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Da igualdade na Antiguidade clássica à igualdade e as ações afirmativas no Estado Democrático de Direito

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Agenda 20/11/2005 às 00:00

5. Conclusão: A igualdade e as ações afirmativas no Estado Democrático de Direito

A Constituição da República de 1988 é realmente um marco no direito e na história brasileira, representando a conclusão de um processo histórico de ampla participação e discussão democrática do eleitorado nacional em torno da construção de uma nova sociedade marcada pela democracia e pela igualdade.

Este processo histórico não terminou, em 05 de outubro de 1988, com a promulgação da tão esperada Constituição Cidadã, no dizer do Deputado Ulysses Guimarães, pois a mesma é (e necessita ser) construída a cada dia, para a realização plena dos direitos e garantias fundamentais, já que "toda constituição é um projeto cuja durabilidade depende de uma interpretação constitucional continuada, desencadeada em todos os níveis da positivação do direito". (HABERMAS, 2003a, p.166).

O novo texto constitucional trouxe grandes mudanças, as quais são perceptíveis no próprio art. 1º que consagra o Estado Democrático de Direito, este representando um novo paradigma para o direito brasileiro, apto a criar uma igualdade inclusiva com vista à participação legítima de todos nos processos democráticos, uma vez que "o paradigma procedimentalista do direito procura proteger, antes de tudo, as condições do procedimento democrático". (HABERMAS, 2003b, p.183).

A teoria do discurso explica a legitimidade do direito com o auxílio de processos e pressupostos da comunicação – que são institucionalizados juridicamente – os quais permitem levantar a suposição de que os processos de criação e de aplicação do direito levam a resultados racionais. (HABERMAS, 2003b, p.153).

O cidadão adquire uma grande importância, se comparado aos paradigmas liberal e social de direito. Agora, ele é visto como autor e participante dos discursos políticos de diversas maneiras, "articulando e fazendo valer interesses feridos (...) na formação de critérios para o tratamento igualitário de casos iguais e para o tratamento diferenciado de casos diferentes". (HABERMAS, 2003b, p.183).

O Estado Democrático de Direito veio para ampliar o espaço de discussão e participação democrática, garantindo direitos, promovendo a diversidade e o pluralismo. Assim, é inconcebível que os negros, que compõem uma grande parcela da população brasileira, fiquem inteiramente excluídos do exercício dos direitos contidos na Constituição.

O paradigma do Estado Democrático de Direito possibilita uma nova forma de se ver a igualdade, não mais como uma igualdade formal do Estado Liberal, ou uma igualdade material do Estado Social de Direito, mas uma igualdade que proporcione inclusão nos procedimentos democráticos de criação legítima do direito, pretendendo criar condições de participação de todos na sociedade, onde cada cidadão deve ser intérprete da Constituição e co-autor nos processos legiferante e hermenêutico.

A igualdade deve ser um fator presente e real num Estado Democrático de Direito, pois a legitimidade do ordenamento jurídico é construída a partir de processos democráticos onde haja participação igualitária, autônoma e discursiva dos destinatários das normas.

Uma ordem jurídica não pode limitar-se apenas a garantir que toda pessoa seja reconhecida em seus direitos por todas as demais pessoas; o reconhecimento recíproco dos direitos de cada um por todos os outros deve apoiar-se, além disso, em leis legítimas que garantam a cada um liberdades iguais, de modo que "a liberdade do arbítrio de cada um possa manter-se junto com a liberdade de todos". (HABERMAS, 2003a, p.52)

A legitimidade do direito para Habermas (2003) é um componente importante, pois esta não mais se apóia em critérios consuetudinários ou tradicionais, mas sim sobre a "facticidade artificial da ameaça de sanções definidas conforme o direito". (HABERMAS, 2003a, p.50).

Deste modo, Habermas (2003a, p.138) entende que

a legitimidade do direito apóia-se, última instância, num arranjo comunicativo: enquanto participantes de discursos racionais, os parceiros do direito devem poder examinar se uma norma controvertida encontra ou poderia encontrar o assentimento de todos os possíveis atingidos.

Trata-se da abertura de um amplo acesso aos discursos democráticos e participativos, com um máximo de democracia para o exercício discursivo da autonomia política dos cidadãos e "em igualdade de chances, em processos de formação da opinião e da vontade, nos quais os civis exercitam sua autonomia política e através dos quais eles criam direito legítimo". (HABERMAS, 2003a, p.159).

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A legitimidade é um fator fundamental, pois aquilo que é posto para uma sociedade deve estar no consentimento de todos os seus membros, ou seja, "o direito que regula nossa própria vida é legítimo porque criado por nós". (GALUPPO, 2002, p.205).

O "princípio da soberania popular" exige que a legislação expresse a vontade da totalidade dos cidadãos, ou seja, que deixem de ser meramente destinatários do Direito, mas tornem-se seus co-autores. (CRUZ, 2004, p.220).

"A legitimidade de regras se mede pela razoabilidade discursiva de sua pretensão de validade normativa". (HABERMAS, 2003a, p.50). Logo, todos, sem exclusão de qualquer pessoa, devem ser incluídos na democracia imanente ao Estado Democrático de Direito, a qual é indispensável para o florescimento de diferentes projetos de vida e para a formação comunicativa do poder político.

O direito deve expressar realmente a vontade da totalidade dos cidadãos, onde estes possam ser co-autores e não somente meros destinatários das normas jurídicas do Estado. E por conseguinte,

o princípio da democracia destina-se a amarrar um procedimento de normatização legítima do direito. Ele significa, com efeito, que somente podem pretender validade legítima as leis jurídicas capazes de encontrar o assentimento de todos os parceiros do direito, num processo jurídico de normatização discursiva. O princípio da democracia explica, noutros termos, o sentido performativo da prática de autodeterminação de membros do direito que se reconhecem mutuamente como membros iguais e livres de uma associação estabelecida livremente. (HABERMAS, 2003a, p.145).

Dessa forma é incompreensível que haja, no Brasil, a existência de um sistema social, marcado pelo racismo e pela discriminação racial e que promova a exclusão das pessoas negras dos processos democráticos de criação e participação autônoma.

Um pressuposto básico para a existência de um Estado que se diga Democrático de Direito é a real igualdade entre os seus cidadãos e a vedação de práticas excludentes, pois "só garantindo a igualdade é que uma sociedade pluralista pode se compreender também como uma sociedade democrática" (GALUPPO, 2002, p.210), justa e solidária.

De tal modo, não se pode falar na criação de novas práticas discriminatórias com o implemento de ações afirmativas em prol do povo negro no Brasil. A igualdade, hoje, é (e deve ser) um fator de inclusão, sendo isto o que se pretende criar com as ações afirmativas, uma vez que

quando a diferenciação social é grande e há ruptura entre o nível de conhecimento e a consciência de grupos virtualmente ameaçados, impõem-se medidas que podem "capacitar os indivíduos a formar interesses, a tematizá-los na comunidade e a introduzi-los no processo de decisão do Estado". (HABERMAS, 2003b, p.185).

A ação positiva por meio das ações afirmativas

pode ser legitimamente entendida como um critério de produção de igualdade toda vez que ela implicar maior inclusão dos cidadãos nos procedimentos públicos de justificação e aplicação das normas jurídicas e de gozo dos bens e políticas públicas. (GALUPPO, 2002, p.216).

Portanto, as ações afirmativas, no Brasil, devem ser vistas não mais como um instrumento de reparação/compensação ou de distribuição de bens e vantagens aos cidadãos, mas sim como um elemento propiciador da igualdade procedimental e da inclusão democrática e participativa de todos, pois no Estado Democrático de Direito há "a institucionalização de processos e pressupostos comunicacionais necessários para uma formação discursiva da opinião e da vontade, a qual possibilita, por seu turno, o exercício da autonomia política e a criação legítima do direito". (grifo nosso) (HABERMAS, 2003b, p.181).

A grande questão, portanto, é promover o acesso com participação democrática nos mais diversos setores da sociedade e do Estado. E está deve ser função das ações afirmativas na educação, criando espaço plural e inclusivo nas condições de uma democracia participativa e plural.

Assim, podemos conceituar as ações afirmativas como uma espécie de ação positiva, que tem em vista a promoção de minorias socialmente discriminadas e a efetivação do princípio da igualdade no Estado Democrático de Direito, visto que não se pode falar em igualdade sem a necessária participação e inclusão de todos nos processos democráticos, pois cada cidadão é intérprete da Constituição e co-autor das leis através de formações discursivas e democráticas.


6. Referências Bibliográficas

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Sobre o autor
Eder Bomfim Rodrigues

Advogado em Belo Horizonte/MG,mestrando em Direito Público pela PUC-Minas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Eder Bomfim. Da igualdade na Antiguidade clássica à igualdade e as ações afirmativas no Estado Democrático de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 872, 20 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7610. Acesso em: 23 nov. 2024.

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