IX – POSIÇÃO DO EXECUTIVO FEDERAL: SOMATÓRIO DAS RENDAS, TIDAS POR ACUMULAÇÃO LÍCITA DE CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS, PARA INCIDÊNCIA DO ABATE-TETO CONSTITUIÇÃO, EM OPOSIÇÃO AOS RE 602.043 E 612.975
Em posição diametralmente oposta, o Governo Federal, mediante Notas Informativas nºs 17736/2018-MP e 492/2019-MP, ambas datadas de 15 de janeiro de 2019[9], mas de conteúdos rigorosamente idênticos, ignora decisões do STF e mantém a incidência do teto remuneratório considerando o somatório das rendas auferidas pelo servidor.
X – COMPROVAÇÃO DA FRAGILIDADE ARGUMENTATIVA DO ÓRGÃO CENTRAL DO SIPEC (À ÉPOCA, INSERIDO NA ESTRUTURA FUNCIONAL DO EXTINTO MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E GESTÃO - MPDG)
Faz-se mister, como forma de ratificar a proeminência de nossos argumentos, tecer breves comentários acerca do teor das Notas Informativas – NI em referência:
a) os pareceres da AGU reportados nas NI classificam-se no art. 42 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993 – Lei Orgânica da AGU[8] -, cuja obrigatoriedade de sua observância restringe-se ao cumprimento dos órgãos vinculados e entidades subordinadas ao Ministério Supervisor, no caso o MPDG - incorporado ao Ministério da Economia por força da Lei nº 13.844, de 18 de junho de 2019[8] -, facultando a fidelização dos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Pessoal Civil do Poder Executivo Federal – SIPEC;
b) a irresignação do agente público elaborador das NI, ao dizer que “os argumentos elencados nos Recursos supracitados (RE 602.043 e 612.975) vão de encontro à essência do Poder Constituinte Originário” não vai mais além do que uma opinião pessoal, já que qualquer modificação nos julgados em alusão deve ser proposta na esfera judicial;
c) o mesmo elaborador, ao afirmar que “cumpre registrar que a União não é parte nos Recursos Extraordinários nº 602.043 e 612.975, embora tenha ingressado em ambos os casos na condição de amicus curiae, conforme PARECER nº 01688/2018/CONJUR-MP/CGU/AGU (7609483).”, afastou-se da real condição da União, uma vez que:
(i) o amicus curiae NÃO TEM LEGITIMIDADE RECURSAL. Precedentes do próprio STF[1]:
“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS POR AMICUS CURIAE. NÃO CONHECIMENTO. LEGITIMIDADE RECURSAL. INEXISTÊNCIA.
I – Esta Corte pacificou sua jurisprudência no sentido de que não há legitimidade recursal das entidades que participam dos processos do controle abstrato de constitucionalidade na condição de amicus curiae, “ainda que aportem aos autos informações relevantes ou dados técnicos” (ADI 2.591-ED/DF, Rel. Min. Eros Grau).
II - Precedentes.
III – Agravo regimental improvido”
(ADI 3.934-ED-AgR/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski).
“AGRAVOS REGIMENTAIS NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS POR AMICUS CURIAE. NÃO CONHECIMENTO DOS EMBARGOS POR AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE RECURSAL. PRETENSÃO, DA AUTORA DA ADI, DE CONHECIMENTO DOS EMBARGOS ‘COMO SE SEUS FOSSEM’. NÃO-CABIMENTO.
1. Agravo regimental interposto pelo Sindicato Nacional das Empresas distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo - SINDIGÁS. O entendimento desta Corte é no sentido de que entidades que participam dos processos objetivos de controle de constitucionalidade na qualidade de amicus curiae não possuem, ainda que aportem aos autos informações relevantes ou dados técnicos, legitimidade para recorrer. Precedentes.
2. Agravo regimental interposto pela Confederação Nacional da Indústria contra decisão que não conheceu dos embargos declaratórios opostos pelo amicus curiae. Não oposição de embargos de declaração pela requerente da ADI no prazo legal. É desprovida de fundamento legal a pretensão da requerente que, por via transversa, postula o acolhimento dos embargos de declaração opostos pelo amicus curiae ‘como se seus fossem’, com efeitos infringentes, para revolver a discussão de mérito da ação direta.
3. Agravo regimental interposto pelo amicus curiae, Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo - SINDIGÁS, não conhecido. Agravo regimental da Confederação Nacional da Indústria - CNI a que se nega provimento”
(ADI 2.359-ED-AgR/ES, Rel. Min. Eros Grau).
“AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE - ADI. Amicus curiae. Recurso. Legitimidade ou legitimação recursal. Inexistência. Embargos de declaração não conhecidos. Interpretação do art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/99. Amicus curiae não tem legitimidade para recorrer de decisões proferidas em ação declaratória de inconstitucionalidade, salvo da que o não admita como tal no processo”
(ADI 3.105-ED/DF, Rel. Min. Cezar Peluso).
“Embargos de declaração. Ação direta de inconstitucionalidade. Procedência total. Declaração de inconstitucionalidade do dispositivo legal. 1. Carece de legitimidade recursal quem não é parte na ação direta de inconstitucionalidade, mesmo quando, eventualmente, tenha sido admitido como amicus curiae. 2. Entendendo o colegiado haver fundamentos suficientes para declarar a inconstitucionalidade, não há como, em embargos de declaração, reformar o julgado para simplesmente dar interpretação conforme, na linha da pretensão da embargante. 3. Eventual reforma do acórdão embargado na via dos declaratórios somente é possível quando presente algum defeito material, elencado no art. 535 do Código de Processo Civil, cuja solução obrigue o reexame do tema. 4. Embargos de declaração do Sindicato dos Policiais Civis e Penitenciários e Servidores da Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado do Piauí não-conhecidos e declaratórios da Assembleia Legislativa do Estado do Piauí rejeitados”
(ADI 3.582-ED/PI, Rel. Min. Menezes Direito).
(ii) nos Segundos Embargos Declaratórios no Recurso Extraordinário nº 602.043-MT[1], a União não atua como amicus curiae, mas sim como EMBARGANTE, ao lado do Estado de Mato Grosso Se a União tivesse ingressado como amicus curiae, o STF inadmitiria, de plano, qualquer pretensão recursal do Executivo federal, mas o fato é que a Corte conduziu o deslinde da questão constitucional posta qualificando-a como EMBARGANTE;
(iii) o excerto reproduzido da NOTA nº 00413/2018/ASSSGCT/SGCT/AGU, de 19 de outubro de 2018 pelo elaborador da NI – “tendo em vista a pendência de julgamento dos embargos de declaração, os quais poderão modificar a amplitude de incidência das decisões e/ou a sua eficácia temporal” -, já foi soberanamente superado com o julgamento dos ED-RE-Segundo nº 602.043-MT (julgado em 1º de agosto de 2018 e, portanto, 80 dias antes da NOTA da AGU), já que o Tribunal, por unanimidade, desproveu os embargos. O pedido da União, vencido, tem a seguinte redação:
A União argui omissão, argumentando que o Pleno, ao declarar a inconstitucionalidade dos artigos 1º e 9º da Emenda Constitucional nº 41/2003, não se manifestou a respeito da modulação dos efeitos do acórdão. Reporta-se, analogicamente, ao disposto no artigo 27 da Lei nº 9.869/1999. Sublinha necessária decisão de ofício do Tribunal, considerado o princípio da segurança jurídica. Discorre sobre os votos proferidos, os quais, consoante afirma, superaram a interpretação literal do artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal. Articula com o fato de o Supremo ter se pronunciado, pela primeira vez, sobre a matéria. Aduz a impossibilidade de a Administração proceder ao controle de constitucionalidade de leis. Assevera estarem os entes públicos observando o teto constitucional único há mais de duas décadas. Evoca precedentes nos quais modulada a eficácia de acórdãos formalizados sob o regime da repercussão geral mediante a interposição de declaratórios.
Lapidar foi o desfecho do voto vencedor da lide:
A Lei das leis surge como documento rígido. O instituto da modulação foi engendrado para atender a situações excepcionalíssimas, reservada a aplicação quando verificada alteração de jurisprudência dominante, nos termos do artigo 927, § 3º, do Código de Processo Civil.
Conforme fiz ver quando do julgamento do recurso, a possibilidade de acumulação lícita de cargos, em rol específico e taxativo, vem do texto primitivo da Constituição Federal, não tendo sido a matéria analisada até então pelo Pleno. Descabe cogitar da modulação – principalmente em processos de índole subjetiva – da decisão do Tribunal, dando-se o dito pelo não dito para salvar-se situações concretas frontalmente conflitantes com a Lei Maior, conforme consignado pelo Plenário.
Há, destarte, indícios de que a AGU, inobstante conhecer com razoável antecedência a derrota da União nos Embargos, em que o STF se manifestou pela desnecessidade de modulação dos efeitos irradiadores da decisão prolatada, manteve sua hígida posição em detrimento da jurisprudência conformada nos arestos em questão.
Ademais, o marco temporal consignado pelo TCU no item 9.1.5 do Acórdão nº 504/2018-Plenário, para fins de reposição ao Erário – 4 de maio de 2017 -, tornou-se inócuo, haja vista a não modulação dos efeitos temporais pelo Supremo e, via de consequência, incabível o exercício de ilegal e ilegítima coerção funcional para reposição de valores por servidores agraciados com remunerações/subsídios que cumulativamente superem o valor pago aos ministros do STF.
XI – CONCLUSÃO
Considerando que a finalidade precípua do instituto da repercussão geral é a de uniformizar a interpretação constitucional sem exigir que o STF decida múltiplos casos idênticos sobre a mesma questão constitucional, cuja sistematização de informações destina-se a auxiliar a padronização de procedimentos no âmbito do STF e nos demais órgãos do Poder Judiciário - “As decisões proferidas pelo Plenário do STF quando do julgamento de recursos extraordinários com repercussão geral vinculam os demais órgãos do Poder Judiciário na solução, por estes, de outros feitos sobre idêntica controvérsia.” [Rcl 10.793, rel. min. Ellen Gracie, j. 13-4-2011, P, DJE de 6-6-2011.], - de forma a garantir a racionalidade dos trabalhos e a segurança dos jurisdicionados, destinatários maiores da mudança que ora se opera, é razoável supor que o tema encontra-se pacificado, e a litigiosidade absoluta não trará o efeito prático de conter gastos da União hipoteticamente eivados de irregularidades;
Considerando que o entendimento da União tende a gerar despesas extras para defesa de seus interesses, quando há casos concretos de derrotas no judiciário nacional decorrentes da aplicação da tese nascida nos RE 602.043 e 612.975; e
Considerando a farta exposição de evidências de ordens técnico-administrativo, legal e jurídica, divergentes de meras Notas Informativas, estas não vinculantes e não obrigatórias pelos órgãos e entidades da Administração Federal,
É de bom alvitre a revisão do posicionamento da União, antecipando-se à eventual e futura judicialização do tema, evitando encargos financeiros com mobilização de sua equipe jurídica, ônus de sucumbência e danos materiais e/ou morais, ante probabilidade concreta de derrota.
XII - NOTAS
[1] Consulta à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, pelo link http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp, último acesso em 11.10.19
[2] Consulta à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, pelo link https://scon.stj.jus.br/SCON/, último acesso em 11.10.19
[3] Consulta à Jurisprudência Unificada no Portal eletrônico do Conselho de Justiça Federal – CJF, pelo link https://www2.cjf.jus.br/jurisprudencia/unificada/, último acesso em 11.10.19
[4] Jurisprudência em Perguntas mantido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT - “Em caso de cumulação legítima de cargos públicos, o teto constitucional incide sobre a soma das remunerações?”, disponível no link https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/jurisprudencia-em-perguntas/direito-administrativo/servidor-publico/em-caso-de-cumulacao-legitima-de-cargos-publicos-as-remuneracoes-se-submetem-ao-teto-constitucional-unificado, último acesso em 11.10.19
[5] Pesquisa de Jurisprudência no Portal eletrônico do Tribunal de Contas da União – TCU, pelo link https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/pesquisa/acordao-completo, último acesso em 11.10.19
[6] Consulta a decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, pelo link https://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/ConsultarJurisprudencia/listaJurisprudencia.jsf?idAcordao=7723511, último acesso em 11.10.19
[7] Publicação oficial da Súmula AGU nº 82, de 7 de fevereiro de 2018, pelo link http://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/2972105/do1-2018-02-09-sumula-n-82-de-7-de-fevereiro-de-2018-2972101, último acesso em 11.10.19
[8] Consulta à legislação federal, pelo link http://www4.planalto.gov.br/legislacao/, último acesso em 11.10.19
[9] Pesquisa da legislação de pessoal do Governo Federal, pelo link https://legis.sigepe.planejamento.gov.br/legis/pesquisa-avancada, último acesso em 11.10.19