma tal que os indivíduos sintam-se compelidos a respeitar o patrimônio alheio, pois sabem que deverão responder por eventual dano que causarem, e servir como sanção civil de natureza compensatória, mediante reparação do dano causado à vitima. [...] Destaca-se também uma função preventiva, no sentido de que poderá inibir o agente a praticar uma conduta danosa, fundamentalmente em razão de punição civil econômica.

            Para Silva (apud LANFREDI, 2002, p. 35) "a responsabilidade civil é a que impõe ao infrator a obrigação de reparar o prejuízo, causado por sua conduta ou atividade".

            Existem duas teorias que tratam da responsabilidade civil, quais sejam, a subjetiva e a objetiva. Como regra geral a responsabilidade civil é subjetiva, ou seja, a responsabilidade somente vai ocorrer se ficar comprovada a culpa ou dolo do agente (LEITE, 2000). No entanto, existem situações previstas em lei, onde a responsabilidade aplicada é a objetiva como é o caso da responsabilidade por danos ao meio ambiente. Nestes casos, a responsabilidade do agente é verificada independentemente da existência de culpa no cometimento do ato danoso (ANTUNES, 2002).

            2.3.1. Responsabilidade Civil Subjetiva

            A responsabilidade civil subjetiva é aquela fundada na intenção do agente, na confirmação da existência da culpa (negligência, imprudência ou imperícia) ou dolo. Assim, para a pessoa ser responsabilizada deverá ser comprovado além do dano, o nexo causal entre a ação e dano e também a intenção do agente, ou seja, a culpa ou dolo.

            Antunes (2002, p. 180), conceitua culpa nos seguintes termos:

            A culpa é a violação de um dever jurídico. Tradicionalmente, pode ser dividida em contratual ou extracontratual, esta última também conhecida como aquilina. A culpa contratual surge da violação de um dever estabelecido em contrato. A sua origem, portanto, é a inobservância de uma regra estabelecida pela própria vontade das partes. A culpa aquiliana funda-se na inobservância de um dever legal preexistente a qualquer ato privado, a qualquer manifestação de vontade das partes diretamente envolvidas.

            Para Silva (2004, p. 312) "na responsabilidade fundada na culpa a vítima tem que provar não só a existência do nexo entre o dano e a atividade danosa, mas também – e especialmente – a culpa do agente".

            A teoria subjetiva da responsabilidade está prevista no Código Civil de 2002, art. 186, que a prevê nos termos que seguem, "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

            2.3.2. Responsabilidade Civil Objetiva

            A responsabilidade civil objetiva é aquela que impõe o dever de responsabilizar o agente sem que seja averiguada a sua culpabilidade.

            Historicamente, "os perigos da sociedade industrializada trouxeram a necessidade de dar maior proteção às vítimas, por atos danosos plenamente lícitos", razão pela qual, "a partir do final do século XIX, em que os perigos industriais se tornaram de tal monta, que os Estados começaram a estabelecer a responsabilidade objetiva" (LEITE, 2000, p. 128). Visando assim a reparação de danos que a responsabilidade subjetiva não atingia, objetivando proteger totalmente os interesses dos lesados.

            A responsabilidade civil ambiental no direito brasileiro é objetiva, conforme prescreve o artigo 14, §1º, da lei 6.938/81:

            Art.14º - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não-cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

            § 1 - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. (grifo nosso).

            Para Lanfredi (2002) a solução dos problemas provocados pelo cometimento dos danos ambientais e a sua diminuição estão que os mesmos devem ser tratados mediante a responsabilidade objetiva do infrator e a aplicação da educação ambiental em todos os níveis de ensino.

            Segundo Aguiar Dias (apud LEITE, 2000, p. 129) "a adoção da teoria objetiva constitui um avanço, pois esta tende a suprir a necessidade de certos danos, que não seriam reparados pelo critério tradicional da culpa".

            Silva (2004) dispõe que "na responsabilidade objetiva por dano ambiental bastam à existência do dano e nexo causal com a fonte poluidora ou degradadora". Nesta afirmação do doutrinador, o mesmo não faz referência da necessidade de a responsabilidade civil objetiva exigir a ocorrência de um ato ilícito para a mesma incidir e assim, entende-se que independentemente de que tenha ocorrido um ato ilícito a quem causou o dano surgirá a obrigação de reparação.

            Na questão da ilicitude ou licitude do ato danoso urge destacar os argumentos de Lanfredi (2002, p. 63) que ao tratar do avanço que é a responsabilidade civil objetiva no direito ambiental afirma que "passa-se do ato ilícito (teoria subjetiva) para o lícito, este, porém, gerador de perigo (teoria objetiva), e que, por isso, merece tratamento jurídico especial".

            O ilustre doutrinador Leite (2000, p. 130-131) ao tratar sobre responsabilidade objetiva afirma:

            [...] todo aquele que desenvolve atividade lícita, que possa gerar perigo a outrem, deverá responder pelo risco, não havendo necessidade de a vítima provar culpa do agente. [...] o agente responde pela indenização em virtude de haver realizado uma atividade apta para produzir risco. [...] o pressuposto da culpa, causador do dano é apenas o risco causado pelo agente em sua atividade. [...] o aumento da degradação ao meio ambiente também serviu como estímulo para a adoção de um sistema de responsabilização objetiva mais condizente com o dano ambiental. (grifo nosso)

            Ferraz (apud LANFREDI, 2002, p. 94) traz a seguinte orientação quanto às conseqüências advindas da responsabilidade civil objetiva:

            [...] cinco conseqüências podemos tirar da adoção da responsabilidade objetiva nesse campo: irrelevância da intenção danosa (basta um simples prejuízo); irrelevância da mensuração do subjetivismo; inversão do ônus da prova; irrelevância da licitude da atividade; atenuação do relevo do nexo causal.

            Importante salientar que a responsabilidade civil objetiva tanto pode ser pelo risco integral como pelo risco criado. Neste sentido, leciona Steigleder (2004, p. 198):

            De um lado, a teoria do risco integral, mediante a qual todo e qualquer risco conexo ao empreendimento deverá ser integralmente internalizado pelo processo produtivo, devendo o responsável reparar quaisquer danos que tenham conexão com sua atividade; e de outro lado a teoria do risco criado, a qual procura vislumbrar, dentre todos os fatores de risco, apenas aquele que, por apresentar periculosidade, é efetivamente apto a gerar as situações lesivas, para fins de imposição de responsabilização.

            A diferença mais significativa entre ambas as teorias objetivas é que a teoria do risco integral não admite as excludentes de ilicitude, como caso fortuito e força maior. Enquanto a teoria do risco criado admite as excludentes de ilicitude, as quais têm o condão de romper com o curso causal constituindo por si mesmas as causas adequadas do evento lesivo. (STEIGLEDER, 2004).

            Não obstante, as teorias referidas também produzem reflexos diversos no pertinente ao nexo causal, este de importância fundamental para a caracterização do dano. Neste sentido vale a pena transcrever na íntegra as palavras da representante do Ministério Público gaúcho, Annelise Steigleder ( 2004, p. 197-198):

            As conseqüências da adoção de uma ou outra teoria são perceptíveis no âmbito da determinação do nexo de causalidade.

            A fim de resolver essas perplexidades, a teoria do risco integral supõe que a mera existência do risco gerado pela atividade, intrínseco ou não a ela, deverá conduzir à responsabilização. Havendo mais de uma causa provável do dano, todas serão reputadas eficientes para produzi-lo, não se distinguindo entre causa principal e causas secundárias, pelo que a própria existência da atividade é reputada causa do evento lesivo. Cuida-se aqui da aplicação, em matéria do nexo de causalidade, da teoria da conditio sine qua nom, cujo mérito é a potencialidade de atenuar o rigorismo do nexo de causalidade, substituindo-se o liame entre uma atividade adequada e o seu resultado lesivo pelo liame entre a existência de riscos inerentes a determinada atividade e o dano ambiental, fundado em juízos de probalidade. ( grifo nosso)

            Portanto, diferentemente do que ocorre na teoria do risco criado, que resolve os problemas causais a partir da teoria da causalidade adequada, em que seleciona "entre as diversas causas que podem ter condicionado a verificação do dano, aquela que, numa perspectiva de normalidade e adequação sociais, apresente sérias probabilidades de ter criado um risco socialmente inaceitável, risco esse concretizado no resultado danoso [...].(grifo nosso).

            A adoção da teoria do risco integral para a reparação dos danos ambientais não é pacífica na doutrina, mas conforme Steigleder (2004) justificada em decorrência da amplitude da proteção ambiental outorgada pelo artigo 225, caput, da CF/88.

            Com a aplicação da teoria objetiva pelo risco integral quem exerce uma atividade lícita, mas que seja perigosa para sociedade, que traga riscos, será responsabilizado pelo dano ambiental que advir, ou pelo risco de danos, o que ocorre pelo fato de não ser levado em consideração a culpa do agente, mas sim, o perigo, riscos que a atividade proporciona (LANFREDI, 2002). O autor afirma também que "a teoria objetiva é, efetivamente, mais humana que a da culpa, pois está mais ligada ao sentimento de solidariedade social, a responsabilidade social [...]" (LANFREDI, 2002, p. 63).

            A doutrina quando faz menção à responsabilidade civil objetiva pelo risco integral está apontando para a existência de uma atividade perigosa, ou seja, que em decorrência da sua atividade normal cause riscos de danos ao meio ambiente, o que por sua vez leva a provável ocorrência de danos ambientais. Neste sentido, a responsabilidade civil objetiva possui um cunho de socialização, ou seja, o empreendedor que aferiu lucros no desenvolvimento de uma atividade perigosa deverá, mesmo sem ter culpa, reparar o dano que ocorrer. Está afirmação poderá ser constata no dizer de Leite (2000, p. 129) que assevera "a teoria da responsabilidade objetiva tem como base a socialização do lucro ou do dano, considerando que aquele que obtém lucro e causa dano com uma atividade, deve responder pelo risco ou pela desvantagem dela resultante".

            No mesmo sentido posiciona-se Canotilho (apud LEITE, 2000, p. 130) que assim considera, "fundamental que se trata de uma justiça distributiva, isto é, um sujeito que desenvolve uma atividade perigosa para a sociedade e dela tira benefícios, então é justo que ele suporte os danos que causar, mesmo sem culpa".

            Consoante a doutrina de Lanfredi (2002, p. 94). "responsabilidade, além de objetiva, é integral, não se limitando a indenização a um teto, mediante forma de "seguro-poluição"". Significando que o dano ambiental deverá ser reparado de forma total, completa, não existindo uma demarcação de um limite padrão para a reparação dos danos ambientais, Em cada caso a reparação deverá ser condizente com o prejuízo causado pelo dano.

            Leite (2000, p. 132) também destaca a reparação integral onde argumenta que "significa que o dano ambiental deve ser recomposto na sua integridade, e não limitadamente, trazendo uma proteção mais efetiva ao bem ambiental".

            A Constituição Federal/88 determina o dever de manter um ambiente ecologicamente equilibrado para garantir uma boa qualidade de vida para todas as gerações e assim sendo, o dano cometido deverá ser reparado de uma forma integral, buscando sempre a reabilitação do meio ambiente no estado em que se encontrava antes da ocorrência do dano.

            Nem sempre a identificação do responsável pelo dano ambiental é possível, neste norte, aplica-se a regra da solidariedade passiva, que consiste em afirmar que a reparação poderá ser exigida de todos os responsáveis ou somente de um agente. Assim sendo, fica explicada uma das conseqüências da teoria objetiva a da atenuação do relevo do nexo causal (LANFREDI, 2002).

            Neste sentido, Steigleder (2004, p.206-207) leciona:

            Cumpre, todavia, apontar que a determinação da causa nem sempre será suficiente para a responsabilização do autor do dano, cuja identificação é muitas vezes tarefa intransponível. [...].

            O autor assinala ainda, a existência de outras elaborações doutrinárias, tais como a causalidade estatística, que "saltando por cima da própria conditio sine qua nom se torna aparente num conjunto alargado de fatos incolores, quando isoladamente tomados"; a causalidade alternativa, ou seja: "quando um de dois agentes tenha causado o dano sem que se saiba qual, respondem os dois", a responsabilização solidária de todos os intervenientes, nas hipóteses de multicausalidade. (CORDEIRO, apud STEIGLEDER, 2004, p. 207) (grifo nosso).

            Para concluir Steigleder (2004, p. 208) dispõe que a teoria da causalidade pode ser adotada pelo Direito Brasileiro, posto que a solidariedade passiva por danos ambientais é matéria consolidada e ampara-se na concepção do dano ambiental como uma fato único e indivisível, sendo responsáveis todos aqueles que direta ou indiretamente concorrerem para o dano (art. 3º, IV, da Lei 6.938/81). O mesmo entendimento é manifestado por Benjamin (apud STEIGLEDER, 2004, p. 208).

            2.4. Das espécies de danos ambientais

            O dano ambiental possui características minuciosas que o diferenciam totalmente do dano aplicado em outros ramos do direito. Sobre esta desigualdade Leite (2000, p. 102 – 103) explica:

            Com efeito, as concepções clássicas e as características tradicionais do dano passam por uma nova configuração, quando se discute a lesão ambiental, pois esta pressupõe uma visão muito menos individualista e, desta forma, de difícil entendimento para os operadores jurídicos.

            O dano ambiental é possuidor de características diferenciadas do dano no sentido geral, começando pela pluralidade de vítimas, sendo que afeta toda a coletividade e no que se refere a reparabilidade do dano, pois as conseqüências ultrapassam os limites do direito privado. Assim assevera Steigleder (2004, p. 127) que dispõe:

            São situações que ultrapassam os limites das relações jurídicas de direito privado, pois a vítima é difusa e, freqüentemente, a causa da degradação também tem origem difusa. Pode ocorrer de o dano ter sido provocado por um autor indeterminado dentro de um grupo determinado, como é o caso da poluição decorrente de um específico distrito industrial, bem como pode ocorrer de o dano ser causado por um autor indeterminado dentro de um grupo também indeterminado, como são as hipóteses de chuva ácida e poluição hídrica no meio urbano, onde há um concurso infinitivo de concausas

            A definição de dano e de seus requisitos é assim formulada por Lanfredi (2002, p. 53):

            Importa seja atual (e não remoto), embora se aceite, também, o dano futuro e a perda de oportunidade, desde que reflexos do fato lesivo (exemplo: perda de capacidade para o trabalho); certo (definido ou determinável), porém admitem-se o damnum infectum (ou dano receado ou eventual: dano possível, que se teme por força de ato ou fato que irá ocorrer) e a perda de prêmio face a acidente; pessoal (refletido na pessoa do lesado), todavia é ressarcível o dano ocasionado a pessoa da família; direto, mas se acolhe, também, o dano derivado ou reflexo (exemplo: privação sofrida pelo filho frente à morte do pai, pela mulher em relação ao marido, quando não exercia atividade econômica [...].) (grifo nosso)

            Segundo SENDIN (apud LEITE, 2003, p. 190) o dano ambiental existe, "quando ultrapassados os limites de segurança, redunde em perda de equilíbrio".

            Buscando um melhor entendimento de dano ambiental o Leite (2000, p.99) classifica dano ambiental sob diversos prismas, sendo eles: "quanto à amplitude do bem protegido, quanto à reparabilidade e aos interesses jurídicos envolvidos, quanto à extensão e ao interesse objetivado" (grifo nosso).

            No que se refere à amplitude do bem protegido a classificação é feita em dano ecológico, dano ambiental e dano individual ou reflexo. O primeiro dano, ecológico, é aquele que atinge tão somente alguns elementos essenciais do ecossistema, elementos da natureza. Por sua vez, a classificação em dano ambiental consiste em todo aquele que atinge tanto os elementos da natureza e também o patrimônio cultural e artificial, sendo que todos estes elementos formam o meio ambiente. Por fim, denomina de dano individual ambiental ou reflexo aquele que afeta o meio ambiente, mas que indiretamente atinge os interesses particulares. (LEITE, 2000).

            Em se tratando de dano individual, a doutrina aborda a classificação de dano ambiental, configurado de dano ricochete, que é aquele que incide sobre interesses do particular por intermédio do meio ambiente, ou seja, que afeta tanto ao interesse individual como ao interesse coletivo, sendo permitido que o lesado em particular busque uma reparação pelo prejuízo patrimonial ou extrapatrimonial que tenha sofrido, bem como a coletividade mediante seus representantes procure uma reparação pelo dano ao bem difuso (LEITE, 2000). O dano ricochete segundo orientação de Alsina (apud LEITE, 2000, p. 99) "[...] dano ambiental [...] pode designar não somente o dano que recai sobre o patrimônio ambiental, que é comum à coletividade, mas refere ao dano por intermédio do meio ambiente ou dano ricochete a interesses legítimos de uma determinada pessoa [...]".

            No que tange ao titular da reparação do dano ambiental, Lanfredi (2002) afirma que a reparação do dano ambiental deverá ser direcionada para aquelas pessoas que foram lesadas, as vítimas do ato danoso, podendo ser tanto o particular como a coletividade. A busca da reparação ocorrerá em via individual ou coletiva. Quando o dano atingir interesses particulares, de um indivíduo ou indivíduos em específico a este(s) caberá(ão) o direito de pleitear uma reparação para o mal sofrido, ação de indenização por perdas e danos. Em sendo afetado um interesse difuso e coletivo, a busca da reparação poderá ocorrer mediante a propositura de uma Ação Civil Pública, conforme previsão da Lei 7.347/85, que cuida da responsabilidade por danos causados contra o meio ambiente, o consumidor, a bens e direitos de valor artístico, entre outros. Pela lei acima enunciada a ação civil pública poderá ser proposta pelo Ministério Público, por autarquias, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista e também por associações que preencham determinados requisitos ou ainda cidadãos (eleitores) através da ação popular conforme prescreve a Lei 4.717/65.

            O dano ambiental quanto a sua extensão poderá ser classificado como dano ambiental patrimonial e dano ambiental extrapatrimonial (moral). O dano ambiental patrimonial é aquele que deverá ser reparado ou indenizado, que atingiu o patrimônio, podendo ser tanto por interesse coletivo ou individual. Já o dano ambiental extrapatrimonial é o dano moral ambiental (LEITE, 2000).

            Os doutrinadores Costa e Reis (apud LEITE 2002, p. 101) diferenciam dano ambiental patrimonial e extrapatrimonial da seguinte maneira:

            [...] a diferença entre danos patrimoniais e extrapatrimoniais é que os primeiros incidem sobre interesses de natureza material ou econômica, refletindo-se no patrimônio do lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral [...].

            A possibilidade de indenização por danos morais, individuais ou coletivos, através ou no meio ambiente está prevista na Lei 7.347/85 que dispõe sobre a ação civil pública:

            Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

            I – ao meio ambiente;

Sobre as autoras
Silviana Lúcia Henkes

advogada em Santa Catarina, especialista pela UFPEl, mestre e doutoranda pela UFSC e bolsista do CNPQ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Denise Borges; HENKES, Silviana Lúcia. Da (im)possibilidade de responsabilização civil pelo dano ambiental causado por empreendimento operante em conformidade com a licença ambiental obtida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 813, 24 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7329. Acesso em: 26 dez. 2024.

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