RESUMO
Este trabalho examina e discute a respeito da redução da maioridade penal no Brasil, sendo tal tema, alvo de grandes polêmicas na seara social e jurídica. Vários fatores, tais como o aumento da participação da população infantojuvenil em crimes, que, por conta da facilidade de circulação de informações, muitas vezes distorcidas, circulam nos meios de comunicação, influenciando na formação da opinião pública, fazendo com que a sociedade clame pela redução da maioridade penal. O trabalho ora apresentado buscou se preocupar em demonstrar a possibilidade jurídica em reduzir a maioridade penal, abordando a evolução histórica do papel da criança e do adolescente no Brasil, a importância dos artigos constitucionais e as leis pertinentes a tal matéria, principalmente com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente.
PALAVRAS-CHAVES: maioridade penal – redução – legislação – criança – adolescente.
ABSTRACT
This paper examines and discusses about the reduction of legal age in Brazil, being such a theme, big controversial target on social and legal harvest. Several factors such as the increased participation of the infant-juvenile population in crimes, which, due to the information of ease of movement, often distorted, circulating in the media, influencing the formation of public opinion, causing the cry society by reduction of legal age. The work presented here sought to worry about showing the legal possibility to reduce the legal age by addressing the historical evolution of the role of children and adolescents in Brazil, the importance of constitutional articles and the relevant laws in such matters, especially with the advent of Child and Adolescent Statute.
KEYWORDS: legal age - reduction - legislation - child - teenager.
1 - INTRODUÇÃO
A discussão da redução da maioridade penal no Brasil é visto como um tema polêmico e contemporâneo, envolvendo relevantes segmentos da sociedade, principalmente na seara jurídica e social.
A Constituição Federal do Brasil de 1988 em conjunto com o Estatuto da Criança e do Adolescente, asseguram às crianças e aos adolescentes, garantias especiais e inúmeros benefícios, garantindo a estes, o status de sujeitos de direitos.
Além do princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o ECA tem seus princípios específicos, podendo ser considerado como principal, o princípio da Prioridade Absoluta, previsto no art. 227 da Constituição Federal de 1988, e no caput do art. 4º do ECA, que diz:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Vários argumentos são apresentados na intenção de reduzir a maioridade penal em nosso país, todavia, correntes que defendem a preservação da idade de imputabilidade mínima de 18 anos, atacam com substancias fundamentos tais argumentos.
Conforme o art. 103 do ECA, será considerado ato infracional, a conduta descrita como crime ou contravenção penal. O art. 104 do ECA prevê:
Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.
O presente trabalho traz como tema “A redução da maioridade penal” tendo como objetivo fazer um estudo sobre a (im)possibilidade e as vantagens e desvantagens ao diminuir a maioridade penal.
Este trabalho monográfico encontra-se dividido em cinco capítulos, tendo como capítulo inicial esta introdução que prioriza demonstrar ao leitor os pontos que serão estudados.
No segundo capítulo será tratado da evolução histórica dos direitos da criança e do adolescente no Brasil.
No terceiro capítulo é feito um estudo aprofundado no Estatuto da Criança e do Adolescente, apresentando os benefícios trazidos com seu advento, enfocando os atos infracionais, as medidas de proteção e as medidas sócio-educativas aplicadas. O quarto capítulo trata da imputabilidade penal no Brasil, abordando a incapacidade absoluta, a incapacidade relativa e a maioridade penal no direito comparado.
O quinto capítulo traça um paralelo entre as correntes favoráveis e contrárias à redução da maioridade penal, demonstrando a opinião de doutrinadores e os principais argumentos defendidos por tais correntes. O trabalho será finalizado com uma explanação ao Projeto de Emenda Constitucional 171/1993, que modifica a redação do artigo 228 da Constituição Federal, reduzindo a maioridade penal para os 16 anos.
2 - HISTORICIDADE DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO BRASIL
O Brasil Império, datado entre os anos de 1822 e 1899, teve como base a monarquia parlamentar constitucional como sistema político.
Neste período, eclodiu a preocupação com os infratores – menores ou não – havendo a necessidade de se utilizar uma política repressiva, dando surgimento à Lei Penal do Império, o Código Criminal de 1830.
RIZZINI (2002, p. 09) assim assevera sobre o Código Criminal de 1830:
Em termos históricos, esta lei pode ser considerada como um grande avanço, pois até então vigoravam as Ordenações do Reino de Portugal, cujas medidas punitiva foram abolidas por serem consideradas bárbaras. Antes de 1830, crianças e jovens eram severamente punidos, sem maior discriminação em relação aos delinqüentes adultos.
O Código Penal do Império consideravam inimputáveis os menores de 14 anos, ademais, se houvesse discernimento para os menores na faixa dos 07 aos 14 anos, esses poderiam ser encaminhados para as casas de correção, podendo vir a permanecer até completar 17 anos de idade.
No Século XVIII na Europa, inicio-se um movimento de abandono das crianças e adolescentes, movimento este estendendo ao Brasil neste mesmo período, onde, a solução para tal problema foi através da Roda dos Expostos – mecanismo importado do continente europeu no século XIX – mantidas pelas Santas Casas de Misericórdia.
VILAS-BÔAS (2012) assim relata sobre a Roda dos Expostos:
A Roda dos Expostos era constituída por um cilindro oco de madeira que girava em torno do próprio eixo com uma abertura em uma de suas faces, que era colocada em uma espécie de janela por onde eram depositadas os bebês. Dessa forma, protegia-se o anonimato das mães em detrimento desses filhos de conhecerem a sua origem biológica. Em nosso território nacional a concepção da Roda dos Expostos somente veio a ser abolida no ano de 1927 com o advento do Código de Menores. O que na realidade o Código de Menores veio a proibir foi a utilização dessas rodas, já que determinou a obrigatoriedade da entrega direta a uma pessoa dessas entidades. Ainda se preservava o anonimato dos pais da criança, mas se determinava a obrigatoriedade do registro da criança.
Pode-se verificar que as preocupações com os menores no Brasil Império se restringiam a crianças e adolescentes com determinadas características, como órfãos, enjeitados e delinquentes. O próximo seguinte apresentava maior importância na história da proteção e da assistência à infância e juventude no Brasil.
Nos anos 60, iniciou-se o período ditatorial militar, sendo este, um período que não propiciou a realização das medidas sugeridas pela Declaração dos Direitos das Crianças, sobretudo pela repressão rigorosa da denominada Política de Segurança Nacional.
Em 1964 foi instituída através da Lei N.º 4.513, de 1º de dezembro de 1964, a FUNABEM (Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor), tendo como objetivo formular e implantar a política nacional do bem-estar do menor, mediante o estudo do problema e planejamento das soluções, a orientação, coordenação e fiscalização das entidades que executem essa política.
A Lei N.º 6.697 elaborou o Código de Menores no ano de 1979, onde, tal instrumento tratava da assistência, proteção e vigilância a menores que se encontravam em situação “irregular”.
Passada o período de ditadura militar, em 1982 o Brasil iniciou um momento de atenção aos problemas relacionados aos menores, com ênfase nos “meninos de rua”.
A época era propícia para mobilizações populares, após vinte anos de silêncio. RIZZINI (2002, p. 75), assim se manifesta sobre tal período:
A época era propícia para mobilizações populares, após vinte anos de silêncio. Em relação à criança, a mais marcante das manifestações foi a concretização de um movimento nacional que passou a simbolizar a causa no país – o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua.
A década de 80 foi marcada pelo advento da Constituição de 1988, início da democracia que propiciou a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei N.º 8.069 de 13 de julho de 1990).
Foi buscando a democracia, com a queda de uma constituição voltada aos interesses do Estado, que surgiu a Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988, também conhecida como “Constituição cidadã”, repleta de questões voltadas à defesa dos direitos humanos de todos os cidadãos.
Esta constituição, em seu art. 227 declara:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Observa-se que o art. 227 da Constituição Federal de 1988 faz surgir a Doutrina da Proteção Integral em detrimento a situação irregular existente no Código de Menores de 1979.
A Constituição Federal de 1988 recepcionou o princípio da imputabilidade penal, presente no art. 27 do Código Penal Brasileiro de 1940, ao afirmar que os menores de dezoito anos são inimputáveis.
Vale ressaltar que, foi através das garantias relativas ao direito da criança e do adolescente contidas na Constituição Federal de 1988, que o Estatuto da Criança e do Adolescente originou-se.
3 - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
A Lei Federal N.º 8.069/90 criou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estabelecendo os benefícios à população infanto-juvenil no Brasil, garantindo o status de sujeitos de direitos à criança e ao adolescente, além de proporcionar o caráter protecionista integral a estes.
Além do princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o ECA tem seus princípios específicos, podendo ser considerado como principal, o princípio da Prioridade Absoluta, previsto no art. 227 da Constituição Federal de 1988, e no caput do art. 4º do ECA, que diz:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Com o advento ECA, despontaram-se várias melhorias para a criança e o adolescente, dentre elas, a formação dos Conselhos de Direitos e Tutelares e a participação do Poder Público e da sociedade organizada na implementação de políticas sociais voltadas ao público infanto-juvenil.
No entanto, o ECA traz as chamadas medidas protetivas, sendo estas, ações de caráter assistencial, impostas de forma isolada ou cumuladas à criança ou adolescente que se encontra em situação de risco ou quando pratica ato infracional. O art. 101 do ECA elenca tais medidas protetivas. Já o adolescente poderá ser submetido às medidas sócio-educativas, elencadas no art. 112 da mesma lei.
Vale ressaltar que as medidas protetivas contidas no art. 101 do ECA, não constituem rol taxativo, cabendo ao magistrado empregar outra medida que entender mais apropriada.
Conforme o art. 103 do ECA, será considerado ato infracional, a conduta descrita como crime ou contravenção penal. O art. 104 do ECA prevê:
Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.
Observa-se que, por ser inimputável, o menor de 18 anos não comete crime, mas ato infracional equiparado a crime, muito embora, terão tratamento legal diferenciado, sendo as medidas protetivas, aplicadas através do Conselho Tutelar, conforme prevê o art. 136, I do ECA.
O art. 112 do ECA, trata das medidas sócio-educativas aplicáveis aos adolescentes autores de atos infracionais, sendo este um rol taxativo, por via de consequência, é desautorizado a determinação de medidas diversas das enunciadas no artigo em tela.
A medida da liberdade assistida conforme reza o art. 118 do ECA, será instituída sempre que se mostrar a mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.
A autoridade competente nomeará pessoa capacitada para acompanhamento do caso, que poderá ser indicada por entidade ou programa de atendimento, sendo o prazo mínimo de seis meses, podendo em qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor, nos temos do § 2º do art. 118 do ECA.
4 - REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
A proposta de redução da maioridade penal no Brasil vem sendo alvo de grande discussão, envolvendo relevantes segmentos da sociedade, tais como, políticos, sociólogos, juristas, de modo que, o plano é reduzir de 18 anos para 16 anos a maioridade penal.
A insegurança que assola nosso país e principalmente a participação de menores nos crimes, faz com que uma parcela relevante da população clame pela criação de leis e penas mais severas para a os menores que praticam tais atos.
Décio Pimentel Gomes Sampaio Sales (2013, p. 43) faz a seguinte declaração sobre tal fato:
É até compreensível o pleito social, sobretudo diante da situação de insegurança sob a qual se tem vivido no país algum perigo. Algo que em adição à sede de Justiça, à impotência das vítimas e a outras questões na mesma ordem, fazem com que muitos pensam que a solução esteja no fator imediato da redução de dezoito anos para dezesseis anos de idade. Há até mesmo quem proponha para que a imputabilidade alcance os sujeitos a partir dos quatorze anos de idade.
Segundo Paulo Lúcio Nogueira (1998, p. 14) o crescimento da criminalidade infanto-juvenil, se deve a inúmeros fatores, como o crescimento da população, da miséria, do desemprego, a falta de instrução, a irresponsabilidade dos pais e responsáveis e o grande nível de carência de educação, elemento vital na formação de um povo.
Contudo, o que se pretende neste trabalho é propiciar um estudo sobre as possibilidades jurídicas de se realizar esta diminuição da idade penal no Brasil.
Existem vários argumentos utilizados pelos que prezam em manter a maioridade penal nos dezoito anos. O Princípio da Proteção Integral consubstanciado no artigo 227 da Constituição Federal é um destes fortes argumentos, onde, tal artigo assevera:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Segundo Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel (2015, p. 54) faz o seguinte comentário sobre tal princípio:
A Carta Constitucional de 1988, afastando a doutrina situação irregular, até então vigente, assegurou às crianças e adolescente, com absoluta prioridade, direito fundamentais, determinando à família, à sociedade e ao Estado o dever legal concorrente de assegurados.
Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel (2015, p. 55) ensina que a doutrina da situação irregular ocupou o cenário jurídico infantojuvenil por quase um século era restrita, limitando-se a tratar dos que se enquadravam no modelo predefinido de situação irregular, previsto no art. 2º do Código de Menores (Lei N.º 6.697/79), que dizia:
Art. 2º Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor:
I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:
a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;
b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
Il - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável;
III - em perigo moral, devido a:
a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes;
b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;
IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável;
V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária;
VI - autor de infração penal.
Parágrafo único. Entende-se por responsável aquele que, não sendo pai ou mãe, exerce, a qualquer título, vigilância, direção ou educação de menor, ou voluntariamente o traz em seu poder ou companhia, independentemente de ato judicial.
Foi o art. 227 da Constituição Federal que definiu os direitos fundamentais das crianças e adolescentes, no entanto, coube ao ECA elaborar a construção sistêmica da proteção integral, estendendo seu alcance a todas as crianças e adolescentes, respeitando sua condição de pessoa em desenvolvimento.
Argumentos diversos contrários à redução da maioridade penal são declarados. Luis Fernando de Andrade (2013) defende a permanência da maioridade penal nos dezoito anos ao afirmar:
Muito se discute a imposição da redução da maioridade penal, considerando o direito constitucional de voto aos 16 (dezesseis) anos. Tal argumento não merece prosperar, visto que não concede os direitos universais de ser votado, bem como de não obrigatoriedade do voto.
Além do mais, o critério utilizado para a maioridade penal é o biológico, sendo, no Brasil, aos 18 (dezoito) anos. Isso não quer dizer que o indivíduo de 17 (dezessete) anos não tenha discernimento de compreender a ilicitude de seus atos, mais sim de estabelecer um critério objetivo para assegurar a segurança jurídica em nosso país. A Lei é feita para todos, não podendo individualizar a idade para cada pessoa através de seu discernimento, sendo necessário se estabelecer critérios.
Outro fator que merece destaque são os presídios estão totalmente superlotados, não conseguindo atender a demanda que a Justiça requer. A pena tem a finalidade de ressocializar o indivíduo. Não se consegue ressocializar um menor ao colocá-lo com outros criminosos experientes. O Estado ainda não é capaz de cumprir o papel descrito na Constituição Federal, Código Penal, Lei de Execução Penal e muito menos ainda o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Márcia Cristina Resina Alves (apud, ANDRADE, 2013) traz uma relevante informação que demonstra a ineficácia da redução da maioridade penal em nosso país:
Segundo texto do Pe. Joacir Della Giustina, da Pastoral do Menor, o último Censo revelou que os adolescentes brasileiros – 12 a 18 anos – somam 20 milhões. Já o número de adolescentes infratores em todo o país é de 20 mil, isto é, 0,1% da população. Destes 20 mil, pouco mais de 6 mil estão em medida de internação, ou seja, 14 mil não são atos de alta periculosidade. Enquanto existem 87 delitos graves cometidos por adultos para cada 100 mil habitantes, existem apenas 2,7 infrações graves praticadas por adolescentes para a mesma população, sendo que 70% destas infrações são roubos e não atentados contra a vida das pessoas. “A diminuição da idade penal põe em risco todas as conquistas que foram feitas sobre direitos da criança e do adolescente. O Estatuto é claro quando estabelece punição para o adolescente infrator e formas para que volte ao convívio social. Nos artigos 101 e 112 do Estatuto estão descritas medidas de proteção e sócio-educativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade, internação em estabelecimento educacional – significando, inclusive, privação de liberdade. Essas medidas, mais justas e apropriadas ao adolescente em desenvolvimento, são bem mais eficientes que a simples diminuição da idade penal e o conseqüente ingresso do adolescente no precário sistema penitenciário brasileiro. A responsabilidade para que elas sejam aplicadas é do governo, com o apoio da sociedade. Muitas experiências bem sucedidas mostram que, quando existe vontade política e pessoas responsáveis, os programas saem do papel e viram realidade.
Para Renata Ceschin Melfi de Macedo (2008, p. 195), que se posiciona contra a redução da maioridade penal, defende:
O problema da criminalidade infanto-juvenil irá perdurar enquanto não forem combatidas as suas causas. A redução da idade não reduziria o índice de criminalidade, apenas transferiria o problema para uma outra esfera, deslocando a violência que se concentrava entre duas idades para a faixa etária situada abaixo dos dezesseis anos. O traficante que convoca a mão-de-obra de um adolescente de dezessete anos, com a redução passará a convocar jovens de quinze, doze, dez.
Entende-se, conforme o ponto de vista da autora acima citada, que reduzir a idade penal tão somente transferirá para aqueles de 16 anos, a obrigação de responder pelos crimes cometidos, no entanto, o problema da criminalidade continuaria.
Os adeptos à redução da maioridade penal no Brasil, argumentam, entre outros, que a violência praticada por menores deve ser controlada e que, reduzindo-se a maioridade penal, tal fator seria minimizado.
Nesse contexto, Genival Veloso de França (apud KERSTENETZKY, 2013) ensina que imputabilidade é a condição de quem é capaz de realizar um ato com pleno discernimento. É um fato subjetivo, psíquico e abstrato. Ao cometer uma infração, o indivíduo transforma essa capacidade num fato concreto.
Entendimento semelhante expressa Conceição Penteado (apud KERSTENETZKY, 2013) quando aduz que:
Imputável é a pessoa capaz de entender o caráter criminoso do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento. Portanto, a imputabilidade é a capacidade que o individuo tem de compreender a ilicitude de seu ato e de livremente querer praticá-lo.
Vale importante ressaltar que o voto é facultativo para os adolescentes maiores de dezesseis anos, enquanto a imputabilidade penal é compulsória. Murilo José Digiácomo (2009) afirma que apenas 25% dos adolescentes com idade entre 16 e 17 anos tiram o título de eleitor para exercerem o direito de voto. Frise-se que nesta idade o indivíduo é inelegível.
No tocante ao argumento baseado na possibilidade do menor de 18 e maior de 16 anos votar, Mônica Rodrigues Cuneo (2003, p. 77) refuta:
Quanto ao fato de defenderem alguns a redução da idade penal em razão da possibilidade conferida ao jovem de votar aos dezesseis anos, escolhendo seus mandatários, cumpre salientar que o exercício do voto aos dezesseis anos é facultativo e não obrigatório (art. 14, II, c, da CR/88), já que a legislação brasileira fixa idades diferentes para situações diversas, não justificando o rebaixamento do limite etário com base nesse fundamento, pela própria fragilidade que encerra em si, fazendo cair por terra o argumento da pretensa incoerência técnico-jurídica.
Outro argumento empregado pelos defensores da redução da maioridade penal é trata da questão do aliciamento, onde, maiores de dezoito anos utilizam os menores na prática de atos infracionais, que, pelo fato da imputabilidade penal, difundi-se uma noção de impunidade. Wilzon Donizete Liberati (2012, p. 211) apresenta a distinção entre impunidade e inimputabilidade penal ao afirmar:
Há que se fazer, todavia, uma distinção entre inimputabilidade penal e impunidade. A inimputabilidade, considerada causa de exclusão da culpabilidade, - ou seja, de exclusão da responsabilidade penal - significa absoluta irresponsabilidade pessoal ou social diante do ato infracional praticado. Esse é o panorama jurídico pretendido pela primeira parte do preceito constitucional do art. 228.
Entretanto, a segunda parte da mesma norma conduz o intérprete a reconhecer que “uma legislação especial” determinará as regras e os mecanismos de “responsabilização” para os autores de ato infracional com idade inferior a 18 anos. Isso significa que esses sujeitos não ficarão “impunes”, mas deverão ser submetidos ao procedimento definido pela legislação especial.
A possibilidade de altera o art. 228 da Constituição Federal é outro argumento utilizado pelos adeptos a redução da maioridade penal em nosso país, assunto este que já foi tratado no tópico atinente ao assunto.
Em 1° de julho de 2015, a Câmara dos Deputados aprovou, em primeiro turno de votação, a Proposta de Emenda Constitucional 171/1993, que modifica a redação do artigo 228 da Constituição Federal, reduzindo a maioridade penal para os 16 anos, permitindo imputar ao menor de 18 anos nos casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.
5 - CONCLUSÃO
Em 1940 surge o Código Penal Brasileiro, adotando o critério unicamente biológico para convencionar a imputabilidade penal, fixada em 18 anos, ficando os com idade inferior, sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.
A Constituição Federal do Brasil de 1988 assegura às crianças e aos adolescentes garantias especiais em vários artigos, tendo como principal argumento a condição de pessoa em desenvolvimento, garantindo a estes o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, dentre outras.
A Lei N.º 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), trouxe inúmeros benefícios à população infanto-juvenil no Brasil, garantindo o status de sujeitos de direitos à criança e ao adolescente, além de proporcionar o caráter protecionista integral a estes.
Além do princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o ECA tem seus princípios específicos, sendo estes instrumentos utilizados para proteger direitos da criança e do adolescente, tais como o Princípio da Prioridade Absoluta, Princípio da Prevalência dos interesses, Princípio da Convivência Familiar, além de outros.
Outros benefícios trazidos pelo ECA foi a formação dos Conselhos de Direitos e Tutelares e a participação do Poder Público e da sociedade organizada na implementação de políticas sociais voltadas ao público infanto-juvenil. As medidas protetivas, entendidas como ações de caráter assistencial, impostas de forma isolada ou cumuladas à criança ou adolescente que se encontra em situação de risco ou quando pratica ato infracional, foi outra ferramenta de segurança e disciplina apresentada por tal lei.
Medidas mais severas são aplicáveis aos adolescentes autores de atos infracionais, que traz um rol taxativo expresso art. 112 do ECA, denominadas medidas sócio-educativas.
A proposta de redução da maioridade penal no Brasil vem sendo alvo de grande discussão, envolvendo relevantes segmentos da sociedade, onde, para os que buscam tal redução, os principais argumentos apresentados são: o grande índice de violência praticada por menores; os direitos políticos alcançados nos 16 anos, da questão do aliciamento, onde, maiores de dezoito anos utilizam os menores na prática de atos infracionais, do amadurecimento intelectual precoce destes menores, fazendo com que eles apresentem discernimento dos seus atos contrários à lei.
Para a corrente que se posiciona contra a redução da maioridade penal, o argumento mais sólido utilizado por tal corrente, se fundamenta no art. 228 da Constituição Federal, que assevera serem penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. A doutrina, em sua grande maioria, entende que tal artigo enquadra-se como cláusula pétrea, não sendo possível sua alteração via emenda constitucional.
Foi aprovada em primeiro turno de votação, a Proposta de Emenda Constitucional 171/1993, que modifica a redação do artigo 228 da Constituição Federal, reduzindo a maioridade penal para os 16 anos, permitindo imputar ao menor de 18 anos nos casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte, todavia, esta é alvo de severas críticas, principalmente, por apresentar um caráter inconstitucional.
Observou-se no decorrer deste trabalho, que a redução da maioridade penal é tema polêmico, apresentando correntes favoráveis e contrárias à redução da maioridade penal no Brasil, ambas trazendo justificativas jurídicas e sociais, no entanto, deve-se ter bastante precaução na tomada de tal decisão, visto que, é garantia fundamental e individual com fundamentos na Constituição Federal e no ECA.
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