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Terceirização do cargo de confiança

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4. Cargo de Confiança

Este artigo iniciou com o estudo da relação de emprego, sujeitos e requisitos para sua identificação. Na segunda parte uma atenção especial à questão da terceirização e principalmente a identificação de seus pontos polêmicos, especialmente com relação a conflitos levados ao Poder Judiciário. A partir desse ponto, parte-se ao ponto central que é entender o “cargo de confiança”, o qual Sérgio Pinto Martins entende que a nomenclatura correta deveria ser “função de confiança”. (MARTINS, 2016: 291). Importante entender qual seria o conceito, que na visão de Sérgio Pinto Martins seria:

“Exerce cargo de confiança o empregado que tem encargo de gestão, tem parcela delegada do poder do empregador, podendo, por exemplo, admitir, dispensar, punir outras pessoas, exercer mandato, além de ter padrão mais elevado de vencimentos do que outros empregados da empresa”.

Nota-se que, no conceito apresentado pelo autor, verifica-se um elemento subjetivo que decorre diretamente da palavra “confiança” que em sua semântica vem do latim confidere, indicando um aspecto de fé, de convicção. Além disso, um aspecto objetivo, que vem a ser o padrão de vencimentos mais elevado em relação a outros empregados. Aliás é esse aspecto objetivo que a CLT traz para a identificação, conforme se verifica no artigo 62 da CLT:

“Art. 62. (…):

I - (…);

II – os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto deste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial;

III - (…);

Parágrafo único. O regime previsto neste capitulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento).

Esse aspecto objetivo da remuneração é facilmente identificado num eventual cargo de confiança, e não enseja muito debate ao Direito do Trabalho. Para identificar o cargo de confiança também tampouco importa a nomenclatura “gerente”, que como identifica Lorena Vasconcelos Porto, “é comum na prática empresarial brasileira identificar como tal trabalhadores que, de fato, não exercem as funções condizentes com esse cargo”. (PORTO, 2009: p:84).

A identificação de exercício de cargo de confiança necessita da identificação da remuneração superior e também da identificação de uma “fidúcia especial” do empregado em relação ao empregador. Aluysio Sampaio identifica a fidúcia como premissa em todo o contrato de trabalho e o que diferenciaria o cargo de confiança seria a “especialidade” dela, conforme a seguir:

“(…) devemos partir da premissa necessária de que a todo contrato de trabalho, mais do que o simples elemento boa-fé indispensável a qualquer contrato, exige-se uma fidúcia dada a natureza sucessiva da prestação vinculando permanentemente as partes. Essa fidúcia, contudo, possui uma gradação, sendo tanto menor quanto for maior o vínculo de subordinação jurídica e tanto maior quanto menor for a dita vinculação. Isto quer dizer que o grau de confiança está em equivalência ao grau hierárquico do cargo ou função. Reserva-se, pois, a expressão confiança para aqueles cargos ou funções em que se investe o empregado de maior responsabilidade, não se empregado a expressão para aqueles cargos em que se exige a fidúcia normal a qualquer contrato de trabalho”. (SAMPAIO, 1980: 12)

Mozart Victor Russomano distingue a confiança em quatro níveis progressivamente crescentes: (i) confiança genérica; (ii) confiança específica;(iii) confiança estrita; e (iv) confiança excepcional. De acordo com Mozart:

“A confiança genérica está presente em todos os contratos de trabalho, pois pressupõe um minimum de confiança por parte do empregador. O segundo nível de confiança refere-se à confiança específica pertinente aos bancários, conforme disposto no artigo 224, § 2º, da CLT. O terceiro nível de confiança reporta-se à confiança estrita prevista no artigo 499 da CLT. O quarto nível de confiança trata-se da confiança excepcional, que diz respeito à disposição contida no artigo 62, inciso II, da CLT. (MOZART, 1994:105)

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4.1. Cargo de confiança e subordinação jurídica

Mesmo ocupando posições mais elevadas, o exercente de cargo de confiança está vinculado ao empregador pela subordinação jurídica. Para Josá Martins Catharino “a subordinação cresce na proporção inversa do grau hierárquico”, de forma que para empregados com cargos mais elevados seria “rarefeita”. (CATHARINO, 1972: 257)

Essa subordinação, ainda que rarefeita, apresenta-se como elemento caracterizador da relação de emprego, razão pela qual permanece a proteção trabalhista, como afirma Jorge Cavalcante Boucinhas Filho “(…) o Direito do Trabalho não foi criado para tutelar apenas e exclusivamente as pessoas em situação de carência econômica (…). Ele foi criado para proteger trabalhador que esteja ligado a determinado empregador.” (BOUCINHAS FILHO, 2013:128)

Para Luisa Galantino ao explicar a existência de subordinação dos altos empregados nas empresas “não há dificuldade em qualificar como trabalhador subordinado também o dirigente. De fato, ele organiza o trabalho alheio, mas é sujeito, por sua vez, à obrigação de coordenar a sua atividade com aquela de outros trabalhadores na empresa. (GALANTINO apud PORTO, 2009: 57)

Portanto, nota-se que, o cargo de confiança, mesmo estando em uma posição elevada, muitas vezes mostrando-se como uma extensão do próprio empregador dentro da empresa, conserva-se um grau de subordinação. Seriam portanto, requisitos do cargo de confiança poder de representação, poder de gestão, salário superior ao dos inferiores hierárquicos e subordinação jurídica reduzida, conforme demonstra Cláudio Armando Couce de Menezes, que ainda completa “conforme a espécie do cargo de confiança, tais características se farão presentes em maior ou menor grau.”

Nota-se que, existindo a subordinação, ainda que reduzida, o empregado em cargo de confiança, mesmo com poderes de gestão e representação do empregador, ainda está diretamente ligado ao empregador, recebendo ordens diretamente deste para o andamento das atividades empresariais.

4.2. Cargo de Confiança e Terceirização

Superada a discussão sobre a possibilidade da terceirização da atividade-fim no Brasil e, entendendo que o empregado que exerce cargo de confiança está diretamente ligado à atividade-fim da empresa, poderia logo de início afirmar que seria possível a terceirização de cargos que, na estrutura da empresa, seriam de confiança.

Observa-se, porém, que a decisão do STF na ADPF 324 limitou-se a dar interpretação da Súmula 331 do TST no tocante à atividade-fim, afirmando que a vedação imposta pelo Tribunal trabalhista encontra óbice no princípio constitucional da livre iniciativa. Entender a terceirização como processo empresarial que visa a otimização de resultados não é, por si só, ilícito ou inconstitucional. Como bem assevera Sérgio Pinto Martins, “o lucro não pode ser considerado antissocial, pois é inerente à atividade econômica e decorrente do capitalismo. Ao obter lucro, a empresa cria empregos.”

Porém, o instituto da terceirização não pode ser aplicado indiscriminadamente pelas empresas, é necessário compatibilizar a terceirização com mecanismos de proteção inerentes ao Direito do Trabalho, não podendo ser mero meio de redução de custos. Como sugere Sérgio Pinto Martins “terceirização ilícita busca apenas o menor preço”. (MARTINS, 2018: 214)

Por essa razão, a discussão sobre a possibilidade de terceirização para o exercício de cargo de confiança não está enfrentando a questão da atividade-fim, visto que em grande parte dos casos haverá encargo de gestão para as atividades objeto do fim empresarial. A decisão do STF limitou-se a autorizar terceirização da atividade-fim, deixando lacuna com relação à pessoalidade e subordinação, que deverá ainda ser objeto de debate na doutrina e jurisprudência, de forma a evitar precarização do trabalho no Brasil, visto que como destaca José Francisco Cunha Ferraz Filho, “os valores relativos ao trabalho e à livre-iniciativa – relação empregador-empregado – devem estar em perfeita harmonia, para que possibilitem uma saudável e estável economia de mercado.” (FERRAZ FILHO, 2017: 6)

Inclusive, cabe mencionar, que o requerente na ADPF 324 foi a ABAG – Associação Brasileira do Agronegócio e na dinâmica empresarial de vários segmentos do agronegócio é possível encontrar terceirização de atividade-fim ausente pessoalidade e subordinação direta com o tomador de serviços. Cite-se, por exemplo a produção de cana-de-açúcar (atividade esta que era a recorrente no RE 958252) onde é comum, para acelerar o processo de colheita e produção, contrata-se prestadora de serviços para fornecer mão de obra para realização dos serviços. Essa realidade, não necessariamente, está presente em todas as relações de trabalho e também não se apresentaria possível no exercício de encargo de gestão, visto que a este o empregador transferiu parcela significativa de responsabilidade.

Para se analisar a compatibilidade da terceirização e cargo de confiança, é necessário, porém, ir além da questão sobre a licitude da transferência a terceiros das atividades consideradas fins da empresa. É necessário observar, um ponto da própria Súmula 331, defendido pela doutrina pátria que refere-se à “ausência de pessoalidade e subordinação direta”, destacando-se, para esse fim, a questão da subordinação no contrato de trabalho.

Conforme ensina Sérgio Pinto Martins:

“Subordinação é a obrigação que o empregado tem de cumprir as ordens determinadas pelo empregador em decorrência do contrato de trabalho, é o estado jurídico que se encontra o empregado em relação ao empregador. Subordinação é a submissão do empregado ao poder de direção do empregador” (MARTINS, 2016: 176).

Portanto, pela subordinação jurídica, o empregado está sujeito a receber ordens do empregador, em decorrência do contrato de trabalho e em razão do poder diretivo do empregador. Mesmo que a subordinação, no exercício do cargo de confiança, esteja severamente reduzida, pela posição hierárquica que ocupa, ela se faz presente. O empregado em cargo de confiança, por ter poderes de gestão e representação estabelece ordens, fiscaliza as atividades laborais, se apresenta, por muitas vezes, como se fosse o próprio o empregador, dirigindo os resultados dentro da empresa.

Este encargo de gestão que cabe ao cargo de confiança, ainda que de forma reduzida em relação aos demais empregados, mantém o poder diretivo do empregador sobre o empregado, mantém-se a subordinação, o empregado em cargo de confiança recebe ordens e, pelo exercício da representação e gestão, que pode pôr em risco a própria atividade empresarial, são ordens cobertas de uma fidúcia diferenciada, o empregador vê no cargo de confiança alguém que possa dirigir, conjuntamente, o atingimento de resultados, o direcionamento da atividade empresarial. Dessa forma, estaria presente nessa relação contratual do empregado em cargo de confiança e empregador, a pessoalidade e subordinação, que somadas aos demais requisitos, caracterizam a relação de emprego, formada entre o empregador e o empregado em cargo de confiança.

Dessa forma, é possível entender que a decisão do STF altera os requisitos da terceirização, sendo a partir de então possível a terceirização da atividade-meio (já autorizada pelo TST desde a edição da súmula 331) e também da atividade-fim. Como não mencionado na decisão do STF, para ambas situações, adotamos a posição de que deve estar ausente a pessoalidade e subordinação direta com o tomador, visto que são requisitos da caracterização da relação de emprego. A existência de pessoalidade e subordinação ao tomador formará vínculo com este.

Como a subordinação jurídica está presente no exercício de cargo de confiança pois este identifica-se como uma “extensão” do próprio empregador na dinâmica empresarial na execução dos objetivos empresariais, entende-se incompatível com o instituto da terceirização, uma vez que esta, como objetivo empresarial visando a eficiência operacional, impossibilita a pessoalidade e subordinação direta do tomador de serviços.

Sobre os autores
Laurício Antonio Cioccari

Possui graduação em Direito e mestrado em Educação pela Universidade Cidade de São Paulo. Ao longo de 20 anos na Educação Superior Particular, exerceu funções como Chefe de Gabinete do Reitor, Secretario-geral, Procurador Institucional, coordenador de curso de pós-graduação, de extensão e docente. Atua como profissional da área do direito nos seguintes temas: legislação educacional, normas internas educacionais, administração educacional, direito do trabalho, direito empresarial, direito de familia. Produz material didático na área de Direito do Trabalho, Legislação e Regulação da Educação. Atualmente é Advogado associado no escritorio SLC Advogados e militante nas áreas Cível, Trabalhista, Consumidor, Empresarial e Educacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CIOCCARI, Laurício Antonio; ALMEIDA, Thiago Souza. Terceirização do cargo de confiança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5860, 18 jul. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74850. Acesso em: 27 dez. 2024.

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