1. Introdução
O presente artigo visa o estudo da terceirização e sua compatibilidade com o cargo de confiança.
Para entender o processo de terceirização faz-se necessário iniciar o estudo pela identificação da relação de emprego, quais são seus sujeitos e quais os requisitos para sua identificação.
No estudo específico da terceirização, além de conceituar e identificar seu processo evolutivo na dinâmica empresarial, é de suma importância entender sua posição dentro do Direito do Trabalho e como a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho compatibilizou o instituto com os demais institutos do Direito trabalhista. Além disso, como a sociedade e a atividade empresarial são dinâmicas é importante observar a evolução da jurisprudência para acompanhar e aperfeiçoar os institutos.
Ainda na discussão da terceirização, necessário é o debate entre atividade-meio e atividade-fim, com análise de recente decisão do STF que traz novo entendimento às possibilidades de terceirização no Direito brasileiro.
Continua o artigo no estudo do cargo de confiança, seus requisitos e também sua identificação dentro da estrutura hierárquica dentro das empresas. Pretende-se diferenciar aspectos objetivos e subjetivos do cargo de confiança, sua posição dentro do ordenamento jurídico e, principalmente o estudo da subordinação jurídica e a presença desse instituto no exercício do cargo de confiança.
Por fim, o objetivo central é analisar se há compatibilidade de transferir o exercício do cargo de confiança a um empregado terceirizado, ou seja, analisar sinteticamente as características e requisitos de ambos institutos e se haveria possibilidade de compatibilização
2. Relação de emprego e contrato de emprego
Primeiramente, para o estudo desse item, é necessário observar que na legislação brasileira são encontradas tanto a expressão contrato de trabalho como relação de emprego. Segundo José Martins Catharino o termo mais correto deveria ser contrato de emprego “porque não será tratada da relação de qualquer trabalhador, mas do pacto entre empregador e empregado, do trabalho subordinado” (CATHARINO, 1982:218).
Relação de trabalho é o gênero que compreende o trabalho autônomo, eventual, avulso, etc. Relação de emprego trata do trabalho subordinado do empregado em relação ao empregador.
Segundo Sérgio Pinto Martins “contrato de trabalho é o negócio jurídico entre uma pessoa física (empregado) e uma pessoa física ou jurídica (empregador) sobre condições de trabalho” (MARTINS, 2016: 161).
A CLT traz como partes da relação de emprego: (a) empregado como “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário” (art. 3º, CLT); (b) empregador “a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal do serviço” (art. 2º, CLT).
A partir dos conceitos de empregador, empregado e contrato de trabalho podemos extrair os requisitos da relação de emprego, quais sejam:
Continuidade
O trabalho deve ser prestado com continuidade, há no contrato de trabalho “trato sucessivo na relação entre as partes, que perdura no tempo” (MARTINS, 2016: 175).
Subordinação
O empregado exerce sua atividade com dependência ao empregador, por quem é dirigido, recebendo ordens de serviço e sendo fiscalizado pelo empregador.
Onerosidade
Analisando as características do contrato de trabalho, observa-se que é sinalagmático, ou seja, há obrigações recíprocas no contrato de trabalho. A onerosidade acaba por ser um requisito que decorre dessa característica, o empregado tem o dever de prestar serviços e o empregador, em contrapartida, deve pagar salário pelos serviços prestados.
Alteridade
O empregado presta serviços por conta alheia, sem assumir qualquer risco. Dessa forma, o empregado pode participar dos lucros da empresa, mas não de seus prejuízos.
Pessoalidade
O contrato de trabalho é intuitu personae, ou seja, “realizado por certa e determinada pessoa”, (MARTINS, 2016: 176) não podendo fazer substituir-se por outro, sob pena de o vínculo formar-se com a última.
3. Terceirização
3.1 Conceito e evolução legislativa
A terceirização surge como um fenômeno empresarial moderno, no contexto da reestruturação produtiva no final dos anos 1970, no chamado toyotismo, que, em substituição ao modelo anterior fordismo (baseado na produção em uma grande linha fabril em que todas as etapas do processo produtivo eram realizadas por trabalhadores diretamente contratadas pela empresa), propõe a concentração da empresa em sua atividade nuclear, entregando tarefas acessórias, complementares e periféricas a empreendedores especializados nessas atividades.
O objeto de estudo desse artigo é a terceirização e seus aspectos jurídicos. Porém, não há, legalmente, um conceito jurídico para a terceirização, a doutrina constrói esse conceito por definições advindas da administração e da economia. Nessa linha, a partir do toyotismo, Rodrigo Carelli constrói o conceito de terceirização como “a entrega de atividade periférica e específica a empresa especializada que a realizará com autonomia”. (CARELLI, Rodrigo de Lacerda, 2013). Esse conceito foi o adotado pelo TST na confecção da Súmula nº 331 e ao longo dos anos foi como a terceirização foi vista pelo Direito do Trabalho, como a entrega a um terceiro de atividade meio das empresas, vedando-se aos empregadores a entrega da atividade fim, com a qual entendia-se que a própria empresa, pela sua finalidade, deveria concentrar-se.
Analisando a terceirização no Brasil, Rodrigo Carelli identifica que a forma mais utilizada no Brasil envolve a entrega de partes da atividade empresarial “geralmente compostas por serviços de baixo nível de tecnologia e trabalhadores sem qualificação com o fim de redução de custos”. (CARELLI, Rodrigo de Lacerda, op. cit).
Rubens Ferreira de Castro entende como uma relação jurídica envolvendo três partes:
“Daquela que contrata os serviços de uma empresa especializada em determinado serviço, a fim de poder concentrar seus recursos materiais e humanos em sua atividade principal, chamada tomadora. Por sua vez, a empresa especializada nos serviços contratados é chamada prestadora. E, finalmente, do empregador contratado pela prestadora, que desempenha suas funções beneficiando secundariamente a tomadora.”
A partir dessas conceituações o legislador editou a Lei 6.019/1974. Em seu artigo 4º-A estabelecia que “a empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos.
3.2. Terceirização e evolução jurisprudencial
Não obstante o TST ter editado as Súmulas nº 257 (que trata das empresas de vigilância a partir da Lei 7102/1983) e nº 239 (empresas de processamento de dados), partiremos do estudo da Súmula nº 256 cuja redação é a seguinte:
“Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nº 6.019, de 3-1-1974, e nº 7.102, de 20-6-1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços”.
Essa é a primeira súmula em que o TST dá uma interpretação mais geral sobre a terceirização de serviços no Brasil (tivemos também as súmulas 239 e 257, mas tratam de atividades específicas). No acórdão que deu origem à Súmula 256 (RR 3.442/1984) de relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello (atualmente Ministro do STF), evidenciou-se que a contratação de empresa interposta só poderia ser admitida em casos excepcionais, pois a locação da força de trabalho é ilícita. O TST proibia a intermediação de mão de obra tanto na atividade-fim, como na atividade-meio, salvo nas hipóteses do trabalho temporário e da Lei nº 7.102.
A proibição da intermediação de mão de obra, hipótese essa mantida de forma restrita na interpretação do TST, teve diversas flexibilizações ao longo do tempo, conforme, por exemplo, encontra-se no artigo 577 da CLT e também na Lei do FGTS (Lei nº 8.036/1990). Com isso, como sugere Sérgio Pinto Martins houve um “abrandamento da aplicação rigorosa da Súmula 256 do TST, passando-se a adotar o entendimento que a contratação de trabalhadores por empresa interposta refere-se a existência de fraude, quando os trabalhadores estão sob o poder de direção da empresa tomadora dos serviços, razão pela qual o vínculo forma-se com esta.” (MARTINS, 2018:157)
Com isso, naturalmente, a súmula 256 do TST precisou passar por uma revisão de seu texto, o que foi feito com a edição da Súmula 331, cujo texto vigente (até o momento não houve cancelamento da súmula) revisado no ano de 2011 com a seguinte redação:
“Contrato de prestação de serviços – Legalidade
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se vínculo diretamente com o tomador de serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019 de 3-1-1974).
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com a Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II da CF/88).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20-6-1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento de obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, de 21-6-1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.”
A súmula 331 tem redação mais ampla, traz questão de responsabilidade trabalhista, inclusive da Administração Pública, mas ao objeto que interessa a este estudo, a nova redação dada pelo TST aperfeiçoa o texto da súmula 256, mantendo a condenação da empresa tomadora de serviços no caso da verificação de empresa interposta, bem como deixa claro que é lícita a contratação mão de obra terceirizada, desde que de atividade-meio e ausentes a subordinação direta e pessoalidade.
3.3. Atividade-meio e atividade-fim
Este ponto da Súmula 331 é o um dos pontos que mais gerou debate ao longo dos anos no tribunais trabalhistas do país. Em levantamento mais atual, com dados apenas do TST, a terceirização ocupa espaço entre os 20 temas mais recorrentes em 2018 no Tribunal Superior.
Conforme Sérgio Pinto Martins “atividade-fim é a que diz respeito aos objetivos da empresa, incluindo a produção de bens ou serviços, a comercialização etc. É a atividade central da empresa, direta, de seu objeto social.” (MARTINS, 2018: 165). Para este mesmo autor a atividade-meio é “a atividade desempenhada pela empresa que não coincide com seus fins principais.”
Em 2017, numa tentativa de modernização da legislação trabalhista, foi editada a Lei 13.429. Essa lei chamada de “Nova Lei da Terceirização” revogou alguns pontos historicamente assegurados e passou a permitir a terceirização irrestrita das atividades empresariais. A nova redação do artigo 4º-A da Lei 6019 passou a ser:
“Art. 4º-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privada prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com sua execução.”
Portanto, a partir dessa nova legislação, a terceirização no Brasil ganha um novo patamar, deixa-se de aceitar apenas a terceirização de atividades específicas e complementares para admitir que tenha-se empregados terceirizados realizando a atividade-fim de uma empresa.
3.4. Licitude da terceirização de atividade-fim
A discussão sobre a terceirização da atividade-fim chegou ao STF. A ADPF 324 foi distribuída ao STF em agosto de 2014, anterior ao texto da Lei 13.429/2017. Em resumo, a ABAG, questionou a compatibilidade da interpretação e decisão da Súmula 331 do TST sobre a vedação da terceirização irrestrita das atividades finalísticas de determinada empresa.
Sob a relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, a tese vencedora foi no sentido de permitir a terceirização irrestrita, sendo aprovado o seguinte texto:
“1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993” .
Nas razões do voto do Ministro Luís Roberto Barroso, com relação ao mérito da causa, faz uma síntese da “modernidade”, chamando de “Revolução Digital” e deixando claro que “não há setor da economia tradicional que não tenha sido afetado. Está todo mundo atrás de novos modelos de negócio (...)”.
Ainda em seu voto, questionando o papel do Direito do Trabalho no contexto atual, ele apresenta uma proposta progressista, levando em consideração o contexto de milhões de desempregados e outros milhões de brasileiros na informalidade. Defende o Ministro:
“É uma discussão sobre qual a forma mais progressista de se assegurarem emprego, direitos dos empregados e desenvolvimento econômico. Porque se não houver desenvolvimento econômico, se não houver sucesso empresarial das empresas, não haverá emprego, renda ou qualquer outro direito para os trabalhadores.”
Para Barroso, claramente a terceirização “é uma estratégia de produção imprescindível para a sobrevivência e competitividade de muitas empresas brasileiras, cujos empregos queremos preservar.” Na parte final de seu voto, balanceando sua visão favorável com argumentos contrários a inconstitucionalidade da terceirização entende que as restrições impostas à terceirização “violam os princípios da livre iniciativa, da livre concorrência e da segurança jurídica”.
Por fim, em seu voto, deixa claro impedimentos para abusividade na utilização do instituto da terceirização, evitando-se sua utilização para burlar direitos assegurados aos trabalhadores. Entente o Ministro que “os ganhos de eficiência proporcionados pela terceirização não podem decorrer do descumprimento de direitos ou da violação da dignidade do trabalhador”.
3.5. Divergência sobre a atividade-fim
Curiosamente, como já mencionado quando da análise dos procedentes que deram origem à Súmula 256 do TST, o RR 3442/1984 teve como relator, à época, o Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, que, trinta e quatro anos depois é novamente chamado a julgar o tema terceirização e, mesmo após todos esses anos, ainda mantém uma posição bem conservadora e contrária à terceirização irrestrita, como veremos na análise de seu voto.
Com um voto carregado de doutrina trabalhista ao analisar a compatibilidade da terceirização com princípios do Direito do Trabalho, o Ministro Marco Aurélio menciona a lição de Ricardo José Macedo de Britto Pereira:
“A terceirização abala aspectos essenciais da CLT, como a subordinação e a pessoalidade diretas. Inverte a regra geral da indeterminação do prazo contratual, para consagrar a temporalidade. A rotatividade muitas vezes inviabiliza o gozo das férias. Os sindicatos de terceirizados desfrutam de menores condições de mobilização e reivindicação. As estatísticas dos acidentes de trabalho indicam que sua incidência aumenta nas hipóteses de terceirização.(PEREIRA, 2013).
Ainda em seu voto, o Ministro faz considerações sobre a terceirização e o Direito Coletivo do Trabalho, observando que o terceirizado “não integra a categoria profissional vinculada à atividade econômica da empresa tomadora, mas sim aquela exercida prestadora de serviço” o que Lorena Vasconcelos Porto identifica como “apartheid sindical” (PORTO, 2017: 177).
Menciona ainda a Recomendação nº 198/2006 da OIT para os países-membros, de elementos fundamentais incompatíveis com a terceirização irrestrita de serviços, no sentido de definirem normativamente “indicadores específicos da existência de uma relação de trabalho, sublinhando a integração do trabalhador na organização da empresa, a pessoalidade na prestação do serviço”.
Já em parte final das razões de seu voto, menciona a melhoria de condições gerais de trabalho, mas enfatiza “patente é a desigualdade econômica em comparação com o empregador, agravada pelo excesso de mão de obra e escassez de emprego”.
Mesmo diante da divergência aberta no julgamento do Plenário, o resultado do julgamento contou com sete Ministros votando favoravelmente à tese de ser lícita a terceirização da atividade-fim contra quatro votos contrários à tese apresentada. Dessa forma, a conclusão do STF foi encaminhada ao TST que, como pode observar em sua jurisprudência já aplica-se o entendimento do STF e tem negado provimento a Recursos de Revista em decisões calçadas exclusivamente na tese de ilicitude da terceirização de atividade-fim, como, por exemplo, observa-se no julgamento do RR 1532-80.2012.5.01.0019.
Dessa forma, até novo entendimento do STF, caso venha a ser provocado, é permitida a terceirização da atividade-fim, observadas às cautelas necessárias na contratação da empresa prestadora de serviços e mantidas as consequências da responsabilidade subsidiária em caso de inobservância.