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O Direito Constitucional contemporâneo e o controle de constitucionalidade

Agenda 01/07/2019 às 19:18

O presente trabalho objetiva analisar, brevemente, a formação do direito constitucional contemporâneo, sua correlação com o Estado Democrático de Direito, e, por fim, a necessidade do controle de constitucionalidade.

1. Contextualização Histórica 

O direito constitucional evoluiu profunda e desafiadoramente nas últimas décadas, alterando a forma de pensar e praticar o direito.

A ideia de direito constitucional, como se conhece hoje, começou a ser construída há pouco mais de duzentos anos atrás, quando ocorreram as revoluções francesa e americana, pelas quais o povo rompeu com um sistema de autoritarismo e absolutismo e inaugurou a ideia de direitos fundamentais, conforme explica Barroso (2015).

A Revolução Francesa do século XVIII mudou o curso da história do mundo ocidental, com caráter universal, influenciou todo o mundo e mudou a face do Estado absolutista para um Estado liberal, além da sociedade que passou de feudal e aristocrática para burguesa. O povo foi o agente de mudança de sua própria história, o que se ilustra na queda da Bastilha. Já a Constituição dos Estados Unidos da América de 1776, fruto da revolução americana, foi assinada em 4 de julho, dia em que se oficializou a independência das treze colônias, a superação do modelo monárquico e a implantação de um governo constitucional, fundado na separação dos poderes, na igualdade e na supremacia da lei (BARROSO, 2015, p.41).

Mas vale ressaltar que a ideia de limitação do poder estatal já estava presente na estrutura das cidades gregas e, ainda, na Inglaterra do século XIII, quando a Magna Carta foi imposta ao Rei João Sem Terra.

No século XIX assistimos o Estado moderno se consolidar em Estado de Direito, cujas primeiras constituições escritas tinham como núcleo normas de estruturação e limitação do poder. A ideia de Democracia só se desenvolveu mais adiante, quando discutida a ideia de legitimidade do poder e representação política:

“Apenas quando já se avançava no século XX é que seriam completados os termos da complexa equação que traz como resultado o Estado Democrático de Direito: quem decide (fonte do poder), como decide (procedimento adequado) e o que pode e não pode ser decidido (conteúdo das obrigações negativas e positivas dos órgãos de poder).” (BARROSO, 2015, p. 65).

Acrescenta Barroso (2015) que, apesar das discussões filosóficas, podemos afirmar que o Estado de Direito o é em sentido formal quando há qualquer tipo de ordem legal cujos preceitos materiais e procedimentais sejam aplicados aos órgãos de poder e também aos particulares, considerando que há, nesta lei, legitimidade e justiça. Quanto à democracia, também há que se verificá-la em sentido predominantemente formal, considerando a ideia de governo da maioria e de respeito aos direitos individuais; sobre o sentido material, Barroso destaca a necessidade de o governo de todos alcançar as minorias de fato e, também, setores da sociedade que, apesar de não serem minoria, carecem de expressão política, como as mulheres e os pobres em diversos países. Conclui o constitucionalista:

Para a realização da democracia nessa dimensão mais profunda, impõe-se ao Estado não apenas o respeito aos direitos individuais, mas igualmente a promoção de outros direitos fundamentais, de conteúdo social, necessários ao estabelecimento de patamares mínimos de igualdade material, sem a qual não existe vida digna nem é possível o desfrute efetivo da liberdade.” (BARROSO, 2015, p. 66).

2. A Constituição Moderna

Nascida de berço revolucionário, a Constituição moderna vem com a pretensão de influenciar e organização a ordenação das instituições, atuando em favor do processo civilizatório:

Ela tem por finalidade conservar as conquistas incorporadas ao patrimônio da humanidade e avançar na direção de bens e valores jurídicos socialmente desejáveis e ainda não alcançados. Como qualquer ramo do Direito, o direito constitucional tem possibilidades e limites. Mais do que em outros domínios, nele se expressa a tensão entre norma e realidade social. No particular, é preciso resistir a duas disfunções: (i) a da Constituição que se limita a reproduzir a realidade subjacente, isto é, as relações de poder e riqueza vigentes na sociedade, assim chancelando o status quo; e (ii) a do otimismo juridicizante, prisioneiro da ficção de que a norma pode tudo e da ambição de salvar o mundo com papel e tinta. O erro na determinação desse ponto de equilíbrio pode gerar um direito constitucional vazio de normatividade ou desprendido da vida real. (BARROSO, 2015, p. 70).

Para Manoel Gonçalves Ferreira e Silva (2011, p. 30), a ideia de Constituição como Lei Fundamental surgiu com o propósito de limitar o poder, hierarquizando as leis e definindo as estruturas do Estado, e nesse mesmo tempo o homem se percebeu dotado de capacidade de alterar a organização política em que estava inserido para uma organização que, racionalmente, lhe parecesse mais correta e benéfica, e isso era possível mediante o estabelecimento de uma nova Constituição.

A constituição moderna, portanto, criou ou reconstruiu o conceito de Estado, formulando um sistema que tem por essência a limitação do poder e a supremacia da lei. São três formas de limitação de poder instituídas: primeiro as limitações materiais, que são valores e direitos fundamentais que devem ser preservados, como a justiça, a dignidade da pessoa humana; segundo é a estrutura orgânica do governo, que atribui as funções básicas do governo, legislar, administrar e julgar, à órgãos específicos e cria métodos de controle entre eles; terceiro são as limitações processuais, que condicionam a atuação dos órgãos de governo a conformidade com o devido processo legal.

Segundo Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, “o conceito material de Constituição, portanto, segue a inteligência sobre o papel essencial do Direito e do Estado na vida das relações em uma comunidade” (2017, p. 68). Logo, a nova constituição seria formada pelas regras de organização e separação dos poderes, sendo a imagem do Estado quanto a sua estrutura, e também seria composta pelos direitos fundamentais, nos quais pode ser vista como efígie da sociedade. “Espelhando-a, exibem tais direitos uma extrema complexidade, por retratarem os fatores sociais do poder, sujeitos a constantes variações, das quais recebem um certo grau de relevância interpretativa.” (BONAVIDES, 2012, p. 621).

Entretanto, devemos acrescentar que transição para o modelo de normas programáticas, que impõem ao Estado a obrigação de garantir a efetivação de direitos e garantias para os cidadãos, agrava questionamento acerca da eficácia da norma constitucional, pois a norma programática não possui aplicabilidade imediata. Mas isso não muda o caráter da norma fundamental e muito menos desobriga os intérpretes e aplicadores da lei de aplicá-la, como demonstra Bonavides:

Atribuindo-se eficácia vinculante à norma programática, pouco importa que a Constituição esteja ou não repleta de proposições desse teor, ou seja, de regras relativas a futuros comportamentos estatais. O cumprimento dos cânones constitucionais pela ordem jurídica terá dado um largo passo a frente. Já não será fácil com respeito a constituição tergiversar-lhe a aplicabilidade e eficácia das normas como os juristas abraçados à tese antinormativa, os quais, alegando programicidade de conteúdo, costumam evadir-se ao cumprimento ou observância de regras e princípios constitucionais.(2012, p. 245.)

2.1  Teorias Sobre a Constituição

 

Em 1864, Ferdinand Lassalle publicou seu livro “O que é uma constituição?”, fruto de um discurso que havia ministrado em Berlim em 1862, que deu início ao que se denomina sociologismo constitucional. Em seu trabalho, Lassalle demonstra como as pessoas na época não sabiam o verdadeiro significado e valor da constituição, e ainda hoje tal questão não se encontra completamente resolvida. Para Lassalle, as questões constitucionais são mais políticas que jurídicas, segundo o autor havia a constituição escrita, o documento, e a constituição real, que eram os valores que de fato regiam a sociedade, expressos pelos fatores de poder dominantes; a capacidade da constituição escrita estava limitada a sua compatibilidade com a constituição real, e, se verificado conflito, a constituição escrita sucumbiria a constituição real, tendo em vista a força dos fatores de poder dominantes:

De nada serve o que se escreve em uma folha de papel, se não se ajusta à realidade, aos fatores reais e efetivos de poder. Como aquela folha de papel que leva a data de 5 de dezembro de 1848, o rei, espontaneamente, concordava com um grande número de concessões, mas todas elas chocavam contra a Constituição real, isto é, contra os fatores reais de poder que o rei seguia tendo, íntegros, em suas mãos. E com a mesma imperiosa necessidade, a qual envolve a lei de gravidade, tinha que ocorrer o que ocorreu que a Constituição real fosse abrindo caminho, passo a passo, até se impor à Constituição escrita. (1933, Locais do Kindle 746-753).

Em sentido contrário temos Hans Kelsen e Konrad Hesse. Barroso (2015) descreve a concepção estritamente jurídica da constituição, lei suprema do Estado, pela qual Kelsen, seu mais renomado defensor, busca um tratamento científico e objetivo para o Direito, pelo qual o Direito seria livre de concepções filosóficas, sociais, políticas ou de quaisquer outras ciências:

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Nessa dissociação das outras ciências, da política e do mundo dos fatos, Kelsen concebeu a Constituição (e o próprio Direito) como uma estrutura formal, cuja nota era o caráter normativo, a prescrição de um dever-ser, independente da legitimidade ou justiça de seu conteúdo e da realidade política subjacente. (2015, p.104).

Konrad Hesse (1991, p. 11), já em 1959, argumenta em seu livro A força normativa da constituição, que a teoria de Lassalle nega a própria essência da Constituição Jurídica e seu valor enquanto ciência jurídica.

Para Hesse (1991), a constituição não pode somente ser um reflexo da sociedade e do poder em vigência, mas a constituição vem para imprimir ordem e conformação à realidade política e social:

Mas, — esse aspecto afigura-se decisivo — a pretensão de eficácia de uma norma constitucional não se confunde com as condições de sua realização; a pretensão de eficácia associa-se a essas condições como elemento autônomo. A Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas também de um dever ser; ela significa mais do que o simples reflexo das condições fáticas de sua vigênçia, particularmente as forças sociais e políticas. Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social. Determinada pela realidade social e, ao mesmo tempo, determinante em relação a ela, não se pode definir como fundamental nem a pura normatividade, nem a simples eficácia das condições sócio-políticas e econômicas. A força condicionante da realidade e a normatividade da Constituição podem ser diferençadas; elas não podem, todavia, ser definitivamente separadas ou confundidas. (1991, p. 15)

Segundo Hesse (1991), a norma constitucional encontra êxito quando busca construir um futuro melhor baseado na natureza singular do presente, mais especificamente das necessidades do presente. Em outras palavras:

A força vital e a eficácia da Constituição assentam-se na sua vinculação às forças espontâneas e às tendências dominantes do seu tempo, o que possibilita o seu desenvolvimento e a sua ordenação objetiva. (...) Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo; pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes na consciência geral — particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional —, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung). (1991, p. 18-19)

Portanto, a constituição possui força normativa quando, além de incluir os elementos sociais, políticos e econômicos, esteja em consonância com o estado espiritual do seu tempo, fator que lhe assegura apoio e defesa da consciência geral.

É importante salientar também que a constituição deve guardar a capacidade de se adaptar-se a evolução das relações, mantendo um núcleo de princípios que resguardem a sua natureza, evitando, entretanto, se associar a interesses efêmeros ou demasiado particulares.

Por fim, Hesse pondera como a constituição deve ser para preservar-se e manter a força normativa:

Finalmente, a Constituição não deve assentar-se numa estrutura unilateral, se quiser preservar a sua força normativa num mundo em processo de permanente mudança político-social. Se pretende preservar a força normativa dos seus princípios fundamentais, deve ela incorporar, mediante meticulosa ponderação, parte da estrutura contrária. Direitos fundamentais não podem existir sem deveres, a divisão de poderes há de pressupor a possibilidade de concentração de poder, o federalismo não pode subsistir sem uma certa dose de unitarismo. Se a Constituição tentasse concretizar um desses princípios de forma absolutamente pura, ter-se-ia de constatar, inevitavelmente — no mais tardar em momento de acentuada crise — que ela ultrapassou os limites de sua força normativa. A realidade haveria de pôr termo à sua normatividade; os princípios que ela buscava concretizar estariam irremediavelmente derrogados. (1991, p. 20-21).

3. A Formação do Estado Constitucional de Direito

 

Considerando a evolução histórica brevemente traçada, podemos dissertar também sobre a consequente formação do Estado Constitucional de Direito, também identificado como Estado Democrático de Direito.

A configuração do Estado Constitucional de Direito se deu no século XIX, como consequência das revoluções ocorridas na Europa dos séculos XVIII, antes se reconhece um modelo pré-moderno de Estado. Assim, Barroso (2015, p. 277) identifica na história dos últimos quinhentos anos do mundo ocidental, três modelos institucionais: o Estado pré-moderno, o Estado legislativo de direito e o Estado constitucional de direito.

Ainda segundo Barroso (2015, p. 278-279) o Estado pré-moderno é anterior a legalidade, possuindo pluralidade de fontes normativas e era fundamentado em uma natureza jusnaturalista. Em sentido contrário, o Estado legislativo de direito conheceu o princípio da legalidade e monopolizou a produção normativa, baseando-se na teoria positivista. Já o Estado constitucional de direito se desenvolveu a partir do fim da Segunda Guerra Mundial e se caracteriza pela subordinação da legalidade a uma constituição rígida, pela qual a validade das leis agora se vincula não somente a formalidade da produção, mas também a compatibilidade de seu conteúdo com o texto constitucional. Mais ainda, no Estado constitucional de direito além de impor limites à atuação do legislador e do administrador público, ela também determina deveres de atuação.

Vale acrescentar aqui a formatação que Barroso utilizou para demonstrar, de forma resumida, a evolução do direito constitucional sob três pontos de vista: histórico, filosófico e teórico.

3.1        Histórico

 

O novo direito constitucional, ou neoconstitucionalismo, foi concebido na segunda metade do século XX, um momento de pós-guerra e de reconstitucionalização dos países. Houve o reconhecimento da força normativa da constituição, realocando-a para o topo das normas jurídicas. No Brasil, promulgou-se a Constituição de 1988, responsável pela transição do regime autoritário para o Estado democrático de direito.

3.2        Filosófico

 

O novo direito constitucional nasceu do pós-positivismo. As correntes de pensamento anteriores eram o positivismo e o jusnaturalismo, superados por um modelo difuso e abrangente de ideias que introduz no positivismo a justiça e a legitimidade, e que reconhece a proximidade do Direito com a moral e a política.

Durante a visão positivista, existia o entendimento que na constituição se concentravam principalmente e de forma central as normas organizacionais do estado, tal visão resultou no tradicional princípio da separação de poderes do estado. Para Bonavides, “tratar a Constituição exclusivamente como lei é de todo impossível. Constituição é lei, sim, mas é sobretudo direito, tal como reconhece a teoria material da Constituição” (2012, p. 617).

Ainda na concepção de Barroso:

“a doutrina pós-positivista se inspira na revalorização da razão prática, na teoria da justiça e na legitimação democrática. Nesse contexto, busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral da Constituição e das leis, mas sem recorrer a categorias metafísicas.” (2015, p. 283).

Dentre as ideias que foram assimiladas pelo pós-positivismo, podemos destacar: reconhecimento dos valores como parte interpretação jurídica, o reconhecimento da normatividade dos princípios, a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica, a formação de uma nova hermenêutica e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais com base na dignidade da pessoa humana. (BARROSO, 2015, P.283)

3.3        Teórico

 

No plano teórico, encontramos três grandes transformações que modificaram profundamente o direito constitucional para dar origem ao que conhecemos como neoconstitucionalismo:

a) A força normativa da constituição: a norma constitucional recebeu nesse momento o status de norma jurídica, deixando para trás a ideia de documento essencialmente político, para ter um caráter vinculativo e obrigatório.

b) A expansão da jurisdição constitucional: o modelo americano de supremacia da constituição foi amplamente adotado. A fórmula envolvia a constitucionalização dos direitos fundamentais, agora protegidos de ações políticas danosas, e sua proteção foi delegada ao Judiciário, o que resultou na criação do controle de constitucionalidade.

Bonavides (2012, p. 622-623) afirma que no período do velho Direito Constitucional a tensão se concentrava no domínio da separação dos poderes, resultante das épocas de absolutismo, com o advento do novo Direito Constitucional, a tensão foi transportada para a esfera dos direitos fundamentais, nas relações dos cidadãos com o Estado; com essa transição surge a necessidade de aperfeiçoar o sistema para proporcionar aplicabilidade a esses direitos.

c) a reelaboração doutrinária da interpretação constitucional: foi necessário reformular a hermenêutica constitucional, tendo em vista a ampliação das demandas por justiça, a complexidade das relações contemporâneas e a necessidade de preservação de promoção dos direitos fundamentais.

Até meados do fim da Segunda Guerra, na França, a constituição era vista, ainda, como um texto vago, que era formado muito mais por ideias do que por direitos, o que implica no emprego de métodos de interpretação distintos dos métodos aplicados as leis convencionais. A partir de então, se dá o reconhecimento da dimensão objetiva dos direitos fundamentais e o desenvolvimento de uma hermenêutica voltada para a concretização das normas constitucionais e dos direitos fundamentais. A nova hermenêutica é uma das principais conquistas do novo direito constitucional, pois segundo Bonavides “Os direitos fundamentais, em rigor, não se interpretam; concretizam-se” (2012, pag. 628).

Bonavides, em conformidade com que já estudamos, enumera como resultados conquistados para o constitucionalismo pela nova hermenêutica:

A criação cientifica de um novo direito constitucional, ou, pelo menos, a reconstrução desse ramo da ciência jurídica; a formação de uma teoria material da Constituição, fora dos quadros conceituais do jusnaturalismo e das rígidas limitações do positivismo formalista (...); a elaboração de duas novas teorias hermenêuticas: uma de interpretação da Constituição, mais ampla, e outra de interpretação dos direitos fundamentais, mais restrita, ambas, porém, originais e autônomas; a introdução do princípio da proporcionalidade no direito constitucional, ampliando avassaladoramente a esfera de incidência desse ramo da ciência do direito, sobretudo no sentido de proteção mais eficaz dos direitos fundamentais perante o Estado; o reconhecimento da eficácia normativa dos princípios gerais de direito, convertidos doravante em princípios constitucionais e, portanto, erguidos do seu grau de subsidiariedade interpretativa nos Códigos até o topo da hierarquia normativa do sistema jurídico; (...) a expansão normativa do Direito Constitucional tão a todos os ramos do direito, acompanhada de uma afirmação definitiva de superioridade hierárquica, e, finalmente, a tese vitoriosa de que a Constituição é direito, e não ideia ou mero capítulo da Ciência Política (...) (2012, p. 618-619).

3.4        O Neoconstitucionalismo

 

As referidas mudanças resultaram no que denominamos, hoje, de neoconstitucionalismo. Tal denominação é de fato recente e não se trata de um pensamento uníssono de todos teóricos, mas podemos defini-lo, nas palavras de Pedro Lenza (2014, p.73), como resultado da necessidade de uma Constituição com normas eficazes, ele marca a transição de uma Constituição basicamente limitadora do Poder Político, de texto retórico, para uma Constituição planejada para ser efetiva, principalmente em se tratando de Direitos Fundamentais.

Bem como sintetizam Mendes e Branco:

O instante atual é marcado pela superioridade da Constituição, a que se subordinam todos os poderes por ela constituídos, garantida por mecanismos jurisdicionais de controle de constitucionalidade. A Constituição, além disso, se caracteriza pela absorção de valores morais e políticos (fenômeno por vezes designado como materialização da Constituição), sobretudo em um sistema de direitos fundamentais autoaplicáveis. Tudo isso sem prejuízo de se continuar a afirmar a ideia de que o poder deriva do povo, que se manifesta ordinariamente por seus representantes. (2017, p. 65)

4  O Constitucionalismo e a Democracia

 

A consagração do Brasil como uma nação organizada sobre um sistema institucional de Estado Democrático de Direito se deu no artigo primeiro da nossa Constituição Federal. Tal formação é nascida da união de dois conceitos, conforme descreve Barroso: constitucionalismo e democracia. “Constitucionalismo significa, em essência, limitação do poder e supremacia da lei (Estado de direito, rule of law, Rechtssaat). Democracia, por sua vez, em aproximação sumária, traduz-se em soberania popular e governo da maioria.” (BARROSO, 2015, p.112-113). Esses conceitos se complementam na busca pela efetivação dos direitos fundamentais, desenvolvimento econômico e justiça e bem-estar social, objetivos da era moderna.

Para José Afonso da Silva, “a democracia, como realização de valores (igualdade, liberdade e dignidade da pessoa) de convivência humana, é um conceito mais abrangente do que o de Estado de Direito, que surgiu como expressão jurídica da democracia liberal” (2005, p.112). O jurista vai ainda mais longe e defende que, na atualidade, o Estado teve que, se ao reconhecer as insuficiências do modelo liberal em atender as demandas de justiça social, transformar-se em Estado Social de Direito, o qual se caracteriza por tentar compatibilizar os elementos do capitalismo e da consecução do bem estar geral (SILVA, 2005, p. 115).

José Afonso da Silva (2005, p. 122) enumera os princípios que caracterizam o Estado Democrático de Direito: a) princípio da constitucionalidade; b) princípio democrático; c) sistema de direitos fundamentais; d) princípio da justiça social; e) princípio da igualdade; f) princípios da divisão de poderes e da independência do juiz; g) princípio da legalidade; e h) princípio da segurança jurídica.

Não obstante o fim comum, a democracia e o constitucionalismo podem entrar em conflito em situações de fato, tendo em vista que a vontade da maioria eventualmente pode encontrar limitações materiais e até mesmo processuais na Constituição. Esse conflito converge em ideias que questionam o fundamento democrático do constitucionalismo e levam a uma paulatina atuação para harmonização da existência da constituição com a liberdade própria das decisões dos representantes eleitos.

Também nessa linha, Mendes e Branco defendem que o neoconstitucionalismo gera um que o processo natural de judicialização de questões sociais e políticas, o que ocasiona limitações na atuação do legislador:

Como cabe à jurisdição constitucional a última palavra na interpretação da Constituição, que se apresenta agora repleta de valores impositivos para todos os órgãos estatais, não surpreende que o juiz constitucional assuma parcela de mais considerável poder sobre as deliberações políticas de órgãos de cunho representativo. Com a materialização da Constituição, postulados ético-morais ganham vinculatividade jurídica e passam a ser objeto de definição pelos juízes constitucionais, que nem sempre dispõem, para essa tarefa, de critérios de fundamentação objetivos, preestabelecidos no próprio sistema jurídico. (2017, p. 65)

Para as questões geradas a partir dos referidos conflitos, Barroso traz um resumo do que a doutrina contemporânea defende:

A Constituição de um Estado democrático tem duas funções principais. Em primeiro, compete a ela veicular consensos mínimos, essenciais para a dignidade das pessoas e para o funcionamento do regime democrático, e que não devem poder ser afetadas por maiores políticas ocasionais. Esses consensos elementares, embora possam variar em função das circunstâncias políticas, sociais e históricas de cada país, envolvem a garantia de direitos fundamentais, a separação e a organização dos Poderes constituídos e a fixação de determinados fins de natureza política ou valorativa. Em segundo lugar, cabe à Constituição garantir o espaço próprio do pluralismo político, assegurando o funcionamento adequado dos mecanismos democráticos. A participação popular, os meios de comunicação social, a opinião pública, as demandas dos grupos de pressão e dos movimentos sociais imprimem à política e à legislação uma dinâmica própria e exigem representatividade e legitimidade corrente do poder. Há um conjunto de decisões que não podem ser subtraídas dos órgãos eleitos pelo povo a cada momento histórico. A Constituição não pode, não deve e nem tem a pretensão de suprimir a deliberação legislativa majoritária. (2015, p.113-114).

As ideias acima expressas, não só possuem caráter doutrinário, como também estão positivadas no direito brasileiro na Constituição Federal de 1988, que faz menção expressa ao princípio democrático e majoritário (art. 1º, caput e parágrafo único), define o pluralismo político como princípio (art. 1º, V) e distribui competências entre os poderes e órgãos públicos (arts. 44 e ss.). Ademais, nossa Constituição determina em seu art. 60, §4º, normas fundamentais intangíveis, que não poderão ser alteradas nem por emenda constitucional e, em seguida, estabelece as regras do procedimento especial de emenda a Constituição.

Por fim, Barroso sistematiza os objetivos últimos da Constituição moderna:

No mundo moderno, sem embargo dos múltiplos modelos constitucionais que podem ser adotados, os objetivos últimos da Constituição podem ser assim sistematizados: a) institucionalizar um Estado democrático de direito, fundado na soberania popular e na limitação de poder; b) assegurar o respeito aos direitos fundamentais, inclusive e especialmente os das minorias políticas; c) contribuir para o desenvolvimento econômico e para a justiça social; d) prover mecanismos que garantam a boa administração, com racionalidade e transparência nos processos de tomada de decisão, de modo a propiciar governos eficientes e probos. (2015, p. 115).

5.  Da necessidade do controle de constitucionalidade

 

Com a construção do Estado constitucional de direito e as consequentes elevação da Constituição a um status de superioridade em relação às outras normas e limitação e vinculação dos poderes ao conteúdo das normas constitucionais, verificou-se a crescimento da necessidade de se implantar o que Mendes e Branco chamam de Justiça Constitucional:

A Justiça Constitucional, em que se viam escassos motivos de perigo para a democracia, passou a ser o instrumento de proteção da Constituição – que, agora, logra desfrutar de efetiva força de norma superior do ordenamento jurídico, resguardada por mecanismo jurídico de censura dos atos que a desrespeitem. A Justiça constitucional se alastrou pela Europa, na medida em que os seus países se democratizaram. Foi acolhida em Portugal e na Espanha, nos anos 1970. Com a queda do comunismo, foi igualmente recebida nas antigas ditaduras do Leste europeu. Não se tolera a produção de norma contrária à Constituição, porque isso seria usurpar a competência do poder constituinte. Este, sim, passa a ser a voz primeira do povo, condicionante das ações dos poderes por ele constituídos. A Constituição assume o seu valor mais alto por sua origem – por ser o fruto do poder constituinte originário. (2017, p. 60-61)

José Afonso da Silva aponta a necessidade do controle de constitucionalidade em virtude da supremacia da norma constitucional em relação às demais regras:

“Essa conformidade com os ditames constitucionais, agora, não se satisfaz apenas com a atuação positiva de acordo com a constituição. Exige mais, pois omitir a aplicação de normas constitucionais, quando a Constituição assim a determina, também constitui conduta inconstitucional.” (2005, p. 46)

A Constituição moderna, conforme já expomos anteriormente, tem a guarda de importantes valores para a sociedade, em relação à organização do estado e a direitos e garantias fundamentais, e, por isso, guarda na sua essência a estabilidade e racionalização do poder e de garantias dos direitos fundamentais, essenciais para a manutenção da democracia. Todavia, expõem Mendes e Branco que “não se trata, à evidência, de um sistema isento de lacunas. E, de certo modo, é essa ausência de regulamentação minudente que assegura a abertura constitucional (Offenheit) necessária ao amplo desenvolvimento do processo político.” (2017, p. 935).

O controle de constitucionalidade se trata, portanto, dos mecanismos para análise da conformidade de leis e atos normativos em relação à Constituição Federal, especialmente quanto ao caráter normativo e valorativo, e da consequente anulação ou manutenção da norma no ordenamento nacional (MENDES et al, 2017, p. 935).

A não conformidade da lei ou ato normativo pode se dar por vícios no âmbito formal ou material. Os vícios formais estão relacionados à formação do ato normativo quanto aos procedimentos estabelecidos para sua criação. Já os vícios materiais dizem respeito ao conteúdo ou ao aspecto substantivo do ato normativo, caracterizando um conflito com normas constitucionais. Os vícios materiais tendem a ser a maior problemática relacionada ao controle de constitucionalidade, segundo Mendes e Branco, porque envolvem a análise de um possível desvio ou excesso de poder por parte do Legislativo:

Cuida-se de aferir a compatibilidade da lei com os fins constitucionalmente previstos ou de constatar a observância do princípio da proporcionalidade, isto é, de se proceder à censura sobre a adequação e a necessidade do ato legislativo. O excesso de poder como manifestação de inconstitucionalidade configura afirmação da censura judicial no âmbito da discricionariedade legislativa ou, como assente na doutrina alemã, na esfera de liberdade de conformação do legislador (gesetzgeberische Gestaltungsfreiheit). Como se vê, a inconstitucionalidade por excesso de poder legislativo introduz delicada questão relativa aos limites funcionais da jurisdição constitucional. Não se trata, propriamente, de sindicar os motivos internos da vontade do legislador (motivi interiori della volizione legislativa). Também não se cuida de investigar, exclusivamente, a finalidade da lei, invadindo seara reservada ao Poder Legislativo. Isso envolveria o próprio mérito do ato legislativo. (2017, 947-948).

Vale acrescentar aqui uma breve colocação sobre a classificação do controle de constitucionalidade quanto ao modo ou forma e quanto ao momento do controle.

Quanto à forma de controle, a doutrina majoritária entende que ela pode ser incidental ou principal. No controle incidental, também referido como difuso, a inconstitucionalidade é arguida no contexto de um processo judicial, figurando como incidente. Por outro lado, o controle principal ou concentrado possui a inconstitucionalidade seja verificada em uma ação autônoma, com procedimento especifico para tal (MENDES et al, p. 938-939).

No Brasil, adotou-se um controle misto em relação à forma. Segundo Mendes e Branco:

Em geral, nos modelos mistos defere -se aos órgãos ordinários do Poder Judiciário o poder-dever de afastar a aplicação da lei nas ações e processos judiciais, mas se reconhece a determinado órgão de cúpula – Tribunal Supremo ou Corte Constitucional – a competência para proferir decisões em determinadas ações de perfil abstrato ou concentrado. (2017, p. 941)

Quanto ao momento do controle, classifica-se como preventivo ou repressivo sucessivo. Nas palavras de Mendes e Branco (2017, p. 939), o controle preventivo acontece antes do aperfeiçoamento do ato normativo; no Brasil, admite-se o controle preventivo pelas Comissões de Constituição e Justiça, pelo veto presidencial e, ainda, por meio de mandato de segurança impetrado por parlamentar para impedir a tramitação de projeto de emenda constitucional que lesione as cláusulas pétreas da Constituição Federal. Contudo, o sistema brasileiro tem como regra o controle repressivo, que acontece após a entrada em vigor da norma constitucional.

Ainda quanto ao controle de constitucionalidade no Direito Brasileiro, podemos acrescentar as palavras de Talon:

A intensificação dos mecanismos de controle concentrado de constitucionalidade, sobretudo pela ampliação das ações de controle abstrato e pelo aumento do rol de legitimados, possibilitou maior margem de atuação do Judiciário no contexto social, extrapolando a mera esfera jurídica e alcançando searas de cunho até então exclusivo da política. (2016, Locais do Kindle 64-68)

Cabe também destacar, que o controle de constitucionalidade inevitavelmente irá esbarrar em questões políticas, tendo em vista o caráter da norma constitucional, com forte viés principiológico, abre margem para interpretações diversas. Resta, portanto, que o juiz, quando diante de situações de tratem do controle de constitucionalidade de norma que induza a mais de uma interpretação, obedeça ao chamado e trate o caso com a melhor hermenêutica possível, considerando a supremacia da Constituição e prezando pela efetivação da norma constitucional e concretização dos direitos fundamentais (Talon, 2016, Locais do Kindle 847).

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