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Obrigação tributária acessória e os custos de conformidade à tributação

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Agenda 06/06/2019 às 01:54

O artigo traz a problemática dos custos que as obrigações tributárias acessórias causam para as empresas que atuam no Brasil e como os Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade, através de uma ótica Constitucional, podem ser utilizados como defesa.

                                                            RESUMO

Este trabalho teve como base o estudo dos princípios constitucionais que limitam os deveres instrumentais impostos pelo Código Tributário Nacional, nas chamadas obrigações tributárias acessórias, além dos impactos econômicos causados pela forma como essas obrigações são impostas para o contribuinte. Tem por objetivo principal a apresentação da possibilidade de se utilizar dos Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade em defesa do contribuinte para se opor às obrigações tributárias acessórias que ultrapassem o interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos, impondo deveres inviáveis, excessivamente onerosos, desnecessários ou ineficazes, que oneram demasiadamente o contribuinte de boa-fé. Visando atingir esse objetivo, o trabalho foi iniciado com a necessária explanação do desenvolvimento histórico dos tributos, que andou junto com a evolução do Estado Financeiro, trazendo importantes conceitos para a compreensão da matéria e focando na evolução dos tributos no Brasil, a partir da Proclamação da República. Num segundo momento foram feitas as conceituações legais e doutrinárias dos termos “obrigação tributária acessória” e “compliance costs” ou “custos de conformidade à tributação” onde, com base em sérios estudos realizados pelo Banco Mundial e pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), foi demonstrado o excesso de complexidade dos deveres instrumentais em nossas relações tributárias, gerando enormes dificuldades para os empresários conseguirem adimplir suas obrigações tributárias e, consequentemente, sobreviver com a sua atividade econômica, prejudicando o desenvolvimento de toda a sociedade.  Ao final, foram apresentados os conceitos dos Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade   pelas lentes do Direito Constitucional e Administrativo e a possibilidade da utilização destes princípios como matéria de defesa quando o contribuinte se confrontar com obrigações tributárias acessórias que, por mera incompetência ou comodidade da Administração Pública, se mostrem além do interesse da arrecadação ou da fiscalização, se tornando excessivas, desarrazoadas e desproporcionais.

Palavras-chave: Obrigações tributárias acessórias. Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade. Custos de conformidade.

1 INTRODUÇÃO

Com o nascimento do Estado Democrático de Direito, surge também o Estado Fiscal, ocorrendo a substituição da Fazenda Real pela Fazenda Pública, onde os tributos ocupam o papel principal na fonte de receita do Estado. Receitas estas que devem ser destinadas ao cumprimento de todos os compromissos sociais que o Estado se propõe e que estão presentes na forma de direitos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 6º: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados.

            Para se conseguir suprir todas estas demandas de nossa sociedade, é vital que haja uma grande quantidade de recursos, que são conseguidos principalmente através dos tributos. Na hora de arrecadar estes tributos é necessário que se aja com uma máxima eficiência, tanto na sua carga tributária quanto nos custos para realizar a arrecadação. Estes últimos são divididos em custos administrativos e custos de conformidade na tributação.

            Custos administrativos são aqueles destinados às três funções do Poder (Legislativo, Executivo e Judiciário) quando estes atuam em matéria tributária. A legislação (Legislativo), arrecadação e controle (Executivo) e julgamento de matéria tributária (Judiciário), sendo que este custo se multiplica pela quantidade de municípios e estados brasileiros.

            Custos de conformidade à tributação são aqueles feitos pelas pessoas físicas e jurídicas para poder realizar suas obrigações tributárias acessórias e assim poder cumprir as obrigações tributárias principais, fazendo muitas vezes o papel da própria administração pública, gastando recursos para poder pagar tributos.

            Os Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade são limitadores para os deveres instrumentais (obrigações tributárias acessórias) solicitados, quando estes são inviáveis, desnecessários, ineficazes ou excessivamente onerosos. O artigo 113, §2º do CTN, diz que as obrigações devem ser cumpridas para o interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. Mas até que ponto estes interesses podem ir sem ferir os referidos Princípios, vindo a atentar contra a razoabilidade e proporcionalidade pertinentes as relações tributárias e direitos do contribuinte?

A resposta para o questionamento acima é uma das respostas que este trabalho procurou trazer para o âmbito jurídico e acadêmico, regressando ao estudo do desenvolvimento do Estado Fiscal até os dias atuais, para, só então, depois de demonstrar a perturbadora situação das pessoas jurídicas para conseguir cumprir todas as obrigações tributárias acessórias impostas pelos governos (federal, estadual e municipal), finalizar com a possibilidade de utilização dos referidos princípios do parágrafo anterior como matéria de defesa do contribuinte contra um Fisco ineficiente e que gera custos indiretos para toda a sociedade.

            Estes gastos para se cumprir as obrigações acessórias não são um problema exclusivamente brasileiro, mas aqui, como os recentes estudos apontam, estamos num patamar completamente diferente. As empresas no Brasil são as que mais gastam tempo (e, portanto, dinheiro) para cumprirem tais obrigações, cerca de 2038 horas anuais, praticamente o dobro da penúltima colocada, a Bolívia, com 1025 horas. O problema tem merecido pouca atenção doutrinária, apesar de trazer grandes impactos econômicos para o país, além de ser um forte motivo para o fenômeno da evasão fiscal, feita não somente de forma dolosa, como forma de sobrevivência de uma atividade empresária, como também, de forma culposa, tendo em vista a dificuldade existente para o cumprimento de todas as obrigações tributárias.

            A presente pesquisa visa trazer um pouco de luz para o âmbito acadêmico, com análise doutrinária e jurisprudencial e a utilização de um método indutivo, mostrando o tamanho da importância do tema, seus impactos negativos em nossa economia, e a consequente repercussão na vida em sociedade.

2 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DOS TRIBUTOS

           

O presente capítulo visa, num primeiro momento, trazer um apanhado geral da história dos tributos, sem nenhuma pretensão de ser um estudo crítico e histórico, tendo como objetivo somente a noção geral da criação deste instituto jurídico. Importante também neste primeiro momento, trazer à luz o conceito de tributo, por diversos juristas, para a melhor compreensão do trabalho acadêmico e sua apreensão como um todo.

            Após este primeiro momento, o foco será a evolução dos tributos e da constituição e organização do fisco no Brasil, a partir de 1889, com a proclamação da República, até os dias atuais. A mudança de mentalidade quanto ao tamanho do Estado, implicando diretamente na quantidade de tributos cobrados, também será objeto do presente estudo.

            Ao final do capítulo, em sua última parte, o estudo se direciona para o desenvolvimento do Estado Financeiro, apresentando as características de cada momento histórico, desde o Estado Patrimonialista no século XVI, até o Estado Democrático e Social Fiscal (terceiro momento do Estado fiscal), que surge com a queda do Muro de Berlin e o início do processo de globalização.

            2.1 ORIGEM E CONCEITO DE TRIBUTO

            A história dos tributos acompanhou paralelamente a história dos homens, tendo em vista que o Estado para se desenvolver precisava dos recursos provenientes das exações fiscais. Estudos mostram que as primeiras manifestações de algo parecido com os tributos ocorreram de maneira voluntária, onde pessoas de uma determinada sociedade tribal destinavam presentes aos seus líderes, pelos seus serviços e atuações em prol da comunidade. Somente num segundo momento que os tributos passaram a ser compulsórios, quando os perdedores de uma guerra eram obrigados a entregar seus bens aos vencedores.[1] Aqui já se percebe a relação de poder em que o mais forte cobra compulsoriamente tributos da parte mais fraca.

Impreciso o momento histórico de sua criação, tendo como texto mais antigo retratando a cobrança de tributos uma placa de 2.350 A. C., onde o rei Urukagina, da cidade-estado de Lagash, região da antiga Suméria, realiza a cobrança de impostos extorsivos e realiza o confisco de bens para si próprio.[2]

O modelo grego que existia no período do século IV A. C., consistia principalmente na tributação exclusiva dos escravos, sendo esta exação um sinal de submissão, não de liberdade. Este era o modelo que se encontrava frequentemente na antiguidade.[3]

Em Roma, seguia-se o mesmo modelo Grego, onde a tributação não ocorria de maneira geral para os cidadãos, pois era sinônimo de falta de liberdade, já que os povos que perdiam as guerras que deveriam pagar os impostos, ocorrendo então a pilhagem. Os impostos cobrados direto dos cidadãos (“tributum”) eram exceção e só ocorriam nos casos de extrema necessidade, sendo depois ressarcidos com pilhagens contra os povos que perderam a guerra. Funcionavam como um empréstimo de guerra. De maneira resumida, naquele tempo tributo significava falta de liberdade.[4]

             Com a queda do Império Romano no ano de 476, se iniciou o período da Idade Média e as figuras dos feudos surgiram com a divisão do território antes ocupado pelo Império Romano no ocidente. A tributação durante este período toma novos contornos, tendo em vista que a dominação cristã dos territórios não permitia que houvesse submissão ou escravidão. O homem era livre e somente como forma de exercer sua liberdade que ele decidia contribuir. O consentimento era necessário para que houvesse a cobrança.[5]

            Os servos da Idade Média não se confundiam com os escravos, pois apesar de deveres (e aqui se incluem os pagamentos de tributos), também lhes eram garantidos direitos. A vontade era de primordial importância, o juramento feudal não era obrigatório, mas sendo feito, ganhava contornos contratuais que não poderiam ser desfeitos.[6]

Em 1215, na Inglaterra, João Sem Terra dobra a cobrança de impostos com o objetivo de fortificar o seu exército, gerando enorme insatisfação dos nobres, que o obrigam a assinar, em 15 de junho de 1215, a Magna Carta, que pode ser considerada a primeira legislação que traz limitações ao poder de tributar, sendo estas limitações um direito do povo e um dever do soberano.[7]

            Através de Estados Absolutistas, as cargas tributárias foram se tornando cada vez maiores para sustentar um Estado insaciável. Esta fome de tributos do Leviatã acabou servindo de impulso para a Guerra de Independência Americana em 1775 e a Revolução Francesa em 1789, que mais tarde serviriam de inspiração para a Inconfidência Mineira. Esta última, foi a revolta popular contra o imposto da quinta parte do ouro garimpado a ser pago a título de tributo para o Reino de Portugal.[8]

            Após esse breve apanhado histórico até o período do século XIX, faz-se mister trazer o conceito de tributo, para que seja possível apreender este trabalho como um todo. O próprio Código Tributário Nacional (CTN), em seu artigo 3°, traz o conceito legal de tributo, qual seja: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”. Esta conceituação feita pelo legislador é criticada por Geraldo Ataliba, tendo em vista que esta atitude dá a impressão de que o legislador poderia conceituar tributo de forma diversa do que pode ser extraído da Constituição, alterando sua essência, sendo que este poder não lhe cabe.[9]

Para Leandro Paulsen, o Texto Constitucional em seu Capítulo “Do Sistema Tributário Nacional”, deve ser a fonte de extração do conceito de tributo, coadunando com o pensamento de Geraldo Ataliba. Este é o conceito extraído por Paulsen:

Cuida-se de prestação em dinheiro exigida compulsoriamente pelos entes políticos de pessoas físicas ou jurídicas, com ou sem promessa de devolução, forte na ocorrência de situação estabelecida por lei que revele sua capacidade contributiva ou sua vinculação a atividade estatal que lhe diga respeito diretamente, com vista à obtenção de recursos para o financiamento geral do Estado ou para o financiamento de atividades ou fins específicos realizados e promovidos pelo próprio Estado ou por terceiros no interesse público.[10]

            O Professor Leandro Amaro traz o seguinte conceito de tributo: “Tributo é a prestação pecuniária não sancionatória de ato ilícito, instituída em lei e devida ao

Estado ou a entidades não estatais de fins de interesse público. ”[11] O professor tece críticas ao conceito legal, tendo em vista a redundância de se falar em “prestação pecuniária em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir”, como se houvesse outra forma de se tratar algo em pecúnia.[12]

            Vale destacar a visão do jurista Ives Gandra Martins, que nos mostra o tributo como uma norma de rejeição social, já que ela muito provavelmente não seria cumprida se não houvesse sanção. Para ele, só a sanção pode assegurar ao Estado que tributos serão recolhidos, tendo em vista que com a carga tributária desmedida que é inerente ao Estado, o desejo popular é de não cumprir as normas tributárias.[13]

            O exposto acima fica claro quando Martins traz o exemplo de que um contribuinte que seria incapaz de matar alguém, mesmo se não houvesse nenhuma norma punitiva, é tentado muitas vezes a não pagar os tributos, só o fazendo com medo das leis sancionatórias que poderão puni-lo. Isto acontece, pois, todos os cidadãos, logo, contribuintes, sabem que pagam mais do que deveriam para atender às necessidades do Estado e às “necessidades” daqueles que detêm o poder.[14]

           

2.2 HISTÓRICO NO BRASIL A PARTIR DE 1889

           

Para se analisar os tributos e sua evolução a partir da Proclamação da República e a sua Constituição de 1891, é necessário ter em mente qual o papel que o Estado buscava desempenhar nos aspectos econômicos e sociais.[15]

Em um primeiro momento, até 1930, o Estado foi liberal, com limitações em suas intervenções econômicas e uma carga tributária reduzida, sendo sua maior arrecadação proveniente de impostos sobre o comércio exterior. A primeira preocupação no que diz respeito aos tributos era como ficaria a repartição tributária entre os entes federativos da recém-criada Federação. Por mais que houvesse grandes mudanças estruturais na sociedade, elas ainda estavam em estágio inicial, não sendo capazes de realizar importantes alterações na economia do Brasil, que era em sua maior parte sustentada pela exportação agropecuária.[16]

            Pouco se muda então na fonte de arrecadação neste primeiro momento, se comparado ao período monárquico. Apesar da tentativa de se buscar um equilíbrio da repartição tributária entre União e estados, o resultado não foi satisfatório para se alcançar a harmonia da federação.[17]

Foram excluídos vários impostos que integravam o orçamento federal de 1889, como os impostos de armazenagem, de faróis, de docas e de transportes, e os incidentes sobre os subsídios e vencimentos recebidos dos cofres públicos e também sobre os dividendos distribuídos pelas sociedades anônimas. Igualmente, eliminaram-se alguns impostos de competência das então províncias, como os dízimos de gêneros alimentícios, subsídio literário taxa de viação em estradas provinciais, entre outros. Foram mantidos, por sua vez, tributos criados durante o período colonial, mas que tiveram sua base de incidência ampliada, como a taxa de selo (Alvará de 17/06/1809) ou de indústrias e profissões (fusão de impostos incidentes sobre lojas, casas de leilões e modas e sobre despachantes e corretores), assim como os impostos sobre o patrimônio e a transmissão de propriedade, cobrados ou pelo poder central ou pelas províncias (sisas dos bens de raiz, décima dos legados e heranças, décima dos rendimentos dos prédios urbanos, transmissão de propriedade). Além destes, preservaram-se, com nomenclatura modificada, os principais impostos do Estado: o de importação, que os estados pleitearam inicialmente, e o de exportação (ex-direitos de entradas e saídas, vigentes nos períodos colonial e imperial).[18]

            Um Estado Liberal possui um papel restrito, pouco intervindo na economia, portanto, é normal que naquela época as receitas dos tributos tenham vindo principalmente do comércio exterior, até porque, como já dito, as atividades no mercado interno ainda estavam em fase inicial, por isso a prevalência dos impostos de importação e exportação. Da receita do Império, 60% era proveniente dos impostos que incidiam sobre a importação. Como o governo era muito limitado, os recursos destinados ao desenvolvimento de suas atividades também o eram, não sendo utilizados como instrumentos de políticas econômicas voltados para outros objetivos. Tanto é que sua carga tributária girava em torno de 7% do PIB nos anos de 1916 a 1920[19], enquanto em 2015, a título de comparação, a carga tributária era de 32,66% do PIB nacional.[20]

            A partir do ano de 1930, já sob o comando de Getúlio Vargas, houve um crescente avanço das atividades econômicas internas, diminuindo então a dependência do Estado nos impostos de importação e exportação e aumentando a importância dos impostos internos na estrutura de arrecadação. Um dos fatores para isso ter acontecido foi a reorientação no papel do Estado, que passou de um Estado liberal para um Estado desenvolvimentista, logo, intervencionista, onde se acreditava que o Governo deveria realizar diversos investimentos em infraestrutura e ser extremamente regulador em matérias econômicas com o objetivo de tirar o país do atraso e da miséria.[21]

            Quanto às mudanças tributárias no período, o estudo revela:

As principais alterações no sistema no tocante à sua estrutura foram as seguintes: i) a constitucionalização dos impostos de renda e consumo, de competência federal, que haviam sido criados por lei ordinária; ii) o desmembramento e distinção dos impostos sobre a transmissão da propriedade causa mortis e inter vivos; iii) a criação do imposto sobre combustíveis destinado aos estados; iv) a transformação do imposto sobre vendas mercantis no imposto sobre vendas e consignações; e v) a criação do imposto de licença.

Em relação à distribuição das competências, a principal inovação – importante para o federalismo –, foi, pela primeira vez, a atribuição constitucional de um campo próprio de competências aos municípios, com uma estrutura de cinco tributos. A Constituição de 1934 também designou aos municípios competência para, junto com os estados, em partes iguais, arrecadarem o imposto sobre indústrias e profissões. Os estados foram beneficiados com o imposto de consumo de combustíveis e a transferência do imposto sobre vendas mercantis, transformado em vendas e consignações, com base significativamente alargada e de incidência cumulativa, para seu campo de competência. Além disso, foi-lhes permitido exercer poder concorrente com a União na criação de novos impostos, vedando-se, contudo, a bitributação, prevalecendo, em caso de impostos desta natureza, o criado pela União. À União apenas couberam, adicionalmente, os impostos de renda e consumo preexistentes.[22]

         

            Uma nova Carta Constitucional foi promulgada em 18 de setembro de 1946, sendo influenciada pelo liberalismo político, opondo-se à centralização de poderes do período anterior, fortalecendo o federalismo e dando mais autonomia para os municípios. Contudo, apenas tímidas modificações ocorreram no campo tributário, no que diz respeito ao sistema de impostos e as áreas de competência tributária.[23]

            Reformas profundas do sistema tributário foram tentadas. Em 19 de agosto de 1953 o Ministério da Fazenda, por meio da Portaria nº 784, nomeou uma comissão para elaborar o anteprojeto do Código Tributário Nacional, que após ter sido enviado ao Congresso pelo Presidente da República, não foi convertido em lei.[24]

            A carga tributária neste período continuou seu movimento ascendente e mesmo assim, não era suficiente para cobrir as despesas do Estado que a cada dia aumentava mais, devido ao seu novo papel desenvolvimentista. Entre 1941 e 1945 tinha a média anual de 12,5% do PIB, saltando para 17,4% no período de 1956 a 1960. O resultado econômico foi um déficit gigantesco que aumentava a cada ano, sendo coberto por emissões primárias de moeda e empréstimos, fazendo a inflação ganhar cada vez mais força. Se o Estado quisesse continuar assumindo este papel, era necessário que houvesse uma reforma tributária profunda com o objetivo de modernizar e aprimorar a máquina de arrecadação e fiscalização, garantindo fontes mais amplas e seguras de financiamento. Só assim o Estado poderia desempenhar este papel desenvolvimentista sem incorrer em grande desequilíbrio financeiro.[25]

            A reforma necessária aconteceu durante o período do regime militar, e teve seu marco inicial com a Emenda Constitucional nº 18 (EC 18/65) de 1º de dezembro de 1965, completando-se com a aprovação do Código Tributário Nacional (CTN), pela Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. O principal objetivo era modernizar toda a estrutura tributária, tendo o tributo um papel de protagonismo para sustentar o modelo de Estado Desenvolvimentista, inclusive realizando isenções fiscais para estimular setores considerados estratégicos.[26]

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            O CTN trouxe a modernização necessária, adequando o sistema tributário ao papel daquela forma de Estado, pelas seguintes razões:

Em primeiro lugar, com o objetivo de imprimir maior racionalidade ao sistema e fechar as portas para a criação indiscriminada de impostos por todos os entes federativos – o que praticamente conduzira à formação de três sistemas tributários autônomos, sem conexão entre si, com prejuízos para o sistema produtivo e para a competitividade da economia –, eliminou-se a competência residual da decretação de impostos para os estados e municípios, restringindo tal autonomia à União, sem a obrigatoriedade de esta esfera partilhar com os governos subnacionais o produto dos que seriam criados.

Em segundo, o sistema foi depurado de vários impostos que não tinham bem definido seu fato gerador, casos mais evidentes dos impostos sobre indústrias e profissões, do imposto do selo e do imposto de licença, e que, por esta razão, eram manejados como meros instrumentos de socorro financeiro para os governos atenderem as suas necessidades de caixa, prejudicando o sistema produtivo ao distorcer preços relativos e aumentar os custos de produção. Em contrapartida, estabeleceram-se claramente as bases de incidência dos impostos que os substituíram, como o imposto sobre serviços de qualquer natureza, o imposto sobre transportes e comunicações e o imposto sobre operações financeiras.

Em terceiro, os tributos foram organizados pela primeira vez à luz de suas bases econômicas, dando maior visibilidade e racionalidade à política econômica para viabilizar seus objetivos. Classificados em dois setores, interno e externo, foram enquadrados em quatro grupos: comércio exterior; patrimônio e renda; produção, circulação e consumo de bens e serviços; e impostos especiais.[27]

           

            Graças à reforma tributária trazida pelo CTN, juntamente com as reformas administrativas e operacionais introduzidas no fisco federal, a carga tributária saltou para 25%-26% ao final da década, patamar este que também se manteve na década seguinte. Toda a lógica da reforma tributária foi no sentido de atribuir ao imposto um papel impulsionador do processo de crescimento do país. As principais mudanças que acompanharam o aumento da carga tributária foram a transformação do Imposto de Exportação e do Imposto sobre Operações Financeiras em impostos extrafiscais, ou seja, o objetivo arrecadatório destes impostos estava em segundo plano. O Imposto de Exportação foi transferido para o governo federal e se tornou instrumento para política do comércio exterior, enquanto o Imposto sobre Operações Financeiras transformou-se em instrumento de política monetária.[28]

            Com o fim do regime militar, uma convocação para uma assembleia constituinte foi feita em fevereiro de 1987, sendo concluída com a nova Constituição Federal em 5 de outubro de 1988, estabelecendo uma nova ordem política, social, jurídica e econômica para a nação. Novas atribuições foram dadas ao Estado, introduzindo o conceito de “seguridade social” alargando o papel do Estado em prover para os seus cidadãos os direitos sociais. Quanto às mudanças na estrutura tributária é necessário ressaltar[29]:

De fato, a União perderia os impostos únicos (incidentes sobre a energia elétrica, os combustíveis e os minerais) e especiais (transportes rodoviários e serviços de comunicação), que seriam integrados ao novo imposto estadual - o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) – e veria ampliada, consideravelmente, a fatia do produto da arrecadação do imposto de renda e do IPI transferida para os estados e municípios (de 33% para 47% no caso do IR e de 33% para 57% no do IPI). Em contrapartida, ganharia apenas o imposto sobre grandes fortunas, que nunca foi regulamentado, e o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), de inexpressiva arrecadação, que ainda deveria partilhar com os municípios.

Os estados foram beneficiados, por sua vez, com a expressiva ampliação da base de incidência do novo ICMS, à qual se integraram os impostos únicos e especiais, e com a criação do imposto sobre herança e doações, além do aumento expressivo do FPE, dos recursos para os Fundos Constitucionais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste (NO-NE-CO) e da criação do Fundo de Compensação das Exportações de Manufaturados, que drenaria 10% da receita do IPI. A maior autonomia que lhes foi concedida para o estabelecimento das alíquotas do ICMS, observadas as limitações previstas em lei, confirmaria a ampliação da capacidade de autofinanciamento de suas políticas.

Do mesmo modo que os estados, os municípios foram beneficiados com a reforma. Além dos ganhos obtidos com o aumento das transferências para o FPM e do Fundo de Compensação das Exportações de manufaturados, viram ampliados os impostos que poderiam cobrar. De um lado conseguiram aprovar o imposto de venda a varejo de combustíveis, que seria cobrado até 1993, quando a Emenda Constitucional de Revisão no 3 (EC 03/93) determinou sua extinção.

De outro, viram transferido dos estados para sua esfera de competência o imposto sobre a transmissão de bens Imóveis inter vivos.[30]

           

Como se percebe pelo que foi acima citado, a União perdeu grande parte de sua competência tributária, caindo então a sua participação na receita tributária de 60,1% em 1988 para 54,3% em 1991, aumentando consequentemente as participações dos estados e municípios. Entretanto, era necessário que a receita da União crescesse, pois, as políticas públicas adotadas pela nova Constituição demandavam uma enorme quantidade de recursos para sua aplicação. Por este motivo, foram realizados ajustes tributários como a criação da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para as empresas em geral, criação do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira, também de incidência cumulativa (para ser cobrado até 31/12/1994), criação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (que foi cobrado até o final de 2007) e criação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico relacionada à área dos combustíveis (CIDE – Combustíveis). Apesar de ser favorável para a arrecadação, este novo sistema tributário, com grande participação de contribuições sociais incidindo cumulativamente com impostos, tornou-se fatal para competitividade da economia brasileira, aumentando o “custo-Brasil” e tendo efeito cascata com a repercussão tributária, atingindo a camada mais pobre da sociedade, que teve que suportar grande parte do ônus.[31]

2.3 A EVOLUÇÃO DO ESTADO FINANCEIRO

            O primeiro estágio de desenvolvimento histórico do Estado é o Estado Patrimonialista, onde este se vale dos próprios meios para obter a receita que necessita para a sobrevivência, o Estado atuando como agente econômico e consumindo a própria riqueza que produz.[32] Este modelo se estabeleceu na Europa no século XVI, e tinha como principal característica o patrimonialismo financeiro, ou seja, vivia essencialmente dos ganhos patrimoniais do príncipe, a utilização de tributos como fonte extrapatrimonial é algo residual e secundário. Neste estágio, o público e o privado, a fazenda do príncipe e a fazenda privada se confundem.[33]

            Aos poucos o Estado Patrimonialista foi sendo substituído pelo Estado Policial, principalmente no século XVIII, tendo por base a atividade de “polícia” para garantir a ordem, segurança, felicidade e bem-estar dos cidadãos do Estado. Para tentar alcançar estes objetivos, ele se torna intervencionista, centralizador e paternalista. O tributo era utilizado como um meio de controle social.[34]

            O próximo passo de evolução do modelo estatal seria o Estado Fiscal:

Com a difusão da república, a principal fonte de receita dos Estados passou a ser as exações tributárias. Nesse sentido, o desenvolvimento natural das atividades públicas passou a ser sustentado principalmente pelos tributos. Ao se considerar essas ações com vistas a atingir o interesse público, interesse dos cidadãos – presume-se – estes são obrigados a fornecer ao Estado o suporte financeiro adequado. Essa nova ordem financeira foi denominada “Estado fiscal”, assim entendido aquele cuja principal fonte de receita provém de meios derivados, alheios a sua propriedade, notadamente por meio de tributos. [35]

            O Estado muda sua forma de subsistência, deixando de atuar como agente econômico, transferindo a obrigação de sustenta-lo para os particulares, através dos tributos que transferem compulsoriamente uma parcela da riqueza produzida pelo particular para o financiamento estatal.[36]

            O professor Ricardo Lobo Torres divide o Estado Fiscal como projeção financeira do Estado de Direito em três fases distintas: a inicial chamada de Estado Fiscal Minimalista, a do Estado Social Fiscal e a atual, chamada de Estado Democrático e Social Fiscal.[37]

            O Estado Fiscal Minimalista desenvolve-se do final do século XVIII até o início do século XX, corresponde ao Estado Liberal Clássico, que exercia um intervencionismo mínimo na vida dos cidadãos, atuando principalmente na segurança interna e externa, prestando poucos serviços públicos, e por isso mesmo, tinha poucas despesas e necessitava apenas de uma pequena arrecadação de tributos dos seus cidadãos para ser financiado.[38]

            O modelo Fiscal Minimalista é sucedido pelo Estado Social Fiscal, que representa o aspecto financeiro do Estado de Bem-estar Social, que permanece na história ocidental por um curto período, aproximadamente de 1919 a 1989. Aqui, novamente o Estado se torna intervencionista na ordem econômica e social, deixando de ser o mero garantidor das liberdades individuais. O tributo ganha outras finalidades além da arrecadatória. Ele passa a ser instrumento para o desenvolvimento de determinadas áreas da economia, através de subsídios ou então é utilizado para prevenir o consumo por parte da população de certos bens. Além disso, é atribuída ao tributo a finalidade da redistribuição de renda, feita por intermédio de financiamento de prestações de serviços públicos ou bens públicos. Com todas essas mudanças, a carga tributária expande enormemente e o Estado Social entra em crise financeira e orçamentária.[39]

            O Estado Democrático e Social Fiscal ganha força no final do século XIX, com a queda do muro de Berlin e o processo de globalização, já que o socialismo e o intervencionismo estatal entram em crise. As características de Estado Social continuam, mas com limitações, já que se diminui o tamanho do Estado nas esferas econômicas e sociais. Sua principal fonte de receita continua sendo os tributos. Há uma maior consciência orçamentária e as despesas públicas se concentram nas áreas da saúde e da educação, sempre em vista que os recursos públicos não são inesgotáveis.[40]

            A sociedade do século XXI passou a compreender que os resultados prometidos pelo Estado Social são ordinários e os seus custos muito elevados. A tributação elevada tira recursos com promessas de bons resultados por parte do poder público, limitando assim o uso deste dinheiro pela própria população para buscar os fins necessários. A população tenta tomar para si novamente a responsabilidade de tarefas delegadas ao Estado, que esse não consegue mais cumprir com eficiência e por este motivo acaba limitando a liberdade do cidadão. Com um Estado ineficiente no cumprimento das obrigações que se propõe, não é legitimado a este o aumento desmedido de tributos, de forma crescente e interminável. Aí reside a importância das “limitações constitucionais ao poder de tributar”, impossibilitando que o Estado através de sua ineficiência repasse o ônus para a população, devendo este agir conforme os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, não apenas na quantidade de tributos cobrados, mas também na forma de sua cobrança.[41]

Sintetizando o assunto, o professor Luís Eduardo Schoueri ensina que o Estado do século XXI deixou de lado a ideia de deter o monopólio na garantia de direitos fundamentais. A própria atuação da sociedade assegura parcela desses direitos, seja através de entidade assistenciais (complementando ou suprindo a atuação estatal), seja por empresas privadas (assegurando o emprego, que é um direito social e fundamento da Ordem Econômica Constitucional), deve-se assegurar a possibilidade de a própria sociedade cumprir seu papel para construir uma liberdade que não seja sufocada por tributos em excesso. Como se isso não fosse suficiente, no caso do Brasil nós temos a sensação de tributação injusta[42], já que além de tributos excessivos, os gastos públicos são ineficientes e impalpáveis, além de grande parte deste dinheiro público escoar nos ralos da corrupção, como vemos diariamente nos jornais. Então, o seguinte questionamento é levantado para o Estado: se o tributo é um “dever fundamental”[43], já que é meio para o Estado assegurar direitos fundamentais, poderia o próprio Estado tributar excessivamente a sociedade que também garante parcela desses direitos? E desta forma, impedir o florescimento de oportunidades para que a justiça social (objetivo da Ordem Econômica) possa ser construída a partir da valorização do trabalho e da livre iniciativa? Estamos de acordo com professor, que finaliza da seguinte forma: “Em síntese, se o tributo é o preço da liberdade, esse preço não é ilimitado”. [44]

           

3 OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS ACESSÓRIAS E SEUS IMPACTOS ECONÔMICOS

Para se compreender este presente capítulo, é necessário primeiramente trazer a importância da relação entre Direito e Economia, duas ciências que estão em contato constante na vida em sociedade.

De forma ampla, o Direito busca garantir a possibilidade de a Economia se tornar uma realidade, poder se tornar realizável em harmonia com os demais valores sociais. A Economia se preocupa em saber como ocorrerá a produção e distribuição de bens (que são escassos e por isso mesmo possuem um valor) para a sociedade, enquanto o Direito terá de garantir as condições sociais seguras para que isso ocorra, através do direito de propriedade, por exemplo, sem o qual, seria inviável haver um sistema econômico.[45]

Ao se analisar o capítulo 2 deste trabalho, vemos que a evolução do Direito Financeiro e do Direito Tributário teve como escopo a adaptação do Estado Fiscal aos novos direitos que foram atribuídos como funções do Estado, atribuições estas que foram dadas pelos representantes do povo, ao organizar e reformular as concepções do Estado, desde um Estado Patrimonialista até um Estado Democrático e Social Fiscal. Por mais que o Estado Fiscal evoluísse, essa evolução deveria estar em constante diálogo com as Ciências Econômicas, para não ocorrer uma intervenção demasiada que gerasse o fracasso econômico e consequente destruição do Estado, como ocorreu nos Estados Socialistas.

            A possibilidade de se gerar impactos econômicos negativos não está presente apenas na forma de Estado escolhida (algumas vezes imposta) ou na carga tributária visível. É possível também, que na forma de cobrança dos tributos, através da necessidade de cumprimento de obrigações tributárias acessórias, seja gerado um custo excessivo que não irá gerar receita para o Estado e somente se converterá em prejuízo para o consumidor final ou o próprio empresário, que no final das contas se reverte em prejuízo para o próprio Estado.

            Estes custos para o cumprimento das obrigações tributárias acessórias são chamados de compliance costs ou custos de conformidade à tributação, e geram um aumento invisível na carga tributária de um país, já que é de difícil mensuração. É o quanto se paga para poder pagar tributos. Apesar da relevância do tema para um maior desenvolvimento econômico, tendo em vista a possibilidade de redução dos gastos que podem ser revertidos para outros fins, a doutrina sobre o assunto é bem limitada, como aponta Schoueri.[46]

            Faz-se necessário então, para a devida compreensão do trabalho, o estudo do conceito de obrigações tributárias, especificando, principalmente, as obrigações tributárias acessórias, com todas as críticas que essa denominação recebe por parte da doutrina.

            Após estas definições iniciais, importante trazer à lume mais precisamente os custos de conformidade através de alguns números, para compreendermos a importância do estudo do tema e notar como isso pode afetar negativamente a economia.
            Finalmente, cabe uma análise sobre as atitudes do Fisco para tentar diminuir estes custos (tanto administrativos quanto para o contribuinte), como a utilização do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), que é um sistema de intercâmbio de informações entre fisco e contribuintes e o Simples Nacional, que é um regime especial de apuração e recolhimento de tributos para empresas de pequeno porte.

3.1 OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS

            O Código Tributário Nacional traz no seu Título II do Livro Segundo a “obrigação tributária”, sendo o primeiro artigo deste título o art. 113, que traz em seu caput a divisão da obrigação tributária em principal ou acessória.

            Enquanto a obrigação tributária principal tem como característica essencial a atividade de “dar”, por parte do sujeito passivo (contribuinte), o que equivale dizer que é o pagamento dos tributos ou de penalidades decorrentes destes, a obrigação acessória está envolvida em ações de “fazer” ou “não fazer”[47], podendo se converter em obrigação principal no que diz respeito à sua penalidade pecuniária decorrente de sua não observação, conforme determina o artigo 113, §3º do citado código.

Importante observação trazida por Alcides Jorge da Costa[48] quanto às origens do termo “obrigação tributária”, que remonta ao Direito Privado. Para ele, houve uma assimilação da relação Estado – contribuinte à relação obrigacional como uma forma de defesa para o contribuinte, não possibilitando que houvesse a ideia de mera relação de poder do Estado sobre os contribuintes, fazendo com que os dois se encontrassem em pé de igualdade. Esta forma defensiva de ver o contribuinte só é possível num Estado de Direito.

O professor Schoueri critica a utilização do termo “acessória” para as obrigações tributárias de “fazer” e “não fazer”. Ele aponta que no direito, o acessório segue o principal e isto não ocorre nas obrigações tributárias. A obrigação tributária acessória não se extingue com a obrigação principal, conforme o exemplo de que mesmo que um contribuinte tenha recolhido todo o tributo, ele ainda poderá ter que apresentar declarações ou mesmo suportar fiscalizações. Para reforçar a tese, ele traz o argumento de que é possível inclusive que as obrigações acessórias nasçam sem a existência de uma obrigação principal, como é o caso das entidades imunes que devem entregar declarações e prestar informações para a fiscalização (obrigações acessórias). Portanto, para o professor, o termo “acessória” não tem a ver com uma subordinação à obrigação principal, mas sim, apontar seu caráter instrumental, já que a finalidade é assegurar o cumprimento da obrigação principal. [49]

            Paulo de Barros Carvalho tece críticas quanto ao uso da nomenclatura “obrigação”, nas obrigações tributárias acessórias, dizendo que estas, na realidade, deveriam ser chamados “deveres instrumentais”. “Instrumentais” pelas mesmas razões expostas no parágrafo anterior por Schoueri, e “deveres” pois as obrigações acessórias não têm natureza pecuniária (ainda que possam gerar custos, como será analisado em momento posterior), portanto, não poderiam ser chamadas de “obrigações”, mas sim, “deveres”, já que seu objeto carece de patrimonialidade. Estes deveres, desde que no interesse da arrecadação ou fiscalização dos tributos, representam o meio como o Estado assegurará o devido cumprimento das prestações tributárias.[50]

O artigo 113, §1º do CTN define que a obrigação tributária principal surge com a ocorrência do fato gerador, ou seja, o fato típico para a incidência do tributo. Enquanto o §2º do mesmo artigo, referindo-se às obrigações tributárias acessórias, diz o seguinte: “ § 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. ”

            Esta última parte é de extrema relevância para o nosso presente estudo. Quando se diz que devem ser “previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”, fica evidente que há uma limitação ao Poder Público, de estabelecer a quantidade e a qualidade das obrigações tributárias acessórias. Elas não podem ser arbitrárias.[51]

Alguns doutrinadores[52] dizem que esses deveres instrumentais precisam decorrer da lei, conforme o artigo 5º, II da Constituição Federal, no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais, que assegura “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”[53]. Entretanto, como aponta o professor Schoueri, o CTN normatiza no já citado artigo 113, §2º que essas obrigações acessórias decorrem da legislação tributária (definida no artigo 96 do próprio código, compreendendo outras espécies normativas além da lei stricto sensu) ou seja, a lei deverá conceder à autoridade administrativa o poder de fiscalizar e editar normas para sua arrecadação, sem com isso estar indo contra a garantia fundamental citada.[54]

            Agora, para o prosseguimento do trabalho, é necessário estudar alguns impactos econômicos negativos gerados pelo cumprimento dessas obrigações tributárias acessórias, ou “deveres instrumentais”, segundo melhor doutrina. Pois, por mais que haja os limites de serem “no interesse da arrecadação ou fiscalização” para a imposição destes deveres, é mais que certo que muitas vezes estas limitações não são obedecidas por parte do Poder Público, seja em âmbito nacional, estadual ou municipal, o que gera um custo excessivo para pagar os tributos.

           

            3.2 CUSTOS DE CONFORMIDADE À TRIBUTAÇÃO

           

            Os compliance costs, ou custos de conformidade à tributação, são os custos para o cumprimento dos deveres instrumentais. São despesas feitas pelo contribuinte para satisfazer as obrigações principais. Podendo, para o cálculo, incluir gastos com funcionários e gestores, implementação de softwares, terceirização de serviços e custos judiciais.[55]

            Estes gastos para o pagamento de tributos não entram nos cálculos das administrações tributárias brasileiras e são pouco debatidos pelos doutrinadores brasileiros. Tais custos fazem parte de uma carga tributária implícita ou invisível e devem ser somados à carga tributária direta (total de tributos arrecadados divididos pelo PIB) para se chegar à carga tributária efetiva.[56]

            Em um estudo realizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) para quantificar estes custos de conformidade na indústria de transformação (atividades que envolvem a transformação física, química e biológica de matéria-prima em um novo produto) no ano de 2012, foi registrado um custo total de R$ 24,6 bilhões, o que equivale a 1,16% do faturamento da indústria de transformação. Segundo os resultados obtidos, para se arrecadar R$ 100,00 de tributos, é necessário gastar um adicional de R$ 6,49, que não irá para a receita do Estado, é a carga tributária invisível.[57]

            Os impactos negativos na economia são notáveis, como aponta o próprio estudo:

Além da elevada carga tributária para produzir no Brasil, há, também, o excesso de obrigações acessórias, que são exigências do sistema tributário que elevam os gastos para preparar e recolher tributos.

Esses custos oriundos da complexa e extensa legislação tributária são arcados pelas empresas, reduzindo a competitividade da indústria nacional. A excessiva complexidade do sistema tributário associada à burocracia gera altos custos às empresas, restringindo a competitividade dos produtos industriais tanto no mercado interno como no externo.

No Brasil, a grande quantidade de tributos e as suas distintas aplicações exigem que as empresas tenham relativamente mais gastos para preparar e recolher tributos que suas concorrentes radicadas em países cujos sistemas tributários são mais simples.[58]

           

            Outro estudo que mostra a extrema relevância do tema é o relatório do Banco Mundial “Doing Business 2015 – Indo Além da Eficiência”, onde é apresentado um ranking de países de acordo com a facilidade de se fazer negócios. O Brasil ficou na 120ª posição entre 189 países.[59] O principal motivo para estarmos nesta péssima posição é descrito no estudo “Paying Taxes 2017”, também do Banco Mundial, onde o Brasil fica em último colocado (190 países estudados) quando o quesito analisado é a quantidade de horas gastas pelas empresas brasileiras para se pagar tributos. A soma total é de 2038 horas anuais, enquanto o penúltimo colocado, a Bolívia, gasta 1025 horas anuais, quase a metade do tempo nacional. Apesar deste número assustador, o Brasil teve pela primeira vez, em doze anos, desde que o estudo é feito, uma redução expressiva de 562 horas anuais. Esta melhora se deve principalmente ao uso efetivo do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), que será analisado mais para frente. A tendência é que este número continue caindo, conforme a implementação do SPED se torne cada vez mais difundida e eficaz.[60]

            Custos operacionais de tributação são necessários, na medida em que se evita a sonegação fiscal e possibilita uma arrecadação que tenta se aproximar da ideal (onde todos os fatos geradores seriam tributados no valor correto). Entretanto, o problema é quando há um excesso, com exigência de uma mesma informação múltiplas vezes ou solicitações que não são imprescindíveis para o interesse da arrecadação ou fiscalização tributária, como preconiza o art. 113, §2º do CTN. Estes excessos precisam ser extirpados do sistema, para que a sociedade não sofra os prejuízos.[61]

            O professor Schoueri traz a seguinte posição sobre exigências desmesuradas pela administração pública e os custos de conformidade pagos pelo contrinte:

O que sustentamos, em síntese, é que a chamada “obrigação acessória” não é algo sujeito ao juízo de conveniência da administração: o CTN dispõe sobre seus limites, quando se refere ao interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. Esse interesse, por sua vez, é algo que pode ser controlado, inclusive por meio do Poder Judiciário.

Assim, por exemplo, quando se constata que a Administração Pública impõe ao particular que forneça informações de que a própria Administração já dispõe (muitas vezes fornecidas pelo mesmo particular, em oportunidade anterior), então fica patente a falta de interesse, que evidencia o descabimento da exigência.

A hipótese não é teórica: embora a informatização da Administração Pública – e em especial da Administração Tributária – devesse levar a uma simplificação e racionalização do processo de arrecadação, não é difícil notar que, paradoxalmente, cresceu a exigência de deveres instrumentais. A cada passo em direção à informatização, novas informações são exigidas, ou planilhas devem ser preenchidas, para atender aos novos passos. Tais planilhas, muitas vezes, apenas repetem dados que já são de conhecimento da Administração, mas fornecidos de modo diverso. Ou seja: obriga-se o particular a um esforço para duplicar uma informação já fornecida, apenas para a conveniência da Administração.

Ora, dificilmente tal conveniência pode se confundir com o “interesse” da arrecadação ou da fiscalização. É dizer: o dever instrumental não vai ao ponto de o particular substituir a própria Administração em sua tarefa interna de manipular os dados de que ela já dispõe. O particular não está a serviço da Administração.

Daí que cabe à Administração o dever de racionalizar suas exigências, não se podendo admitir que cumule deveres instrumentais, sem qualquer análise.[62]

            Como já apontado, os números brasileiros relacionados à eficiência e facilidade das cobranças tributárias melhoraram neste último ano. A queda de 22% no número de horas gastas para o cumprimento dessas obrigações é atribuída principalmente a crescente maturidade da implementação do SPED, o Sistema Público de Escrituração Digital, nos impostos federais e estaduais nos últimos 5 anos.[63] O Sistema foi recebido no mundo jurídico pelo Decreto nº 6.022, de 22 de janeiro de 2007, com mudanças relevantes acontecendo em 2013, pelo Decreto nº 7.979, incluindo a mudança na sua definição legal que é dada pelo artigo 2º, in verbis:

Art. 2º O Sped é instrumento que unifica as atividades de recepção, validação, armazenamento e autenticação de livros e documentos que integram a escrituração contábil e fiscal dos empresários e das pessoas jurídicas, inclusive imunes ou isentas, mediante fluxo único, computadorizado, de informações.[64]

            Críticas aos estudos realizados pelo Banco Mundial (apesar de serem de anos anteriores, as críticas continuam válidas) foram feitas por Murilo Rodrigues da Cunha Soares, consultor legislativo, num estudo de março de 2012, pela Câmara dos Deputados. Apesar de admitir que há um enorme espaço para aprimoramento das normas e que o tempo gasto realmente é grandioso, ele afirma que o tempo seria muito menor se as empresas analisadas se utilizassem da metodologia do Lucro Presumido, ao invés do Lucro Real para a apuração do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL). No método de apuração pelo Lucro Real (que é o usado pelas empresas do estudo do Banco Mundial) as empresas precisam realizar escrituração comercial e fiscal completas, elaboração de livros auxiliares e manter toda a documentação correspondente, enquanto na apuração por Lucro Presumido só precisariam escriturar um livro-caixa. Ou seja, por mais que os custos administrativos pelo método do Lucro Real sejam altos, a legislação brasileira possibilita uma forma mais simples de apuração, desde que a receita anual da empresa não ultrapasse o valor de R$48.000.000,00 (quarenta e oito milhões de reais).[65]

            Importante ressaltar outra crítica ao estudo que é a possibilidade de pequenas empresas, com receita bruta anual de até R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais) e R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) a partir de 2018 se utilizarem do sistema do Simples-Nacional[66], que é um regime especial para a pessoa jurídica apurar e recolher o IRPJ, a CSLL, o Imposto sobre Produtos Industrializados (se industrial), o PIS/Pasep, a Cofins, a contribuição do empregador para a Previdência Social, o ICMS e o ISS (se prestadora de serviço), todos numa única guia de recolhimento.[67]

            Apesar das críticas, o estudo governamental entra em linha com o pensamento apresentado neste trabalho, no sentido de haver a necessidade real de simplificação dessas obrigações acessórias, além de ter acertado ao falar que, com a implementação definitiva do SPED, o sistema de intercâmbio de informações entre fiscos e contribuintes iria ser racionalizado, diminuindo o tempo gasto pelas empresas para cumprir os deveres instrumentais, como mostrado no estudo mais recente do Banco Mundial, o “Paying Taxes 2017”. Vale a pena trazer esta conclusão do estudo, que aponta a melhor estratégia, para a diminuição dos custos administrativos:

Parece-nos que a melhor estratégia para a diminuição dos custos administrativos do cumprimento das obrigações tributárias acessórias (sem colocar em risco a eficácia da atuação do fisco) seja exatamente nessa linha: extinguir os formulários inócuos ou redundantes e, com as informações de que dispõe, a autoridade fiscal pré-preparar as declarações a serem prestadas pelo contribuinte. Esperamos que, com a implementação definitiva do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), possa haver, no futuro próximo, uma racionalização radical do sistema de intercâmbio de informações entre fiscos e contribuintes.[68]

           

            Por fim, fica claro que a estratégia de utilização da tecnologia tem apresentado bons resultados, mas mesmo assim, ainda permanecemos na vexaminosa última posição quando o quesito analisado é o tempo gasto pelas empresas para cumprir com suas obrigações acessórias. Pelo estudo governamental apresentado, fica claro que o próprio Estado, nas pessoas de seus funcionários públicos, tem conhecimento dos prejuízos causados por tamanha ineficiência e aos poucos, visa mudar esta realidade.

4 SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO: ANÁLISE PRINCIPIOLÓGICA DAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR E SUA APLICAÇÃO NAS OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS ACESSÓRIAS

            No decorrer deste capítulo, trataremos das limitações constitucionais ao poder de tributar, primeiro conceituando e depois, encontrando a posição dessas limitações na Constituição. O objetivo desta breve introdução sobre o tema das limitações é criar uma base para que sejam apresentados os Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade (ou, como defende o Professor Humberto Ávila, Postulados da Razoabilidade e Proporcionalidade[69]) e como tais princípios podem ser utilizados como instrumentos legais para frear a agressividade da Administração Pública ao se utilizar das obrigações tributárias acessórias fora dos limites do razoável.

            Para o estudo destes princípios, vamos entrar na esfera do Direito Constitucional e do Direito Administrativo. Veremos que tais princípios não se encontram de maneira expressa no texto constitucional e devem ser enxergados como princípios gerais de direito, com aplicabilidade em praticamente todos os ramos da ciência jurídica.[70]

            Como dito na última parte do capítulo anterior, ao citar o professor Schoueri, essas hipóteses de excesso são reais e por isso mesmo, ele defende a utilização dos Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade para impor limites aos deveres instrumentais, inclusive, traz em defesa de seu argumento, posicionamento do Supremo Tribunal Federal que, em decisão plenária, com repercussão geral, decidiu pela utilização destes princípios como forma de limitação para o arbítrio do legislador, impedindo que esse lhe imponha deveres inviáveis, excessivamente onerosos, desnecessários ou ineficazes.[71]

           

            4.1 LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR

            Antes de compreender o que são as limitações constitucionais ao poder de tributar, deveremos explicar o que significa, juridicamente, o poder de tributar.

            O poder de tributar consiste na titularidade dos tributos concedidas às pessoas jurídicas de direito público interno (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), através da Constituição Federal, disciplinando os direitos que lhes são conferidos por meio de fixação de competência, esta que, por sua vez, é a aptidão para criar tributos, de forma legal e abstrata, indicando todos os elementos necessários para a fixação do tributo (hipótese de incidência, sujeito passivo, base de cálculo e alíquota).[72]

            As limitações constitucionais ao poder de tributar são normas de caráter proibitivo que consistem na exclusão de competência das pessoas jurídicas de direito público interno.[73] É o conjunto de normas e princípios que disciplinam os balizamentos da competência tributária, com foco nos direitos e garantias individuais. O grande jurista Aliomar Baleeiro foi o primeiro a utilizar esta expressão, na sua obra clássica “Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar” de 1951 e depois as próprias Constituições brasileiras começaram a adotá-la.[74] Apesar de não estarem expressamente determinadas sob essa nomenclatura nas Constituições brasileiras até o ano de 1967, elas já existiam, se colocadas numa perspectiva sistemática do direito constitucional tributário.[75]

            Importante um pequeno parêntese antes da continuidade do estudo, para trazer a definição de “postulado” do Professor Humberto Ávila e a sua diferenciação entre normas e princípios. Tal exposição é necessária pois os princípios fazem parte das limitações constitucionais ao poder de tributar. Não havendo, evidentemente, a pretensão de ser um estudo completo sobre o tema, tamanha a sua complexidade. É na realidade apenas a demonstração de que há um pensamento científico divergente, mesmo que ainda não seja tão difundido.

            Para o referido doutrinador, postulados são condições essenciais para interpretação de qualquer objeto cultural, sem as quais, o objeto não pode sequer ser apreendido. O autor afirma que enquanto normas e princípios são regras objeto da aplicação; os postulados são normas que orientam a aplicação de outras. Além disso, enquanto os princípios e regras são dirigidos primariamente ao Poder Público e aos contribuintes, os postulados são dirigidos ao intérprete e aplicador do Direito.[76]

            Para Ávila, a proporcionalidade é um postulado e ela exige uma relação entre o meio e o fim: “o meio deve levar à realização do fim. Isso exige que o administrador utilize um meio cuja eficácia (e não o meio, ele próprio) possa contribuir para a promoção gradual do fim.” [77]

            O professor Schoueri nos diz que as limitações ao poder de tributar demarcam um território propício para que os particulares possam atuar e crescer, com segurança jurídica pelas limitações impostas ao Estado, assim, podem atuar na busca de recursos para financiar suas tarefas, incluindo a de pagar tributos.[78] O mesmo entendimento é exposto por Geraldo Ataliba, citado pela professora Betina Treiger Grupenmacher, ao dizer que deve haver a previsibilidade da atuação estatal para assegurar aos cidadãos os direitos previstos na Constituição, “a paz e o clima de confiança que instauram as condições psicológicas necessárias para o trabalho, o desenvolvimento, a afirmação e a expressão da personalidade.[79]

            As limitações constitucionais ao poder de tributar estão presentes de maneira expressa na Seção II do Título VI (Da Tributação e do Orçamento) do Capítulo I (Do Sistema Tributário Nacional) da Constituição Federal, através de regras e princípios. Como já citado anteriormente, a definição das limitações constitucionais ao poder de tributar como norma, princípio ou postulado é extremamente complexa e foge do escopo do trabalho, portanto, ficaremos com a denominação de “Princípio”, que já está arraigada na doutrina dos tributaristas. O mais importante para o objetivo deste trabalho é ter em mente que “sem a segurança jurídica promovida pelas ‘limitações’, ficaria o agente privado à mercê de avanços desmedidos, aos quais não faltariam justificativas baseadas em necessidades sociais.”[80]

            Como bem explica a professora Grupenmacher, fazendo referência a Roque Antonio Carrazza:

O poder tributário não é absoluto e ilimitado, ao contrário, encontra restrições nos princípios de ordem constitucional e também, no Brasil, nas imunidades constitucionais.

Os princípios constitucionais tributários e as imunidades são formas de limitação impostas ao Estado no exercício do poder de tributar, razão pela qual são reconhecidos como direitos individuais da pessoa humana contra a atividade tributária arbitrária do Poder Público.[81]

            Helenilson Cunha Pontes destaca que é necessária a construção de uma doutrina que encontre nos direitos fundamentais a necessária proteção contra a crescente invasão do Estado sobre as liberdades individuais, em busca de recursos tributários.[82]

            Por fim, trazemos o entendimento do Professor Antônio José da Costa, em que os princípios, sejam eles constitucionais, gerais, específicos ou tributários, limitam o poder de tributar, já que se as regras constitucionais limitam esse poder, os princípios, sendo mais abrangentes, limitam muito mais o poder de tributar do que as simples regras constitucionais. Afirma ainda: “Daí serem inconstitucionais as normas jurídicas que, a pretexto de exercitarem competências tributárias, impedirem ou tolherem o pleno desfrute dos direitos públicos subjetivos dos contribuintes.”[83]

            Nesta esteira que iremos abordar o próximo tópico sobre os Princípios da razoabilidade e proporcionalidade, como princípios que podem limitar o poder de tributar, no sentido de não permitir obrigações tributárias acessórias excessivamente onerosas, desnecessárias ou ineficazes, posição esta que é defendida pelo professor Schoueri.[84]

4.2 PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE E SUA APLICAÇÃO COMO LIMITADORES DA IMPOSIÇÃO DAS OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS ACESSÓRIAS

O Princípio da razoabilidade é uma evolução da cláusula “due processo of law”, de origem britânica e que teve seu significado modificado ao longo do tempo. Inicialmente era uma cláusula que concedia um conjunto de determinadas garantias processuais contra a eliminação pela coroa de certos direitos dos súditos (vida, liberdade e propriedade). Gradativamente passou a representar uma garantia de direito material contra as restrições aos direitos fundamentais. O fundamento constitucional deste princípio é o devido processo legal substantivo, previsto no artigo 5°, LIV da Constituição da República, que se encontra no “Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, ou seja, o caráter não é meramente processual, é de um alcance maior, devendo haver razoabilidade nas leis restritivas de direitos.[85]

Para se fazer o juízo de razoabilidade, que é subjetivo, é necessário ter em mente que o razoável e o irrazoável são zonas distintas, com uma tênue linha entre os limites de cada zona. O caso concreto, com suas circunstâncias que irão indicar para o intérprete do direito se o caso é razoável ou irrazoável.[86]

O princípio da proporcionalidade surge originalmente no direito administrativo para limitar o exercício do poder de polícia, migrando posteriormente para o campo do direito constitucional, com fundamento no artigo 5°, §2º da CF, que versa sobre a admissibilidade dos princípios implícitos no sistema constitucional brasileiro.[87]

O juiz federal Paulo Roberto Lyrio Pimenta, em um texto que defende a utilização da razoabilidade e proporcionalidade nas leis tributárias como Direito Fundamental do contribuinte, traz os seguintes critérios necessários à observância da proporcionalidade:

O primeiro é o da adequação (idoneidade), o qual exige que a medida restritiva seja idônea e útil à obtenção do fim perseguido. O segundo é o da necessidade (exigibilidade), que significa que a medida escolhida deve ser a menos agressiva possível ao direito objeto do gravame. Observa, a propósito, J.J. Gomes Canotilho, que tal aspecto “coloca a tônica na ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível”.[88] O último aspecto é o da proporcionalidade em sentido estrito. Aqui é que se realiza um juízo de ponderação, investigando-se a relação de adequação entre meio e fim, ou seja, se o meio é proporcional ao fim objetivado.[89]

            Para Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, na esfera do direito administrativo, “princípio da razoabilidade” seria um gênero e a noção de proporcionalidade uma de suas vertentes, entretanto, na obra citada, eles também preferem tratar ambos (razoabilidade e proporcionalidade) com a nomenclatura usual de “princípios”. Estes princípios “encontram aplicação especialmente no controle de atos discricionários que impliquem restrição ou condicionamento a direitos dos administrados ou imposição de sanções administrativas.” Há aqui um controle de legalidade ou legitimidade, em que um ato ofensivo a estes princípios deve ser declarado nulo judicialmente, pois se ataca a validade do ato.[90]

            Em sua obra, os referidos autores confirmam o entendimento exposto neste trabalho, em que, se analisando situações concretas, numa relação meio-fim, os critérios de razoabilidade e proporcionalidade devem servir de balizas para as imposições da administração pública, onde elas devem ser adequadas, necessárias e justificadas pelo interesse público, podendo o Poder Judiciário, se provocado, anular atos que impliquem em limitações inadequadas, desnecessárias ou desproporcionais ao particular. Por mais que o ato tenha uma finalidade legítima (no caso em estudo, arrecadar tributos e impedir a evasão fiscal), isso não basta para legitimar tal ato, já que isso poderia legitimar uma tirania estatal. É de suma importância que além da finalidade legítima, os instrumentos utilizados sejam razoáveis e proporcionais, sendo adequados ao fim almejado.[91] Este entendimento só colabora com a análise feita do §2° do artigo 113 do CTN, em que as obrigações tributárias acessórias são limitadas quando se refere ao interesse da arrecadação ou fiscalização dos tributos, em sua parte final. Não é algo sujeito ao juízo de conveniência da administração.[92]

            Em termos técnicos administrativos mais exatos, é necessário que o ato cumpra os requisitos de adequação e necessidade. O primeiro obriga o administrador a analisar se o ato em via de ser praticado é efetivamente apto a atingir o objetivo pretendido. O segundo requisito força o administrador a se questionar se o ato planejado é o meio menos gravoso à sociedade e igualmente eficaz na persecução dos objetivos, ou seja, a medida a ser adota deve ser a mais prudente e branda possível para obter os mesmos resultados positivos. O meio a ser adotado deve ser o menos gravoso possível aos administrados, se assim não for feito, o ato será desproporcional, violando o que alguns doutrinadores chamam de “princípio da proibição de excesso”.[93]

            O princípio da proporcionalidade está intimamente ligado à prevenção do abuso de poder, quando proíbe que a administração pública limite os direitos do particular, além do que caberia no caso concreto. O ato administrativo com abuso de poder é ilegal, na medida em que a intensidade ou extensão desse ato sejam supérfluas ou desnecessárias. Alexandrino e Paulo terminam tratando do referido princípio com as seguintes palavras: “Esse princípio fundamenta-se na ideia de que ninguém está obrigado a suportar restrições em sua liberdade ou propriedade que não sejam indispensáveis, imprescindíveis à satisfação do interesse público.”[94]

            Os autores supracitados ainda chamam atenção para a possibilidade de, teoricamente, a administração pública de ofício, no uso de seu poder de autotutela, anular seus próprios atos que sejam por ela considerados desarrazoados ou desproporcionais. Só que como os próprios autores afirmam, não é isso que ocorre na prática:

[...] há consenso quanto ao fato de que se trata de instrumentos da mais alta relevância para o controle da legitimidade do exercício do poder discricionário pela administração pública. Essa aferição dos limites do exercício legítimo do poder discricionário possibilita combater a indevida invocação da discricionariedade administrativa como manto destinado a acobertar atos que, a rigor, configuram arbitrariedade. A exigência de observância desses princípios impõe limitações à discricionariedade administrativa, ampliando os aspectos de controle do ato administrativo realizado pelo Poder Judiciário (embora a própria administração pública, no uso do seu poder de autotutela, possa, ela mesma, anular um ato seu por considera-lo desarrazoado ou desproporcional, a verdade é que, na prática, esse controle é realizado na quase totalidade dos casos pelo Poder Judiciário).[95]

Sobre a importância do razoável, da moderação, no Estado de Direito, Alexandre Mazza nos diz que “[...] é uma exigência inerente ao exercício de qualquer função pública.” Para o agente público, agir de acordo com o princípio da razoabilidade significa agir com equilíbrio, coerência e bom senso, pois, de outro modo, não seria compatível com o interesse público, gerando a possibilidade de invalidação judicial do ato praticado.[96]

No que diz respeito ao princípio da proporcionalidade, Mazza afirma que este é um “aspecto da razoabilidade”, destinado a encontrar a justa medida do ato administrativo, proibindo exageros. Ele traz ainda, no corpo de seu trabalho, a definição legal do princípio da proporcionalidade, trazida pela Lei nº 9.784/99[97] em seu artigo 2°, parágrafo único, VI, ao tratar dos princípios a serem utilizados nos processos administrativos: “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”.[98]

            Pedro Lenza, citando Karl Larenz, nos explica que os princípios da proporcionalidade ou razoabilidade (eles os tratam como sinônimos), são de natureza axiológica decorrente diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso e direito justo, precedendo e condicionando a positivação jurídica, inclusive a de âmbito constitucional, servindo então de princípio geral do direito, para balizar a interpretação de todo o ordenamento jurídico.[99] Aqui fica clara a necessidade destes princípios para não apenas interpretar as normas, como também para a própria criação delas, já que precede a positivação constitucional, impedindo, se usados, a criação de um Estado de tirania, ou seja, em ultima ratio, estes princípios funcionam como limitadores do Estado, protegendo os direitos fundamentais de seus cidadãos.

            No que diz respeito especificamente ao uso dos supracitados princípios para regular as obrigações tributárias acessórias, Leandro Paulsen, citando Caio Augusto Takano, esclarece que esses são princípios que estabelecem limitações intransponíveis para os deveres instrumentais tributários, posto que o próprio CTN no seu artigo 113 §2° explicitou a indispensabilidade de justificação e finalidade positivada dos deveres instrumentais tributários onde, nas exatas palavras de Takano, (só) “se verifica o interesse da arrecadação ou da fiscalização na medida em que os deveres instrumentais se revelem necessários (imprescindíveis) para assegurar o cumprimento da obrigação tributária principal”. Esta verificação é feita pelo exame da proporcionalidade, que funciona como um crivo, determinando qual medida se justifica perante o ordenamento jurídico ou não. [100]

            Sobre o exposto acima, vale a pena trazer este trecho de Takano, citado literalmente por Paulsen[101] e que dá força à ideia exposta por Schoueri[102]:

É forçoso reconhecer, pois, um limite lógico à imposição de deveres instrumentais. Dado que o legislador complementar positivou sua justificação (causa), estes deverão, necessariamente, ser um meio apto para a efetiva e concreta realização daquele fim. Certamente, nem toda medida que seja apta para assegurar o cumprimento de obrigações tributárias será aceita em nosso ordenamento jurídico, tampouco toda e qualquer medida considerada ‘relevante’ para a fiscalização de tributos.

            Em sua obra, Schoueri cita duas decisões do Superior Tribunal de Justiça de extrema relevância para o tema deste trabalho. Num primeiro instante, em sede de Recurso Especial, a Primeira Turma confirmou a necessidade de uma relação de instrumentalização na obrigação tributária acessória para a cobrança da obrigação principal, sem a qual, a exigibilidade fica prejudicada. Além disso, julgou descabida e desarrazoada a exigência de emissão de uma nota fiscal para o transporte de café que já possuía nota fiscal emitida por outra empresa que participou do processo de beneficiamento.

Essa obrigação só pode ser exigida pelo Fisco para instrumentalizar ou viabilizar a cobrança de um tributo, ou seja, deve existir um mínimo de correlação entre as duas espécies de obrigações que justifique a exigibilidade da obrigação acessória.[103]

           

            A outra decisão[104], também em sede de recurso especial, teve o entendimento no sentido de que uma fiscalização, para ser eficaz, necessita que todo bem transportado por empresa deve-se sujeitar à nota fiscal, mesmo que não seja hipótese de incidência de ICMS. Esta é uma atribuição que pertence ao Fisco Estadual,           “[...] averiguar a veracidade da aludida operação, sobressaindo a razoabilidade e proporcionalidade da norma jurídica que tão somente exige que os bens da pessoa jurídica sejam acompanhados das respectivas notas fiscais”.[105] Além disto, nesta mesma decisão, o STJ manifestou o entendimento de que os deveres instrumentais instituídos pelos entes federados têm que constituir “[...] instrumento relevante para o pleno exercício do poder-dever fiscalizador da Administração Pública Tributária, assecuratório do interesse público na arrecadação”[106]

            Por mais que, como aponta o referido autor, esta seja uma decisão questionável no caso concreto, ela é paradigmática, pois coloca como característica do dever instrumental, a finalidade assecuratória do interesse público na arrecadação e o limita segundo os parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade.[107]

5 CONCLUSÃO

            Com todo o conteúdo exposto, algumas conclusões podem ser retiradas deste estudo. A primeira conclusão, que vem logo após a exposição do primeiro capítulo, é de que a alta carga tributária brasileira se deve ao fato de a nossa Constituição abarcar uma quantidade imensa de direitos sociais, se utilizando de um ultrapassado modelo de Estado Social Fiscal. Neste modelo, há a presença de um Estado paternalista que para “alimentar seus filhos”, os sugam cada vez mais com o aumento dos tributos, gerando resultados nefastos na economia, já que o mercado não consegue se desenvolver plenamente com tanta intervenção estatal. Além disso, com a quantidade de recursos cada vez maior nas mãos dos governantes, maiores são as oportunidades de se corromper e desviar parte desse dinheiro para uso próprio.

A Assembleia Constituinte de 1988 ainda não havia presenciado a queda deste modelo e a tomada de força do Estado Democrático e Social Fiscal, logo após a queda do muro de Berlin, em 1989. Este novo modelo se deu pela crise financeira e orçamentária do modelo anterior, o tamanho do Estado diminui nas esferas econômicas e sociais. Há a consciência de que os recursos públicos não são inesgotáveis. A sociedade compreende que os resultados prometidos pelo Estado Social são ordinários e com um custo muito elevado. Por conta disso, a sociedade decide tomar para si parte das tarefas que antes foram delegadas ao Estado, que não consegue cumprir com eficiência e ainda limita a liberdade do próprio cidadão.

No capítulo 3, o assunto principal passa a ser, num sentido amplo, os impactos econômicos que podem ser causados pelas legislações tributárias. É apresentado o conceito de “compliance costs”, os chamados “custos de conformidade à tributação”, que são os custos para o cumprimento das obrigações tributárias acessórias, ou seja, quanto se paga para poder pagar os tributos. Entramos então em estudos especializados que apresentam números que mostram o Brasil no último lugar, com inacreditáveis 2038 horas anuais, quando o assunto é tempo despendido, em média, pelas empresas, para conseguir cumprir todas as obrigações tributárias. Para efeito de comparação, a Bolívia, penúltima colocada, gasta “apenas” 1025 horas anuais. Toda esta enorme burocracia é chamada de “custo Brasil” e gera enormes perdas para a economia, já que afasta investidores, pois o custo de investir aqui acaba ficando muito alto.

Ainda no capítulo 3, é possível concluir que a tendência é melhorar estes números assombrosos, já que a utilização do Sistema Público de Escrituração Digital (instrumento que unifica diversas atividades de escrituração contábil e fiscal) está facilitando o pagamento dos tributos, diminuindo o gasto de tempo excessivo.

No último capítulo do presente trabalho são apresentadas questões mais práticas, inclusive com breve análise jurisprudencial que qualifica a utilização dos Princípios Constitucionais da Razoabilidade e Proporcionalidade, como forma de buscar uma melhor adequação por parte do poder público ao se utilizar das obrigações tributárias acessórias, impedindo então que estes deveres fujam de sua finalidade e desrespeitem o ordenamento jurídico, já que o mesmo impõe que tais deveres devem ser pautados pelo interesse da arrecadação ou fiscalização, logo, esta é uma clara limitação ao Poder Público, pois, como aponta o professor Schoueri, não é possível estabelecer arbitrariamente a quantidade e a qualidade das obrigações tributárias acessórias.

Para chegar na aplicabilidade desses Princípios como limitações à imposição das obrigações tributárias acessórias, foi seguido um caminho lógico que se iniciou com a explicação detalhada do que é o poder de tributar e o que são as próprias limitações impostas a este poder.

Ao final, fica evidente a conclusão de indispensabilidade de demonstração da necessidade do dever instrumental para o cumprimento da obrigação tributária principal, sob pena de violar o CTN e os Princípios implícitos da Razoabilidade e Proporcionalidade, o que acarretaria um mal para toda a sociedade.

           

           

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