Resumo: O presente trabalho tem como objetivo principal verificar o efetivo tratamento de ressocialização oferecido aos delinquentes com o transtorno de psicopatia no âmbito criminal brasileiro, assim como traçar uma análise transdisciplinar sobre o delinquente psicopata e os atuais métodos de diagnóstico utilizados pela justiça brasileira. A escolha do tema se justifica pela complexidade que o mesmo transmite tanto para os especialistas nas áreas do direito, da medicina e da psicologia, como para toda a sociedade envolvida, pois diante de tantas incertezas pela ausência de tratamento e legislação própria, os psicopatas trazem grande insegurança à população pela forma como os crimes são cometidos pelos mesmos. De modo específico buscou-se verificar se há possibilidade de ressocializar o indivíduo criminoso que foi diagnosticado com a psicopatia na atual política criminal brasileira e, se a metodologia aplicada pelos profissionais envolvidos é eficiente no atual contexto direcionado aos psicopatas. O trabalho baseia-se em pesquisa bibliográfica, com análise de especialistas, doutrinas e legislações referentes ao tema. O método de abordagem que se utiliza é o dedutivo. Este artigo destaca a necessidade de criação de tratamento e legislação específica para os criminosos psicopatas, a fim de trazer mais segurança a todos os entes envolvidos, seja à sociedade assim como para o próprio delinquente.
Palavras-chave: Psicopatia. Novos Direitos. Sistema Penal Brasileiro. Ressocialização.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo a análise do tratamento do criminoso psicopata dentro do sistema penal brasileiro na atualidade, demonstrando que o mesmo enfrenta uma certa inadequação à realidade do delinquente, considerando a problemática do tema, percebe-se a necessidade de um enfrentamento e a busca de alternativas para a questão incógnita.
A referida escolha do tema se deu tendo em vista que há muita divergência de tratamento oferecido às pessoas delinquentes psicopatas, mas nenhuma solução que possa criar expectativas melhores acerca da real ressocialização, tratada pelo Estado aos portadores do transtorno.
A complexidade desse assunto gera uma total insegurança à toda sociedade, por observar-se que o sistema jurídico brasileiro não tem soluções para os crimes causados pelos portadores da psicopatia.
Em decorrência disso, o presente estudo visa analisar se existe alguma possibilidade de reeducar, ou mesmo recuperar os delituosos psicopatas na atualidade com os tratamentos até então oferecidos, como também se há perspectivas futuras positivas para um assunto considerado tão emblemático.
O primeiro capítulo conceituará o transtorno da psicopatia e apresentará as principais características dos portadores de tal transtorno, sob o enfoque de alguns estudiosos sobre o assunto de distintas áreas, como também relacionando os psicopatas com os crimes por eles cometidos, mencionando alguns casos midiáticos que geraram tamanha revolta por grande parte da população brasileira e até mesmo mundial.
No segundo capítulo será abordado o atual tratamento punitivo brasileiro oferecido ao criminoso psicopata, demonstrando como esses indivíduos são enquadrados diante da justiça criminal brasileira perante o complexo diagnóstico dos mesmos. Abordará também as incertezas de punições ou mesmo tratamentos direcionados aos delinquentes, diante da falta de norma específica regulamentadora e, as recentes descobertas sobre alterações nos cérebros dos psicopatas.
Enfim, o terceiro capítulo trará a problemática da ressocialização adotada atualmente pelo Estado aos criminosos diagnosticados com o transtorno da psicopatia, versando sobre as divergências surgidas perante o tratamento utilizado e os reflexos ocasionados pelas mesmas, assim como se diante de tais procedimentos curativos oferecidos no momento presente, há possibilidade de reeducar os delinquentes psicopatas para voltar à sociedade e conviver na mesma sem que haja reincidência por parte de tais indivíduos.
1. OS CRIMINOSOS PSICOPATAS E A CRIMINOLOGIA
Antes mesmo de se conceituar e se adentrar nas características dos psicopatas, faz-se necessário estabelecer a relação entre a psicologia, a criminologia e algumas ciências, podendo assim embasar melhor a psicopatia, porque a criminalidade frente a novas reflexões sobre os diversos tipos de crimes, tem causado grandes preocupações para a sociedade no geral, principalmente preocupação para os estudiosos das áreas acima citadas (ROSA; CARVALHO, 2014, p.159).
A criminologia pode ser conceituada como uma ciência material, ou seja, prática e interdisciplinar, tendo como principais objetos a análise do crime, a personalidade das partes envolvidas nos crimes praticados, assim como do complexo contexto social do criminoso e de suas condutas, a fim de ressocializá-lo (MENEZES, 2018, p. 02).
Para Penteado Filho (2012, p. 20), a criminologia embora seja uma ciência autônoma, sofre influências de outras ciências como a Biologia Criminal, a Sociologia Criminal, a Psicologia Criminal, a Medicina Legal e o Direito, onde ambas mantêm uma relação de interdisciplinaridade, neste sentido, pode-se afirmar que a análise dos crimes não deve ser trabalhada de forma simples, fechada e desconexa, mas sim através da total interligação entre o estudo dos crimes, a sociedade envolvida, os fatores que podem influenciar no cometimento dos mesmos, e posteriormente na aplicação das penalidades aos criminosos, em consonância às peculiaridades de cada um.
No mesmo sentido, Bitencourt (2016, p. 104) descreve a importância dos estudos de Lombroso ao Direito Penal a fim de reconhecer as variedades de criminosos na sociedade, sendo que Lombroso partia da existência de criminosos natos, e reconhecia que a origem da criminalidade poderia ser de inúmeras razões, podendo ser convergentes ou até mesmo independentes entre si.
Seguindo o prisma de Bitencourt, Rosa; Carvalho (2014, p. 160) salientam a importância da soma dos fatores biológicos, referenciando identicamente Lombroso, como também quanto aos aspectos ambientais, destacando a relevância da teoria Behaviorista, sugerindo que o comportamento do criminoso é definido pelas situações vivenciadas anteriormente que possam influenciar o comportamento de pessoas que cometem crimes.
Sobretudo, diante desta ânsia de buscar os motivos que de alguma forma tivessem aptidão para esclarecer toda a complexitude do fenômeno da criminalidade, nasce a criminologia, segundo Cabette (2013, p.22), ratifica ainda que “a criminologia exsurge dessa efervescência, desse entusiasmo pelo método cientifico, dando destaque nunca dantes constatado ao estudo do homem criminoso e à pesquisa das causas da delinquência”.
Dando ensejo à análise da ocorrência da criminalidade em nossa sociedade, precisa-se individualizar cada crime e cada criminoso, pois existem aspectos que merecem absoluta atenção, como é o caso dos crimes cometidos com frieza, premeditação, sem arrependimento, além de outras características que podem ser enquadradas como atitudes e ações inerentes à psicopatia, logo traços de perfis psicopatas (ROSA; CARVALHO, 2014, p.162).
A partir de todas as ideias até então mencionadas, constata-se que o estudo da psicopatia e a criminologia tem relação direta, buscando incansavelmente possíveis soluções para os crimes praticados pelos psicopatas.
1.1. CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS DOS TRANSGRESSORES PSICOPATAS
O vocábulo Psicopatia surgiu ainda no século XX, momento em que médicos e pesquisadores debatiam sobre este tipo de personalidade, significando doença da mente (do grego, psyche = mente; e pathos = doença), terminologia que gera confusão e incertezas no significado da própria palavra, sendo alvo na atualidade de inúmeros e distintos debates sobre o assunto sobre os indivíduos relacionados, como também pelo atual tratamento oferecido aos mesmos (HARE, 2013, p.38).
De acordo com Robert Hare (2013, p. 41) um dos pioneiros a escrever sobre os psicopatas foi o médico psiquiatra francês Philippe Pinel, onde usou o termo mania sem delírio para inicialmente descrever as características desses delinquentes.
A psiquiatra e escritora Ana Beatriz Barbosa Silva (2008, p. 30) define o psicopata como “anormal”, ressalta que os psicopatas possuem níveis variados de gravidade, podendo ser leve, moderado e severo, sendo que nos casos severos e na minoria os psicopatas praticam seus crimes cruelmente, porém serenamente, sem medo e sem arrependimento.
No entanto, Eduardo Cabette (2013, p.23) critica a consideração de um criminoso como “anormal” desde a antiguidade, gerando assim certo estigma, pois diante do positivismo jurídico ao retratar que o comportamento “normal” é aquele que as condutas humanas devem estar consoantes à lei, gera a negação do livre arbítrio, logo algumas pessoas somente agem harmonicamente em sociedade pela imposição da legislação, diante disso fica impossível visualizar quem naturalmente tem atitudes moralmente aceitas e impostas.
Consoante a Gauer; Lühring (2013, p.608), “esse comportamento é marcado pela violação dos regulamentos e de normas sociais, começando por pequenas mentiras e pequenos furtos até a violência, chegando até mesmo a assassinatos”.
Contudo, a grande maioria dos psicopatas não são homicidas contumazes, vivendo como se fossem pessoas comuns, entretanto não são consideradas pessoas normais pelo fato de não possuírem consciência sentimental (SILVA, 2008, p.31).
Na terminologia médico-psiquiátrica, a psicopatia não é considerada uma doença mental, porque os psicopatas não são loucos, nem mesmo desorientados, a parte racional é perfeita, nesta lógica a falta de consciência desses indivíduos está na consciência de ter afeto e emoção, sendo essa a deficiência dos mesmos, para Hare (VEJA,2009), eles têm plena consciência de seus atos, sabendo que ao cometerem suas práticas criminais estão infringindo a lei e outras regras sociais.
Para os especialistas Hare, Hart e Harpur, em 1976, apontaram que a psicopatia é definida como um transtorno de personalidade, que tem como característica principal a falta de empatia, incapacidade de lealdade, ausência de remorso, ingratidão, total frieza e insensibilidade aos sentimentos alheios, dentre outros atributos (GAUER; LÜHRING, 2013, p. 610).
São considerados irresponsáveis, impulsivos, incapazes de se sentirem culpados e de aprender algo com a experiência do castigo, também são manipuladores, egocêntricos e mentirosos, isto posto, as atitudes psicopáticas fazem parte da personalidade inerente ao ser, ou seja, atrelados à própria natureza dos psicopatas, como afirma Ana Beatriz Barbosa Silva (2008, p. 02).
Vasconcellos (2014, p.49) conceitua a psicopatia como um transtorno de personalidade com características primordialmente antissociais como a ausência de afeto e remorso, eliminando desse conceito alguns sintomas psicóticos como os delírios, por fim, o conceito mais preciso é que:
Esse não é, portanto, um transtorno caracterizado por delírios, alucinações ou mesmo por alguns sintomas negativos que estão presentes em diferentes transtornos psicóticos. A psicopatia é, conforme já foi ressaltado, um transtorno de personalidade, e a personalidade, em última instância, diz respeito a um conjunto de tendências comportamentais com raízes tanto genéticas como ambientais.
Hare (2013, p. 40), enfatiza que durante a última década muitos médicos faziam erroneamente uma análise sinônima entre o transtorno da personalidade antissocial e o transtorno da psicopatia, visto que ambas possuem algumas características similares, mas devem ser abordadas de modos distintos, visto que grande parte dos criminosos pode ser enquadrada como antissocial, mas não como psicopata, pois delinquentes antissociais possuem referências principalmente em comportamentos criminosos e antissociais, no entanto delinquentes psicopatas possuem traços de personalidade e comportamentos desviantes.
Conforme pode-se observar, no meio jurídico a expressão psicopatia não é analisada especificamente, pois no direito penal brasileiro vigente não se encontra nenhum conceito, muito menos base legal para tratar ou punir os delinquentes sem deixar brechas à interpretações confusas. Sendo assim, constata-se que mesmo sendo um tema altamente preocupante, tal transtorno no sistema jurídico brasileiro permanece às margens da justiça, baseando-se apenas em conceitos médicos e não em legislação própria.
Destarte, restou claro que os portadores do transtorno da psicopatia não são doentes mentais, porque com base nos conceitos dos especialistas supracitados, os psicopatas sabem compreender o que é certo e o que é errado, referindo-se estar de acordo com as regras, com a lei, porém sem emoção. Logo, o transtorno da psicopatia é um transtorno de personalidade e não transtorno mental.
1.2. OS PSICOPATAS E O CRIME
A criminalidade tem se tornado uma das principais preocupações da população brasileira e até mesmo mundial, conforme Carvalho e Rosa (2014, p.159) “o comportamento criminoso se apresenta quando há uma violação da ética, da lei, da moral e dos bons costumes de determinada sociedade” e, desse modo a mídia mostra-nos o crescimento acelerado de vários tipos de crimes, e os que mais chamam a atenção da sociedade em geral são os praticados com frieza, sem qualquer ressentimento ou arrependimento, logo sem consideração pela vítima.
Nestor Sampaio (2012, p.297) ressalta que uma pessoa considerada de personalidade normal, eventualmente, pode cometer um crime por reação quando estiver com seu equilíbrio instável, algo que não acontece quando há desvio de personalidade considerando o delito como a própria expressão do caráter psicopático.
Com base na classificação americana de transtornos mentais (DSM-IV-TR) aproximadamente 3% dos homens e 1% das mulheres são psicopatas encontrados em meio a sociedade, por conseguinte o índice aumenta ainda mais nos meios criminais, destacando cerca de 20% dos apenados possuem esse transtorno de personalidade psicopática, mas destaca-se positivamente que apenas uma minoria são psicopatas da forma mais grave, logo os criminosos considerados cruéis, violentos e com alto percentual de reincidência, e que 96% das pessoas são consideradas de certa forma conscientes (BARBOSA SILVA, 2008, p.49).
Em vista dos crimes praticados por psicopatas, nenhum é considerado por eles de intensa gravidade, seja por fraudar, roubar, matar, estuprar, contrair dívidas ou qualquer outro tipo, pelo fato de orquestrarem suas próprias leis, atribuindo aos outros as razões e responsabilidades de suas atitudes, sem embargo nem todos os psicopatas cometem assassinatos, consoante com o pensamento da psiquiatra Ana beatriz (2008, p.121), eles podem se envolver em “transgressões sociais como tráfico de drogas, corrupção, roubos, assaltos à mão armada, estelionatos, fraudes no sistema financeiro, agressões físicas, violência no trânsito, etc”.
Como também ao pensamento de Robert Hare (REVISTA VEJA, 2009):
Não necessariamente com o intuito de cometer a maldade. Os psicopatas apresentam comportamentos que podem ser classificados de perversos, mas que, na maioria dos casos, têm por finalidade apenas tornar as coisas mais fáceis para eles – e não importa se isso vai causar prejuízo ou tristeza a alguém. Mas há os psicopatas do tipo sádico, que são os mais perigosos. Eles não somente buscam a própria satisfação como querem prejudicar outras pessoas, sentem felicidade com a dor alheia.
No entendimento de Ana Beatriz (2008, p.96), os delinquentes psicopatas que mais chamam a atenção da sociedade são os maus políticos pela prática de crimes conhecidos como crimes de gestão, existindo relação direta entre os criminosos psicopatas e a política, pelo fato de tais indivíduos serem cometidos diante da facilidade dos cargos que ocupam ao estarem frente à vultuosas fortunas, assim como os crimes de assassinos em série, ou seja, os conhecidos serial killers.
Michael Newton (2008, p.50) utiliza a definição de que o assassinato em série é considerado quando há uma sequência de dois ou mais crimes, cometidos de forma individual e em eventos separados, num período que vai de horas até mesmo a anos, com motivação na maioria das vezes na esfera psicológica, refletindo nas cenas de tais crimes características sádicas e sexuais.
Entre os casos midiáticos mais assustadores que a psiquiatra e escritora Ana Beatriz cita em sua obra mentes perigosas (2008, p.99-105), estão o de Sílvia Calabrese, empresária presa em flagrante por maltratar e torturar uma menina de 12 anos que morava com ela; o de Kelly Samara Carvalho dos Santos, acusada de vários crimes cometidos desde a infância, jovem de aparência bonita que chamava a atenção por ser simpática e desinibida; o de Champinha condenado por vários crimes cruéis; o de Suzane von Richthofen que matou os pais e logo após foi para o motel; o de Jóia tendo uma ficha policial extensa com mais de 40 anos de diferentes crimes; e o caso de Guilherme de Pádua que assassinou Daniella Perez. Silva (2008, p.99-105) ressalta que não fez nenhuma análise pessoal em nenhum dos criminosos citados e por esse motivo não pode afirmar que são psicopatas de fato, apenas salientou a frieza na execução de tais crimes.
2. O TRATAMENTO PUNITIVO BRASILEIRO OFERECIDO AO PSICOPATA: IMPUTABILIDADE X SEMI-IMPUTABILIDADE
A concepção de Gauer e Lühring (2013, p.608) sobre regras, aponta que:
É normal que as regras sejam ocasionalmente quebradas. Entretanto, elas ajudam a manter a ordem social e nos protegem de possíveis danos causados por sua transgressão. Elas nos ajudam a viver juntos, como membros de uma família ou de uma comunidade. Algumas pessoas, no entanto, não agem dessa maneira. Desde a infância se rebelam contra todo tipo de regulamento e expectativa em relação aos valores dados para se viver nos limites da sociedade. Apesar de todas as sanções, tais como o castigo parental, o ostracismo, o fracasso ou a prisão, elas permanecem presas em seu fosso de mau comportamento.
Consoante ao pensamento de Michel Foucault (2009, p.48), a punição anterior à reforma penal do século XVIII não era abordada tão somente como medida para reparar o dano causado pelo criminoso, ou seja, o direito de punir precisa obter um status duplo, e essa duplicidade encontra amparo no sentido da reparação do dano como também na soberania de um poder maior para punir, logo, uma vingança efetivada por um soberano através de um castigo, “na execução da pena mais regular, no respeito mais exato das formas jurídicas, reinam as forças ativas da vindita”.
Foucault (2009, p. 87) afirma que o modo em que a punição exercida pelo soberano na antiguidade era trabalhada, sendo ela através da vingança, passou dessa para punição como meio de defesa da sociedade, aplicando assim o princípio da moderação das penas, portanto, a penalidade num aspecto mais humanitário.
Rosa e Carvalho (2014, p.162), atribuiu a mesma função da pena que Gonzaga, Santos e Bacarin já haviam valorado, de modo que “tal função possui uma finalidade mista, a pena por sua natureza, é retribuitiva, tem seu aspecto moral, mas sua finalidade não é simplesmente prevenção, mas um misto de educação e correção”.
Segundo Hungria (1977, p. 284), o objetivo da punição ao criminoso deve ser de “pena como meio e instrumento de utilidade social”, servindo para, na medida das possibilidades, ressocializá-lo e enviá-lo novamente à sociedade. No entanto, não é desenvolvido e direcionado tratamento específico de punição e ressocialização aos psicopatas, sendo uma das graves omissões do Estado.
Nestes termos, a punição precisa ser adequada às condições conforme as características do agente, ou seja, a punição correta para cada tipo de criminoso, sendo ele considerado como imputável, inimputável ou semi-imputável. Tem-se conceituado como inimputável aquela pessoa que não deve ser responsabilizada pelos crimes praticados por ausência de consciência, sendo isento de pena, no entanto sentenciado com a medida de segurança. Já os imputáveis são aqueles indivíduos que têm plena consciência de seus atos, respondendo diretamente pela prática criminal cometida (FÜHNER, 2000, p.39).
Por repugnar a semi-imputabilidade, o autor alega que a mesma não deve ganhar procedência na esfera penal, por acreditar que o criminoso entende seus atos ou não entende, citando um breve comentário de Hungria “como os estados contrários são excludentes entre si, é logicamente impossível o meio-termo”, embasando assim sua opinião (FÜHNER, 2000, p. 54).
Maximiliano Fühner (2000, p. 65), diz que o psicopata pelo fato de ser constituído por malvadez pura, não pode receber como prêmio um juízo de semi-imputabilidade por mera suposição dos profissionais, concluindo ainda que o enquadramento da pena ao criminoso tem amparo no princípio da legalidade e, que é:
Impossível também esquecer que a pena tem precipuamente o caráter de contenção e de reposição da ordem social e moral, que foi atingida pelo criminoso. Mesmo que a pena não consiga a ressocialização do agente, ela sempre se prestará para isolá-lo e, como um bálsamo, possibilitar um passageiro alívio para o corpo social.
A referência legal nos termos do artigo 26, caput, para os inimputáveis e no §único, do mesmo artigo, aos semi-imputáveis, do Código Penal Brasileiro, propõe que:
Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Redução de pena
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Cabe destacar que o art. 98, do Código Penal Brasileiro, aborda a substituição da pena privativa de liberdade para quem for declarado como semi-imputável, conforme segue:
Art. 98. - Na hipótese do parágrafo único do art. 26. deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º.
A decretação da imputabilidade, da inimputabilidade ou da semi-imputabilidade ao réu se dá através de uma sentença proferida por um juiz de direito, nas palavras de Renato Brasileiro de Lima (2016, p.1471) “para o Código de Processo Penal, sentença é tão somente a decisão que julga o mérito principal, ou seja, a decisão judicial que condena ou absolve o acusado”.
Importante salientar que, no caso de pairar dúvidas acerca da higidez mental do acusado, a fim de torná-lo inimputável, o juiz de ofício ou a requerimento dos legitimados dispostos no art. 149, do Código de Processo Penal, como também de representação da autoridade policial, será instaurado o incidente de insanidade mental (TÁVORA; ALENCAR, 2012, p. 351).
Todavia, conforme descrito anteriormente nas teses dos especialistas, deve-se relembrar que os criminosos psicopatas possuem plena sanidade mental, não cabendo assim a decretação de inimputabilidade, permanecendo desse modo dúvidas quanto à imputabilidade ou semi-imputabilidade.
Já para Morana (Revista Brasileira de Psiquiatria, 2006, p.77), são feitos exames de capacidade de entendimento e de determinação nos criminosos, podendo gerar a semi-imputabilidade, facultando ao judiciário em reduzir a penalidade, conduzi-los à clínicas de tratamento curativo, ou até mesmo aplicar a medida de segurança, sendo que a última alternativa é considerada muito polêmica pelos especialistas.
À vista disso, resta claro que não há consenso na aplicação das penas aos indivíduos declarados como psicopatas, cabendo diante da discricionariedade do juiz decretá-los imputáveis ou semi-imputáveis.
No Brasil não existe prisão diferenciada e especial para receber criminosos com diagnóstico de psicopatia, podendo ser sentenciados com a pena privativa de liberdade ou com a medida de segurança, ficando assim juntamente com criminosos comuns na maioria dos casos, sendo que nesses moldes geram uma problemática ainda maior, que de forma direta prejudicam a recuperação desses criminosos não psicopatas de percentual girando em torno de 80% dos presos, pois começam a agir com crueldade com o intuito de sobrevivência frente às ameaças e rebeliões lideradas por psicopatas, também não resolverá o problema colocar os criminosos psicopáticos em hospitais misturados com doentes mentais, somente se além da psicopatia, os mesmos apresentarem alguma doença mental tratável (SUPERINTERESSANTE, Hilda Morana, 2011).
Semelhante ao pensamento de Morana, Foucault (2009, p. 219), faz referência à concepção do Motifs du Code d’instruction criminelle, (relatório de G.A. Real, p.244):
Como a lei inflige penas umas mais graves que outras, não pode permitir que o indivíduo condenado a penas leves se encontre preso no mesmo local que o criminoso condenado a penas mais graves...; se a pena infligida pela lei tem como objetivo principal a reparação do crime, ela pretende também que o culpado se emende.
Hare (VEJA, 2009), afirma que ainda não há qualquer tipo de tratamento totalmente eficaz que possa controlar ou até mesmo tratar a psicopatia, salientando a exigibilidade de uma política criminal urgente e especializada a esse tipo de criminoso, porque representam um perigo constante a sociedade em geral ao serem tratados com igualdade diante de presos comuns, mesmo sendo evidente a diferença de personalidade entre ambos. Inúmeros estudos propagam que a reincidência nesse tipo de criminoso é assustadora, cerca de duas vezes mais que em delinquente comum, e em crimes mais violentos o índice aumenta para três vezes mais, havendo assim uma enorme necessidade de distinguir os tipos de delinquentes na tentativa de beneficiar o sistema como um todo, tanto prisional como para a sociedade em geral.
A psiquiatra e pesquisadora Ana Beatriz (2008, p. 129), chama a atenção de que a maioria dos especialistas relata que os psicopatas tentam se passar por preso-modelo, obtendo comportamentos exemplares dentro dos presídios, e na frente dos observadores e avaliadores, mas escondendo a verdadeira identidade. Destaca ainda que, quando são feitas as solicitações de benefícios, como exemplo para reduzir pena ou cumpri-la em semiaberto no sistema prisional brasileiro, os mesmos são analisados sem o devido cuidado de um diagnóstico preciso, porquanto “se tais procedimentos fossem utilizados dentro dos presídios brasileiros, certamente os psicopatas ficariam presos por muito mais tempo e as taxas de reincidência de crimes violentos diminuiriam significativamente”, em vista de que em países que utilizaram a escala Hare (PCL) para esse objetivo, a taxa de reincidência nos crimes com maior gravidade reduziram imensamente.
Ademais, o fato da psicopatia ser um tema bastante discutido, bem como por haver distintas discussões, conforme pode ser claramente visualizado pelo pensamento dos estudiosos da área, não existe até o momento atual estabelecimentos próprios para tratamento dos psicopatas. Nesse cenário, conforme já abordado, há diversas teorias possíveis para a questão. Uma delas reconhece a imputabilidade desses indivíduos a partir dos critérios estabelecidos pela legislação penal, onde os mesmos permanecem presos com apenados não psicopatas. A outra corrente inclui o psicopata no rol dos semi-imputáveis, considerando a psicopatia como perturbação da saúde mental, nos termos do artigo 26, parágrafo único, do Código Penal Brasileiro.
2.1. DA CULPABILIDADE X O CÉREBRO DO PSICOPATA: PRIMORDIALIDADE DE EFETIVO DIAGNÓSTICO
A culpabilidade é, baseado num tradicional fundamento, legitimante do Direito Penal, logo significa que determinada ação ou omissão pode ser imputada ao autor do fato criminoso, sendo assim reprovado juridicamente por sua conduta ilícita, mas, surge assim a questão do livre arbítrio que “a culpabilidade reside na liberdade de o autor atuar de modo diverso no momento do fato” (CABETTE, 2013, p. 43).
Fernando Capez (2016, p.317) conceitua a culpabilidade como um pressuposto para imposição de pena, não sendo um elemento do crime, considerando assim uma possibilidade de acometer a alguém a culpa sobre determinado ato criminoso, ou seja, um fato típico e enquadrado como ilícito dentro da legislação penal.
Nestes termos, a teoria do Código Penal Brasileiro tem como elementos da culpabilidade a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa, de modo que não se pode impor uma pena a alguém caso carecer algum desses componentes (CAPEZ, 2016, p. 326).
Hare (VEJA,2009), complementa que:
...há divergências a respeito e existem muitas investigações em andamento para determinar até que ponto vai a responsabilidade deles em certas situações. Uma corrente de pensamento afirma que o psicopata não entende as consequências de seus atos. O argumento é que, quando tomamos uma decisão, fazemos ponderações intelectuais e emocionais para decidir. O psicopata decide apenas intelectualmente, porque não experimenta as emoções morais. A outra corrente diz que, da perspectiva jurídica, ele entende e sabe que a sociedade considera errada aquela conduta, mas decide fazer mesmo assim. Então, como ele faz uma escolha, deve ser responsabilizado pelos crimes que porventura venha a cometer. Não há dados empíricos que deem apoio a um lado ou a outro. Ainda é uma questão de opinião. Acredito que esse ponto será motivo de discussão pelos próximos cinco ou dez anos, tanto por parte dos especialistas em distúrbios mentais quanto pelos profissionais de Justiça.
Segundo pesquisas do psiquiatra Robert Muller (MUNDO ESTRANHO,2017), existe uma provável predisposição genética para o transtorno da psicopatia, porém o papel do ambiente vivenciado é de grande relevância para influenciar as atitudes criminais dos psicopatas, logo ambos os fatores inspiram para tais comportamentos desviantes.
Ao compilar semelhanças de diversos casos onde os autores dos fatos eram crianças menores de 11 anos, pontos comuns foram encontrados, como os abusos sofridos pelos mesmos em casa e fora dela, problemas em casa (criminalidade na família, sofrimentos traumáticos, negligência por parte dos pais) e, conforme pesquisadores da George Washington University (MUNDO ESTRANHO, 2017) o preconceito sofrido por garotos com conflitos de identidade sexual que sofriam bullying perante outras pessoas.
A fim de se conceituar, no Brasil, a Lei nº 13.185 de 2015 classifica o bullying como intimidação sistemática, quando há violência física ou psicológica em atos de humilhação ou discriminação. Esta classificação também inclui ataques físicos, insultos, ameaças, comentários e apelidos pejorativos, entre outros, conforme pode-se verificar:
Art. 2o. Caracteriza-se a intimidação sistemática (bullying) quando há violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação e, ainda:
I - ataques físicos;
II - insultos pessoais;
III - comentários sistemáticos e apelidos pejorativos;
IV - ameaças por quaisquer meios;
V - grafites depreciativos;
VI - expressões preconceituosas;
VII - isolamento social consciente e premeditado;
VIII - pilhérias.
Parágrafo único. Há intimidação sistemática na rede mundial de computadores (cyberbullying), quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial.
Art. 3o. A intimidação sistemática (bullying) pode ser classificada, conforme as ações praticadas, como:
I - verbal: insultar, xingar e apelidar pejorativamente;
II - moral: difamar, caluniar, disseminar rumores;
III - sexual: assediar, induzir e/ou abusar;
IV - social: ignorar, isolar e excluir;
V - psicológica: perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, manipular, chantagear e infernizar;
VI - físico: socar, chutar, bater;
VII - material: furtar, roubar, destruir pertences de outrem;
VIII - virtual: depreciar, enviar mensagens intrusivas da intimidade, enviar ou adulterar fotos e dados pessoais que resultem em sofrimento ou com o intuito de criar meios de constrangimento psicológico e social.
Consoante ao pensamento de Robert Hare (2013, p.11 e p.12), muitas vezes a distinção entre os criminosos psicopatas ou não, deixa de ser realizada pelos agentes do sistema judiciário criminal, porque não possuem experiência para lidar com a psicopatia, não sendo realizados exames detalhados e específicos, deixando assim inúmeras consequências maléficas à sociedade.
Outro detalhe observado por Hare (2013, p.39), é na importante distinção entre o sociopata e o psicopata, sendo que o último deve ser analisado perante fatores psicológicos, biológicos e genéticos, enquanto a síndrome da sociopatia encontra amparo na sociedade e experiências vivenciadas.
A predisposição genética para a psicopatia pode ser demonstrada nas pesquisas sobre os cérebros dos psicopatas na Universidade da Califórnia do Sul, onde foram apontadas diferenças e anomalias nas regiões frontal e temporal, estando elas associadas ao autocontrole, à empatia, às questões morais (MUNDO ESTRANHO, 2017).
Nos estudos do neurocientista Kent Kiehl foram constatados níveis pequenos de densidade no sistema límbico, que é o encarregado pelas emoções, sendo ele formado por inúmeras partes, estando entre elas a amígdala e o hipotálamo, cabendo destacar que é a amígdala a parte do cérebro envolvida em condições aversivas e na aprendizagem por punição (SEGREDOS DA MENTE EXTRA, 2016).
Muita confusão e ignorância é refletida no momento de diagnosticar alguém com a síndrome psicopática, pois além das dúvidas atreladas entre outros transtornos de personalidade e a psicopatia, há também equívocos na relação com transtornos mentais, porque muitos exames não são realizados, no sentido de diferenciar os psicopatas por suas características inerentes, logo importantes indicadores apontam para alterações hereditárias e fatores médicos cerebrais, constatando que as pessoas portadoras da síndrome psicopática possuem uma amígdala percentualmente menor do que na população geral, como também capacidade reduzida de comunicação da amígdala com o chamado córtex frontal (GAUER ; LÜHRING, 2013, p. 609).
Vasconcellos (2014, p.70) relata achados científicos de suma importância sobre o cérebro desses criminosos:
Estudos que investigam diferenças não apenas neurocognitivas, mas também anatômicas em psicopatas mostram que essa “pequena amêndoa”, conforme o significado do termo, é disfuncional em psicopatas em comparação a indivíduos normais. A “porta de entrada do sistema límbico” exerce um papel crucial em nosso processo de socialização ou mesmo para a manifestação de comportamentos antissociais ou pró-sociais.
Sendo assim, diante das recentes pesquisas cientificas sobre o cérebro dos psicopatas até aqui demonstradas, como também sobre o conceito de culpabilidade para o direito penal, ficou transparecido que pelo fato do possuidor desse transtorno ter essa disfunção, não possui o livre arbítrio para poder decidir de modo diverso do programado pelo cérebro, gerando a dúvida sobre a culpabilidade a serem instituídas aos criminosos psicopatas.