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Considerações acerca da usucapião no ordenamento jurídico brasileiro

Agenda 09/10/2005 às 00:00

Resumo: O presente estudo é uma breve abordagem sobre o instituto da usucapião no direito brasileiro, com sua definição, contornos gerais, previsão legal e modalidades, sendo importante ressaltar que, de modo algum, substitui um tratamento mais detido da matéria.

Sumário: 1 Introdução - o instituto da usucapião. 2 Requisitos necessários para a sua configuração. 3 Fundamento e efeitos advindos da usucapião. 4 Modalidades. 5 Conclusões finais. 6 Referências bibliográficas.


1 INTRODUÇÃO - O INSTITUTO DA USUCAPIÃO

Embora esse instituto seja usualmente empregado no gênero masculino, a forma erudita e acorde com sua origem etimológica exige seu emprego no gênero feminino e assim a utilizaremos neste estudo, tal qual o Estatuto da Cidade - Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001 (BRASIL, 2002) -, e o novo Código Civil - Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (BRASIL, 2002). Isso porque usucapião, em latim, é vocábulo derivado da junção de usu e capio, sendo este último substantivo do verbo capere, e que representa a parte principal do composto usucapio, indicando seu gênero feminino.

Feita essa colocação inicial, surge a pergunta: o que é a usucapião?

Podemos dizer que a usucapião é um dos modos de aquisição originária da propriedade de bens móveis e imóveis, e de outros direitos reais (habitação, enfiteuse, servidões reais, uso, usufruto), mediante o prolongamento da posse e o preenchimento, pelo possuidor, dos demais requisitos exigidos legalmente para sua configuração.

Entre os doutrinadores pátrios, numa posição majoritária, a usucapião é definida como "um modo de aquisição da propriedade, por via da qual o possuidor se torna proprietário" (GOMES, 1999, p.163), não derivando o direito de o usucapiente se tornar proprietário de nenhuma relação com o antigo dono, como sustenta Monteiro (1997).


2 REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A SUA CONFIGURAÇÃO

Como já destacado anteriormente, é necessário o preenchimento de certos requisitos, pelo possuidor do bem, para se constatar a usucapião. Assim, tendo como referência a classificação feita por Gomes (1999), teríamos os seguintes requisitos: requisitos formais; requisitos reais; e requisitos pessoais.

Dois requisitos básicos, considerados formais, característicos do instituto para Gomes (1999), e presentes em quaisquer das modalidades de usucapião (extraordinária, ordinária, especial urbana, rural e, agora, coletiva de imóvel urbano), são a posse e o tempo. Outras exigências para se caracterizar a usucapião variarão de acordo com cada espécie.

Quanto à posse, doutrina e jurisprudência dominantes já frisaram não ser qualquer uma suficiente para ocasionar a aquisição; posse ad usucapionem há de ser mansa, pacífica, contínua e exercida publicamente com animus domini (intenção de dono).

Mansa e pacífica é a posse exercida sem oposição, ou seja, aparentemente é o possuidor o proprietário do bem, pois sua posse não é inquinada de dúvidas ou indagações.

Já a continuidade é verificada naquela posse exercida sem intervalos. Não quer isso significar que, no prazo necessário, o bem seja possuído pela mesma pessoa. Em outras palavras, a lei admite que o possuidor some à sua posse a do seu antecessor de boa-fé - é a chamada accessio possessionis -, sempre na sucessão a título universal e somente se as posses somadas forem aptas a gerar a usucapião, no caso de sucessão a título singular.

Necessário também o exercício da posse, pelo possuidor, como se dono fosse desde o momento que se apossou do bem. Isso, contudo, exclui aqueles que estejam sob a posse direta, devido a uma obrigação ou direito, como, por exemplo, o locatário, o usufrutuário.

Outro requisito de extrema importância para configurar a usucapião é o tempo, que deve estar associado à posse, a fim de se adquirir o bem por usucapião. Durante o tempo estipulado em lei, a posse deverá se estender sem intervalos, ou seja, há de ser uma posse contínua. Tal prazo, no direito brasileiro, varia de acordo com o tipo de usucapião configurado, como se verá em outro momento.

Além desses, são necessários os chamados requisitos reais que não podem ser desconsiderados, uma vez que o bem que se pretende adquirir a propriedade deve ser suscetível de ser usucapido; era a res habilis exigida pelos romanos como um dos requisitos indispensáveis para haver a usucapião.

Assim, não podem jamais ser objeto de usucapião, pois imprescritíveis, os bens fora do comércio pela sua própria natureza e os bens públicos. Estes, por expressa proibição constitucional, consoante o disposto nos artigos 183, § 3º e 191, parágrafo único, e também legal pelo novo Código Civil, de acordo com seu artigo 102; aqueles pela própria impossibilidade de apropriação humana, como é o ar atmosférico, por exemplo.

Gomes (1999) cita, ainda, a necessidade de requisitos pessoais, de verificar se é o adquirente capaz e com qualidade para adquirir a propriedade do bem via usucapião, e preleciona que, havendo uma das causas impeditivas da aquisição da propriedade em razão da pessoa do adquirente (a prescrição não corre entre ascendentes e descendentes, marido e esposa, etc.), não se falará em usucapião.


3 FUNDAMENTO E EFEITOS ADVINDOS DA USUCAPIÃO

Outro aspecto a ser salientado se refere à indagação de qual o fundamento ético justificador da perda de um direito do proprietário em favor do possuidor. São duas as teorias a esse respeito: subjetiva e objetiva.

Sustentam alguns, seguindo uma teoria subjetiva, que o fundamento da usucapião estaria na renúncia presumida do direito, pelo proprietário; não utilizando a propriedade por certo tempo, presumir-se-á o desinteresse do proprietário por ela e sua conseqüente intenção de abandoná-la. Ora, data venia, fundamentar a usucapião numa presunção de abandono do bem ou renúncia ao direito de propriedade é desconhecer o instituto.

Presumida a renúncia do direito por parte do proprietário, para quê se exigir do possuidor o preenchimento de vários requisitos, a fim de que este venha a adquirir o bem por usucapião? Bastaria o desinteresse do proprietário em utilizar o bem e configurada estaria a usucapião?

Ademais, abandono e renúncia são modos voluntários de perda da propriedade distintos, mas que dependem de explícito propósito do proprietário em se desfazer do bem na primeira situação, com a prática de atos que, inequivocamente, atestem essa vontade, ou de ato expresso em se despojar do seu direito, independentemente do abandono material do bem, no outro caso. Não se fala em presunção de desinteresse pelo bem, portanto.

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Por sua vez, a teoria objetiva, tendência adotada pelo direito moderno, justifica a usucapião na utilidade social e esta é, sem dúvida, seu verdadeiro fundamento.

O direito de propriedade há muito se afastou da concepção romana de ser perpétuo, absoluto, inatingível. Adquiriu, hodiernamente, a característica de função social, de interesse social.

Desse modo, o proprietário deve usar o bem, seja ele móvel ou imóvel, ainda que indiretamente, a fim de lhe dar utilidade; não agindo assim, despojado estará de seu direito, favorecendo o possuidor a adquirir o bem pela usucapião.

Como se vê, importante papel exerce a usucapião, pois, sem ela, "a propriedade seria provisória e reinaria uma incerteza permanente e universal, que teria como conseqüência uma perturbação geral. O fundamento básico realmente é o bem comum" (BARRUFFINI, 1998, p.27).

A Constituição da República de 1988 assim preceitua:

Art.5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social. (BRASIL, 2002, p.5, grifo nosso).

E, segundo Pereira (1999, p.97), "se prestigia quem trabalha o bem usucapido, reintegrando-o pela vontade e pela ação, no quadro dos valores efetivos da utilidade social, a que a prolongada inércia do precedente proprietário o condenará".

Quanto aos efeitos advindos da usucapião, destaca-se a constituição de título de transferência do bem ao usucapiente, oponível erga omnes. Além desse, a consolidação do domínio pelo adquirente munido de título elimina questionamento sobre a propriedade; é outro importante efeito verificado.


4 MODALIDADES

Advinda do Direito romano, a usucapião chegou até nossos dias através de transformações ocorridas na própria sociedade, sempre na busca de atingir a finalidade de promoção do bem comum. Desse modo, atendo-nos ao direito brasileiro, vemos, atualmente, a possibilidade de configurar-se a usucapião nas modalidades ordinária, extraordinária e especial, subdividindo-se esta em urbana, rural e agora também coletiva - de imóvel urbano, de acordo com o Estatuto da Cidade, ou de imóvel rural ou urbano, pelo novo Código Civil brasileiro.

Na usucapião extraordinária, o possuidor, independentemente dos requisitos formais suplementares (justo título e boa-fé, por serem presumidos), adquirirá a propriedade do bem com a demonstração da posse do mesmo, pelo prazo legal: se for bem imóvel, é necessária a comprovação de que o possui, como seu, sem oposição ou interrupção, por quinze anos, conforme o artigo 1.238, caput, do novo Código Civil. Ressalte-se, porém, a redução desse prazo para dez anos, se restar comprovado que o possuidor estabeleceu no imóvel sua moradia habitual, ou nele realiza obras ou serviços de caráter produtivo (parágrafo único do artigo 1.238 do novo Código Civil). No caso de o bem, objeto da usucapião, ser móvel, exige-se a posse por cinco anos, a teor do que dispõe o artigo 1.261 do novo Código Civil.

Em se tratando de usucapião ordinária, o artigo 1.242 do Código Civil vigente estabelece que o possuidor deverá demonstrar o exercício da posse sobre bem imóvel, contínua e incontestavelmente, durante dez anos. Também lhe são exigidos os requisitos de justo título (título apto para transferir o domínio, mas que não o fez em razão de apresentar algum vício ou não conter um elemento específico) e boa-fé (é a convicção que tem o possuidor de ser o título apto para operar a transferência da propriedade, não apresentando nenhuma falha ou vício).

Oportuno salientar que esse prazo será de cinco anos, caso o possuidor se enquadre na situação prevista no artigo 1.242, parágrafo único, do mesmo diploma legal:

Art. 1.242. (Omissis)

Parágrafo único. Será de 5 (cinco) anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico (BRASIL, 2002, p.113)

Para a aquisição da propriedade de bem móvel, via usucapião ordinária, o artigo 1.260 do Código Civil vigente prevê, além da necessidade de justo título e boa-fé do possuidor, que este exerça a posse sobre tal bem durante três anos.

Já a usucapião especial, como já dito, pode se apresentar sob três formas.

A primeira a ser vislumbrada, no Brasil, foi a usucapião pro labore ou rural, trazida pela Constituição de 1934, em seu artigo 125. Deve-se a esse texto constitucional também o entendimento de propriedade vinculada à função social. A partir daí todos os demais textos constitucionais a previram.

Mas é com a Constituição da República de 1988 que surge uma outra modalidade de usucapião especial, tida como usucapião especial pro morare ou urbana, com posterior regulamentação dada pelo Estatuto da Cidade.

Barruffini (1998, p.141), sobre a Constituição da República de 1988, esclarece que "a um conceito estático de propriedade surge um conceito dinâmico, representando uma projeção da reação antiindividualista", e mais adiante diz que "o enfeixamento no usucapião desta perspectiva representa um papel de destaque para nossa Constituição, numa visão de recuperação histórica indisfarçável, realçando a supremacia dos interesses sociais". Isto acontece porque, a partir da Constituição da República de 1988, surge uma nova ordem econômica e social, com o escopo de se assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames de justiça social.

Seu artigo 170, II e III, inscreve a propriedade privada e sua função social como princípios dessa nova ordem econômica, dando à propriedade uma importância maior do que considerá-la mero direito individual, de acordo com Silva (1999), não se olvidando que também inseriu a função social como direito fundamental ao lado do direito de propriedade, conforme o artigo 5º, XXII e XXIII.

Dois foram os dispositivos nos quais se vislumbra a usucapião especial, urbana e rural, e os requisitos necessários para sua configuração. Um deles é o artigo 183 que, em seu caput e parágrafos, trouxe norma dispondo a respeito da chamada usucapião especial urbana, à qual, de acordo com o que dissemos acima, referem-se muitos como usucapião pro morare. Já o outro é o artigo 191 que dispõe a respeito da usucapião especial rural ou usucapião pro labore.

O artigo 183 e seus parágrafos assim estipulam:

Art. 183 Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural

§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. (BRASIL, 2002, p.96).

E o artigo 191, por sua vez, preceitua sobre a usucapião especial rural:

Art.191 Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. (BRASIL, 2002, p. 98).

Tais dispositivos, aliás, foram transcritos ipsis litteris no novo Código Civil, nos artigos 1.239, para a usucapião especial rural, e 1.240, para a urbana, bem como previu tal lei a proibição constitucional de se usucapirem bens públicos, conforme seu artigo 102, que assim determina: "os bens públicos não estão sujeitos a usucapião" (BRASIL, 2002, p.12).

Em 10 de julho de 2001, surge a usucapião especial coletiva, criada pela Lei n. 10.257 (artigos 10 a 14), e também, posteriormente prevista no novo Código Civil, Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (artigo 1.228, parágrafos 4º e 5º).

Em ambas, buscou-se o sentido social de propriedade, seu uso de forma coletiva por cinco anos ininterruptos e sem oposição. Porém se distinguem. No Estatuto da Cidade, é tratada a usucapião especial coletiva de imóvel urbano, voltada para a população de baixa renda, enquanto no novo Código Civil a usucapião especial coletiva se aplica a áreas urbanas e rurais, exigindo-se "um número considerável de pessoas", sem se referir à condição financeira destas. Ademais, nesse dispositivo legal a novel é usada quando os ocupantes da área são demandados em ação de reivindicação, movida pelo proprietário, e demonstram a posse e os demais requisitos exigidos como meio de defesa ou em reconvenção; já, naquele, a usucapião especial coletiva é promovida pelos ocupantes da área urbana, que se adiantam a qualquer atitude do proprietário e pedem seja declarada a propriedade para eles, não excluindo a possibilidade de sua alegação em matéria de defesa, como prevê seu artigo 13.

Detendo-nos ao enfoque dado à usucapião especial coletiva pelo Estatuto da Cidade, verificamos, de acordo com o seu artigo 4º, V, "j", que a usucapião especial de imóvel urbano é um instrumento de política urbana classificado como instituto jurídico e político, e diretamente relacionado com a regulamentação do artigo 183 da Constituição de 1988. É, assim, um dos meios de que o Poder Público pode se valer para realizar atividades urbanísticas necessárias à ordenação do espaço e crescimento dos municípios de todo o Brasil.

Essa novidade apresenta requisitos que lhe são próprios, conforme se depreende do artigo 10, caput:

As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são suscetíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. (BRASIL, 2002, p. 32-33).

Sem descer a minúcias, pontuamos, no nosso entendimento, três peculiaridades da nova espécie de usucapião especial, quais sejam, requisitos pessoais e reais específicos, além de tratamento processual diferenciado, senão vejamos.

No tocante aos requisitos pessoais, há a exigência de que a área urbana seja ocupada por uma "população de baixa renda". É conditio sine qua non para se falar em usucapião especial coletiva de imóvel urbano a ocupação coletiva da área urbana, com o objetivo de nela morar, e, mais, que esta coletividade seja formada por pessoas de baixa renda e que não tenham propriedade de outro imóvel urbano ou rural. Notória a finalidade social dada ao instituto e que permeia todo o Estatuto da Cidade.

É de se indagar qual seria o número de pessoas necessário para comprovar que foi a área urbana ocupada coletivamente. Ora, observando-se o emprego do termo "população", clara está a exigência de um número considerável de pessoas se servindo da área ocupada para ali morar. População é mera expressão numérica relacionada a questões demográficas ou econômicas, nada significando do ponto de vista jurídico, e, juntamente com a expressão "baixa renda", acreditamos, poderão ser definidas pelo juiz, quando da análise do caso concreto, salientando que essa expressão não pode ser confundida "[...] com o de população de renda ínfima ou com o conceito jurídico de pobre, adotado, entre outros, para a aferição da concessão de gratuidade de justiça" (FRANCISCO, 2001, p.144).

Outra peculiaridade da usucapião especial coletiva, como se depreende do artigo 10, caput do Estatuto, é o de a área urbana ocupada ser superior a duzentos e cinqüenta metros quadrados e que haja impossibilidade de se identificar o terreno ocupado por cada possuidor. Vê-se, aqui, uma especificidade do requisito real para sua configuração.

Quanto ao aspecto processual, merece destaque a questão da legitimação para a propositura da ação de usucapião especial coletiva de imóvel urbano.

O artigo 12 dispõe, genericamente, sobre os legitimados a propor a ação de usucapião especial urbana citando, como tais, o possuidor, isoladamente, ou em litisconsórcio originário ou superveniente; os possuidores, em estado de composse; e, como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados.

Percebe-se que o dispositivo se refere tanto à usucapião individual prevista no artigo 9º, reafirmando o artigo 183 da Constituição da República de 1988, quanto à coletiva tratada no artigo 10, representando total ausência de zelo com sua técnica redacional.

Haveria, com isso, incompatibilidade do artigo 10, que prevê a usucapião especial coletiva, com o artigo 12, pois este, genericamente tratando da legitimidade ad causam, choca-se com o interesse coletivo, indicador do interesse de agir e da possibilidade jurídica do pedido da ação de usucapião especial coletiva de imóvel urbano.

Lado outro, por uma análise do conjunto de normas atinentes à usucapião especial coletiva, vê-se que o único sentido do artigo 12 é o de considerar, como legitimada a propô-la em juízo, tão-somente a associação de moradores da comunidade, como substituto processual dos possuidores, desde que regularmente constituída, com personalidade jurídica e expressamente autorizada por estes. O caso é, portanto, de legitimação extraordinária, não se admitindo a propositura da ação por um único possuidor ou em litisconsórcio, nem em composse (SILVA, 2002).

Necessário será, para que a associação possa demandar, em nome próprio, a defesa do direito dos possuidores da área visada, "juntar aos autos ata da assembléia que deliberou pela propositura da ação e o estatuto, quando do ajuizamento" (ROCHA, 2002, p.10), a fim de cumprir a autorização dos representados, exigida pelo Estatuto da Cidade.

Por fim, entendemos que, diante de questões ou detalhes não tratados pela referida Lei n. 10.257, de 2001, caberá ao juiz, buscar a melhor forma de resolvê-los. Quer isso significar que maior será a participação do magistrado em casos de usucapião especial coletiva de imóvel urbano, podendo, em razão de o legislador do Estatuto da Cidade ter optado em prever conceitos e princípios mais abertos, decidir de acordo com o que lhe foi posto a solucionar, sem se ater apenas ao positivado.


5 CONCLUSÕES FINAIS

Diante do exposto, verificamos que a usucapião, em suas diversas modalidades, mostra-se como importante instrumento na regularização da questão fundiária, seja urbana, seja rural, favorecendo, inclusive, a concretização do princípio constitucional da função social da propriedade. Isso, sem dúvida, deve-se à segurança da posse que é dada àqueles que preencham os requisitos exigidos para a configuração do instituto, através da titularidade da propriedade então conferida.


6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Sobre a autora
Janaína de Alvarenga Silva

assessora judiciária do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais em Belo Horizonte (MG), mestranda em Direito Público pela PUC Minas, pesquisadora do Núcleo Jurídico de Políticas Públicas (NUJUP) da PUC Minas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Janaína Alvarenga. Considerações acerca da usucapião no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 830, 9 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7393. Acesso em: 23 dez. 2024.

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