Aperfeiçoamento do contrato de corretagem
Vimos que: "Na corretagem, um agente comete a outrem a obtenção de um resultado útil de certo negócio". Desta maneira, "a conduta esperada é no sentido de que o corretor faça aproximação entre um terceiro e o comitente". Sucede, portanto, que "a mediação é exaurida com a conclusão do negócio entre estes, graças à atividade do corretor". "Quando discutimos a retribuição a que o corretor faz jus, importante é exatamente fixar que a conclusão do negócio tenha decorrido exclusiva ou proeminentemente dessa aproximação", explica o civilista Silvio de Salvo Venosa. [79]
Insta destacar, novamente, que: "O corretor, contudo, não se responsabiliza pela conclusão do negócio". É que, "sua participação termina com o resultado útil, ou seja, a aproximação eficaz do terceiro que conclui o negócio com o comitente". [80]
Nelson Nery Junior anota que: "Incumbe ao vendedor o pagamento da corretagem se de forma inequívoca outro meio não foi avençado (TJSP, 3ª Câm., Ap. 23479-4-SP, rel. Des. Alfredo Migliore, j. 27.1.1998, v.u.)". [81]
É plenamente admissível a liberdade de forma na celebração do contrato de corretagem. Gustavo Tepedino explica que: "Não requer, por outro lado, a corretagem formalidade especial, prevalecendo o princípio da liberdade das formas. Para se provar o contrato, admite-se em princípio qualquer meio de prova, ainda que somente a testemunhal (art. 107, Código Civil: ‘A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir’)". [82]
Em sentido contrário, Álvaro Villaça Azevedo sustenta que: "O serviço de corretagem somente se tem como aperfeiçoado quando o negócio imobiliário se concretiza, posto que o risco é da sua essência. Celebrado entre vendedor e comprador recibo de sinal e princípio de pagamento, com cláusula vedatória de arrependimento, tem-se que, naquele momento, no que toca aos serviços de intermediação prestados pela empresa corretora, o negócio terminou, sendo devida a comissão respectiva, que não pode ser afastada ao argumento de que o comprador, a quem fora atribuído o ônus da corretagem, desistira da aquisição, celebrando distrato com o vendedor, que a aceitou (STJ – Resp 71.708-SP – 4ª T. – j. 9.11.1999 – Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior – DJU 13.12.1999 – RT 776/171)". [83]
Quanto mais longe chegar a fase de celebração do contrato versando sobre o negócio principal, mais visível será a caracterização da efetiva intermediação ou colaboração do corretor.
Em linhas gerais, distintas fases de negociação podem ser destacadas, nas quais o corretor:
(a) efetivamente não participou ou não colaborou na aproximação do terceiro interessado ao comitente, vez que se tratavam de pessoas conhecidas e que resolveram celebrar o negócio principal através de tratativas diretas entre ambos;
(b) participou ou colaborou simplesmente na busca da aproximação entre um terceiro interessado e o comitente, sem diligenciar qualquer providência no sentido de remover os possíveis obstáculos que podem surgir durante a negociação entre ambos no que tange à celebração do negócio principal;
(c) além de promover a aproximação entre o terceiro interessado e o comitente, ainda logrou deixar clara a convergência de vontades no sentido da realização do negócio principal a ser celebrado entre ambos;
(d) efetivamente colaborou para a realização do negócio principal, celebrado entre o terceiro interessado e o comitente, inclusive assistindo a ambos até o momento da assinatura deste contrato;
(e) apesar disso tudo, pouco antes, no momento, ou depois, da assinatura do contrato principal, ele é desfeito por qualquer motivo referente ao arrependimento de qualquer uma das partes ou de ambas.
Nas duas primeiras hipóteses (a) e (b), [84] resta evidenciada a inércia, negligência ou insuficiência na atuação desempenhada pelo corretor, vez que efetivamente não conseguiu levar o seu trabalho até o resultado útil desejado pelo comitente quando da sua contratação.
Ao contrário, nas demais hipóteses (c), (d) e (e), [85] fica evidenciada a diligência com a qual buscou a necessária convergência de vontades para a celebração do negócio principal, atendendo plenamente à tarefa que lhe foi incumbida pelo comitente quando lhe contratou, ainda que o negócio principal não venha a ser celebrado por arrependimento de qualquer uma das partes ou de ambas.
Diante de tais situações, pode-se dizer que: nas hipóteses (a) e (b) o contrato de corretagem não se aperfeiçoou, ou seja, não atingiu o resultado útil esperado, e por isso, não foi cumprido, vez que o trabalho do corretor se mostrou negligente ou insuficiente; nas hipóteses (c), (d) e (e), o contrato de corretagem se aperfeiçoou, isto é, foi concretizado ou cumprido plenamente.
Como é até intuitivo, nas duas primeiras hipóteses, o corretor não fará jus à remuneração; enquanto nas demais ele fará jus à remuneração em razão da extinção do contrato de corretagem com o fiel cumprimento do trabalho que lhe foi designado.
Consumação da mediação
A mediação se consuma no momento do acordo de vontades [86] ou da formação do vínculo jurídico entre as pessoas aproximadas pelo resultado útil do serviço prestado pelo corretor. [87]
Estes são os dois momentos exatos que podem ser tomados para os fins da consumação da mediação realizada pelo corretor: ele conduz à convergência ou ao acordo de vontades entre o terceiro interessado e o comitente no sentido da efetiva celebração do contrato versando sobre o negócio principal; ou quando da formação de qualquer vínculo jurídico que manifeste a inequívoca intenção de ambos na celebração do negócio principal.
Em qualquer um dos casos, o resultado útil do trabalho desenvolvido pelo corretor será verificado e traduzirá valor econômico para o comitente que lhe contratou.
Meios de prova
Este tópico refere-se especialmente aos meios suficientes para provar que o contrato de corretagem foi efetivamente firmado pelas partes e cumprido pelo corretor. Especial relevo merece a informalidade com a qual grande parte destes contratos é avençada. Em conseqüência, em caso de necessitar prová-lo existente em juízo, o corretor lançará mão de todos os meios de prova admissíveis em direito. [88]
Gustavo Tepedino pontua interessante questão a respeito da admissibilidade da prova exclusivamente testemunhal, especialmente quando o valor da operação exceder o limite previsto no art. 401 do Código de Processo Civil.
O autor relata que: "A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão unânime proferido em 17 de dezembro de 1991, entendeu que ‘no caso de contrato de corretagem cujo valor excede o limite previsto em lei, não se admite, para prová-lo, a prova exclusivamente testemunhal’, invocando o art. 401 do Código de Processo Civil". [89]
Posteriormente, no entanto, o entendimento modificou-se naquela Turma do STJ: "Posteriormente, em 14 de dezembro de 1992, a mesma 3ª Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça reformulou o ponto de vista acima exposto, desta feita por decisão tomada por maioria de votos, sendo Relator o Ministro Cláudio Santos, nos seguintes termos: ‘O art. 401 do CPC não veda a prova exclusivamente testemunhal de contrato verbal de intermediação para a venda de imóveis, ainda que a remuneração tenha valor superior ao limite ali estipulado". [90]
Neste cenário, o autor sustenta que: "A orientação apresenta-se justa, eis que valoriza o acordo de vontades e evita o enriquecimento sem causa ao mesmo tempo em que sujeita ao art. 401 a disciplina interna dos contratantes, peculiar e individual, cuja prova não poderia se vincular exclusivamente à palavra de uma testemunha. Ao propósito, vale sublinhar interessante trecho do acórdão: ‘Efetivamente, contrato consensual não solene, sem forma especial, pode ser comprovado por qualquer meio, independentemente do art. 401 do CPC, tanto mais que, in casu, o que se provou, testemunhalmente, foi a prestação de um serviço para o qual há uma remuneração estipulada, em percentual, pelo costume. Desacolher-se essa interpretação do art. 401 do CPC será deixar o titular do direito à remuneração sem ação contra o devedor, se outros meios de prova não tiver, além da prova de testemunhas". [91]
Nelson Nery Junior colaciona em sua obra acórdãos de segunda instância em ambos os sentidos. [92]
Como se verifica, o corretor que ingresse em juízo para provar a existência do contrato e pleitear a remuneração que entende cabível pode lançar mão de todos os meios de prova admitidos em direito. No entanto, há entendimento jurisprudencial de que a utilização exclusiva da prova testemunhal não é permitida na hipótese do art. 401 do Código de Processo Civil. [93]
Espécies de remuneração
A remuneração é a contrapartida devida pelo comitente ao corretor, depois de realizado o seu trabalho com o resultado útil apontado anteriormente. Designa-se comissão ou corretagem e pode ser fixa e/ou variável. Geralmente, é ajustada em dinheiro, mas pode ser fixada em espécie. [94]
De um lado, trata-se da obrigação fundamental do comitente – que é quem celebrou o contrato de corretagem com o corretor – [95] e independe do recebimento integral do preço, bastando a assinatura do instrumento preliminar, a tradição de arras, ou ainda, a efetiva convergência de vontades entre o terceiro interessado e o comitente no sentido da celebração do contrato versando sobre o negócio principal.
O saudoso professor Caio Mário da Silva Pereira, em sua clássica obra de direito civil, assevera que: "Obrigação fundamental do comitente é pagar a comissão, na forma estipulada, ou segundo o que determina a lei ou os costumes (Código Civil, art. 724). Não depende ela do recebimento integral do preço, ou da execução do contrato. É devida, desde que se considere este ajustado. Basta a assinatura de instrumento preliminar, ou da tradição de arras. E, freqüentemente, cobra-se uma quantia a título de sinal ou de entrada, suficiente a cobrir aquela comissão. O pagamento faz-se, normalmente, em dinheiro. Nada obsta a que seja em espécie diferente, desde que as partes o convencionem. A comissão, afora o caso de vigorar quantia determinada, é fixada sob modalidade percentual (normalmente 1% a 5%), computada sobre o valor do contrato agenciado, ou sobre a vantagem ou proveito do comitente. Na corretagem livre, prevalece o ajuste, ou, na sua falta, o costume (...)". [96]
Por outro lado, dentre os direitos do corretor, inclui-se o de receber uma remuneração pelo resultado útil do seu trabalho, que pode ser: "a) fixa, se seu quantum foi estipulado numa importância certa, seja qual for o sucesso obtido, independentemente do valor do negócio; b) variável, se conforme ao preço alcançado, sendo, então, proporcional ao valor da transação conseguida, respeitando-se, porém, o limite mínimo; c) mista, se se fixar uma percentagem certa até o desejado pelo comitente, estabelecendo-se que o que exceder esse limite seja do corretor, em sua totalidade, ou de ambos, em sociedade", ou ainda, a comissão pode ser estipulada com base em over price. [97]
No mesmo sentido, a jurisprudência vem determinando que a remuneração é devida ao corretor quando o resultado útil de aproximação é verificado.
A título meramente exemplificativo, citam-se dois acórdãos sobre o tema colacionados por Nelson Nery Junior: a) "A remuneração que se paga ao corretor premia o resultado alcançado, e só em virtude desse resultado é que se torna juridicamente defensável. Considera-se abusiva e, por isso, nula e de nenhum efeito a cláusula que viabilizaria o pagamento de comissão de corretagem independentemente de efetiva realização do negócio (TJDF, 1ª T., rel. Des. Valter Xavier, Proc. 0040720/96-DF, AC 94604, j. 7.3.1997)"; b) "São de valor as resultantes de comissões devidas aos corretores. Ocorrendo inadimplemento de obrigação estabelecida em contrato, verifica-se o ato ilícito relativo. Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito (absoluto ou relativo, dívida de valor, portanto) a partir da data do efetivo prejuízo (STJ 43). Recurso especial conhecido pela alínea c e provido (STJ, 3ª T., rel. Min. Nilson Naves, Resp 24.865-0-SP, j. 25.9.1992 – BolAASP 1779/42)". [98]