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Possíveis reflexos da sociônica no Direito:

noções rudimentares

Agenda 01/10/2005 às 00:00

O presente artigo não tem por objetivo o esgotamento do tema. Instamos que prevalecerá o caráter especulativo (filosófico) e superficial da abordagem.

Um dos grandes anseios do homem foi o de rotular pessoas segundo padrões comportamentais e biológicos. Essas formas de parâmetros têm por anseio por reproduzir o sopro da constituição humana segundo um grupamento por características semelhantes.

A sociônica é uma ciência relativamente nova, fundada por Aushra Augusta, socióloga e economista, na década de 70 do século passado. É uma super-elaboração do modelo junguiano das principais funções cerebrais (intuição, sensação, pensamento e sentimento), por meio das quais são responsáveis pela noção primária e respectiva de: tempo, espaço, fato e valor, sendo duas qualitativas (intuição e sentimento) e duas quantitativas (sensação e pensamento). Tal modelo científico é uma integração de psicologia (aspecto interno das funções cerebrais), de sociologia (relações humanas, consórcios e atritos) e, por fim, de cibernética (o empréstimo da sistematização e da teoria da permuta de informação), refletindo indiretamente na pedagogia e na neurociência.

A validade da sociônica tem por base a permuta de informações entre os mais variados sujeitos na comunidade. Segundo esta ciência, o fato de termos atritos ou termos formação de consórcios é por força de (in) compreendermos o bloco de informações veiculadas por outros sujeitos, de sorte que, quando uma pessoa utiliza um conjunto de informações distintas das nossas, temos uma tendência natural a não compreendermos o ponto de vista alheio, daí conflitos. Assim, em termos rudes e superficiais, uma pessoa cuja preferência seja intuitiva (idealista) tende a ignorar o ponto de vista de uma outra cuja preferência seja pelo aspecto sensório (realista), e a recíproca é verdadeira. A forma com que a sociônica é estruturada é bem mais complexa, por meio da qual a inter-relação por tipos é, não raro, modulada em programas de computadores.

A classificação do número de sociotipos é binária (digital), 2x2x2x2 = 16 (quatro bits de informação). Há classificações outras que majoram para cinco bits (32 possíveis combinações), mas não sendo bem aceitas.

No leste europeu a sociônica (de onde surgiu) está bastante vulgarizada, fazendo parte do cotidiano das pessoas. Nas grandes potências como os Estados Unidos da América, Japão e França, é relativamente bem conhecida.

No Brasil uma escala anterior e bem mais conhecida, sendo ainda muito empregada por diversas empresas por critérios os mais variegados, é a escala MTBI, sendo tal modelo antecedente da sociônica. Uma das críticas da sociônica sobre a primeira é por causa de os tipos não serem sistematizados entre si e, por melhor que seja, há uma perspectiva interna dos padrões e não uma externa e pragmática (dinâmica), de caráter mais sociológico, além de não haver a preocupação com a permuta de informações entre as pessoas. Em linhas globais, é o aspecto sociológico e operacional, no que tange aos conflitos de interesses e aos consórcios, que interessará à ciência jurídica.

A sociônica demonstra que as pessoas estão divididas em quatro grupos segundo traços de semelhanças nas ações e na forma de pensar (denominada "quadra"). Desses grupos maiores há em cada um, uma subdivisão em grupos menores, totalizando 16 possíveis combinações (sociotipos).

Cada sociotipo (personalidade) é formado pela agregação de oito sub-funções cerebrais (o que garante a individualidade face aos demais), sendo quatro introvertidas e quatro extrovertidas, de forma descendente na consciência da utilização e intercalada quanto à expressão (o escalonamento das funções é denominado "Model A"). Victor Gulenko classifica as sub-funções em: intuição de tempo; intuição das possibilidades; ética das emoções; ética das relações; lógica processual; lógica estrutural; sensação de espaço de captura e; sensação de espaço de ajuste. As sub-funções mais conscientes (e utilizadas) têm relação com ego, as subconcientes (pouco utilizadas conscientemente) com o superego, consecutivamente vem as do superid (bastantes inconscientes) e, por fim, as do id (as funções mais inconscientes, reprimidas e agressivas).

Embora difícil, é possível a identificação de um sujeito pela escrita deste: a forma com que foi organizada e estruturada e a utilização das funções da linguagem no decurso do escrito (Explicam-se o fator de nos identificarmos melhor com certos autores, alunos e professores do que com outros).

A classificação "pura" dos sociotipos não interessa em grande parte ao Direito.

De regra, os sociotipos são estáveis, não mudando com o transcurso do tempo, o que permite certa previsibilidade nas ações e no temperamento. Na prática, passa a repercutir na forma de como o delito se consumou: se foi com excesso de emotividade (não confundir com sentimentos) ou pela privação da mesma, dentre outras possibilidades. Não se discute aqui a razão, o foro íntimo ou a reserva mental do sujeito.

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Transtornos de personalidade como a depressão, o esquizotípico, o esquizóide, o anti-social, dentre outros, têm relação com a modulação da personalidade (sociotipo), sendo considerada, conforme alguns adeptos, como uma personalidade não plenamente desenvolvida.

No caso dos transtornos não há privação do entendimento do caráter do ilícito. O que há são defecções no aparelhamento da cognição (memória, atenção etc.), distorcendo-se, por vezes, uma parte da percepção da realidade (de forma não global). Em geral, nos transtornos há uma profunda fixação em um estágio de desenvolvimento no individuo, de modo que a utilização da quarta sub-função na ordem descendente de consciência, fica de sobremaneira prejudicada, sendo essa responsável pela agenda secreta (um ideal a ser perseguido, mas nunca realizado), além do que é o "Calcanhar de Aquiles" (a função cerebral mais vulnerável) de qualquer pessoa. Assim, em termos práticos, um indivíduo cuja personalidade tenha uma predisposição a ser Introvertido Intuitivo Lógico (INTp), por quem a quarta sub-função seja de sobremaneira prejudicada, dá espaço a um sujeito esquizóide (por força do aspecto valorativo e ético ser assaz privado), tendo importância jurídica quando da comissão de delitos (modus operandi). Ainda, um outro exemplo, um individuo que seja Introvertido Lógico Intuitivo (INTj), poderá dar ensejo ao transtorno esquizotípico de personalidade, cuja função prejudicada é a sensória (percepção do mundo envolto ou do "background"), prevalecendo em grande parte o caráter criativo, imaginativo e fantasioso (quanto à expressão).

A noção da não realização da conduta é traduzida como um ato de cognição do que é ou não permitido, reportando-se a uma experiência pregressa do indivíduo, pela internalização de valores, reprimendas e óbices.

A depressão maior potencialmente repercute no aspecto jurídico do suicídio, ou no envolvimento em outros delitos, como no caso de consumo de drogas ilícitas.

Interessante destacar a Lei n° 10.216, que garante proteção por parte do Estado e de toda a sociedade àqueles acometidos de transtornos (de personalidade), tendo assim reproduzido em seu artigo terceiro:

"Art. 3º. É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais".

O reconhecimento da global privação da realidade do sujeito com a sua consecutiva interdição, fica estabelecida por meio de decisão judicial, nos termos da legislação cível pátria, sendo com que a Lei n° 10.216, estabelece em seu artigo nono:

"Art. 9º. A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários".

Urge instar, nos termos da legislação previdenciária, a possibilidade da re-inserção da pessoa ao bojo da sociedade e sua respectiva participação ativa por meio do labor, no que tange à reabilitação profissional [1].

Em termos de criminologia, a sociônica não é uma repetição bruta e não sistematizada dos estudos de César Lombroso. A sua preocupação maior é o aspecto operacional do sujeito, muito embora, há correntes doutrinárias que apontam o lado biológico e, portanto, fenotípico como responsável, em parte, pela modulação do caráter. Sergei Ganin é um dos adeptos da possibilidade da Identificação Visual, tal qual Lombroso em seus posicionamentos. Do outro lado, posiciona-se contra, o psicólogo Dmitri Lytov. Àqueles que forem adeptos da possibilidade de identificação visual, podem extrair, por indícios (provas fragmentárias e não conclusivas), referenciais de suma importância, desde expressões faciais ao comportamento estilizado como forma de "identificação" criminal.

Não há personalidade propriamente criminosa. Todas são propensas à consumação de delito. O que muda é o "modus operandi" (excesso ou privação de emoção, por exemplo) na consumação desses delitos por diversos tipos de sujeitos.

A sociônica pode ser um instrumental disposto aos operadores do Direito, mormente no que tange aos aspectos da criminalidade. No mais, a sociônica reflete a tangência no que concerne proteção jurídica aos acometidos de transtornos de personalidade por meio de medidas de sócio-adaptação e, mui particularmente, repercute nos conflitos, a base mor da ciência jurídica.


Bibliografia consultada


Notas

  1. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social: Custeio da seguridade social – Benefícios – Acidente do trabalho – Assistência social – Saúde. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 498.

Sobre o autor
Ricardo Régis Oliveira Veras

bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), bacharelando em Administração de Empresas pela Universidade Estadual do Ceará (UECE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VERAS, Ricardo Régis Oliveira. Possíveis reflexos da sociônica no Direito:: noções rudimentares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 822, 1 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7350. Acesso em: 23 nov. 2024.

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