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Manutenção do crédito de ICMS em conta gráfica em face da súmula 166 do Superior Tribunal de Justiça

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Agenda 24/12/2019 às 16:47

4. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO CUMULATIVIDADE.

A Constituição Federal ao outorgar competências aos entes federados, inseriu o ICMS na competência dos Estados e do Distrito Federal, prescrevendo que o referido tributo é de índole não cumulativa, na dicção do artigo 155, parágrafo 2º, inciso I adiante transcrito:

Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

II – Operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

(...)

§ 2º O Imposto previsto no inciso II atenderá o seguinte:

I – Será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrada nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal; (grifou-se).

II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:

a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;

b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;

Pela análise percuciente da diretriz constitucional supracitada, constata-se que a não cumulatividade do ICMS deve ser observada pelo legislador infraconstitucional e pelos entes federados. É técnica de arrecadação, na qual o contribuinte tem o direito de compensar o ICMS que incidiu em operação relativas à circulação de mercadorias, com o montante cobrado nas anteriores, pelo mesmo ou outro Estado, ou Distrito Federal, com o ICMS por ele devido em cada operação.  

É cediço que, na dinâmica da atividade empresarial, o contribuinte adquire bens tributados pelo ICMS, suportando, assim, o ônus da incidência nessas operações. Em razão disso, o imposto que suportou integrará o valor das suas operações tributadas repercutindo no valor final da operação mercantil, vale dizer, há uma cumulação de incidências.

Para evitar essa cumulação, ou incidência em cascata como preferem alguns, a Constituição Federal determina que o imposto seja de índole não cumulativa, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadoria, com o montante cobrado nas anteriores, pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.

Roque Antonio Carrazza (2012, p. 400), ao tratar da não cumulatividade do ICMS registra que:

(...) o princípio da não cumulatividade garante, ao contribuinte, o pleno aproveitamento dos créditos do ICMS e tem por escopo de evitar que a carga econômica do tributo (i) distorça as formações dos preços das mercadorias ou dos serviços de transporte intermunicipal e de comunicação; e (ii) afete a competividade da empresa.

Paulo de Barros Carvalho (2011, p. 731), ao tratar do direito de crédito envolvendo mercadorias ensina que:

(...) exige-se em cada elo da cadeia de produção ou de circulação, a compensação entre a relação do direito ao crédito (nascida com a entrada jurídica do bem) e a relação jurídica tributária (que nasce com a saída da mercadoria).

A locução constitucional operação relativa a circulação de mercadorias não deixa dúvida e deve ser juridicamente entendida como determinante, tanto no direito ao crédito, nascido com a entrada jurídica da mercadoria, como em relação a relação jurídica tributária que nasce com a saída da mercadoria.

Assim, é necessário, mais uma vez, se encalamistrar na conceituação do que sejam operações relativas a circulação de mercadorias.

Operações configuram o verdadeiro sentido do fato jurídico, ou seja, a prática de ato jurídico relativa à transmissão de um direito (propriedade), enquanto que a locução circulação deve ser entendida como a passagem das mercadorias de uma pessoa para outra, sob um título jurídico, não se referindo ao ato de movimentar ou transportar mercadoria, sendo, portanto, irrelevante a merca circulação física ou econômica. 

Nesse sentido a lição de Sacha Calmon Navarro Coelho (2006, p. 537):

 “O princípio da não-cumulatividade, gerando a conta gráfica débito-crédito, de modo a ‘compensar’ o estabelecimento do mesmo titular recebente das mercadorias, não justifica a incidência do ICMS nas transferências, que são meros deslocamentos ou movimentações físicas de insumos ou mercadorias. A este fundamento decretou o STF a inconstitucionalidade de várias leis estaduais, irrelevante a alegada permissão de lei complementar, no caso o Decreto-Lei nº 406/68, que lhes fora dada para tributar transferências, hoje reiterada pela Lei Complementar nº 87/96.

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Pode-se concluir, portanto, que os atos de transferência de insumos e mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo titular não mudam pela simples existência da Federação e da República.

Não há que tergiversar que a exigência de estorno dos créditos do ICMS em conta gráfica não encontra guarida no art. 155, § 2º, inciso II da CF e suas alíneas que determinada o não aproveitamento dos créditos, nas hipóteses de isenção ou não incidência.

Admitir tal hipótese implica na quebra do elo da cadeia de produção. Supondo que determinado contribuinte movimente mercadorias entre seu estabelecimento matriz e suas filiais, com manutenção dos respectivos créditos em conta gráfica a uma alíquota de 15% pode ser representada pelo seguinte exemplo numérico:

Aquisições de mercadorias pela matriz – ICMS – creditado R$ 150,00 C

Transferência para filial “A” sem débito de ICMS R$ 0,00 D

Transferência para filial “B” sem débito de ICMS R$ 0,00 D

Venda para consumidor pela Filial “A” com débito de ICMS R$ 60,00 D

Venda para consumidor pela Filial “B” com débito de ICMS R$ 60,00 D

SALDO CREDOR EM CONTA GRÁFICA R$ 30,00 C

Considerando que o mesmo contribuinte promova o estorno dos créditos do ICMS em conta gráfica, relativos às aquisições de mercadorias e demais insumos pela matriz no momento da transferência destas aos seus estabelecimentos, desse modo a mecânica de incidência do ICMS fica assim representada:

Aquisições de mercadorias pela matriz – ICMS – creditado R$ 150,00 C

Transferência para filial “A” sem débito de ICMS R$ 0,00 D

Transferência para filial “B” sem débito de ICMS R$ 0,00 D

Venda para consumidor pela Filial “A” com débito de ICMS R$ 60,00 D

Venda para consumidor pela Filial “B” com débito de ICMS R$ 60,00 D

Estorno de crédito proporcional às transferências (R$ 800,00) R$ 120,00 D

SALDO DEVEDOR EM CONTA GRÁFICA R$ 90,00 D

Induvidosamente, a não cumulatividade, como princípio informativo da sistemática do ICMS, tem sua aplicação circunscrita às fases intermediárias que antecedem o momento da operação final, ou da transferência final da titularidade da mercadoria ao consumidor final, o qual sofrerá a incidência econômica de todo o imposto acumulado nas operações anteriores.

Constata-se pela representação “B”, claramente, a quebra da não cumulatividade na hipótese de estorno dos créditos em conta gráfica decorrentes da transferência de mercadorias para as filiais “A” e “B”, hipótese em que, apresentará saldo devedor em conta gráfica de R$ 90,00.

Entretanto, situação inversa se verifica na representação “A” em que o contribuinte apresentará saldo credor em conta gráfica de R$ 30,00, em razão da manutenção dos créditos tributados nas operações anteriores. 

A majoração do imposto pela quebra da não-cumulatividade é patente.


5. CARÁTER RELATIVO DO PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE – EFEITOS DA ISENÇÃO E DA NÃO INCIDÊNCIA DO ICMS

O princípio da não cumulatividade do ICMS não é absoluto como, aliás, nada é absoluto no mundo do direito. Ele sofre flexibilizações ante a isenção e a não incidência expressa artigo 155, § 2º, inciso II, alíneas “a” e “b” ” da Constituição Federal.

§ 2º O Imposto previsto no inciso II atenderá o seguinte:

(...)

II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:

a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;

b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;

Neste ponto, surge a indagação: o contribuinte que compra mercadorias tributadas pelo ICMS, ao realizar operações isentas ou não tributadas, pode apropriar-se dos créditos relativos às suas aquisições? 

Para a teoria clássica, a natureza da isenção de acordo com o art. 175 do Código Tributário Nacional exclui o crédito tributário, dispensando o sujeito passivo do pagamento de tributo que, de outro modo, seria exigível, não de confundindo, desse modo, com a não incidência, uma vez que pressupõe a incidência.

Todavia, a despeito da aceitação desse conceito pelo STF, os defensores da moderna teoria do Direito Tributário tecem exacerbadas críticas,

Alguns autores entendem que a isenção afasta a incidência do tributo, de modo a obstar o nascimento da própria obrigação principal. Para Paulo de Barros Carvalho (2011, p. 560), o preceito da isenção subtrai parcela do campo de abrangência do critério antecedente ou do consequente da norma tributária, paralisando a atuação da regra-matriz de incidência para certos e determinados casos.

Para Alfredo Augusto Becker (1963, p. 277) e José Souto Maior Borges (1980, p. 182), hipótese de não incidência da norma tributária.

Entretanto, predomina no direito positivo brasileiro a corrente que reconhece a incidência, pela realização do fato gerador, criando a obrigação, embora a não exigibilidade do crédito respectivo, pela dispensa legal, pois que a exclusão pressupõe a existência do “quid” a excluir.

A despeito da atecnia, tão bem apontada por José Souto Maior Borges (2009, p. 82), porque mistura instituto rigorosamente construído pela doutrina (isenção) e categoria genérica (não-incidência), deve ser interpretado como um dispositivo de fechamento do sistema, ou seja, recai nas mesmas restrições constitucionais de isenção e eventual referência legal e expressa a uma hipótese de não-incidência.  

Decorre disso, em conclusão, que a isenção e a não-incidência produzem o mesmo efeito, não há surgimento da obrigação tributária, logo, conclui-se que o estorno é a regra, caso a lei ordinária não disponha em contrário.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBAS, Vicente Paulo Hajaki. Manutenção do crédito de ICMS em conta gráfica em face da súmula 166 do Superior Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 6019, 24 dez. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/76437. Acesso em: 24 nov. 2024.

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