3. Principais Causas de Provimento de Recursos Julgados em 2015
Na classificação estatística das principais causas para provimento de recursos no TCU, aquele tribunal se vale de duas categorias básicas, denominadas de causas próximas e causas remotas de provimento.
De acordo com o relatório elaborado pela Secretaria de Recursos do TCU – SERUR, a causa próxima indica a razão imediata da anulação, reforma ou integração do acórdão recorrido, ou seja, o motivo direto do provimento do recurso.
Imagine-se, por exemplo, que ao julgar o recurso o Tribunal exclua multa anteriormente aplicada a um responsável. Várias razões podem motivar esse desfecho. Suponha-se, por exemplo, que o colegiado considere que a conduta descrita no processo não é irregular, ao contrário do que concluiu a decisão recorrida. Nesse caso, haverá a descaracterização da ilicitude do fato, sendo esta a causa próxima.
Da simples indicação dessa causa é possível extrair conclusões relevantes sobre o processo, como as seguintes: (a) a conduta ocorreu (pois não foi descaracterizada a existência do fato); (b) o responsável punido foi efetivamente quem a praticou (já que não foi elidida a autoria do fato), (c) ao julgar o recurso, porém, o Tribunal entendeu que a conduta não seria irregular (houve a “descaracterização da ilicitude”).
Conclusões diversas seriam extraídas se a causa próxima fosse outra, como, por exemplo, a “desproporcionalidade da sanção”. Nesse caso, seria possível concluir que: (a) houve o fato; (b) o responsável foi corretamente indicado no processo; (c) a conduta efetivamente é irregular (ao contrário da situação descrita no exemplo anterior); (d) todavia, o Tribunal entendeu que a sanção aplicada fora desproporcional, e por isso a reduziu ou mesmo a excluiu (informação que se extrai dos efeitos do provimento).
A causa remota, por sua vez, especifica uma razão mais genérica, menos imediata para o provimento do recurso, mas igualmente relevante para uma adequada análise da atuação do Tribunal.
No exemplo acima, uma questão que poderia surgir é: “o que motivou o reconhecimento da causa próxima, ou seja, da descaracterização da ilicitude do fato?”. Em outras palavras, por que, ao julgar o recurso, o Tribunal considerou lícita uma conduta que, num primeiro momento, havia considerado irregular? É exatamente o que busca indicar a “causa remota”.
Se a causa remota for “alteração legislativa”, é possível inferir, por exemplo, que a lei em que se baseou o julgamento anterior foi expressamente modificada (passando a admitir o que antes era vedado, por exemplo), num contexto em que o Tribunal considerou necessário rever a decisão anterior, para excluir a sanção (ou alterar uma determinação etc.). Por outro lado, se a causa remota for “alteração jurisprudencial”, o que se modificou não foi a lei que fundamentou o julgamento, mas a compreensão do Tribunal acerca de seu sentido ou alcance, passando a extrair consequências diferentes do texto normativo.
Ressalta-se que a exata compreensão das estatísticas exige a interpretação conjunta dessas duas espécies de causa (próxima e remota), aliadas, inclusive, a outras informações coletadas.
Gráfico 1 – Causas Próximas para o Provimento dos Recursos em 2015
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Fonte: TCU - Ouvidoria
Gráfico 2 – Causas Remotas para Provimento de Recursos em 2015
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Fonte: TCU - Ouvidoria
Da análise conjunta dos gráficos 1 e 2, percebe-se que a maioria dos recursos providos total ou parcialmente decorrem da elisão/supressão ou correção total ou parcial dos fatos apontados como irregulares ou ilegais pela unidade técnica. Foram 160 recursos providos pela elisão/supressão das irregularidades. Tal informação é apresentada nos recursos como argumentos novos, aos quais os auditores não tiveram acesso durante a instrução processual, seja porque as irregularidades ainda não haviam sido corrigidas/elididas ou porque não foram objeto de análise dos auditores no âmbito das unidades técnicas.
Outras duas causas relevantes para o provimento de recursos foram a não caracterização da punibilidade do agente e a não caracterização da ilicitude do fato apontado como irregular ou ilegal, essas causas próximas são apontadas, principalmente, por meio de argumentos novos apresentados apenas na via recursal. Foram 77 recursos providos em razão da não caracterização da punibilidade do agente e 76 em razão da não caracterização da ilicitude do fato.
Além dessas, constituem causas igualmente relevantes para provimento de recursos a ausência de isonomia ou desproporcionalidade da sanção aplicada, com 49 recursos providos, e a não caracterização da autoria ou responsabilidade do agente e em razão da segurança jurídica. Tais causas podem não ser fatos novos, ou seja, já tinha sido objeto de apreciação pela unidade técnica, mas foram objeto de reavaliação do tribunal em uma segunda análise do caso concreto. Portanto, para o provimento do recurso foi decisivo o esforço de persuasão do recorrente, que esclareceu melhor os fatos ou argumentos que convenceram o Tribunal acerca da necessidade de reformar, anular ou integrar a decisão recorrida.
Por fim, vale destacar que a alteração jurisprudencial só representou 3,4% das causas de provimento dos recursos em 2015, no entanto, vale uma atenção especial a essa causa remota, tendo em vista que uma mudança de entendimento do TCU acerca de determinado assunto pode ser fundamental para o provimento de diversos recursos. Por exemplo, em 2011[4] houve um expressivo número de provimento de recursos que resultaram na anulação da decisão recorrida, tendo como causa próxima a “ausência de citação/audiência/oitiva” (76 recursos providos). A consideração isolada dessa causa poderia sugerir a existência de falhas graves na instrução dos processos, em vista do significativo número de decisões anuladas por inobservância do contraditório. Entretanto, na maior parte desses casos, a causa remota era “alteração jurisprudencial”, e não a simples “reavaliação do caso (novo juízo) ”, a indicar que não se tratava de erro decorrente da má instrução processual, e sim de alteração da jurisprudência do tribunal.
4. Dos Efeitos do Provimento dos Recursos em 2015
Mostra-se importante destacar os efeitos do provimento dos recursos sobre a deliberação impugnada, ou seja, saber se o provimento do recurso resultou na reforma, integração ou anulação da deliberação impugnada.
Nesse aspecto, do total de recursos providos, 548 (78%) resultaram na reforma da deliberação impugnada, 81 (12%) ocasionaram a integração da decisão e 70 (10%) resultaram na anulação da decisão impugnada.
Gráfico 3 – Efeitos do Provimento sobre a deliberação impugnada - 2015
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Fonte: TCU - Ouvidoria
4.1. Dos efeitos sobre as sanções ou débitos
Nas fiscalizações realizadas pelo TCU pode haver o reconhecimento de débito ou a fixação de multa. O débito é o dano quantificado, possuindo caráter ressarcitório, isto é, visa compensar o erário de um prejuízo ocorrido, ao passo que a multa tem caráter punitivo e pedagógico, ou seja, visa inibir a repetição da irregularidade eventualmente cometida. Trata-se de institutos perfeitamente cumuláveis, isto é, o Tribunal pode, a um só tempo, imputar débito e aplicar multa.
No caso de fraude comprovada à licitação, o TCU declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal, art. 46 da Lei Orgânica do TCU.
Há a previsão ainda de o TCU, por maioria absoluta de seus membros, considerar grave a infração cometida e declarar o responsável inabilitado por um período que variará de cinco a oito anos, para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da Administração Pública.
No que tange às sanções e débitos os recursos providos somam 521, incluindo recursos do Ministério Público junto ao TCU. Desses casos, 326 resultaram na exclusão ou redução da multa, 12 excluíram a inabilitação ou inidoneidade ou reduziram o tempo da pena. Já outros 12 casos resultaram na aplicação ou aumento da multa.
No que se refere à imputação de débito, 161 recursos resultaram na exclusão ou redução do débito e 10 recursos ocasionaram a imputação do débito.
Gráfico 4 – Efeitos do Provimento sobre as Sanções e Débitos - 2015
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Fonte: TCU - Ouvidoria
No âmbito do TCU, a dosimetria da pena tem como balizadores o nível de gravidade dos ilícitos apurados, com a valoração das circunstâncias fáticas e jurídicas envolvidas, e a isonomia de tratamento com casos análogos. O Tribunal não realiza dosimetria objetiva da multa, comum à aplicação de normas do Direito Penal, e não há um rol de agravantes e atenuantes legalmente reconhecidos.
Por fim, destaca-se que a redução, em sede recursal, do valor do débito imputado ao responsável impõe a redução proporcional do valor da multa aplicada com base no art. 57 da Lei 8.443/1992. Do mesmo modo, o acatamento parcial das justificativas dos responsáveis, em sede recursal, enseja a redução proporcional da multa imposta. A revisão do julgado sem a devida alteração do valor da multa originalmente aplicada caracteriza error in procedendo e afronta o princípio da proporcionalidade.
Conclusão
O presente estudo fez um panorama geral sobre os recursos no âmbito do Tribunal de Contas da União, com ênfase na jurisprudência e em dados estatísticos fornecidos pela ouvidoria do TCU.
Pautou-se na ideia de que o conhecimento detalhado de informações numéricas e jurisprudenciais acerca dos recursos interpostos na Corte de Contas e, principalmente, das causas de provimento e não provimento de recursos constitui instrumento importante para a identificação de possíveis erros de procedimento na atuação do advogado perante aquela casa e da inobservância ou aplicação indevida de formalidades processuais e procedimentais cometidas na instrução processual no âmbito das unidades técnicas do TCU.
Conforme se extrai da leitura do §2º do art. 5º e também do art. 37 da Constituição Federal, no exame do caso concreto, há a necessidade de se perquirir sobre todos os princípios, como os da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, da supremacia do interesse público sobre o privado, da celeridade processual, da finalidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, da motivação, do devido processo legal e da ampla defesa e do contraditório, da segurança jurídica, etc., nesse trabalho houve foco nos três princípios processais mais evidenciados na atividade instrutória no âmbito do TCU, quais sejam: o formalismo moderado, da economia processual e da verdade material.
No que tange à contagem dos prazos processuais, alertou-se que não há aplicação do Código de Processo Civil, devendo-se atenção às disposições da Lei Orgânica do TCU e do Regimento Interno do TCU (arts. 183 a 187 e 285 a 289 do RI/TCU).
Constatou-se que que a maioria dos recursos providos total ou parcialmente decorreu da elisão/supressão ou correção total ou parcial dos fatos apontados como irregulares ou ilegais pela unidade técnica. Foram 160 recursos providos pela elisão/supressão das irregularidades. Tal informação é apresentada nos recursos como argumentos novos, aos quais os auditores não tiveram acesso durante a instrução processual, seja porque as irregularidades ainda não haviam sido corrigidas/elididas ou porque não foram objeto de análise dos auditores no âmbito das unidades técnicas.
No que tange às sanções e débitos os recursos providos somam 521, incluindo recursos do Ministério Público junto ao TCU. Desses casos, 326 resultaram na exclusão ou redução da multa, 12 excluíram a inabilitação ou inidoneidade ou reduziram o tempo da pena. Já outros 12 casos resultaram na aplicação ou aumento da multa.
Referências Bibliográficas
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DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 16. Ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.703.
MOREIRA, José Carlos Barbosa Moreira. 1. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
Relatório Anual de Recursos Apreciados pelo TCU 2015, fornecido por meio de solicitação à Ouvidoria do TCU.
Notas
[1] DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 16. Ed. São Paulo: Atlas, 2012. p.703.
[2] Art. 5º, § 2º, da CR/88: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
[3] Art. 273. No início ou no curso de qualquer apuração, o Plenário, de ofício, por sugestão de unidade técnica ou de equipe de fiscalização ou a requerimento do Ministério Público, determinará, cautelarmente, nos termos do art. 44 da Lei nº 8.443, de 1992, o afastamento temporário do responsável, se existirem indícios suficientes de que, prosseguindo no exercício de suas funções, possa retardar ou dificultar a realização de auditoria ou inspeção, causar novos danos ao erário ou inviabilizar o seu ressarcimento. Parágrafo único. Será solidariamente responsável, conforme o § 1º do art. 44 da Lei nº 8.443, de 1992, a autoridade superior competente que, no prazo fixado pelo Plenário, deixar de atender à determinação prevista no caput. Art. 274. Nas mesmas circunstâncias do artigo anterior, poderá o Plenário, sem prejuízo das medidas previstas nos arts. 270 e 275, decretar, por prazo não superior a um ano, a indisponibilidade de bens do responsável, tantos quantos considerados bastantes para garantir o ressarcimento dos danos em apuração, nos termos do § 2º do art. 44 da Lei nº 8.443, de 1992
[4] Exemplo citado pelo TCU na página 30 do Relatório Anual de Recursos Apreciados pelo TCU.