Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A difícil comprovação do estupro marital e o desconhecimento desse crime pela sociedade

O presente trabalho urge trazer à tona a difícil comprovação do estupro marital e o desconhecimento desse crime pela sociedade.

A DIFÍCIL COMPROVAÇÃO DO ESTUPRO MARITAL E O DESCONHECIMENTO DESSE CRIME PELA SOCIEDADE

RESUMO

O presente trabalho urge trazer à tona a difícil comprovação do estupro marital e o desconhecimento desse crime pela sociedade. Se baseando nas leis, doutrinas e jurisprudências relacionadas ao tema e analisando o estudo sob o posicionamento de considerar o cônjuge ou companheiro como sujeito ativo do crime de estupro. No campo doutrinário ainda existem divergências formando duas vertentes, uma formada por doutrinadores mais antigos e tradicionais que afirmam não existir estupro em relações conjugais, divergente à outra vertente, a favor da configuração do crime, acolhida por doutrinadores modernos. Com esses posicionamentos divergentes entre os doutrinadores, foi necessário realizar uma detalhada pesquisa bibliográfica para uma compreensão acerca do tema. O crime de estupro praticado na relação conjugal é de difícil comprovação, uma vez que este na maioria das vezes é cometido no silêncio dos lares e nem sempre deixa marcas ou vestígios na vítima. Além disso, o presente trabalho visa a conscientizar a sociedade sobre a existência desse delito.

Palavras-Chave:

Estupro marital; Imputação penal; Excludente penal.

1 INTRODUÇÃO

Este crime existe como um inimigo silencioso, em que o cônjuge ou companheiro empreende violência sexual contra a sua própria esposa ou companheira, tornando-a vítima do crime de estupro, em circunstância tão específica e com isso violando um bem jurídico tutelado, ou seja, a liberdade sexual do ser humano.

O trabalho traz uma polêmica muito grande, tendo em vista que o crime de estupro é um delito praticado desde os primórdios, pois a liberdade sexual da mulher não era vista como ponto central de determinado crime em épocas anteriores, devido ao pensamento machista de que as mulheres eram consideradas propriedade e objeto de seu marido. Assim, verifica-se que o direito da mulher é infringindo e não respeitado, ainda que garantido constitucionalmente em seu artigo 5º, incisos I e X.

O assunto é contemporâneo, demonstrando uma grande importância e relevância para o meio social, uma vez que tal delito ainda continua acontecendo e insistindo em permanecerem alguns resquícios de ideias ancestrais do sistema patriarcal, em que a mulher era vislumbrada como um objeto.

Diante de todas as transformações sociais já vivenciadas ao longo dos anos, o crime de estupro ainda continua ocorrendo na sociedade.

Nesse sentido, em relação à liberdade e dignidade que é um direito garantido por lei a todo ser humano, a mulher não poderá ser obrigada a fazer ou deixar de fazer qualquer ato que esteja contra sua vontade.

Portanto, na maioria das vezes que esse crime é cometido, a insegurança, o medo e a ausência de informações de que o homem casado ou companheiro pode ser sujeito ativo do crime de estupro, tendo como vítima sua esposa ou companheira, faz com que inúmeras mulheres permaneçam inertes e submetidas à violência sexual constante.

Dito isto, podemos observar que a relação sexual entre os cônjuges ou companheiros é um dos atos que constitui a relação de casamento ou união estável, já que pressupõe uma relação de intimidade entre o casal.

Assim, na prática desse ato, o marido ou companheiro que força ou constrange sua esposa ou companheira a realizar sua vontade sexual usando grave ameaça ou violência, poderá cometer um ilícito penal, visto que o desrespeito à anuência ou concordância da mulher para a prática de relações sexuais se configura crime de estupro.

Neste contexto, este artigo traz a problemática sobre os casos em que mulheres são violentadas sexualmente por seu próprio marido ou companheiro e nem sabem que estão sendo vítimas do crime de estupro, outras até sabem, mas têm vergonha de procurar ajuda, por se tratar de seu marido ou companheiro, e ficam convivendo com essa situação por muitos anos. Entretanto, atos sexuais ou libidinosos forçados contra a vontade da mulher constituem crime de estupro tipificado em lei, podendo ocorrer ao agressor que cometeu tal barbárie.

A falta de conhecimento pela sociedade do crime de estupro marital também é preocupante, as mentes machistas que não evoluíram com o tempo preocupa e é necessário que seja feita uma conscientização principalmente com os homens que por todo o processo cultural patriarcal antiquado ainda se acham no direito de querer obrigar suas esposas ou companheiras a praticar sexo ou atos libidinosos a hora que bem entenderem.

Diante da problemática, o objetivo do trabalho é apresentar os aspectos do crime de estupro marital; Discutir a difícil comprovação; Trazer a importância da evolução do papel da mulher na sociedade e sua desobjetificação, para que este crime seja combatido, assim como para que esposas e companheiras que sofrem tal violência, estejam cientes que estão sendo vítimas de estupro.

2 ASPECTOS DO CRIME DE ESTUPRO MARITAL

2.1 O conceito do delito

O estupro marital se qualifica quando o cônjuge ou companheiro pratica o ato sexual com sua esposa ou companheira e esta não lhe permitir, e mesmo assim o próprio, mediante violência ou grave ameaça impõe o ato sexual, qualificando assim o crime de estupro. Crime este que está previsto no artigo 213, do Código Penal, e terá inclusive a pena aumentada da metade no caso do crime ser praticado por cônjuge ou companheiro, nos termos do inciso II, do artigo 226 do mesmo código. (BRASIL, 1940, s.p.).

Assim, podemos observar que neste delito não há escusas sobre o sujeito ativo ser cônjuge ou companheiro da vítima. Logo, pode sim ser o cônjuge ou companheiro o agente do crime de estupro, fato esse que poucos sabem e por isso tal crime costuma acontecer frequentemente sem que seja levado a conhecimento das autoridades e sem que sejam tomadas as providências.

Seguiremos o estudo com a desobjetificação da mulher.

2.2 A desobjetificação da mulher

Desde os primórdios com a cultura da sociedade machista e patriarcal a mulher era vista como um objeto pelos homens. A prova disso eram os casamentos arranjados com dotes o que assegurava mais ainda a ideia de que a mulher de fato era uma moeda de troca que estava ali para servir aos homens, primeiramente ao pai depois ao marido. (NOGUEIRA, 2018, s.p.).

Contudo, ao passar dos anos as mulheres iniciaram uma batalha entre gêneros com o objetivo de conquistar direitos iguais, respeito e um maior espaço na sociedade, batalhas essas que tiveram origem durante a Revolução Industrial Francesa. (FERNANDES, 2019, s.p.).

Foram várias lutas que as mulheres enfrentaram durante muitos anos para conquistarem o direito de casar com quem escolhesse o direito a votar, o direito a poder trabalhar mesmo sem o consentimento do marido, direito de ser respeitada no trabalho, direito a sua liberdade sexual e isso está demonstrado nas mudanças sociais e da nossa legislação. (BORGES, 2019, s.p.).

Contudo, as batalhas e lutas perpetuam até os dias atuais, pois, houve muita resistência da sociedade até a mulher conseguir concretizar uma conquista e apesar de muitos acreditarem que não existe mais preconceito a se combater, sabemos que a realidade não é essa, haja vista, as notícias diárias de mulheres que são mortas, assediadas, humilhadas, ameaçadas pelo homem e pelo Estado.

No XVII Seminário Internacional de Educação no Mercosul, no Brasil, começaram a surgir os primeiros estudos sobre a violência de gênero com a abertura das delegacias da mulher, em meados dos anos 80, e os objetivos desses estudos eram, em primeiro plano, conhecer quais os crimes frequentemente denunciados e os agressores, bem como os perfis, tanto de agressores como de agredidos, para a formulação de estratégias públicas, tanto para reprimir essa violência quanto para prevenir. (DECKERT, 2015, s.p.).

Porém, mesmo após serem implantadas políticas públicas com o objetivo de combater a violência contra a mulher ainda existem mulheres que sofrem algum tipo violência e se sentem frágeis, sem força para procurarem ajuda ou apoio, principalmente quando essa violência é sexual e vem de dentro de casa.

No entanto, inúmeras são as justificativas para que essas mulheres permaneçam em silêncio diante da violência sofrida, nos dizeres de Carina Suelen Carvalho, Carina Suelen Ferreira e Karla Rodrigues Santos, dentre os motivos desse silêncio são:

[...] os mais comuns são: medo de ameaças de morte; vergonha de procurar ajuda; esperança de que o companheiro mude; dependência econômica; dependência emocional, também pelo descrédito da população no poder judiciário e segurança pública, entre outras. Pelo fato do agressor ser seu companheiro, muitas mulheres não compreendem que o ato sexual forçado é considerado uma violência, uma vez que o veem como um dever conjugal, devido a uma visão conservadora instituindo estereótipos do comportamento feminino que leva a submissão da mulher, interferindo em sua autoestima causando sentimento de impotência que bloqueia sua personalidade. (CARVALHO; FERREIRA; SANTOS, 2010, s.p.).

Assim, diante de tantas mudanças e amadurecimento da sociedade, conquistas de direitos e garantias no âmbito social, no âmbito privado as mulheres ainda se veem presas em situações que talvez nem saibam que estão sendo vítimas de violência sexual e muito menos que é considerado crime tal ato. Aqui encontramos a grande problemática da questão do presente trabalho.

Partiremos para a discussão da possibilidade da ocorrência do crime.

2.3 A discussão da possibilidade da ocorrência do Crime

O Código Penal se utiliza de normas objetivas, visando à proteção de certos bens jurídicos independente da pessoa de seu titular, assim como menciona no crime de homicídio “matar alguém”, sem especificar quem deva ser esse alguém, no crime de estupro a única peculiaridade especial é ao modo de execução do delito (conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso efetuado de forma violenta ou obtida por meio de grave ameaça) não havendo qualquer menção no Código sobre a exclusão da responsabilidade penal caso a conduta seja praticada pelo cônjuge ou companheiro da vítima. (BRASIL, 1940, s.p.).

Neste prisma, vale ressaltar os dizeres Cezar Roberto Bitencourt:

[...] homem e mulher têm o direito de negarem-se a submeter-se à prática de atos lascivos ou voluptuosos, sexuais ou eróticos, que não queiram realizar, opondo-se a qualquer possível constrangimento contra quem quer que seja, inclusive contra o próprio cônjuge, namorado (a) ou companheiro (a) (união estável); no exercício dessa liberdade podem, inclusive, escolher o momento, a parceria, o lugar, ou seja, onde, quando, como e com quem lhes interesse compartilhar seus desejos e necessidades sexuais. Em síntese, protege-se, acima de tudo, a dignidade sexual individual, de homem e mulher, indistintamente, consubstanciada na liberdade sexual e direito de escolha. (BITENCOURT, 2012, p. 2.328).

Da mesma maneira em que o marido pode se configurar como estuprador de sua esposa quando falamos da união estável, entende-se que o companheiro também poderá se enquadrar como sujeito ativo de tal crime. Tendo em vista que a união estável, atualmente reconhecida pelo Código Civil de 2002 como entidade familiar, vislumbra então ser possível a configuração do cônjuge e do companheiro como sujeito ativo do crime de estupro, denominado de estupro marital. (BRASIL, 2002, s.p.).

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu normas e princípios constitucionais, para estes serem seguidos e respeitados, contudo, na prática, sabemos que não é o que se está vivenciando, haja vista os reflexos da sociedade patriarcal e o machismo que ainda se encontram enraizados no meio cultural. (BRASIL, 1988, s.p.).

Claramente aos doutrinadores favoráveis a configuração do cônjuge ou companheiro como sujeito ativo do crime de estupro, são doutrinadores mais jovens ou aqueles que diante do amadurecimento de ideias se adequaram às igualdades entre homens e mulheres.

Resta claro, então, que o cônjuge ou companheiro que faz uso de meios violentos contra sua esposa ou companheira para obter a relação sexual enquadrar-se-á no estupro marital, constante do artigo 213, do Código Penal. (BRASIL, 1940, s.p.).

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Diante do explicado acima, para melhor entender a questão, devemos observar a seguinte jurisprudência, em que já vêm admitindo a possibilidade de estupro marital.

Nesse sentido, transcreve-se a seguinte jurisprudência do Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul, que aduz, sobre o feito:

EMENTA: APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA OS COSTUMES. RÉU DENUNCIADO POR ESTUPRO. ATOS QUE SE ENQUADRARIAM NO DELITO DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO. Constou da denúncia que o acusado, mediante o uso de violência e graves ameaças, constrangeu a vítima, sua esposa, à conjunção carnal contra a vontade dessa, causando-lhe lesões corporais. (BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Apelação Crime n.º 70021263470. Relator: Naele Ochoa Piazzeta. Órgão Julgador: Sétima Câmara Criminal. Comarca de Origem: Comarca de Santa Maria. Seção: CRIME. Decisão: Acórdão. Data de Julgamento: 03/04/2008. Publicação: Diário da Justiça do dia 26/05/2008).

A reforma do Código Penal ocorrida através da Lei Federal nº. 11.106/2005 inova no crime de estupro ao adicionar aumento de pena de até metade nos casos em que o delito é cometido com abuso por parte de cônjuge ou companheiro. (BRASIL, 2005, s.p.).

A existência do vínculo entre a vítima e o agressor não qualifica a exclusão de ilicitude do crime, uma vez que a relação seja lícita ao cônjuge ou companheiro, o constrangimento ilegal para realizar o ato sexual à força não constitui exercício regular do direito.

Nota-se, os dizeres de Cezar Roberto Bitencourt vejamos:

O bem jurídico protegido, a partir da reação determinada pela lei n 12.015/2009 é a liberdade sexual da mulher e do homem, ou seja, a faculdade que ambos tem de escolher livremente seus parceiros sexuais, podendo recusar inclusive o próprio cônjuge, se assim o desejarem. Na realidade, também nos crimes sexuais, especialmente naqueles praticados sem o consenso da vítima, o bem jurídico protegido continua sendo a liberdade individual, na sua expressão mais elementar: a intimidade e a privacidade, que são aspectos a liberdade individual esta última assume dimensão superior quando se trata da liberdade sexual, atingindo sua plenitude quando se cuida da inviolabilidade carnal, que deve ser respeitada inclusive pelo próprio cônjuge, que, o nosso juízo, também pode ser sujeito ativo do crime de estupro. (BITENCOURT, 2012, p. 2.327).

Logo, diante do exposto podemos afirmar que o cônjuge ou companheiro podem sim ser considerados sujeitos ativos do crime de estupro.

Muito embora com o casamento surja o direito de manter relacionamento sexual, não se pode mais ter um pensamento arcaico e machista de que o mesmo é um atestado assinado para que o homem a partir daí possa praticar relações sexuais ou atos libidinosos com a esposa ou companheira na hora que ele quer, como ele quer e quantas vezes ele quer sem a anuência da mesma por achar que esta acobertado pela excludente de ilicitude do exercício regular do direito.

Contudo, até chegarmos à consagração desse pensamento houve toda uma evolução doutrinária, pois, teve-se um tempo em que os próprios doutrinadores de direito apoiavam a ideia de que após o casamento o cônjuge ou companheiro estava exercendo um direito ao ter relações sexuais com sua esposa ou companheira mesmo esta não querendo, pois seria uma obrigação matrimonial e ao fazer uso de força ou violência para praticar o ato não estaria se cometendo um crime.

Transcorrida esta etapa, seguiremos para a evolução doutrinária sobre o tema.

2.4 A evolução doutrinária

Partindo da evolução na defesa dos direitos da mulher e conscientização em todos os segmentos da sociedade, vemos edificações nas doutrinas. Podemos caracterizar essas edificações como uma postura mais humanística e desprendida de preconceito.

Um avanço que podemos observar na luta em face da violência contra a mulher é a criação da Lei Federal n.º 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, que trata sobre a violência doméstica ou familiar contra a mulher e esse marco legislativo é muito importante, pois demonstra a intenção do Estado em tentar estancar a violência cometida contra a mulher relacionada à discriminação de gênero que é ainda muito presente no nosso país.

A violência sexual doméstica e familiar contra mulher é definida, nos termos do artigo 7º, III:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

[...]

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou 38 à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; (BRASIL, 2006, s.p.).

Vale destacar que até o ano de 2005, o casamento do autor de estupro com a vítima acarretava a extinção da punibilidade do agente. Valéria Diez Scarance Fernandes lembra que “a tutela da honra da mulher, na verdade, representava a preocupação do legislador com a honra do homem”. (FERNANDES, 2015, p. 4).

É o reflexo deste pensamento machista, que norteou durante muito tempo a sociedade e as leis brasileiras, a tese de que a esposa não pode ser vítima de estupro praticado por seu cônjuge ou companheiro, ainda que o concurso carnal seja não consentido, por suposto dever de copular resultante do casamento.

Renato Marcão e Plínio Gentil transcrevem aresto que traduz essa linha de pensamento: “Exercício regular de direito. Marido que fere levemente a esposa, ao constrangê-la à prática de conjunção carnal normal. Recusa injustificada da mesma, alegando cansaço. Absolvição mantida”. (MARCÃO e GENTIL, 2015, p. 55).

Valéria Diez Scarance Fernandes Fernandes reproduz a construção jurídica resultante do entendimento de que a esposa tinha o dever de se submeter à prática sexual, em razão do débito conjugal:

As relações sexuais são pertinentes à vida conjugal, constituindo direito e dever recíprocos dos que casaram. O marido tem direito à posse sexual da mulher, ao qual ela não pode se opor. Casando-se, dormindo sob o mesmo teto, aceitando a vida em comum, a mulher não se pode furtar ao congresso sexual, cujo fim mais nobre é o da perpetuação da espécie. A violência por parte do marido não constituirá, em princípio, crime de estupro, desde que a razão da esposa para não aceder à união sexual seja mero capricho ou fútil motivo, podendo, todavia, ele responder pelo excesso cometido. (FERNANDES, 2015, p. 121).

Por óbvio, trata-se de pensamento absurdo e medieval, hoje repudiado com veemência pela doutrina e pela jurisprudência. Por mais que a redação do artigo 213, do Código Penal, não exclua o marido ou companheiro do polo ativo a exclusão dos mesmos surge no campo doutrinário, haja vista que alguns autores se opuseram a tal situação por entenderam que o sexo era dever do casamento. (BRASIL, 1940, s.p.).

Assim como era possível encontrar doutrinadores que enxergavam que o sexo forçado era justificável, existe uma segunda corrente que vai de encontro com a anteriormente citada, na qual acreditam ser plenamente possível a ocorrência de estupro no âmbito conjugal, haja vista, que a lei não permite o uso de violência ou grave ameaça não só na relação matrimonial como na social.

No que concerne a tal discussão, Rogério Greco esclarece da seguinte forma: “Modernamente, perdeu o sentido tal discussão, pois, embora alguns possam querer alegar o seu ‘crédito conjugal’, o marido somente poderá relacionar-se sexualmente com sua esposa com o consentimento dela”. (GRECO, 2010, p. 466).

Explica também Júlio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini:

Mirabete afirma que a melhor solução é a proposta por Celso Delmanto, que entende ocorrer estupro sempre que houver constrangimento do marido para a realização da conjunção carnal por constituir o fato abuso de direito. Isto porque, embora a relação carnal voluntária seja lícita ao cônjuge, é ilícita e criminosa a coação para a prática do ato por ser incompatível com a dignidade da mulher e a respeitabilidade do lar. A evolução dos costumes, que determinou a igualdade de direitos entre o homem e a mulher, justifica essa posição. Como remédio ao cônjuge rejeitado injustificadamente caberá apenas a separação judicial. (MIRABETE e FABBRINI, 2009, s.p.).

Compartilha do mesmo pensamento Jesus utilizando o entendimento de Bárbara Martins Lopes, que assim entende:

Entendemos que o marido pode ser sujeito ativo do crime de estupro contra a própria esposa. Embora com o casamento surja o direito de manter relacionamento sexual, tal direito não autoriza o marido a forçar a mulher ao ato sexual, empregando contra ela a violência física ou moral que caracteriza o estupro. Não fica a mulher, com o casamento, sujeita aos caprichos do marido em matéria sexual, obrigada a manter relações sexuais quando e onde este quiser. (LOPES, 2005, s.p.).

Diante do exposto acima, a recusa injustificável da mulher em manter relação sexual com o próprio marido ou companheiro pode ser motivo de separação judicial, mas, não do cometimento do crime discutido. Nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci afirma que “tal situação não cria o direito de estuprar a esposa, mas sim o de exigir, se for o caso, o término da sociedade conjugal na esfera civil, por infração a um dos deveres do casamento”. (NUCCI, 2002, p. 655).

Fernando Capez demonstra que compartilha do mesmo entendimento ao afirmar: “Marido que, mediante o emprego de violência ou grave ameaça, constrange à mulher a prática de relações sexuais comete crime de estupro”. (CAPEZ, 2008, p. 420).

Júlio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini elucida da seguinte forma:

Mirabete afirma que a melhor solução é a proposta por Celso Delmanto, que entende ocorrer estupro sempre que houver constrangimento do marido para a realização da conjunção carnal por constituir o fato abuso de direito. Isto porque, embora a relação carnal voluntária seja lícita ao cônjuge, é ilícita e criminosa a coação para a prática do ato por ser incompatível com a dignidade da mulher e a respeitabilidade do lar. A evolução dos costumes, que determinou a igualdade de direitos entre o homem e a mulher, justifica essa posição. Como remédio ao cônjuge rejeitado injustificadamente caberá apenas a separação judicial. (MIRABETE e FABBRINI, 2009, s.p.).

O Débito Conjugal se trata, nas palavras do civilista Antônio Chaves:

[...] direito-dever do marido e de sua mulher de realizarem entre si o ato sexual tendo a base de tal obrigatoriedade nos chamados Deveres Matrimoniais Recíprocos, dispostos no artigo 231 do nosso antigo estatuto civil, recepcionado pelo art. 1566 do CC em vigor.  Contudo, este dever ao débito conjugal não está expresso, mas pode ser depreendido do artigo 1.566, II do CC/2002 o qual dispõe que são deveres de ambos os cônjuges a vida em comum no domicílio conjugal também conhecida como o “dever de coabitação.  (CHAVES, 1975, pp. 11-13).

Ainda que não constitua a essência do casamento, parte considerável da jurisprudência e muitos doutrinadores de Direito das Famílias consideram que a recusa injustificada à satisfação dessa obrigação pode levar à separação conjugal. Nesse sentido, Caio Mário da Silva Pereira se posiciona da forma mais conservadora: “[...] a recusa ‘injustificada’ à satisfação do debitum conjugale, como descumprimento do dever de coabitação, pode fundamentar a separação sob o qualificativo de violação dos deveres do casamento ou ruptura da vida em comum posto que não encontre na lei cominação específica”. (PEREIRA, 2014, p. 159).

Assim, resta nitidamente explicado que nada e em nenhum caso o cônjuge ou companheiro tem o direito de obrigar a mulher a ter relação sexual ou praticar qualquer ato libidinoso sem o consentimento da mesma, estando esse cometendo o crime de estupro e devendo responder pelo delito.

Ainda, aqueles que aderiram ao posicionamento que considera o marido ou companheiro como possível estuprador de sua própria mulher vêm sendo alvo de severas críticas pelos adeptos da corrente que acreditam e defendem a configuração do cônjuge ou companheiro como sujeito ativo do crime de estupro.

Seguiremos para mencionar a difícil comprovação desse crime.

3 A DIFÍCL COMPROVAÇÃO DESSE CRIME

Como o próprio título do trabalho enseja o crime de estupro marital é muito difícil de comprovar, pois este é cometido no silencio dos lares e em inúmeros casos as vítimas omitem o acontecido ou até quando o caso vem ao conhecimento de outros, elas acabam dificultando a sua comprovação.

Esse crime é muito delicado por se tratar de delito cometido por alguém em que as mulheres confiam, tem sentimentos e dividem uma vida conjugal. Sendo assim mais difícil ainda fazer com que as mulheres denunciem.

Aliado ao fator descrito no parágrafo acima, ainda existem barreiras para que a mulher possa denunciar, pois o sujeito ativo do crime é o seu próprio marido ou companheiro dificultando a aceitação desse delito pela autoridade policial baseando-se no fato de que o crime de estupro nem sempre deixa vestígios ou marcas na vítima, pois existe a violência psicológica em que o agressor coage a mesma a fazer o que ele quer ou ameaça de morte ela ou familiares e em casos que não se deixa vestígio, ai que se dificulta mais ainda a comprovação.

Existem duas maneiras de denunciar o crime de estupro marital à primeira é o depoimento da vítima quando não há vestígios, pois o crime de estupro ele é tipificado também pela grave ameaça (essa prova testemunhal está assegurada pelo artigo 167, do Código de Processo Penal); a segunda maneira é quando deixa vestígio e é indispensável o exame de corpo de delito (procedimento previsto no artigo 158, do Código de Processo Penal). (BRASIL, 1941, s.p.).

No que implica o artigo 158, do Código de Processo Penal, muito importante eu seja realizado o exame de corpo de delito para apuração e apreciação da prova a ser analisada pelo juiz, em busca e obtenção da verdade real do magistrado para que seja aplicada a pena justa. (BRASIL, 1941, s.p.).

Consoante esse entendimento, Elen Cristiane Guida Vasconcellos elucida que:

Assim, quando possível à realização da perícia, sua falta implica a nulidade de qualquer prova produzida em sua substituição (CPP, art. 564, III, b) e, por conseguinte, a absolvição com fundamento no art. 386, VI, do CPP. O art. 167 somente se aplica aos casos em que o exame direto já não era possível ao tempo do descobrimento do delito, em face do desaparecimento dos vestígios. Se havia a possibilidade de realizar o exame. (VASCONCELLOS, 2011, s.p.).

Para que seja aplicada a pena ao agressor e uma justa condenação, se torna imprescindível a prova pericial sendo este o único meio de comprovar a materialidade delitiva.

Apesar de que nos crimes sexuais, a palavra da vítima tem um peso muito grande, a lídima justiça acaba fazendo com que ela desista de prosseguir com o processo ou se anule ainda mais diante do ocorrido. Nos dizeres de Lívya Ramos Sales Mendes de Barros e Alline Pedra Jorge Birol:

Além do quesito credibilidade/confiança que a mulher deve atender, para que seja comprovado efetivamente que ela foi vítima de estupro, a vítima ainda é submetida a rigorosos “testes de resistência”, tais como longas audiências, confrontações com o agressor, longas esperas nos corredores de delegacia e fórum, etc. Todos estes testes ou situações de resistência, são criados inconscientemente no intuito de verificar se a vítima poderá levar seu caso adiante, e caso positivo, isto talvez signifique que ela fala a verdade, porque resistiu. (BARROS e BIROL, 2007, p. 8).

De fato, a vítima encara diversos constrangimentos e ainda passa por várias audiências, tendo esta que prestar várias declarações acerca do crime, podendo esta chegar a contradizer algumas declarações, sendo esta declaração suficiente para absolver o réu com base no princípio in dúbio pro réu.

Contudo os tribunais brasileiros buscam defender aqueles que necessitam de justiça se posicionando frente a esse crime de forma mais cautelosa. De acordo com o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, este concede a seguinte jurisprudência, fundamentando-se em provas e testemunhos:

EMENTA: PENAL. PROCESSO PENAL. ESTUPRO. ART. 213, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRETENSÃO DE VER O RÉU CONDENADO PELO DELITO IMPUTADO. PLEITO MOTIVADO NA SUFICIÊNCIA DE PROVAS COLACIONADAS AOS AUTOS QUE ATESTAM A OCORRÊNCIA DO CRIME SEXUAL NARRADO NA DENÚNCIA. DEPOIMENTOS DE TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO COLHIDOS EM JUÍZO QUE CORROBORAM A PROVA INDICIÁRIA. RETRATAÇÃO DA VÍTIMA. IRRELEVÂNCIA. DEPOIMENTO JUDICIAL DA OFENDIDA VICIADO PELO TEMOR FLAGRANTEMENTE DEMONSTRADO. TENTATIVA INFRUTÍFERA DE ISENTAR O PAI DE RESPONSABILIDADE PELO DELITO. EVIDÊNCIAS DOS AUTOS QUE SE MOSTRAM APTOS A MOTIVAR O PLEITEADO DECRETO CONDENATÓRIO. PENA. CULPABILIDADE EXACERBADA. CRIME PRATICADO MEDIANTE VIOLÊNCIA FÍSICA E GRAVE AMEAÇA. CONDUTA SOCIAL E PERSONALIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS. EVIDÊNCIAS DE REITERADOS ABUSOS SEXUAIS CONTRA A VÍTIMA E PROVA DE VIDA DESREGRADA E CONDUTA VIOLENTA COM A FILHA E ESPOSA NO AMBIENTE DO LAR. CONSEQUÊNCIAS DESFAVORÁVEIS. VISÍVEL ABALO PSICOLÓGICO ACOMETIDO PELA OFENDIDA. PENA-BASE QUE DEVE SE AFASTAR DO MÍNIMO LEGAL. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS LEGAIS. PRESENÇA DA CAUSA DE AUMENTO PREVISTA NO ART. 226, INC. II, DO CÓDIGO PENAL. RECURSO PROVIDO. 1. 973659-4 (Acórdão) (BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ. Processo n.º 973659-4. Acórdão 24216. Relator: Sônia Regina de Castro. Fontes: DJ: 1242; Data Publicação: 06/12/2013, Órgão Julgador: 3ª Câmara Criminal, Data Julgamento: 28/11/2013).

Sendo assim, é possível afirmar que a palavra da vítima tem peso muito relevante para configurar o sujeito ativo do crime de estupro. Apesar de que muitas vezes a mulher é tratada com discriminação, até mesmo pelo próprio magistrado, principalmente se este for do sexo masculino, que na maioria das vezes passa a julgar a mulher diante do comportamento social que ela tenha, sendo este comportamento aceitável, um modelo de comportamento imposto pela sociedade em que a mulher tem que ser recatada, obviamente ditames de um pensamento machista.

Após teceremos comentários sobre os obstáculos para realizarem as denúncias e conscientização do estupro marital perante a sociedade.

4 OBSTÁCULOS PARA REALIZAREM AS DENÚNCIAS E CONSCIENTIZAÇÃO DO ESTUPRO MARITAL PERANTE A SOCIEDADE

Os meios de comunicação apresentam constantemente os destaques sobre assuntos referentes às questões ligadas a violência contra a mulher, independente de quem ela seja, pois a violência não faz distinção. Contudo se sabe que muitos dos casos não chegam a ser notificados, devido à ocorrência dos mesmos serem desconhecidos.

Nos dizeres de Patrícia Galvão:

O drama da violência que atinge as mulheres é vivido no cotidiano de muitos lares, mas muitas vezes passa despercebida. A violência chega a ser tratada como algo banal, natural, que faz parte da vida; ou então, acontece o oposto: ela é vista como um problema distante, que só acontece com gente miserável, que bebe ou usa drogas e que jamais vai acontecer com a gente nem perto da gente. O que é um engano. A verdade é que a violência não distingue cor, credo nem classe social. Ela pode acontecer na sua vizinhança, entre quatro paredes. Às vezes faz barulho, mas nem sempre. Tem casos em que ela é bastante silenciosa. E tem vezes sim, que ela acontece dentro da nossa própria casa. Porque a violência pode ocorrer com qualquer mulher, de qualquer idade, raça, religião, classe ou nível cultural. (GALVÃO, 2010, p. 1).

Apesar de ultrapassado o entendimento antiquado, o registro deste tipo de estupro não ocorre com frequência, seja porque a própria vítima não reconhece a prática como sendo criminosa (ainda imagina que o ato sexual é um “direito do seu marido”), seja em face de suposta preservação da família (acreditando a mulher que o consórcio carnal forçado foi fato isolado e que não mais se repetirá), pelo medo de exposição, dependência financeira, por seu agressor ser seu marido ou companheiro e pai dos seus filhos, dentre outros fatores.

Como citado anteriormente são muitos motivos que levam as mulheres a não denunciarem o agressor do estupro principalmente se este for cometido por seus parceiros ou maridos o que dificulta o seu registro estatístico e a pesquisa nessa área, sendo necessário a realização de políticas públicas que encorajem a mulher a denunciar e ao mesmo tempo informar a sociedade sobre a existência desse crime e que seu cometimento gera grandes transtornos e marcas para as vítimas.

Além disso, a pesquisa realizada pela BBC Brasil, em 2015, listou alguns obstáculos que as mulheres enfrentam para denunciar o agressor. A pesquisa foi realizada com promotora e vítimas da violência. Dentre os obstáculos foi exposto que, as Delegacias da Mulher não estão abertas 24h (vinte e quatro horas) e nos finais de semana não estão funcionando, como também só existem 368 (trezentos e sessenta e oito) delegacias para 5.500 (cinco mil e quinhentos) municípios no Brasil, dentre essas a reclamação mais comum é a falta de capacitação dos agentes públicos, outra dificuldade como já referida anteriormente é a dificuldade em comprovar o crime, outro obstáculo é o descrédito de que o agressor será efetivamente punido. (MENDONÇA, 2015, s.p.).

Outra situação relevante é o fato de que as políticas públicas focalizam a aplicação da segurança e ordem nos ambientes públicos, devido ao fato de que é de mais fácil averiguação, já que mesmo que exista o constrangimento da vítima em denunciar um estupro praticado por um desconhecido, quando isso ocorre no âmbito privado, figurando como sujeito ativo o cônjuge ou companheiro, o constrangimento é imensamente maior bem como as dificuldades para efetivar a denúncia.

Assim, quando a mulher sofre algum abuso no âmbito privado, ou seja, dentro de seu próprio lar, os obstáculos para que tal barbárie chegue ao conhecimento das autoridades policiais especializadas competentes para a efetivação das medidas protetoras é grande, e é esse o principal problema, pois diante disso, o desconhecimento das práticas abusivas domiciliares pela autoridade policial gera a inviabilidade da aplicação das medidas protetivas à mulher, nesse sentido, Ivânia Teixeira menciona em seu artigo que:

Como o fato acontece na maioria das vezes no silêncio dos lares, as vítimas têm medo de não conseguir comprovar o crime. As vítimas também se sentem envergonhadas em denunciar o crime de estupro pela repercussão que poderia gerar diante da sociedade e ainda, muitas delas ainda depende financeiramente dos maridos. (TEIXEIRA, 2015, p. 14).

Diante disso, fica evidente o quanto que o estupro praticado na esfera domiciliar pelo cônjuge é praticamente desconhecido pelas autoridades, família da vítima, sociedade e por isso, o cônjuge possui certa segurança ao praticar o crime, pois tem a convicção de que não será punido, pois sabe das dificuldades que a sua vítima terá de passar para realizar a denúncia.

Não existe dúvida de que a mulher quando vitimizada em crime contra a dignidade sexual merece um tratamento diferenciado pelo Estado, sendo importante reconhecer a vulnerabilidade e chamar atenção para o problema, suscitar o diálogo e buscar soluções concretas que para diminuir os ataques.

Tem-se também que tirar da cabeça das pessoas a ideia de que quem pratica estupro é necessariamente um doente mental que vive nas ruas em busca de uma vítima. O estupro pode acontecer dentro de casa e não só cometido por conhecidos como também por parentes e até pelo próprio marido ou companheiro, não necessariamente é preciso de agressão física para ocorrer o estupro a agressão psicológica também conta e dentro do casamento a vítima está muito mais vulnerável por se tratar de ser seu marido ou companheiro, pai dos seus filhos que comete tal ato ilícito.

5 CONCLUSÃO

Diante do exposto, verifica que desde os tempos remotos as mulheres eram colocadas em forma de subordinação e discriminação em relação ao homem perante a sociedade. Portanto, com o passar dos anos e com o desenvolvimento das sociedades as mulheres foram conquistando os seus espaços, e equiparando-se aos homens em relação a direitos fundamentais inerentes a pessoa humana. Entretanto, mesmo com tais espaços e conquistas frente ao seio social, a mulher hodiernamente pode vir ou contínua vindo a ser vítima de um inimigo silencioso dentro do próprio lar.

Após uma análise intensa do tema abordado no presente trabalho, podemos afirmar com toda convicção que o cônjuge ou companheiro pode estuprar a própria esposa ou companheira e ser responsabilizado por sua conduta.

Por mais que existissem doutrinadores que entendiam que o uso de força do cônjuge ou companheiro para ter a relação sexual era um direito seu e não poderia se configurar crime de estupro, pois a mulher a partir do casamento se não quisesse praticar atos ela estaria em débito com ele, com o avanço das lutas realizadas pelas mulheres, a conscientização da população e das alterações das nossas leis com o passar dos anos esses pensamentos arcaicos e machistas ainda que existam não é mais aceitos.

O crime de estupro agride não apenas a integridade física ou moral da mulher (cônjuge ou companheira), mas também sua dignidade da pessoa humana e por decorrência dessas, sua dignidade sexual e liberdade sexual, garantida e assegurada constitucionalmente, ou seja, seus direitos não são respeitados com tamanha agressão.

Se um crime contra os costumes viola a liberdade sexual da pessoa, ele viola não só os direitos de homens, mas também das mulheres, não existe distinção mais, não importando a relação de parentesco, amizade que a vítima tem com o sujeito ativo.

Assim, as leis devem servir para acabar com esse pensamento e punir todos aqueles que atentarem contra o bem jurídico, “liberdade sexual”, seja seu titular um homem, uma mulher, pessoa casada, separada, pois cada indivíduo tem o direito de dispor do próprio corpo da forma que melhor entender.

Outra questão levantada pelo presente trabalho é a difícil comprovação desse crime, pois sabemos que o crime de estupro acarreta na vítima muitos constrangimentos e até mesmo para chegar a ser feita a denúncia é uma grande batalha de incansáveis colheitas de depoimento fazendo com que a vítima reviva muitas vezes o momento brutal que passou e também diante de tantas barreiras que a mulher encontra das desconfianças que passam ao tentar contar o fato, principalmente se o sujeito ativo for seu cônjuge ou companheiro. Ademais sabemos que nem sempre o crime de estupro deixa vestígios, o que torna mais difícil ainda a sua comprovação.

Além de tudo isso, sabemos que muitas mulheres atualmente são dependentes financeiramente dos maridos ou companheiros, ou então acreditam que devem viver em situação de submissão o que atrapalha mais ainda que ocorram as denúncias. Vimos que são poucos casos que são levados a conhecimento das autoridades policiais e devemos nos preocupar com tal fato, pois o crime de estupro marital é cometido no silêncio dos lares e nada é feito.

Por fim, o trabalho teve como objetivo mostrar a existência desse delito, apontar sua difícil comprovação e afirmar que a falta de conhecimento desse crime pela sociedade alimenta a violência que existe nos dentro dos relacionamentos conjugais.

6 REFERÊNCIAS

BARROS, Lívya Ramos Sales Mendes de; BIROL, Alline Pedra Jorge. Crime de estupro e sua vítima: a discriminação da mulher na aplicação da pena. Disponível em: <http://www.academia.edu/7364530/Crime_de_Estupro_e_Sua_Vitima__A_Discricao_da_ Mulher_na_Aplicacao_da_Pena>. Acesso em: 24 out. 2018.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

        BORGES, Daniela Borges  Conquistas e avanços ainda necessários nos direitos das mulheres. Revista Consultor Jurídico. 8 de março de 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-mar-08/daniela-borges-avancos-ainda-necessarios-direitos-mulheres>. Acesso em: 2 jun. 2019.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 13 abr. 2019.

BRASIL. Decreto Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 13 abr. 2019.

BRASIL. Decreto Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 13 abr. 2019.

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 13 abr. 2019.

BRASIL. Lei n. 11.106, de 28 de março de 2005. Altera o Código Penal e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11106.htm>. Acesso em: 13 abr. 2019.

BRASIL. Lei n. 11.340, de 07 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 13 abr. 2019.

BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Apelação Crime n.º 70021263470. Relator: Naele Ochoa Piazzeta. Órgão Julgador: Sétima Câmara Criminal. Comarca de Origem: Comarca de Santa Maria. Seção: CRIME. Decisão: Acórdão. Data de Julgamento: 03/04/2008. Publicação: Diário da Justiça do dia 26/05/2008.

BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ. Processo n.º 973659-4. Acórdão 24216. Relator: Sônia Regina de Castro. Fontes: DJ: 1242; Data Publicação: 06/12/2013, Órgão Julgador: 3ª Câmara Criminal, Data Julgamento: 28/11/2013.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal brasileiro. Brasília: Editora Inesc, 2008.

CARVALHO, Carina Suelen; FERREIRA, Débora Nayara; SANTOS, Karla Rodrigues. Analisando a Lei Maria da Penha: a violência sexual contra a mulher cometida por seu companheiro. Disponível em: <http://www.uel.br/eventos/gpp/pages/arquivos/6.MoaraCia. Pdf>. Acesso em: 13 abr. 2019.

CHAVES, Antônio. Lições de direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975.

CORTES, Janaina, SILVEIRA, Thiago, DICKEL, Flávio e NEUBAUER, Vanessa. XVII Seminário Internacional de Educação no Mercosul: a educação machista e seu reflexo como forma de violência institucional. Disponível em <https://home.unicruz.edu.br/ mercosul/pagina/anais/2015/1%20-%20ARTIGOS/A%20EDUCACAO%20MACHISTA% 20E%20SEU%20REFLEXO%20COMO%20FORMA%20DE%20VIOLENCIA%20INSTITUCIONAL.PDF>. Acesso em: 13 abr. 2019.

        DECKERT, Jean Felipe Deckert. a condição da mulher no decorrer da história e os direitos conquistados a partir das lutas e movimentos sociais. 2015. Disponível em: <https://home.unicruz.edu.br/mercosul/pagina/anais/2015/1%20%20ARTIGOS/A%20CONDICAO%20DA%20MULHER%20NO%20DECORRER%20DA%20HISTORIA%20E%20OS%20DIREITOS%20CONQUISTADOS.PDF>. Acesso em: 2 jun. 19

FERNANDES, Valéria Diez Scarance. Lei Maria da Penha: o processo penal no caminho da efetividade. São Paulo: Atlas, 2015.

FERNANDES, Cláudio Fernandes. A crítica de Edmund Burke à Revolução Francesa. Mundo da educação, 2019. Disponível em: <https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/ historiageral/a-critica-edmund-burke-revolucao-francesa.htm>. Acesso em: 2 jun. 2019.

GALVÃO, Instituto Patrícia. A não-violência contra a mulher, um assunto que não pode esperar.  2010.  Disponível em: <http://fumus-bonijuris.blogspot.com.br/2010_12_01 _archive.html>. Acesso em: 02 jun. 2019.

GRECO, Rogério. Código penal comentado. Niterói: Impetus, 2010.

LOPES, Bárbara Martins. Da violência sexual intra-matrimônio: entendendo o débito conjugal no mundo hodierno. In: Âmbito jurídico, Rio Grande, VIII, n. 21 de maio de 2005. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revis ta_artigos_leitura&artigo id=578>. Acesso em: 13 abr. 2019.

MARCÃO, Renato; GENTIL, Plínio. Crimes contra a dignidade sexual. São Paulo: Saraiva, 2015.

        MENDONÇA, Renata Mendonça. Violência doméstica: 5 obstáculos que mulheres enfrentam para denunciar. Revista BBC Brasil, São Paulo. 2015. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/12/151209_obstaculos_violencia_mulher_rm>. Acesso em: 13 abr. 2019.

         NOGUEIRA, Renzo Magno. A evolução da sociedade patriarcal e sua influência sobre a identidade feminina e a violência de gêneroRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23n. 537722 mar. 2018. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/48718>. Acesso em: 2 jun. 2019.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. vol. 5. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

        SOUZA. Lídia Cibele de. Estupro conjugal: conjunção carnal forçada do marido contra sua esposa sob o aval da figura do dever de coabitação. CENSI – Centro de ensino superior de Itabira curso de direito (2009). Disponível em: <http://www.trabalhosfeitos.com/ensaios/ MonografiaEstuproconjugal/699812.html>. Acesso em: 02 jun. 2019.

TEIXEIRA, Ivânia. (Im)possibilidade jurídica de configuração do crime de estupro na relação conjugal. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 28 abr. 2015. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.53329&seo=1>. Acesso em: 13 abr. 2019.

VASCONCELLOS, Elen Cristiane Guida. Aspectos médico-legais do estupro: perícia. Jusnavegandi, Publicado em 04 mai. de 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/ 18854/aspectos-medico-legais-do-estupro-pericia>. Acesso em: 13 abr. 2019.

       


[1] Acadêmica de Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco.

[2] Graduado em Direito pela Faculdade de Alagoas; Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina; Especialista e Mestre em Psicanálise Aplicada à Educação e a Saúde pela UNIDERC/ANCHIETA; Mestre em Ciências da Educação pela Universidad de Desarrollo Sustentable; Conciliador do Tribunal de Justiça de Alagoas; Advogado; Professor de Direito.

Sobre os autores
Leonardo Barreto Ferraz Gominho

Graduado em Direito pela Faculdade de Alagoas (2007); Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2010); Especialista e Mestre em Psicanálise Aplicada à Educação e a Saúde pela UNIDERC/Anchieta (2013); Mestre em Ciências da Educação pela Universidad de Desarrollo Sustentable (2017); Foi Assessor de Juiz da Vara Cível / Sucessões da Comarca de Maceió/AL - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Foi Assessor do Juiz da Vara Agrária de Alagoas - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Conciliador do Tribunal de Justiça de Alagoas. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito das Obrigações, das Famílias, das Sucessões, além de dominar Conciliações e Mediações. Advogado. Professor da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Professor e Orientador do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Responsável pelo quadro de estagiários vinculados ao Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF - CCMA/FACESF, em Floresta/PE, nos anos de 2015 e 2016. Responsável pelo Projeto de Extensão Cine Jurídico da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF, desde 2015. Chefe da Assessoria Jurídica do Município de Floresta/PE. Coautor do livro "Direito das Sucessões e Conciliação: teoria e prática da sucessão hereditária a partir do princípio da pluralidade das famílias". Maceió: EDUFAL, 2010. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico I: discutindo o direito por meio do cinema”. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821832; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito civil e direito processual civil”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821749; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821856. Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 02. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558019. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico II: discutindo o direito por meio do cinema”. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558002.

Juliane Silva Siqueira

Bacharela em Direito pela FACESF.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!