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O direito e a locação de temporada na economia de compartilhamento

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Agenda 30/04/2019 às 23:47

4. PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 748/2015

Tramitava no Congresso Nacional um projeto de lei do senado (n. 748/2015) que alteraria a lei do inquilinato para atualizar a locação de temporada e incluiria a modalidade de compartilhamento de imóveis residenciais realizada por meio de sites e aplicativos.

O projeto de autoria do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) foi arquivado em 2015 ao final da Legislatura. Vale, de qualquer forma entender as modificações sugeridas no art. 48 da Lei 8.245/1991. Vejamos:

O atual parágrafo único passaria a parágrafo 1, com a seguinte redação:

§ 1º. No caso de a locação envolver imóvel mobiliado, constará do contrato, caso o locatário solicite, a descrição dos móveis e utensílios que o guarnecem, bem como o estado em que se encontram 12.

A alteração valorizaria a modernização do regime de locação para temporada, facultando ao locatário exigir o rol de utensílios presentes no imóvel (sendo esse mobiliado) e não mais exigindo tal burocracia. Segundo palavras do senador“privilegia-se, assim, a autonomia da vontade, e homenageia-se a praticidade"13.

Seriam ainda acrescentados os parágrafos 2 e 3:

"§ 2º. Não descaracterizam a locação para temporada:

I – O oferecimento de imóveis residenciais para locação, em todo ou em parte, por meio de sítios eletrônicos ou aplicativos, observados o disposto no caput;

II – A cobrança, em apartado, de valores como indenização das despesas com limpeza.

§ 3º. O locador que prestar qualquer serviço regular de hospedagem deverá obter os cadastros do Ministério do Turismo e os demais cadastros previstos em lei14.

A inclusão do parágrafo segundo deixa claro que a locação de temporada via aplicativo se enquadraria no conceito locação de temporada já previsto na lei n. 8.245/1991, afastando toda e qualquer interpretação que a aproximaria das hospedagens previstas no Regulamento de Turismo. O autor reforça que o projeto segue as orientações do Ministério do Turismo que já havia se pronunciado de que a locação via aplicativo não se enquadra na Lei Geral de Turismo, "estabelecendo que a locação de imóveis residenciais para temporada segue sendo tratada no âmbito da Lei 8.245/1991, independentemente do auxílio de novas ferramentas tecnológicas"15.

O projeto tinha o cuidado de detalhar que a cobrança de itens indenizatórios como a limpeza do imóvel e a utilização de roupas de cama não retiraria a natureza de locação do contrato realizado, ou seja, não configuraria a presença de serviços de hospedagem.

Segundo justificativa do autor “é extremamente comum exigir do inquilino que,ao final do contrato, promova a pintura e o asseio do imóvel, exigência essa que pode ser feita mediante a estipulação de valor a ser pago em favor do locador, que se encarregará de realizer essa pintura e essa limpeza".

A desconfiguração de locação ocorreria somente quando a disponibilização do imóvel fosse indissociavelmente acompanhada de um conjunto de serviços regulares prestados pelo hospedeiro, ou seja, excluiriam-se pequenas manifestações de hospitalidade mas teriam a cautela de evitar a proliferação de hospedarias e hotéis ilegais. O projeto, em suas justificativas, deixava claro que os aplicativos de compartilhamento serviam para facilitar a conexão entre locador e locatário, com a finalidade de se alugar imóveis ou parte deles. Qualquer tentativa daqueles que oferecessem serviços típicos de hotelaria (o que não inclui a cobrança de taxa de limpeza) deverim ser descaracterizadas da previsão legal e enquadrados na Lei do Turismo. Para ilustrar a situação é mencionado uma decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul na qual a apelante defendia a locação de quartos de uma residência em que todas as portas tinham marcações, característica inerente a ambientes e estabelecimentos hoteleiros 16.

Certamente, se esse projeto não tivesse sido abandonado e arquivado no fim da legislatura (como muitos são), a sua aprovação modernizaria nossa legislação para enquadrar os diferentes setores da econômia nas tecnologias peer-to-peer,viabilizando a troca de informações, conexões entre pessoas e realização de contratos em tempo real através de plataformas ou sites. A regulamentação e incentivo do uso das ferramentas de modernização com certeza contribuiria para o desenvolvimento da economia e, no caso das locações de temporada, apoiaria o favorecimento do turismo, o desenvolvimento de cidades menores, que muitas vezes não dispõe de rede hoteleira, ampliando as fontes de renda dos cidadãos brasileiros.

Como já comentamos anteriormente, as novas ferramentas estão movimentando grupos e legisladores do mundo inteiro afim de evitarmos a busca do judiciário para resolução de controvérsias e o Brasil não pode ficar para trás.


CONCLUSÃO

As locações de temporada via plataforma ainda se encontram sem regularização específica mas, o entendimento de sua natureza jurídica fica bem claro se compararmos as normas vigêntes (lei de locações e regulameto geral do turismo). Analisamos que a locação de temporada via aplicativo não é a venda de hospedagem em estabelecimento determinado para esse fim pelo simples fato de se comercializar diárias. A lei 8.245/1991, ainda que desatualizada, é sim a ferramenta certa para nortear as disputas judiciais nesse sentido. As locações feitas pelo Airbnb, ou qualquer outra plataforma, visam a venda de locação para fins residenciais. Essas usalmente tem tempo inferior a 90 dias, são realizadas por um contrato entre as partes – ainda que seja um acordo não formalizado e de forma eletrônica – e se utilizam de pagamento integral antecipado, o que vai em sentido com a permissão presente na lei do inquilinato.

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As convençoões de condomínio prevêm uma finalidade residencial para a utilização de suas unidades. Da mesma forma, ao proprietário é dado o direito de locar sua propriedade e receber contra-prestação onerosa por isso. O fato de terem locatários temporários circulando no condomínio e destes estarem presentes por pouco tempo, não faz com que a finalidade residencial do prédio seja desviada. O locatário ou guest está no local para dormir, descansar, passear, para usar do imóvel como residência, ainda que por curto espaço de tempo. Há a preocupação pelos condômínios de que desgates e danos na área comum possam ser mais frequentes com a rotatividade maior de pessoas, mas como vimos, isso pode ser resolvido na esfera cívil o e condomínio pode regularizar esse tipo de situação responsabilizando o proprietário por danos causados por seus hóspedes. Enfim, há inúmeras maneiras de resolver essas peculiaridades, no entanto, a dura pena de proibir já está levando inúmeros proprietários à esfera judicial e conseguindo garantir seus direitos com decisões a seu favor, fazendo prevalecer o direito de propriedade e afirmando que a locação de temporada via aplicativo se encaixa na lei de locaçõe e não desvirtuam a finalidade residencial dos condomínios. O discurso desses de que a circulação constante de pessoas estranhas aos residentes permanentes pode prejudiciar o andamento e a seguranca do local é muito superficial se pensarmos que nesse locais também circulam visitas e hóspedes que são pessoas estranhas à aqueles locais.

O aplicativo realiza o cadastro das pessoas que o utilizam e ao proprietario é possível fazer uma seleção sobre seus hóspedes e conhecê-los um pouco mais através de comentários e indicações de locações anteriores realizadas. É, em primeiro lugar, interesse e preocupação daquele que está abrindo sua casa e locando seu imóvel (normalmente mobiliado e completo em acessórios) ter um guest com bonsreviews e comentários positivos anteriores. Caso contrário, o proprietário não deixaria seu bem nas mãos de uma pessoa em más referências. O fato da relação entre as partes ser superficial não faz com que esse tipo de relação seja mais insegura que as demais.

A normalização elaborada pelo Senado que atualizaria a antiga modalidade de locação de temporada e incluiria a famigerada locação via aplicativo encerrariam as discussões acerca da natureza jurídica desse tipo de locação e privaria o judiciário das inúmeras causas a respeito do assunto, no entanto, foi arquivada no final da legislatura em 2015, permanecendo a questão para análise judicial.

A nova era de compartilhamento, do consumo compartilhado e consciênte tem feito os países e grupos do mundo inteiro se manifestarem sobre o que pensam e de como resolverem os problemas jurídicos e tributários gerados por essa modernização. Países mais flexíveis como a Holanda ou locais mais restritivos como Nova York e Barcelona já se pronunciaram sobre o assunto. O foco é que não podemos ficar travando brigas jurídicas entre normas desatualizadas e sim sermos eficientes em produzir e atualizar o nosso ordenamento conforme a economia e demanda atual. O Airbnb surgiu no Brasil num momento super delicado econômicamente, em que diversos condomínos estavam com seus imóveis parados e osciosos por falta de procura, muitas vezes gerando um custo altíssimo para os edifícios por terem suas quotas e mensalidades atrasadas. Nesse sentido, nosso legislativo necessita atuar de maneira inteligente e regularizar a normatização atual mantendo e detalhando a permissão desse tipo de locação uma vez que não podemos fechar os olhos aos novos moldes do consumo colaborativo e da era de compartilhamento.


Notas

1 Havia um projeto de lei do senado (n. 748/2015) que iremos detalhar mais adiante.

2 BRASIL, Lei sobre a política nacional de turismo, de 17 de Setembro de 2008.

3 Art. 22. Os prestadores de serviços turísticos estão obrigados ao cadastro no Ministério do Turismo, na forma e nas condições fixadas nesta Lei e na sua regulamentação. Da mesma forma, o art. 23,  1oestabelece que ös empreendimentos ou estabelecimentos de hospedagem que explorem ou administrem, em condomínios residenciais, a prestação de serviços de hospedagem em unidades mobiliadas e equipadas, bem como outros serviços oferecidos a hóspedes, estão sujeitos ao cadastro de que trata esta Lei e ao seu regulamento.

4 BRASIL, Lei n. 8.245 de 18 de Outubro de 1991.

5 SOUZA, Sylvio Capanema de. A lei do Inquilinato comentada. 9a ed. ver. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p.205.

6 Para maiores informações sobre disputas judiciais em diversos países e regulamentações do Airbnb vide o artigo: AIRBNB E OS IMPASSES REGULATÓRIOS PARA O COMPARTILHAMENTO DE MORADIA: NOTAS PARA UMA AGENDA DE PESQUISA EM DIREITO.https://www.researchgate.net/publication/321156274_AirBnB_e_os_impasses_regulatorios_para_o_compartilhamento_de_moradia_notas_para_uma_agenda_de_pesquisa_em_direito

7 TJPR – 8a C.Civel – AC – 1319302-5 – Martinhos – Rel.: Guilherme Freire de Barros Teixeira –Unânime – J. 12.03.2015.

8 TJPR - 9a C. Cível - AC - 1602433-0 - Curitiba - Rel.: José Augusto Gomes Aniceto - Unânime - J. 23.02.2017)

9 IDEM

10 BRASIL, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – art. 1.33711 BRASIL, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – art. 1.351

12 BRASIL. Projeto de Lei do senado n. 748/2015 que altera a Lei n. 8.245/1991, art. 48, parágrafo 1.

13 idem, p.3.

14 BRASIL. Projeto de Lei do senado n. 748/2015 que altera a Lei n. 8.245/1991, art. 48, parágrafo 3.

15 Idem

16 TJMS - 3a C. Cível – Apelação 0800624-66.2015.8.12.0006 – Camapuã – Rel.: Eduardo Machado Rocha – 06.10.2015


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SOUZA, Sylvio Capanema de. A lei do Inquilinato comentada. 9a ed. ver. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

BRASIL, Lei n. 8.245, de 18 de Outubro de 1991. BRASIL, Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. BRASIL, Projeto de Lei do senado n. 748/2015

TAVOLARI, BIANCA. AirBnB e os impasses regulatórios para o compartilhamento de moradia: notas para uma agenda de pesquisa em direito. https://www.researchgate.net/publication/321156274_AirBnB_e_os_impasses_regul atorios_para_o_compartilhamento_de_moradia_notas_para_uma_agenda_de_pesq uisa_em_direito. 2017, acesso em Março de 2019.

JORDÃO, Tales. Proibir a locação de temporadas em condôminio. https://www.sindicoprofissional-jean.com.br/2017/06/08/proibir-temporada- condominios. Acesso em Março de 2019.

CABRAL, Cristiano. Airbnb versus lei de locações. https://blog.cristianosobral.com.br/airbnb-versus-lei-de-locacoes. Maio de 2017. Acesso em Março de 2019.

Sobre a autora
Priscila Monteiro

Advogada do escritório Farah, Mansur & Sampaio Advogados Associados, OAB N°276125, formada pela Facamp em 2007, pós graduada em Processo Civil em 2009 e em Direito Imobiliário e Registral em 2011. Paralegal certificada na Universidade do Golfo da Florida em 2020.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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