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Da (im)possibilidade de responsabilização civil pelo dano ambiental causado por empreendimento operante em conformidade com a licença ambiental obtida

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3. Das excludentes da responsabilidade

            Este item versa sobre a possibilidade ou não de responsabilizar empresas ou atividades que obtiveram licença ambiental do órgão competente e que mesmo agindo de acordo com ela causaram danos ao meio ambiente. Como também sobre a co-responsabilidade do órgão licenciador pelos danos causados e também pela negligência na concessão da licença.

            Steigleider (2004, p.209) ao tratar da responsabilidade civil ambiental em obra destinada especificadamente ao tema leciona que "a existência de licenciamento ambiental e a observação dos limites de emissão de poluentes, bem como de outras autorizações administrativas, não terão o condão de excluir a responsabilidade pela reparação".

            A autora mencionada cita Andréas Joachim Krell (2004, p. 209) que assim menciona, "a posição majoritária na doutrina brasileira é no sentido de que a licitude da atividade não exclui o dever de reparar danos".

            Nery Júnior (apud BAPTISTA, 2002, p. 72) dispõe:

            [...] essa postura do legislador, considerando objetiva a responsabilidade por danos ao meio ambiente, atende satisfatoriamente às aspirações da coletividade, porquanto, não raras vezes, o poluidor defendia-se alegando ser lícita sua conduta, porque estava dentro dos padrões de emissão traçados pela autoridade administrativa [...].

            Na obra de Leite (2000, p. 132 -133) constata-se que:

            [...] o autor do dano não se exime do dever de reparar, ainda que possua autorização administrativa. È oportuno reafirmar que a responsabilidade subjetiva, por culpa, limita a aplicação do regime da responsabilidade civil por dano ambiental, considerando que boa parte das condutas lesivas ao meio ambiente não são contra legem, pois contam, muitas vezes, com a autorização administrativa requerida, o que elimina a existência de culpa. (Grifo nosso)

            Nelson Nery Junior (apud BAPTISTA, 2002, p. 72) quando trata da irrelevância da conduta lícita do agente dispõe:

            [...] ainda que haja autorização da autoridade competente, ainda que a emissão esteja dentro dos padrões estabelecidos pelas normas de segurança, ainda que a indústria tenha tomado todos os cuidados para evitar o dano, se ele ocorreu em virtude de atividade do poluidor, há o nexo causal que faz nascer o dever de indenizar.

            Leitão (apud LEITE, 2003, p. 198) argumenta que "a autorização administrativa não exonera a pessoa responsável de sua obrigação de reparar o dano ambiental".

            A licitude de uma atividade não é uma excludente da responsabilidade para a teoria objetiva. Entretanto a doutrina apresenta com divergências quais seriam os fatores excludentes de responsabilidade no dano ambiental. Existem três correntes que tratam sobre a hipótese de caso fortuito e força maior: O primeiro entendimento é daqueles que adotam a teoria do risco integral, segundo este entendimento não é possível o emprego de qualquer excludente de responsabilidade, pois a excludente exclui a culpa do agente e esta é irrelevante na responsabilidade objetiva. Uma segunda corrente, aquela que adota a teoria do risco criado, afirma na possibilidade da excludente de responsabilidade quando o dano ocorreu por motivo de força maior, por aderirem o entendimento de que a excludente de responsabilidade não afasta somente a culpa do agente, mas também o nexo de causalidade. Referida corrente argumenta no sentido de que para esta excludente incidir é necessária a presença de três requisitos no motivo de força maior, sendo eles: a imprevisibilidade, irresistibilidade e exterioridade motivo, sendo usado como exemplo fatores da natureza como um abalo sísmico. E a última corrente é aquela que admite a excludente de responsabilidade por motivo de força maior e fato de terceiro desde que seja imprevisível, irresistível e externo este motivo ou fato, e também, que o dano não verse sobre empresa que desenvolva atividade perigosa, ou melhor, de risco, tendo como exemplo também, fatores da natureza como abalo sísmico, tempestade, entre outros (STEIGLEDER, 2004). (grifo nosso)

            Destarte, não poderão ser aceitas qualquer excludente de responsabilização, exceto se adotada a terceira corrente que entende que por motivo de força maior e fato de terceiro desde que este seja imprevisível, irresistível e externo, e também, que o dano não verse sobre empresa que desenvolva atividade perigosa. Ou seja, exceto nestes casos com excludente de responsabilidade, nos demais casos ainda que o empreendimento opere em conformidade com a licença ambiental obtida deverá reparar os danos causados ao ambiente ou indenizar pelos riscos produzidos em decorrência da responsabilidade objetiva de risco integral, onde ainda que sem danos há o dever de indenizar em decorrência do risco produzido pela atividade.

            Além das teorias e entendimentos doutrinários estudados é importante salientar que certos princípios do direito ambiental também amparam a possibilidade de responsabilização civil do empreendedor ainda que operante em conformidade com a licença obtida. Não se deve esquecer que os princípios do direito são considerados normas hierarquicamente superiores às demais normas, são, portanto, elementos propedêuticos na aplicação do direito.

            O princípio do limite é um dos princípios norteadores do direito ambiental. É em decorrência deste princípio que o poder público fornece os limites máximos de emissão de material poluente, de ruídos e outras matérias, bem como, dos limites de operação das atividades e empreendimentos sem que estes causem ou possam causar perigo ao meio ambiente e a saúde humana. O artigo 2º, III, da Lei 6.938/81, determina que um dos objetivos da política nacional do meio ambiente é o "planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais", razão pela qual o cumprimento do princípio do limite é uma das formas de se fiscalizar a utilização dos recursos naturais, posto que, serão determinados os padrões para o exercício de qualquer atividade que interfira ou possa interferir na qualidade ambiental. Por outro lado, em decorrência do princípio do limite haverá um planejamento no sentido de conservação e preservação do meio ambiente concomitantemente ao desenvolvimento econômico. Todavia, como bem ensina Machado (apud LEITE, 2003, p. 190), "nem sempre os parâmetros oficiais são ajustáveis à realidade sanitária e ambiental, decorrendo que, mesmo em se observando a norma, as pessoas e a natureza sofrem prejuízo".

            Em decorrência do principio do meio ambiente como um direito humano fundamental todas as pessoas têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado de forma que qualquer agressão ferirá o direito da coletividade, por isso toda agressão deve ser responsabilizada ainda que o agressor detenha licença ambiental concedida pelo poder público e opere em conformidade com ela.

            O princípio da prevenção busca proteger e impedir o cometimento de danos ambientais, tendo em vista que a reparação dos danos ainda que eficaz, na sua maioria não reverte ao status quo ante. Assim são impostas medidas mitigatórias às atividades que possam causar danos ao meio ambiente.Já em decorrência do princípio da precaução é impedida a instalação de atividades que possam causar danos ao ambiente, dos quais não há certeza da sua gravidade.

            Através do princípio do usuário–pagador é importo às pessoas físicas ou jurídicas que utilizem recursos naturais ou o meio ambiente a obrigação de pagar pela utilização privada de um bem difuso, ou seja, trata-se da internalização das externalidades ambientais negativas. Do mesmo modo, através do princípio do poluidor-pagador aquele que poluir o meio ambiente deverá reparar o dano. Segundo Benjamin (apud STEIGLEDER, 2004) o pagamento por poluir o ambiente tem por objetivo fazer com que o empreendedor invista em atividades de preservação e conservação dos recursos ambientais, as quais são mais baratas que a devastação. Não se trata de permitir a poluição, mas de impor sanções a quem polui, evitando-se assim que a coletividade responda pelos danos.

            3.1. Co-responsabilização do órgão licenciador pelo dano ambiental

            A administração pública, através de seus órgãos ambientais, como por exemplo, o CONAMA, prescreve padrões e limites toleráveis para o desenvolvimento de atividades que utilizem os recursos naturais ou que possam causar danos ao meio ambiente Neste sentido Antunes (2000, p.184) leciona:

            A demarcação de padrões e limites como os elementos diferenciadores daquilo que é do que não poluição é de tal maneira importante que chegou a se constituir em um princípio do limite, que é, concomitantemente, objetivo e instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente.

            Concernente a licença conferida pela administração pública Leite (2003, p. 192) apresenta o que segue:

            Ao poder público não é dado o direito de autorizar agressão ao meio ambiente e, assim, não existe presunção de legitimidade. O que, de fato acontece através da autorização administrativa, é que o agente estará isento da sanção administrativa ambiental, e não da responsabilização civil (grifo nosso).

            A responsabilidade da administração pública decorre da teoria objetiva, neste norte Meirelles (2001, p. 610) assevera:

            Resta, portanto, a teoria da responsabilidade sem culpa como a única compatível com a posição do Poder Público perante os cidadãos. [...] não se pode equiparar o Estado, com seu poder e seus privilégios administrativos, ao particular, despido da autoridade e de prerrogativa públicas. Tornaram-se, por isso, inaplicáveis em sua pureza os princípios subjetivos da culpa civil para a responsabilização da Administração pelos danos causados aos administrados. (grifo nosso).

            Na busca de se resolver à responsabilidade da administração pública, a doutrina criou teorias decorrentes da responsabilidade objetiva do Estado, sendo elas: teoria da culpa administrativa; teoria do risco administrativo e teoria do risco integral.

            Pela teoria da culpa administrativa entende-se "primeiro estágio da transição entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a tese objetiva do risco administrativo que a sucedeu, pois leva em conta a falta do serviço para dela inferir a responsabilidade" (MEIRELLES, 2001, p. 611).

            A falta de serviço conforme Schonardie (2003, p. 70) se apresenta em três espécies: "inexistência do serviço, mau funcionamento do serviço ou retardamento do serviço". "O terceiro prejudicado deve comprovar o fato material e a falta do serviço para obter indenização". Teoria do risco administrativo está prevista na Constituição Federal de 1988, sendo que "faz surgir a obrigação de indenizar apenas a ocorrência de lesão causada ao particular por ato da Administração". Não se exige qualquer falta de serviço público nem culpa dos agentes. [...] baseia-se no risco que a atividade pública gera para os administrados [...] (Schonardie, 2001, p. 70).

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            Na teoria do risco administrativo a administração pública poderá comprovando a culpa ou dolo da vítima isentar-se da reparação (Schonardie, 2001).

            E por fim, a teoria do risco integral, que não é usada na prática por ser abusiva no sentido que para esta teoria "a administração estaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa ou dolo da vítima" (Schonardie, 2001, p. 71).

            A responsabilidade civil objetiva da administração pública está prevista no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal de 1988, in verbis:

            Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

            § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (grifo nosso).

            Segundo Meirelles (apud Schonardie, 2001, p. 71) a norma constitucional citada "revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova da culpa do cometimento da lesão".

            A responsabilidade do Estado para os danos cometidos pelos seus agentes será objetiva. Todavia, refere-se a danos cometidos diretamente pelo agente, neste sentido Mello (apud SCHONARDIE, 2001, p 90) dispõe:

            [...] para se imputar à administração responsabilidade sobre dano ambiental que não causou diretamente, é necessário que exista algo mais para justificar tal imputação. Faz-se, pois, necessário que a culpa seja por negligência, imprudência ou imperícia no serviço, ensejadoras do dano, ou então do dolo, da intenção de omitir-se, quando era obrigatório para o Estado atuar e faze-lo segundo um certo padrão de eficiência capaz de obstar o evento lesivo [...].

            No mesmo sentido posiciona-se Freire (apud SCHONARDIE, 2001, p 90) que afirma:

            Em se tratando de responsabilidade direita, a questão não oferece problemas, já que aplica-se à administração idênticos princípios da responsabilidade objetiva utilizados para o particular. [...] Não há, entretanto, como explicar os rigores da teoria objetiva se não foi o próprio Estado que praticou o dano. Nessa hipótese aplica-se a teoria subjetiva.

            Referente à responsabilidade da administração pública sobre o dano ambiental que ocorre em atividade licenciada, urge destacar a posição de Edis Milaré (apud BAPTISTA, 2002, p. 72) nos termos que seguem:

            Parte passiva de ação ambiental será o responsável pelo dano ou pela ameaça de dano, seja pessoa física, seja pessoa jurídica, inclusive a administração pública. Entendemos que o poder público poderá sempre figurar no pólo passivo de qualquer demanda dirigida à reparação de meio ambiente: se ele não for responsável por ter ocasionado diretamente o dano, por intermédio de um de seus agentes, o será ao menos solidariamente, por omissão de um dever que é só seu, de fiscalizar e impedir que tais danos aconteçam. Ao Estado restará, no entanto, voltar-se regressivamente, neste último caso contra o direto causador do dano. (grifo nosso)

            Poluidor segundo a Lei 6.938/81, art. 3º, inciso IV, consiste em toda "a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental". Com base neste conceito Benjamin (apud Schonardie, 2001, p. 216) elucida que:

            [...] o vocábulo é amplo e inclui aqueles que diretamente causam o dano ambiental (o fazendeiro, o industrial, o madeireiro, o minerador, o especulador), bem como os que indiretamente com ele contribuem, facilitando ou viabilizando a ocorrência do prejuízo (o banco, o órgão público licenciador, o engenheiro, o arquiteto, o incorporador, o corretor, o transportador...). (grifo nosso)

            Para elucidar em definitivo a questão vale a pena transcrever o entendimento da representante do Ministério Público gaúcho Annelise Steigleder (2004, p.219):

            O art. 3º, inc. IV, da lei 6.938/81, permite a responsabilização do Poder Público por danos ambientais, devendo-se aqui apontar a divergência doutrinária e jurisprudencial sobre se o Estado responderia em todas as circunstâncias de forma objetiva; ou se esta modalidade de responsabilização incidiria apenas quando se tratasse de dano perpetrado mediante ação de agentes estatais, quando então, teria plena aplicabilidade o art. 37, §6º, da CF/88. A questão é polêmica, sendo possível distinguir três situações em que o Poder Público seria responsável pela reparação de danos ambientais.

            A primeira situação define-se pelo dano provocado diretamente pelo Poder Público, mediante ação de agentes estatais, ou por meio de concessionária de serviço público. Neste caso, aplicam-se os arts. 3º, IV e 14, §1º, da Lei 6.938/81, combinados com o art. 37, §6º, da CF/88. Há nexo de causalidade direto entre a ação do agente estatal ou da concessionária e o resultado lesivo, aplicando-se responsabilização objetiva, fundada no risco administrativo. (grifo nosso)

            No caso de dano provocado por concessionária de serviço público, estabelece-se a solidariedade entre o poder concedente e a concessionária, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça: [...].

            Em se tratando de omissão do Poder Público quanto ao funcionamento de serviço público que, na hipótese da degradação ambiental, consubstancia em deficiência do exercício do poder de polícia na fiscalização das atividades poluidoras e na concessão de autorizações administrativas e licenças ambientais, há divergência doutrinária.Conforme Mello, em se tratando de atividades clandestinas, a responsabilidade do Poder Público é subjetiva, [...]. (grifo nosso)

            Veja-se que, nesta hipótese, inexiste nexo de causalidade direto entre o dano ambiental e a atividade estatal, uma vez que o dano resultou de uma atividade clandestina do particular ou de uma atividade lícita particular empreendida em virtude de uma autorização administrativa ou do licenciamento ambiental irregular ou deficiente. Trata-se de uma responsabilidade indireta, decorrente da omissão, [...] pelo que se deve demonstrar que o Estado omitiu-se ilicitamente, "por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível.

            Já para Machado, Mancuso, Millaré a responsabilidade advinda da omissão estatal será sempre objetiva, eis que o art. 3º, IV, refere-se à responsabilidade indireta, pelo que não exigiria um nexo de causalidade direto entre ação e dano. Daí que o Poder Público que não coíbe uma ação do particular mediante ações fiscalizatórias, e que concede uma licença ambiental precária e ilegal, está concorrendo indiretamente para a produção do dano, aplicando-lhe a regra da responsabilidade civil objetiva e o princípio da solidariedade entre os co-poluidores. [...].(grifo nosso)

            O Estado tem o dever legal de prestar determinado serviço público e se omite, sendo esta omissão considerada a causa adequada do dano. [...] Neste caso, Paquelotto e Leite manifestam-se pela incidência da responsabilização objetiva do Poder Público, eis que a omissão estatal é causa direta do dano. (grifo nosso)

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Sobre as autoras
Denise Borges dos Santos

bacharel em Direito

Silviana Lúcia Henkes

advogada em Santa Catarina, especialista pela UFPEl, mestre e doutoranda pela UFSC e bolsista do CNPQ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Denise Borges ; HENKES, Silviana Lúcia. Da (im)possibilidade de responsabilização civil pelo dano ambiental causado por empreendimento operante em conformidade com a licença ambiental obtida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 813, 24 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7329. Acesso em: 27 abr. 2024.

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