I – Todo crime tem lá sua abjeção, porque é sempre ato antissocial reprovável. Alguns, no entanto, por sua própria torpeza ou pelas condições mui particulares do ofendido, sobem de ponto na escala da iniquidade: não infringem só as leis humanas, senão também as divinas. Desse número é o homicídio, “a mais chocante violação do senso moral médio da humanidade civilizada”[1].
Mas “a destruição da vida humana, por outro homem” — palavras com que a doutrina penal define o homicídio[2] — pôde ainda (“horribile dictu!”) — conhecer especial circunstância que a tornou, além de delito máximo, verdadeiro sacrilégio: a morte do pai pelo filho (parricídio).
Parecia impossível que alguém se estremasse tanto no circuito da perversidade, que não quisesse poupar ao menos o autor de seus dias!
Grão documento é esse da ignomínia que cinge o homem, quando se desabraça dos preceitos a que os indivíduos pertencentes à superior espécie dos racionais devem catar estrita observância!
II – Desde a mais alta antiguidade foi o parricídio considerado crime da última hediondez.
É fama que Sólon, insigne legislador de Atenas, “perguntando por que razão não fizera alguma lei em castigo dos que matassem a seus pais, respondeu que no coração humano não cabia tão enorme crueldade”[3].
E “obrou prudentemente”, advertiu Cícero, “em não ordenar nada contra o que até então se não tinha cometido, para que parecesse que mais admoestava do que proibia”[4].
Igual horror causava aos persas a ideia do parricídio. Entre eles, conforme a lição de Heródoto, nunca houve quem matasse o pai ou a mãe, pois todas as vezes que se divulgou a notícia de tal crime, descobriu-se, “depois de rigorosas pesquisas, que o filho criminoso, ou era suposto ou adulterino”. Isso porque não podiam admitir “a possibilidade de um homem matar o verdadeiro autor dos seus dias”[5].
Ainda hoje, se alguém é convencido de parricídio, logo se prova — por honra da Humanidade! — que o praticara sob o império de intermitência escura de reto juízo. Será esta a única explicação plausível para tão excepcional atrocidade: que um insano a tenha perpetrado, porque só aquele a quem faltou a luz da razão pudera dar a morte ao que lhe deu a vida.
III – Em que pese às leis severas promulgadas para a contenção dos delitos, cresce contudo desenfreada a criminalidade. Não está, portanto, só no rigor punitivo o meio de adversá-la. Importa muito conhecer-lhe as reais causas. Uma delas é a miséria social (que se tem pela mãe do crime); outra, a ignorância, que não permite ao indivíduo discernir com acerto entre o bem e o mal. E isto cabe à educação, que é dever do Estado. (Falou avisadamente quem disse: Educai as crianças e não será preciso castigar os homens!).
Ainda: busquemos incutir no ânimo dos jovens, a todo o poder que pudermos, o amor do trabalho, o preciosíssimo dos fatores da promoção humana[6]; exortemo-los, ao demais, à aturada prática das virtudes. Unicamente assim estarão armados de ponto em branco para aniquilar os três piores inimigos que ainda há entre nós: a miséria, a ignorância e o crime.
Notas
[1] Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1981, vol. V, p. 25.
[2] E. Magalhães Noronha, Direito Penal, 1969, vol. II, p. 18.
[3] Bluteau, Vocabulário, 1720, t. VI, p. 279. Este mesmo caso refere o historiador Diogo do Couto: “Essa foi a razão por que Sólon não falou na pena que teria quem matasse seu pai, porque dizia que não queria que entrasse na imaginação dos homens tamanha maldade” (Soldado Prático, 1790, p. 105).
[4] Cícero, Orações, 1948, p. 400; trad. Pe. Antônio Joaquim.
[5] História, 1950, cap. CXXXVII; trad. J. Brito Broca.
[6] “O trabalho não é castigo: é a santificação das criaturas. Tudo o que nasce do trabalho é bom” (Rui, A Questão Social e Política no Brasil, 1983, p. 11).