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Lei nº 9.099/95 e ação penal privada

            A Lei n. 9.099/95 instaurou um novo modelo político-criminal no País, que, até então, era marcadamente repressivo (Lei dos Crimes Hediondos, Lei do Crime Organizado). O novo modelo por ela apresentado é o do consenso, novo paradigma na Justiça Criminal brasileira.

            Dentre as várias inovações trazidas pelo novo Estatuto Legal, duas se mostram de especial importância: os institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo.

            A transação penal prevista no art. 76 da Lei n. 9.099/95 é cabível para todas as infrações de menor potencial ofensivo. Estas, segundo o art. 61 desse diploma legal, são todas as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima abstrata não superior a 1 (um) ano, excetuados os casos em que haja previsão de procedimento especial.

            Ocorre, porém, que a Lei dos Juizados Especiais Federais (Lei n. 10.259/2001) estendeu o conceito de infração de menor potencial ofensivo, definindo-a, no art. 2.º, como toda aquela cuja pena máxima não for superior a 2 (dois) anos, ou multa, além de não ter excluído da sua abrangência as infrações sujeitas a procedimento especial, portanto, e tal é pacífico na doutrina e jurisprudência, a transação penal é instituto a ser aplicado a todas as contravenções e crimes em que a pena máxima abstrata não seja superior a 2 (dois) anos, ou multa, estando ou não submetidas a procedimento especial.

            Bem se vê que o campo da transação penal alargou enormemente, podendo-se afirmar, sem dúvida, que atualmente a imensa maioria das infrações está submetida ao procedimento ordinário (crimes apenados com reclusão) ou à Lei n. 9.099/95.

            O art. 76, todavia, limitou a transação penal às infrações de ação penal pública incondicionada e condicionada à representação, uma vez que legitimou apenas o Ministério Público para a sua propositura. Não houve previsão da aplicação do instituto às ações penais privadas.

            O mesmo ocorreu em relação à suspensão condicional do processo. O art. 89 prevê que a suspensão do processo é cabível para os crimes cuja pena mínima cominada for igual ou inferior a 1 (um) ano, tenham ou não rito especial. Limitou, todavia, a sua aplicação apenas aos crimes de ação penal pública (incondicionada ou condicionada), uma vez que legitimou apenas o Ministério Público para a proposta.

            A doutrina, vacilante de início, acabou por admitir a aplicação, por analogia, do disposto na primeira parte do art. 76, para incidir também nas infrações mediante queixa. Também assim em relação à suspensão do processo. Atualmente é corrente o entendimento do cabimento da suspensão aos crimes de ação penal privada (exclusivamente privada ou personalíssima).

            A jurisprudência brasileira comunga esse mesmo entendimento. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), pela sua 5.ª T., no HC n. 13.337/RJ, rel. Min. Felix Fischer, j. em 15.5.2001, DJ de 13.8.2001, p. 181, proclamou que "A Lei n. 9.099/95, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permite a transação e a suspensão condicional do processo, inclusive nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada". Mais recentemente, a 5.ª T. se pronunciou novamente, no HC n. 34.085/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, j. em 8.6.2004, DJ de 2.8.2004, p. 457, deixando estabelecido que "A Terceira Seção desta Egrégia Corte firmou o entendimento no sentido de que, preenchidos os requisitos autorizadores, a Lei dos Juizados Especiais Criminais aplica-se aos crimes sujeitos a ritos especiais, inclusive aqueles apurados mediante ação penal exclusivamente privada. Ressalte-se que tal aplicação se estende, até mesmo, aos institutos da transação penal e da suspensão do processo". Ainda nesse sentido o HC n. 33.929/SP, rel. Min. Gilson Dipp, j. em 19.8.2004, DJ de 20.9.2004, p. 312: "A Lei dos Juizados Especiais incide nos crimes sujeitos a procedimentos especiais, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permitindo a transação e a suspensão condicional do processo, inclusive nas ações penais exclusivamente privadas".

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            Tendo em conta que a lei só se refere à possibilidade de transação e suspensão propostas pelo Ministério Público, quem teria legitimidade para fazê-lo em se tratando de ação penal privada?

            A doutrina que se manifesta a respeito diz que em razão da aplicação analógica do art. 76 à ação penal privada, deve-se permitir "que a faculdade de transacionar, em matéria penal, se estenda ao ofendido, titular da queixa-crime (...)", isso porque "Como somente deste é a legitimidade ativa à ação, ainda que a título de substituição processual, somente a ele caberia transacionar em matéria penal, devendo o Ministério Público, nesses casos, limitar-se a opinar" [1].

            Identicamente ocorre em relação à suspensão do processo. Admitido o instituto, previsto no art. 89, aos crimes de ação penal privada, caberia ao querelante formular a proposta.

            Cabe, todavia, uma consideração. A transação penal e a suspensão do processo, atualmente, não são tidas como direito público subjetivo do autor do fato e do acusado. No tocante ao Ministério Público, vigora o princípio da discricionariedade regrada, devendo guiar-nos o contido na Súmula n. 696 do Supremo Tribunal Federal (STF), aplicável a ambas as situações: "Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o promotor de justiça a propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a questão do Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal".

            No tocante à vítima, porém, tratando-se de infrações de ação penal privada, outros princípios vigoram. Imperam os princípios da discricionariedade e da disponibilidade, daí porque, entendendo-se que a transação e a suspensão não são direito público subjetivo do autor do fato e do acusado, a sua formulação fica na estrita conveniência do ofendido, que, ao se recusar a formulá-las, inviabilizará a transação e a suspensão.

            Nesse sentido, inclusive, decidiu o Egrégio STJ (quanto à transação penal). A Colenda 6.ª T., no RHC n. 8.123/AP, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 16.4.1999, DJ de 21.6.1999, p. 202, deixou assentado que "Na ação penal de iniciativa privada, desde que não haja formal oposição do querelante, o Ministério Público poderá, validamente, formular proposta de transação que, uma vez aceita pelo querelado e homologada pelo Juiz, é definitiva e irretratável".

            Como se vê, o STJ admitiu a proposta de transação penal por parte do Ministério Público em não havendo formal oposição do querelante, donde concluir que este tem primazia na decisão pela proposta ou não. E o mesmo raciocínio pode-se aplicar à suspensão do processo, a qual poderá ser formulada pelo parquet, nos crimes de ação penal privada, desde que não se oponha o querelante.

            Enfim, é a conclusão, as infrações de ação penal privada admitem os institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo, os quais podem ser propostos pelo Ministério Público, desde que não haja discordância da vítima ou seu representante legal, o que impõe considerar que o ofendido é quem detém discricionariedade para a propositura.


Nota

             [1] GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 142-143.

Sobre os autores
André Estefam Araújo Lima

promotor de Justiça, professor do Complexo Jurídico Damásio de Jesus

Luiz Antônio de Souza

promotor de Justiça em São Paulo, professor do Complexo Jurídico Damásio de Jesus e da Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, André Estefam Araújo; SOUZA, Luiz Antônio. Lei nº 9.099/95 e ação penal privada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 829, 10 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7379. Acesso em: 23 dez. 2024.

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