INTRODUÇÃO Desde a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor tem aumentado as demandas judiciais contra médicos e clínicas/hospitais por reparação civil em decorrência de danos sofridos por pacientes em virtude de procedimentos médicos. Com a solução de tais demandas, apesar das dificuldades enfrentadas, o judiciário vem evoluindo nos institutos da responsabilidade civil, buscando conciliar a proteção e melhor interesse do paciente/consumidor sem prejudicar o avanço da medicina e evitando abusos. Conforme disposição legal, a responsabilidade civil do médico (profissional liberal) é subjetiva (artigo 14, § 4.º, da Lei 8.078/1990, que institui o Código de Defesa do Consumidor), na qual ele assume uma obrigação de meio, ou seja, aquela em que deve empenhar-se para alcança um resultado, ainda que este não seja alcançado, só respondendo a título de culpa (imprudência, negligência ou imperícia).¹ Portanto, para a responsabilização do médico é necessário provar a conduta (no caso o procedimento médico), o resultado (o dano suportado pelo paciente, uma cicatriz a título de exemplo), o nexo (a cicatriz foi em decorrência do procedimento médico) e ainda a culpa do profissional. Para afastar ainda a responsabilidade do médico a jurisprudência tem empregado um Instituto, nominado pelo professor Elias Kallas Filho como “Fato da técnica”, objeto do estudo do presente trabalho e conceituado abaixo. ¹ TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil 2. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p.106 * Graduando em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas. ** Graduando em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas. FATO DA TÉCNICA COMO EXCLUDENTE DA RESPONSABILIDADE CIVIL Em que pese o dano sofrido pelo paciente, muitas vezes este não é decorrente da negligencia, imprudência ou imperícia do profissional, mas sim um resultado possível e inevitável, apesar do emprego correto da técnica médica, isso é o “fato da técnica”, conforme brilhante explicação do professor Elias Kallas Filho: "Hipótese de que toda intervenção médica, ainda que executada com prudência, diligência e perícia, expõe o paciente a riscos inevitáveis, decorrentes da própria técnica médica que, embora consagrada e preconizada pela comunidade científica internacional, nunca é absolutamente segura, podendo de forma ocasional provocar dano ao paciente sem que exista dever de reparação por parte do profissional ou do estabelecimento médico. Trata-se de uma causa excludente da responsabilidade civil do médico, aplicável aos casos em que o dano seja reconhecido como um fato da técnica, isto é, efeito inevitável de um procedimento consagrado e corretamente executado, mas que, por suas próprias características técnicas, expõe o paciente a riscos que o médico não pode controlar."² Logo, não há o se falar em responsabilidade civil do médico quando, apesar do emprego correto da técnica conforme preconizado pela comunidade médica, o paciente venha a sofrer um dano. É o entendimento que se extrai do seguinte julgado: RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ERRO MÉDICO NÃO RECONHECIDO. AUSÊNCIA DE PROVA DE FALHA DO PROFISSIONAL. PROVA PERICIAL. TÉCNICA CORRETA. HÉRNIA. RECIDIVA. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE AGIR ILÍCITO. 1. A responsabilização do médico por defeito na prestação do serviço implica evidência de culpa. Art. 14, § 4º do CDC. São pressupostos da responsabilidade subjetiva: a comprovação da ocorrência do dano, a culpa ou dolo do agente e o nexo de causalidade entre o agir do réu e o prejuízo. 2. A responsabilidade civil de hospitais e clínicas quanto aos atos dos profissionais da saúde a eles vinculados possui, igualmente, natureza subjetiva. 3. Atendimento realizado no hospital requerido, onde foi realizada cirurgia em razão de hérnia inguinal. Possibilidade de recidiva da moléstia/lesão mesmo após procedimento realizado dentro dos corretos padrões técnico-médicos. Prova pericial a afastar a alegação de falha na prestação do serviço. Dever de indenizar não configurado. Sentença de improcedência mantida. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação cível. Nº 70075729517.Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 26/04/2018). (grifo nosso) ² KALLAS FILHO, Elias. O fato da técnica: excludente da responsabilidade civil do médico. Revista De Direito Sanitário. 2013. p.139. disponível em: < http://www.revistas.usp.br/rdisan/article/view/63998/66737 >
CONSIDERAÇÕES FINAIS Com a ampliação do acesso aos serviços médicos e jurídicos também tem aumentado as demandas judiciais em torno da responsabilização civil dos médicos por danos suportados pelos pacientes. O Judiciário, no entanto, deve apreciar tais demandas com muita cautela para que haja a devida responsabilização pelos danos resultantes de procedimentos realmente incorretos, logo, com culpa do profissional médico. No entanto, quanto àqueles danos inevitáveis apesar do emprego correto da técnica, acima conceituado como “fato da técnica”, não há o que se falar em responsabilização médica. Portanto, o conceito de fato da técnica desenvolvido pelo professor Elias Kallas tende a simplificar a fundamentação dos julgamentos, bem como amparar o desenvolvimento das técnicas médicas, evitando abusos na reparação civil.
BIBILIOGRAFIA KALLAS FILHO, Elias. O fato da técnica: excludente da responsabilidade civil do médico. Revista De Direito Sanitário. 2013. disponível em: < http://www.revistas.usp.br/rdisan/article/view/63998/66737 >. TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil 2. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.