1 – Introdução:
Previsto nos artigos 1225, IV e 1390 e seguintes do Código Civil, o usufruto é um direito real, no qual a propriedade se divide entre o nu-proprietário, que tem a posse indireta, e o usufrutuário, que tem a posse direta.
2 – Conceito:
Conforme ensina Arnaldo Rizzardo, “a ideia de usufruto emerge da consideração que se faz de um bem, no qual se destacam os poderes de usar, gozar ou usufruir, sendo entregues a uma pessoa distinta do proprietário, enquanto este remanesce apenas a substância da coisa”[1].
Diante do conceito trazido acima, percebe-se que há uma divisão no direito de propriedade, que se dá entre duas pessoas, o nu-proprietário e o usufrutuário, sendo o primeiro, o real proprietário do bem, todavia, os direitos de usar e gozar da coisa pertencem ao usufrutuário.
Dos elementos previstos no caput do artigo 1.228 do Código Civil[2], percebe-se que o nu-proprietário detém exclusivamente apenas um, dispor. O usufrutuário por sua vez, tem o direito de usar, gozar e até mesmo reaver a coisa, visto que é possuidor direto da mesma, podendo usar dos meios legais para que seja protegida sua posse, inclusive frente ao nu-proprietário, isso significa que tal direito é oponível contra todos.
3 – Objeto:
O objeto do usufruto é trazido com clareza pelo artigo 1.390 do Código Civil, que diz “o usufruto pode recair sobre um ou mais bens, moveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades”. Tal dispositivo é bastante abrangente, podendo o usufruto recair desde coisa imóvel, até direitos autorais, por exemplo.
4 –Formas de constituição:
O usufruto pode se instituir através da lei, vontade das partes ou usucapião.
O direito de usufruto por determinação legal ocorre quando a lei concede o posto de usufrutuária à determinada pessoa. O artigo 1.689, I do Código Civil é um exemplo de constituição legal do usufruto, pois determinaque os pais são usufrutuários dos bens dos filhos.
No que tange a constituição do usufruto através da vontade das partes, esta se dá por contrato ou testamento, pelos quais as partes criam o direito de usufruto. Importante destacar que, quando tratar-se de bem imóvel, o ato de vontade deve ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis, é o que determina o artigo 1.391 do Código Civil[3].
Por fim, a terceira hipótese de constituição do usufruto é a usucapião, que ocorre quando o usufrutuário obtém o direito através de sentença, desde que estejam presentes os requisitos legais. Ocorre quando, por exemplo, o usufruto não foi registrado no Registro de Imóveis, neste caso, pode-se buscar o reconhecimento através da usucapião.
5 – Espécies:
Existem diversas espécies de usufruto. Carlos Roberto Gonçalves classifica da seguinte forma[4]:
5.1 – Quanto à origem ou modo de constituição: O usufruto pode ser voluntário ou legal; voluntário (convencional) quando é constituído através da vontade das partes; legal quando decorre da lei.
5.2 – Quanto à duração: Pode ser temporário ou vitalício, temporário quando há um termo estipulado, vitalício quando se encerra com a morte do usufrutuário.
5.3 – Quanto ao objeto: Com relação ao objeto, o usufruto pode ser próprio ou impróprio. Será próprio quando recair sobre bens inconsumíveis e infungíveis, ou será impróprio, quando incidir sobre bens fungíveis e consumíveis.
5.4 – Quanto à extensão: Neste aspecto, o usufruto pode ser: a) Universal, quando recai sobre uma universalidade de bens; b) Particular, quando recai sobre determinado bem; c) Pleno, quando engloba todas utilidades e frutos produzidos pela coisa; d) Restrito, quando há restrição ao gozo sobre alguma (s) utilidade (s) da coisa.
5.5 – Quanto aos titulares: O usufruto pode ser simultâneo ou sucessivo. Simultâneo quando for emfavor de duas ou mais pessoas, ao mesmo tempo; sucessivo quando for em favor uma pessoa, sendo transferido a outro após sua morte. O usufruto sucessivo não é admitido pelo ordenamento jurídico brasileiro, conforme artigo 1.410 do Código Civil[5].
6 – Direitos e deveres do Usufrutuário:
Os elementos característicos do usufruto estão localizados no artigo 1.394 do Código Civil, que diz o seguinte: “O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos”. Neste sentido, Carlos Roberto Gonçalves[6] ensina que o dispositivo mencionado assegura o mínimo ao usufrutuário, porém, nada impede que haja uma complementação ou ampliação de direitos. Os direitos do usufrutuário serão definidos pelo título que constituir o usufruto, observado o mínimo legal.
Com o usufruto, a posse é transmitida ao usufrutuário que passará a ser possuidor direto do bem, ficando o nu-proprietário com a posse indireta. Após isso, o usufrutuário poderá usar a coisa, administrá-la e também perceber os frutos dela decorrentes, além de ter a sua disposição o que o direito lhe permitir para a proteção da posse, como ações possessórias e o desforço imediato[7], contra todos, inclusive o nu-proprietário.
Com relação ao uso, o usufrutuário deve exercê-lo com boa-fé, tal como utilizaria o proprietário. Há, também, a possibilidade de ceder o uso, conforme dispõe o artigo 1.393do Código Civil[8]. Ainda sobre o uso, destaco que o mesmo consiste na utilização da coisa para a sua finalidade, com suas respectivas variações.
No que tange à administração da coisa, cabe ao usufrutuário administrá-la e dar-lhe o devido destino, ou seja, fazer da coisa o que dela deve ser feito.
Em alguns casos, pode ser necessário que o usufrutuário preste caução, se o nu-proprietário exigir, sob pena de perder o direito de administrar o usufruto, conforme indica o artigo 1,401 do Código Civil[9]. Sendo assim, pode-se concluir que, caso o nu-proprietário exija caução, o usufrutuário só irá administrar o usufruto caso cumpra tal exigência. Destaca-se que o usufruto em si não corre risco, apenas o direito de administrá-lo.
A percepção dos frutos, como visto acima, também é um direito do usufrutuário, e engloba tanto os frutos civis como, por exemplo, aluguéis, quanto os naturais como, por exemplo, frutas e animais.
No que diz respeito ao nu-proprietário, este não pode estorvar o usufrutuário no exercício de seu direito, bem como deverá arcar com as reparações extraordinárias de valor superior a dois terços do rendimento líquido em um ano.
Com o advento do termo do usufruto, o nu-proprietário passa a ter a propriedade irrestrita do bem. Com isso, fica o usufrutuário, caso vivo, obrigado a restituir-lhe.
7 – Extinção:
O artigo 1.410 do Código Civil lista as ocasiões em que ocorrerá a extinção do usufruto, quais sejam:
7.1 – Quando o usufrutuário renuncia ao seu direito ou então com sua morte;
7.2 – Com o advento do termo estipulado no titulo constitutivo do usufruto;
7.3 – Quando o usufruto for em favor de pessoa jurídica, sua duração estará limitada a tinta anos; caso a pessoa jurídica se extinga antes desse prazo, entingue-se também o usufruto;
7.4 –Quando o motivo que originou o usufruto deixar de existir, como ocorre no usufruto dos pais sobre os bens dos filhos menores no momento em que estes adquirem a capacidade civil plena;
7.5 – Caso ocorra a destruição da coisa que for objeto do usufruto. Há exceções nos casos em que a coisa seja segurada, oportunidade que poderá haver a sub-rogação do direito do usufrutuário pelo valor do seguro recebido, ou até mesmo o restabelecimento do usufruto no caso em que o valor for destinado à recomposição do bem;
7.6 – Quando as condições de usufrutuário e nu-proprietário se reunirem na mesma pessoa;
7.7 – Por culpa do usufrutuário, o que geralmente ocorre quando este não age da maneira que deveria, ou seja, quando deixa de cumprir suas obrigações na condição de usufrutuário;
7.8 – Pelonão uso ou fruição, neste caso, tendo em vista não haver um prazo legalmente estipulado, deve-se analisar o caso em concreto e observar a função social do usufruto.
Ainda destaca-se que em caso de dois ou mais usufrutuários, se extinguirá com relação a cada um que falecer, salvo casos em que haja disposição no título constitutivo que favoreça ao (s) que sobreviver (em) o quinhão do falecido.
8 – Penhora:
O direito de usufruto em si, não pode ser penhorado, pois é inerente a pessoado usufrutuário. Todavia, a penhora pode recair sobre os frutos. Neste sentido colaciono jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO MONITÓRIA. NOTA DE CRÉDITO COMERCIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DO USUFRUTO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE BENEFÍCIO ECONÔMICO PARA A USUFRUTUÁRIA, CUIDANDO-SE DE USUFRUTO PARA FINS DE MORADIA. Admite-se a penhora do exercício do usufruto apenas quando esse representar benefício econômico imediato, o que não ocorre no caso concreto, em que o usufruto foi constituído para a moradia da executada. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70076696350, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout, Julgado em 14/06/2018). (grifei)
Através da leitura da jurisprudência acima mencionada percebe-se a possibilidade de penhora dos proveitos econômicos imediatos decorrentes do usufruto. Entretanto, nos demais casos, não é possível a penhora sobre tal direito. Neste sentido, transcrevo decisão do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL. BEM DE FAMÍLIA E IMÓVEL GRAVADO COM RESERVA DE USUFRUTO. IMPENHORABILIDADE. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO. 1.- O posicionamento desta Corte é no sentido de ser impenhorável o usufruto, somente sendo possível ser objeto de constrição o seu exercício, desde que os frutos advindos dessa cessão tenham expressão econômica imediata. 2.- O agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar o decidido, que se mantém por seus próprios fundamentos. 3.- Agravo Regimental improvido. AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.351.076 - SP (2012/0226301-6). (grifei)
Importante destacar que o direito do nu-proprietário não possui a mesma proteção. Sendo assim, pode ser objeto de penhora, devendo ser observado e respeitado o usufruto existente sobre o bem, em homenagem, principalmente, ao preceito constitucional da moradia.
9 – Conclusão:
Diante do exposto no presente estudo, onde foram abordados os principais aspectos do usufruto, foi possível aferir de que se trata de um direito real, que recai sobre coisa alheia, onde são transmitidos alguns dos elementos da propriedade ao usufrutuário, através das formas de constituição mencionadas. Direito este, que encerra-se um dia, seja com a morte do usufrutuário, que é a causa mais comum, ou então pelas demais possibilidades elencadas.
Por fim, destaco que se trata de um instituto muito benéfico ao usufrutuário e que deve ser muito bem estudado no caso em concreto, por parte do nu-proprietário, antes de ser feito, pois, em regra, lhe gera um grande ônus.
[1]RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas – Rio de Janeiro: Editora Forense. 2004. p. 935.
[2] Art. 1228, caput, CC 2002: O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha
[3]Art. 1.391, CC 2002: O usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis.
[4]GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – 5. Ed. – São Paulo: Editora Saraiva. 2010. p. 484/485.
[5] Art. 1.410, CC 2002: O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis:
I - pela renúncia ou morte do usufrutuário; (...)
[6] GONÇALVES, op.cit., p.487.
[7]Art. 1.210, CC 2002 (...) § 1o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
[8] Art. 1.393, CC 2002:Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso.
[9] Art. 1.401, CC 2002: O usufrutuário que não quiser ou não puder dar caução suficiente perderá o direito de administrar o usufruto; e, neste caso, os bens serão administrados pelo proprietário, que ficará obrigado, mediante caução, a entregar ao usufrutuário o rendimento deles, deduzidas as despesas de administração, entre as quais se incluirá a quantia fixada pelo juiz como remuneração do administrador.