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O controle do mérito do ato administrativo de indulto

Agenda 10/05/2019 às 13:37

STF validou indulto de 2017 por 7 a 4, reforçando a prerrogativa presidencial. Pode o Judiciário revisar atos administrativos discricionários fora da razoabilidade?

1. OS FATOS

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem, por 7 votos a 4, validar o indulto de Natal concedido em dezembro de 2017 pelo então presidente Michel Temer que estendia o benefício a condenados por corrupção. Prevaleceu o entendimento de que a concessão do indulto é um ato privado do presidente da República, não cabendo ao Supremo definir ou rever as regras estabelecidas no decreto.

Com a decisão do STF, aqueles que cumpriam as condições na época em que o decreto foi editado, como ter cumprido ao menos um quinto da pena, podem requerer o benefício à Justiça. O decreto não beneficia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pois ele só começou a cumprir a sua pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em 2018.

O julgamento havia sido interrompido em novembro do ano passado por pedido de vista do ministro Luiz Fux. À época, o procurador Deltan Dallagnol – coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba – disse que o indulto de Temer “perdoava 80% da pena dos corruptos, qualquer que fosse o seu tamanho”.

Ao editar o decreto, Temer ignorou solicitação da força-tarefa e recomendação do Ministério Público Federal, que pediam, entre outros pontos, que os condenados por crimes contra a administração pública – como corrupção – não fossem agraciados pelo indulto.

A Procuradoria-Geral da República (PGR), então, entrou com a ação contra o decreto, que estava suspenso parcialmente por decisão do ministro Luís Roberto Barroso. “O indulto não pode colocar cidadãos acima da lei. O exercício desvirtuado desse poder destrói o sistema de incentivos para observância da lei”, disse Fux, ao ler o seu voto e se aliar aos ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Cármen Lúcia.

A favor do direito de o presidente da República editar o decreto como quiser se posicionaram os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli.

Par o ministro Lewandowski, o decreto natalino é um ato do presidente da República, definido pela Constituição Federal e “insindicável” (que não pode sofrer análise) por parte do Judiciário. “Não podemos ingressar no mérito se é bom ou ruim, se foi um absurdo ou não, essa é uma prerrogativa presidencial e temos de nos curvar a essa prerrogativa”, disse Lewandowski.


2. O INDULTO

As causas de exclusão da punibilidade são aqueles fatos ou atos jurídicos que impedem o Estado de exercer seu direito de punir os infratores da lei penal.

A punibilidade, lembre-se, não é requisito do crime, mas sua consequência.

As causas de extinção da punibilidade estão expostas no artigo 107 do Código Penal.

O indulto é o perdão coletivo, concedido independentemente de provocação. Mas diz-se que pode ser individual ou coletivo. O primeiro não deixa de ser uma forma de graça com outro nome e poderá ser provocado por petição do condenado, por iniciativa do Ministério Público, do Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa, que será encaminhado, com parecer do Conselho Penitenciário, ao Ministério da Justiça, onde será processado e depois submetido a despacho do Presidente da República. Por sua vez, o indulto coletivo é concedido independentemente de provocação, sem audiência dos órgãos técnicos, pelo Presidente da República, em ocasiões especiais, sendo uma tradição, o indulto coletivo, concedido, todos os anos, nas vésperas do Natal.

A graça e o indulto só cabem após o trânsito em julgado da sentença condenatória, extinguindo os efeitos da condenação e podem ser concedidos pelo Presidente da República.

A anistia, a graça e o indulto são formas de extinção da punibilidade, artigo 107, II, do Código Penal.

Necessário, por fim, estabelecer diferenças entre o indulto e a anistia: a) o indulto é para crimes comuns; a anistia, em regra, para crimes políticos; b) o indulto só é concedido após a condenação; a anistia pode ser antes ou depois da condenação; c) o indulto é concedido pelo Executivo; a anistia pelo Congresso Nacional; d) o indulto está sujeito a condições; a anistia, é, em regra, incondicional.

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São a anistia, a graça e o indulto, a teor do artigo 107, II, do Código Penal, causas extintivas da punibilidade.

O instrumento pela qual se formaliza o indulto é um ato administrativo emanado do presidente da República.

Discute-se se o Judiciário, diante de um ato administrativo editado de forma discricionária pelo chefe do Executivo, pode adentrar em sua análise e reformá-lo.


3. O MÉRITO É INSINDICÁVEL?

O julgamento do STF que versou sobre os poderes do presidente da República ao adotar soluções para o indulto trouxe um perigoso precedente. Em certas situações, o Judiciário pode adentrar no mérito do ato administrativo. Ora, os motivos e o objeto do ato administrativo na medida em que destoam do razoável e da realidade podem ser objeto de discussão pelo Judiciário.

O mérito, por sua vez, é o resultado do exercício regular da discricionariedade.

Para Seabra Fagundes (O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário, 1941) o mérito é insindicável.

A discricionariedade atua como a competência específica para valorar corretamente o motivo dentro dos limites da lei e para escolher acertadamente o objeto, dentro dos limites da lei.

Tudo isso nos leva à conclusão óbvia de que o direito administrativo tem, na inveracidade e na impossibilidade, rigorosos limites à discricionariedade. Com efeito, um ato do Poder Público que esteja lastreado no inexistente, no falso, no equivocado, no impreciso e no duvidoso, não está, certamente, seguramente voltado à satisfação de um interesse público.

Sob o padrão da realidade, os comandos da Administração, sejam abstratos ou concretos, devem ter sempre condições objetivas de serem efetivamente cumpridos em favor da sociedade.

Deve a Administração ser vocacionada para evitar o perigo da violação do princípio da realidade e da desmoralização da ordem jurídica pela banalização da ineficiência e a vulgarização do descumprimento, além do pesado ônus do ridículo.

Os elementos do ato administrativo, motivo e objeto, têm uma relação íntima com a finalidade do ato: a razoabilidade como um limite à discrição, na avaliação dos motivos, exigindo que estes sejam adequáveis, compatíveis e proporcionais, de modo a que o ato atenda a uma finalidade pública específica.

A razoabilidade, na valoração dos motivos e na escolha do objeto, é, em última análise, o caminho seguro para se ter certeza de que se garantiu a legitimidade da ação administrativa.

O motivo é o pressuposto de fato e de direito do ato administrativo.

A doutrina entende que há cinco limites de oportunidade à discricionariedade: existência(grave inoportunidade por inexistência do motivo); suficiência(grave inoportunidade por insuficiência do motivo); adequabilidade(grave inoportunidade por inadequabilidade de motivo); compatibilidade(grave inoportunidade por incompatibilidade de motivo); proporcionalidade(grave inoportunidade por desproporcionalidade do motivo), dentro de um controle de realidade e de razoabilidade.

Quanto ao objeto do ato administrativo, resultado jurídico visado, há uma conveniência(escolha administrativa), envolvendo: possibilidade (grave inconveniência por impossibilidade do objeto); conformidade(grave inconveniência por desconformidade de objeto) e eficiência(grave inconveniência por ineficiência do objeto), ainda dentro dos princípios técnicos de controle de realidade e razoabilidade.

Com essas observações, dir-se-á que o Judiciário pode anular atos administrativos discricionários, fundados na inexistência de motivo, insuficiência de motivo, inadequabilidade de motivo, incompatibilidade de motivo, desproporcionalidade de motivo, impossibilidade de objeto, desconformidade de objeto e insuficiência de objeto, apenas controlando os limites objetivos do ato discricionário.

Em resumo, a providência atende aos seguintes requisitos: a) da adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; b) da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravoso para atingimento de fins visados; c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos.

Ora, para a prática de alguns atos a competência da Administração é estritamente determinada na lei, quando nos motivos e modos de agir. A lei lhe determina que, existentes determinadas circunstâncias, proceda dentro de certo prazo e certo modo. E essa competência, como ensinou Miguel Seabra Fagundes(O controle dos atos administrativos, segunda edição, pág. 93), vincolata dos italianos. A Administração Pública não é livre em resolver sobre a conveniência do ato, nem sobre o seu conteúdo. Só lhe cabe constatar a ocorrência dos motivos, e, com base neles, praticar o ato. Negando-se a praticá-lo no termo e com o objeto determinados, viola a lei.

A Lei deixa a autoridade administrativa livre na apreciação do motivo ou do objeto do ato, ou de ambos ao mesmo tempo. No que respeita ao motivo essa discrição se refere à ocasião de praticá-lo(oportunidade) e à sua utilidade(conveniência). No que respeita ao conteúdo, a discrição está em poder praticar o ato com objetivo viável, ao seu entender. Nestes casos, a competência é livre e discricionária. A propósito desses atos não é possível cogitar de nulidade relacionada com o motivo, com o objeto, ou com ambos, conforme a respeito de qualquer um desses requisitos, ou dos dois, possa deliberar livremente a Administração. Concluiu por dizer Miguel Seabra Fagundes(obra citada, pág. 95) que, no mais, entretanto, ou seja, quanto à manifestação da vontade(falta de competência para agir e defeito pessoal na vontade do agente), finalidade e forma, o ato discricionário incide nos mesmos casos de invalidez dos atos vinculados.

Há uma submissão da Administração, em seus atos, à ordem jurídica ou seja, a legalidade.

Pode-se dizer que todo ato administrativo, a menos que não haja uma determinação legal expressa, pode ser executado de diversas maneiras, dentro da faculdade concedida pela lei. A conveniência, a oportunidade, o meio de realizar o ato encontram-se dentro de esfera discricionária, que não pode violar o limite fixado pela lei. Neste último caso, a infração desse limite importa na ilegalidade do ato sujeito à apreciação do Poder Judiciário.

Mas, pode o prejudicado pela ação da Administração ao retomar o imóvel de sua propriedade, reclamar perdas e danos se o ato efetuado tiver sido ilegal.

Discricionariedade é a qualidade da competência cometida por lei à Administração Pública para definir, abstrata e concretamente, o resíduo de legitimidade necessário para integrar a definição de elementos essenciais à execução, diretamente referido a um interesse público específico.

Como ensinou Cino Vitta (Nozione degli atti admministrativi, 1906, IV), pelo exercício da discricionariedade atende-se, simultaneamente, à lei, pela fidelidade a seus comandos, e ao interesse público diretamente apercebido, pela sua concreação individuada, sem solução de continuidade e sem excepcionalidade derrogatória da legitimidade ou de legalidade, pois a lei é o interesse público cristalizado, como o interesse público é a razão de ser da lei.

Assim, admite-se que a Administração, ao agir, tem por finalidade o interesse público especificado na lei, um elemento reconhecidamente vinculado.

Na lição de Diogo de Figueiredo Moreira Netto(Legitimidade e discricionariedade, pág. 27), a discricionariedade é uma competência e, portanto, um poder vinculado à finalidade que dita a sua existência.

Há, pois, nítida conexão entre a discricionariedade e o interesse público. Isso porque a discricionariedade não é livre, tendo um limite, que é a lei e a razoabilidade.

Para a Administração, persiste o dever de legalidade e de boa administração.

Assim deve ser exercida a discricionariedade administrativa, podendo o Judiciário exercer esse controle, nos limites do que foi aqui analisado.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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