Circulou na mídia e nas redes sociais a notícia de que o governo da Estônia, país Báltico situado no nordeste da Europa que está virando referência no emprego de soluções tecnológicas de vanguarda nos serviços públicos, está desenvolvendo um projeto-piloto para que, até o final do ano, conflitos envolvendo questões contratuais de menor valor (de até 7 mil euros) sejam julgadas por um juiz robô. Ele decidirá a controvérsia utilizando-se de inteligência artificial, podendo a decisão ser revisada por um juiz humano.
O intuito do projeto é reduzir a quantidade de processos julgados por juízes de carne e osso e “desafogar” o poder judiciário. A ideia é solucionar um problema que é exponencialmente maior na realidade brasileira, de tal modo que imaginarmos que medida semelhante possa ocorrer no futuro próximo no Brasil não é devaneio de ficção científica.
Obviamente, qualquer medida que tenha por propósito maior remediar o colapso que temos no nosso poder judiciário é louvável. Porém, a reflexão que tem de ser feita é um pouco mais profunda e extrapola o âmbito jurídico.
Não é mais novidade para ninguém que vivemos numa sociedade hiperconectada, na qual estamos acessíveis desde a hora que acordamos até quando vamos dormir, sendo diversas as ferramentas de comunicação utilizadas para relações profissionais e pessoais. Curiosamente, quanto mais conectados estamos, menos dialogamos. Estamos gradativamente perdendo o hábito da conversa olho no olho, da negociação presencial, da empatia em “tempo real”, e maquinizando as nossas relações.
Não é por acaso que as competências emocionais estão sendo cada vez mais valorizadas no mercado de trabalho. A habilidade da comunicação, que antes era instintiva e natural, agora é algo em escassez e que necessita ser desenvolvido, não apenas nos jovens profissionais, mas em todos que atuam em alguma profissão.
Nesse contexto, a iniciativa estônica chega a parecer óbvia e condizente com a sociedade atual. Entretanto, se adotarmos como premissa que usaremos máquinas para resolver os problemas que não estamos conseguindo por meio da interação humana, teremos em breve uma sociedade muda, sem espaço para o diálogo.
Imaginemos que a robotização não fique restrita ao poder judiciário, mas, futuramente, passe a ser adotada também nos meios extrajudiciais de solução de controvérsias (os MESCs), como mediação e arbitragem. Será que teremos em breve mediadores e árbitros robôs?
Independentemente do mecanismo que as partes decidam utilizar para a resolução de uma disputa, enquanto sociedade, todos os envolvidos no conflito (partes, assessores, interlocutores e julgadores, se aplicável) deveriam preocupar-se com a manutenção ou reconstrução das relações humanas
Confesso que, ao escrever esse texto, sinto-me, de certa forma, um taxista pregando contra a “uberização”. Talvez seja um sentimento comum a diversos outros indivíduos da geração X que, como eu, ficam constrangidos ao questionar os avanços tecnológicos. De todo modo, o leve constrangimento não é impeditivo para que seja feita a reflexão: estamos fazendo muito para resolvermos de forma mais célere e eficaz os problemas que nós mesmos criamos, mas o que temos feito para preservarmos as relações humanas, o diálogo e a empatia?
Aos diversos advogados que, assim como eu, estão sendo surpreendidos pelas novas tecnologias, fica uma sugestão: mais foco nas pessoas e não apenas nos problemas. A assessoria especializada e preventiva é indicada para a redução dos litígios, mas o uso apenas das ferramentas jurídicas pode ser ineficaz para preservar o maior interesse que temos enquanto sociedade: as relações humanas.