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O tratamento do terrorismo pelo aparato normativo internacional

Agenda 30/09/2005 às 00:00

O enfoque jurídico do terrorismo é, talvez, mais controverso que os enfoques político e sociológico, bastando dizer que não existe um único texto ou resolução que o tipifique de forma abrangente, mas apenas tentativas pouco consistentes nos planos global e hemisférico. [01] É o caso das 12 convenções internacionais e 8 regionais referentes a atos pontuais como a Convenção para a Repressão a Atentados Terroristas com o Emprego de Explosivos, a Convenção das Nações Unidas para a Repressão do Financiamento do Terrorismo de 1999, a Convenção Interamericana contra o Terrorismo, entre outras. No âmbito do Direito Internacional, tem-se a canhestra situação em que é proclamado o combate a uma série de atos terroristas pontuais e a consagração da reprovabilidade e delituosidade do terrorismo, sem que se defina ou mesmo o tipifique.

Depois de atentados de grandes proporções e comoção internacional, costuma-se discutir a adoção de uma convenção abrangente sobre o tema. Tem-se como exemplo o assassinato em Marselha do Rei Alexandre I da Iugoslávia e do Ministro Francês Louis Barthou em 1934, primeiro acontecimento noticiado em todo o mundo como terrorismo internacional. [02] Logo após este acontecimento, a Sociedade das Nações chegou a encaminhar uma Convenção para a Prevenção e Repressão ao Terrorismo, a qual se limitou a definir o terrorismo como atos dirigidos contra o Estado e não chegou a propor medidas efetivas de repressão internacional.

Esta Convenção, que nunca entrou em vigor, enumerava os crimes e limitava a tipificação terrorista unicamente aos fatos cometidos contra Estados. O terrorismo foi então definido como "fatos criminosos dirigidos contra um Estado e cujos fins ou natureza consiste em provocar o terror em pessoas determinadas, grupos de pessoas ou no público de forma geral". [03]

A Carta das Nações Unidas, suas convenções e declarações pioneiras como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, sequer mencionam o termo "terrorismo". Também em acordos multilaterais estabelecidos fora da organização logo após a Segunda Guerra Mundial, pouco se discutiu sobre o tema, uma vez que as atenções da sociedade internacional se voltavam para o conflito leste-oeste. O art. 33 da IV Convenção de Genebra de 1949 chega a condenar medidas de terrorismo nos conflitos armados internacionais, o qual abrange a guerra interestatal (art. 1.3 do I Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 1949) e os movimentos de resistência à discriminação racial e o emprego da força por parte de um povo no exercício da sua autodeterminação (art. 1.4 do I Protocolo Adicional). Em 1977 o art. 4.2.d do II Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 1949 estenderia esta vedação aos conflitos não-internacionais. Em nenhum dos dispositivos aqui mencionados, porém, faz-se uma definição do que seja medida de terrorismo.

Diversas resoluções da Assembléia Geral propõem medidas de combate ao terrorismo. As pioneiras foram a Resolução nº 2.625 de 1970 e a Resolução nº 3.043 de 1972, a qual criou o Comitê Especial encarregado de investigar "as causas subjacentes de formas de terrorismo e de atos de violência que têm sua origem na miséria, nas decepções e na falta de esperança e que levam pessoas a sacrificar vidas humanas, incluindo a sua, para tentar fazer mudanças radicais." Outras resoluções posteriores que abordam de maneira pontual o terrorismo podem ser citadas como a Resolução nº 40 de 1985 e a Resolução nº 42 de 1987.

As resoluções posteriores à 49/60 de 1995 recomendam os Estados a seguirem uma série de medidas como: i) abstenção de praticar, tolerar ou financiar atividades terroristas em seus territórios, ii) respeito aos direitos humanos na luta contra o terrorismo internacional, iii) esforços de captura, julgamento e extradição dos autores de atos de terrorismo, iv) cooperação entre os Estados no intercâmbio de informações, instituição e adesão a convênios e harmonização das legislações internas em relação a tais convênios. [04]

A posição do Conselho de Segurança até o final da década de noventa se fundou, basicamente, na condenação de atentados concretos, ênfase na importância da coordenação entre os Estados e solicitação de cooperação nas atividades de captura, julgamento e extradição de acusados de terrorismo. É o caso das resoluções 731 e 748, ambas de 1992, referentes ao atentado de Lockerbie atribuído ao governo líbio de Muamar Kadafi. Manifestações imperiosas do Conselho se limitavam à exigência de extradição de acusados de terrorismo e, em raras ocasiões, foram aplicadas sanções aos países que não atenderam tal exigência, a exemplo da Resolução 1.054 de 1996 em relação ao governo do Sudão. [05] Esta posição modificou-se estruturalmente a partir do final da década de 90 e se radicalizou após os atentados de 11 de setembro de 2001, os quais motivaram as resoluções 1.368, 1.373 e 1378.

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A Resolução 1373 impõe a obrigação internacional de combate ao terrorismo, principalmente no âmbito interno de cada Estado, sob pena de invocação pelo Conselho dos mecanismos de enforcement do Capítulo VII da Carta de São Francisco. Em última análise, tal resolução implicou o aumento de competências e atribuições do próprio Conselho não previstas na Carta de São Francisco. [06] Ademais, abre um precedente no qual o Conselho chama para si a competência para regular situações genéricas e abstratas, passando a atuar como verdadeiro órgão legiferante na esfera internacional. [07] "Até recentemente, a grande maioria dos especialistas do direito internacional consideravam que o Conselho de Segurança não poderia agir a não ser em face de uma situação concreta, e na medida exata que esta situação exigisse". [08]

O conteúdo da Resolução 1.368 é semelhante, com o agravante de admitir o exercício do direito à legítima defesa individual ou coletiva nos termos do art. 51 da Carta da ONU pelos Estados Unidos. Tal resolução é, sem dúvida, uma afronta às disposições da Carta das Nações Unidas sobre o Direito da Guerra e, entre outras, à definição de "agressão" presente na Resolução 3.314 da Assembléia Geral. Ao prever o direito de exercer a legítima defesa sem mencionar contra qual Estado este direito seria exercido, a resolução foi demasiado permissiva. Um dos fundamentos jurídicos do governo americano na invasão do Afeganistão e do Iraque foi justamente a permissão contida na Resolução nº 1.368. A nosso ver, as duas mencionadas resoluções são flagrantemente ilegais dentro da sistemática da Carta de São Francisco. Ainda que controversa esta matéria, consideramos que são passíveis de controle de legalidade pela Corte Internacional de Justiça, uma vez que o Conselho agiu de forma ultra vires, excedendo os limites da sua competência ao aprova-las.

Fato é que o grande número de convenções que procuram definir o terrorismo e criar instrumentos para o seu combate, e a grande adesão dos Estados, eliminam quaisquer dúvidas sobre uma opinio juris em relação ao dever de se envidar esforços para preveni-lo. O terrorismo caracteriza-se, pois, como um delito hostis humanis generis, situando-se entre os mais repudiáveis crimes internacionais. [09] Entre as principais convenções internacionais para a repressão e prevenção de atos terroristas pode-se citar as seguintes:

- Convention on the High Seas, Apr. 29, 1958;

- United Nations Convention on Law of the Sea, Dec. 10, 1982, 21 I.L.M. l261;

- Convention for the Suppression of Unlawful Acts Against the Safety of Maritime Navigation, Mar. 10, 1988;

- Protocol for the Suppression of Unlawful Acts Against the Safety of Fixed Platforms Located on the Continental Shelf, l0 Mar. l988;

- Convention on Offences and Certain Other Acts Committed on Board Aircraft, Sept. 14, 1963;

- Convention for the Suppression of Unlawful Seizure of Aircrafts (Hijacking Convention), Dec. 16, 1970;

- Convention on the Prohibition of the Development, Production, Stockpiling and Use of Chemical Weapons and on their Destruction (CWC Convention], Jan. 13, 1993, 32;

- Convention for the Suppression of the Financing of Terrorism [Terrorism Financing Convention]; U.N. Doc. 9 Dec. l999;

- Convention for the Suppression of Unlawful Acts Against the Safety of Civil Aviation, Jan. 26, 1973;

- Protocol for the Suppression of Unlawful Acts of Violence at Airports Serving Civil Aviation [Montreal Protocol], Jan. 12, 1988, 27;

- Convention on the Prevention and Punishment of Crimes Against Internationally Protected Persons, Including Diplomatic Agents [Diplomats Convention], Dec. 14, 1973

- Convention Against the Taking of Hostages [Hostage-Taking Convention], Dec. 17, 1979;

- Convention on the Safety of United Nations and Associated Personnel [U.N. Personnel Convention];

- Convention on the Marking of Plastic Explosives for the Purpose of Detection, Mar. 1, 1991;

- Convention for the Suppression of Terrorist Bombings [Terrorist Bombing Convention], U.N. Doc. 9 Jan. 1998;

- Convention on the Prohibition of the Development, Production and Stockpiling of Bacteriological (Biological) and Toxin Weapons and on Their Destruction [BWC Convention], Apr. 10, 1972;

- Convention on the Physical Protection of Nuclear Material3 Mar. l980;

- Convention on the Prohibition of the Development, Production, Stockpiling and Use of Chemical Weapons and on their Destructionl3 Jan. l993;

- Draft Convention on the Suppression of Acts of Nuclear Terrorism [Nuclear Terrorism Convention], U.N. Doc. Jan. l997).

Apesar de não estar previsto in verbis no Estatuto do Tribunal Penal Internacional, pode-se considerar o terrorismo como espécie do gênero "crimes contra a humanidade", inserindo-se na previsão genérica da alínea k do art. 7.1 do Estatuto de Roma – outros atos desumanos de caráter (...) que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental. [10]

Enfim, ainda que controvertida e lacunosa a sua análise em face do Direito Internacional, pode-se dizer que, qualquer que seja sua motivação, trata-se de uma conduta ilícita [11] e sua repressão é uma obrigação internacional de natureza erga omnes, pois não há dúvidas de que todos os Estados têm um interesse jurídico neste sentido. [12]


Referências Bibliográficas

BORRADORI, Giovanna. Filosofia em tempo de terror: diálogos com Habermas e Derrida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

BRANT, Leonardo Nemer C. & LASMAR, Jorge Mascarenhas. O Direito Internacional e o terrorismo internacional: novos desafios à construção da paz. In: BRIGAGÃO, Clóvis & DOMÍCIO, Proença Jr. (org.). Paz & Terrorismo. São Paulo: Editora Hucitec, 2004.

BRUCE, D. Jones. A manutenção da paz pelas Nações Unidas: novos desafios. In: BRIGAGÃO, Clóvis & DOMÍCIO, Proença Jr. (org.). Paz & Terrorismo. São Paulo: Editora Hucitec, 2004.

FERNANDES, Luis. Violência, instabilidade e resistência: o mundo que emerge dos escombros dos atentados de 11 de setembro. Rio de Janeiro, 2003. Disponível em: http://www.vermelho.org.br/principios/anteriores.asp?edicao=65&cod_not=239

GUILLAUME, Gilbert. Terrorismo e Justiça Internacional. In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. (coord.). O Brasil e os novos desafios do direito internacional. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 27-39.

LAQUEUR, Walter. Postmodern terrorism. In: Foreign Affairs, v. 75, n. 5, 1996, p.24-36.

PELLET, Sarah. A ambigüidade da noção de terrorismo. In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira (coord.) Terrorismo e direito: os impactos do terrorismo na comunidade internacional e no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2003.


Notas

01 GUILLAUME, Gilbert. Terrorismo e Justiça Internacional. In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. (coordenador). O Brasil e os novos desafios do direito internacional. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 28-29.

02 PELLET, Sarah. A ambigüidade da noção de terrorismo. In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira (coord.) Terrorismo e direito: os impactos do terrorismo na comunidade internacional e no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 11.

03 BRANT, Leonardo Nemer C. & LASMAR, Jorge Mascarenhas. O Direito Internacional e o terrorismo internacional: novos desafios à construção da paz. In: BRIGAGÃO, Clóvis & DOMÍCIO, Proença Jr. (org.). Paz & Terrorismo. São Paulo: Editora Hucitec, 2004, p. 184.

04 Os principais convênios de repressão a atos pontuais de terrorismo surgiram graças aos trabalhos preparatórios e resoluções aprovadas na Assembléia Geral. Nos anos noventa, surgiram, duas importantes convenções sobre o terrorismo, a Convenção Internacional para a Supressão de Explosões Terroristas de 1997, e a Convenção Internacional para a Supressão do Financiamento ao Terrorismo de 1999. A primeira procura negar refúgio aos responsáveis por atentados terroristas com o uso de explosivos e obrigar os Estados a punir ou extraditar os mesmos, enquanto a Convenção de 1999 busca obrigar os Estados a punir ou extraditar os responsáveis por financiar atentados terroristas e requerer aos bancos que tomem medidas para identificar transações suspeitas.

05 O que motivou as sanções ao Sudão foi o não-cumprimento da Resolução 1.044 de 1996, a qual exigia a extradição de três suspeitos de tentativa de assassinato do então presidente egípcio na cidade de Addis Abeba (Etiópia) em 26 de junho de 1995.

06 A resolução 1373 "exige" dos Estados-membros, sob pena de aplicação de sanções, entre outras coisas: i) que se abstenham de proporcionar qualquer tipo de apoio financeiro aos grupos terroristas, ii) neguem refúgio ou apoio aos terroristas, iii) façam um intercâmbio de informações com outros governos acerca dos grupos que cometam atos de terrorismo ou pretendam comete-los, iv) cooperem com outros governos na investigação, detenção e processamento de quem participe nestes atos, v) tipifiquem como crime em sua legislação interna a assistência ativa ou passiva ao terrorismo e julguem quem infrinja esta legislação e vi) aderem o mais breve possível às convenções e protocolos internacionais pertinentes relativas ao terrorismo. Além destas exigências, o Conselho institui o Comitê de Combate ao Terrorismo (CCT), responsável pela fiscalização de cumprimento da Resolução 1.373.

07 Do ponto de vista formal, lei é o ato normativo que emana de um órgão de natureza e competência legislativa (o que não é o caso do Conselho). Do ponto vista material, por sua vez, considera-se lei uma norma geral, abstrata, obrigatória e inovadora do ordenamento jurídico no qual se insere.

08 Pellet, apud BRANT, Leonardo Nemer C. & LASMAR, Jorge Mascarenhas. O Direito Internacional e o terrorismo internacional: novos desafios à construção da paz. In: BRIGAGÃO, Clóvis & DOMÍCIO, Proença Jr. (org.). Paz & Terrorismo. São Paulo: Editora Hucitec, 2004.

09 TIEFENBRUN, Susan. A Semiotic Approach to a Legal Definition of Terrorism. ILSA J. Int´l & Comp, 2003, p. 383.

10 Sobre este tema ver PROULX, Vincent-Joel. Rethinking the jurisdiction of the international criminal court in the post-september 11th era: should acts of terrorism qualify as crimes against humanity? In: XIX American University International Law Review, 2004.

11 Na doutrina penal mais moderna, considera-se crime a conduta ilícita, típica e culpável. Sendo o terrorismo uma conduta ilícita, faltaria, para ser considerado um crime internacional, sua tipificação por algum Tratado, sendo a culpabilidade aferida no caso concreto.

12 BRANT, Leonardo Nemer C. & LASMAR, Jorge Mascarenhas. O Direito Internacional e o terrorismo internacional: novos desafios à construção da paz. In: BRIGAGÃO, Clóvis & DOMÍCIO, Proença Jr. (org.). Paz & Terrorismo. São Paulo: Editora Hucitec, 2004, p. 190

Sobre o autor
Daniel Lopes Cerqueira

bacharel em Direito pela UFMG, bacharel em Relações Internacionais pela PUC Minas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CERQUEIRA, Daniel Lopes. O tratamento do terrorismo pelo aparato normativo internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 821, 30 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7368. Acesso em: 22 nov. 2024.

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