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Estado de Direito

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Agenda 07/01/2006 às 00:00

3. Estado de Direito, Jurídico ou Judiciário

No Estado de Direito prevalece o princípio da isonomia (equiparar para buscar e auferir igualdade entre os sujeitos de direito) 15 e de onde decorre, é claro, a própria igualdade formal (todos são iguais perante a lei), a liberdade negativa 16 e a equidade 17.

Já no Estado Jurídico o princípio fundador é o da autolimitação do Poder Político (funcionando como mecanismo de elevação ou de aprofundamento dos níveis de juridicidade do Poder Político), quando o Direito e os meios democráticos tendem a controlar melhor o poder do Estado – por exemplo, garantindo a institucionalização da separação dos poderes.

O Estado Jurídico pode ser sinônimo de Estado Judiciário, mas ressalve-se que isto se verificará apenas se atentarmos para a ocorrência de uma eficiente 18 separação dos poderes e que disso, inevitavelmente, também resulte uma maior desenvoltura (autonomia e interdependência) do Poder Judiciário.

O Estado Jurídico ainda pode ser entendido como uma fase do Estado de Direito, quando conferimos maior grau de juridicidade à resolução dos conflitos políticos – portanto, sendo o Estado de Direito precedente, o Estado Jurídico lhe é decorrente 19. O que se acentua aqui é realmente esse maior grau de juridicidade, mas, no fundo, são como duas fases ou faces do mesmo conceito, e que vêm sendo elaborados desde o século XVII. Porém, será um outro modelo de Estado, principalmente se compreendermos que ganhou impulso com as novas formas instauradas pelo chamado Estado Capitalista a partir do século XVIII (a fase mercantilista do capital).

No mais, nessa análise do Estado de Direito, do Estado Jurídico (Judiciário) e do Estado Judicial 20, pretendemos destacar uma noção crítica, mas acima de tudo teleológica, do Direito e do Estado. Por crítica, entenda-se a análise que ressalta aspectos ideológicos que estão na base do Direito e do Estado como, por exemplo, as artimanhas e as chicanas que obscurecem e embargam nossa compreensão acerca da realidade política.

Já por perspectiva teleológica (ainda que redundante) destacamos a necessária interpretação que busca no Estado os meios necessários à realização das finalidades sociais, populares e democráticas desse mesmo Poder Político. Pois, sem isso, não há projeto social e político que resista às formas autoritárias do poder, às injustiças, aos privilégios ou às mesquinharias dos donos do poder. Mas não se veja nas afirmações nenhuma imputação de verdade ou determinação absoluta e irrefreável do poder, pois, historicamente, é fácil notar que a capacidade teleológica da sociedade civil é sempre superior aos Estados abusivos.

Por fim, podemos dizer que aplicar o Direito Justo é promover uma revolução na estrutura social e política que porventura ainda se mantenha atrelada a benefícios injustos. E nisto, ao propor a Justiça por meio do Direito, o Estado de Direito é inovador e revolucionário. Principalmente num país como o Brasil, em que o Direito mantém uma relação inversamente proporcional às necessidades sociais dos mais pobres.

3.1. Estado de Direito Revolucionário

Desse modo, considerar a prática política e jurídica (legítima) do Estado de Direito, no Brasil, em si já seria um procedimento revolucionário. Se a lei não muda nada por si mesma, a vontade de se aplicar este conjunto legal à realidade sócio-econômica seria o estampido da mudança social - justamente por envolver a ação política de transformação necessária à própria aplicação de um Direito Justo. Ou, mais simplesmente, só uma vontade política nova pode ser aplicada a um direito novo – a prática do Estado de Direito, para nós, seria esse Direito novo, especialmente nos rincões e nos sertões, mas também nos grandes centros urbanos favelados. Para esta definição, vou utilizar-me de Carré de Malberg, um francês chocado com a Primeira Guerra e pronto a defender a lei contra a violência. Diz Malberg (2001) 21:

"Por Estado de Direito se deve entender um Estado que, em suas relações com seus súditos e para a garantia do estatuto individual, submete-se ele mesmo a um regime de direito, porquanto encadeia sua ação em respeito a eles, por um conjunto de regras, das quais umas determinam os direitos outorgados aos cidadãos e outras estabelecem previamente as vias e os meios que poderão se empregar com o objetivo de realizar os fins estatais: duas classes de regras que têm por efeito comum limitar o poder do Estado subordinando-o à ordem jurídica que consagram".

"Uma característica do regime do Estado de Direito consiste precisamente em que, com respeito aos administrados, a autoridade administrativa somente pode empregar meios autorizados pela ordem jurídica vigente, especialmente pelas leis. Isto implica duas coisas: por um lado, quando entra em relação com os administrados, a autoridade administrativa não pode ir contra as leis existentes, nem se apartar delas, ela está obrigada a respeitar a lei. Por outro lado, no Estado de Direito em que se tenha alcançado seu completo desenvolvimento, a autoridade administrativa não pode impor nada aos administrados se não for em virtude da lei, e não pode aplicar, com respeito a eles, senão as medidas previstas explicitamente pelas leis ou ao menos implicitamente autorizadas por elas; o administrador que exige de um cidadão um feito ou uma abstenção deve começar por mostrar-lhe o texto da lei de onde toma o poder para dirigir-lhe esse mandamento".

"Por conseguinte, em suas relações com os administrados, a autoridade administrativa não deve somente abster-se de atuar contra legem senão que ademais está obrigada a atuar somente secundum legem, ou seja, em virtude das habilitações legais. Finalmente, o regime do Estado de Direito implica essencialmente que as regras limitantes que o Estado impôs a si mesmo, em interesse de seus súditos, poderão ser alegadas por estes da mesma maneira que se alega o direito, já que somente com esta condição terão de constituir, para o súdito, verdadeiro direito".

"O Estado de Direito é então aquele que, ao mesmo tempo, formula prescrições relativas ao exercício do seu poder administrativo, e assegura aos administrados, como sanção de ditas regras, um poder jurídico de atuar ante uma autoridade jurisdicional com o objetivo de obter a anulação, a reforma ou pelo menos a não aplicação dos atos administrativos que as tiveram infringido. Portanto, o regime do Estado de Direito se estabelece em interesse dos cidadãos e tem por fim especial preservá-los e defendê-los contra a arbitrariedade das autoridades estatais".

"O regime do Estado de Direito significa que não poderão impor-se aos cidadãos outras medidas administrativas, que não sejam aquelas que estejam autorizadas pela ordem jurídica vigente, e, por conseguinte, exige-se a subordinação da administração tanto aos regulamentos administrativos quanto às leis. Não se pode confundir, entretanto, esta fórmula governamental com aquela que se conhece habitualmente sob o nome de governo convencional 22".

"Ademais, o desenvolvimento natural do princípio sobre o qual descansa o Estado de Direito, implicaria que o próprio legislador não pode, mediante leis feitas a título particular, derrogar as regras gerais consagradas pela legislação existente. Estaria igualmente de acordo com o espírito de dito regime que a Constituição determinasse princípios e normas superiores, e garantisse aos cidadãos aqueles direitos individuais que devem permanecer fora do alcance do legislador 23. O regime do Estado de Direito é um sistema de limitação, não somente das autoridades administrativas, senão também do corpo legislativo".

"Mas, por outro, não se há elevado o Estado de Direito até a perfeição, pois, se bem se assegura aos administrados uma proteção eficaz contra as autoridades executivas, não se obriga o legislador a um princípio de respeito do direito individual que deva impor-se a ele de um modo absoluto. Para que o Estado de Direito se encontre realizado, é indispensável, em efeito, que os cidadãos estejam providos de uma ação de justiça, que lhes permita atacar aos atos estatais viciosos que lesionem seu direito individual 24".

"A Constituição não somente exige que o administrador atue intra legem, senão que lhe manda atuar secundum legem, no sentido de que todo ato administrativo deve fundar-se em leis que lhe autorizem, ou nas quais busque a execução. Neste sentido está certo afirmar, sem forçar o alcance natural das palavras, que a administração é somente um poder de ordem executiva. A expressão função executiva traduz unicamente a idéia de que a atividade das autoridades, diferente do legislador, apenas pode exercer-se em virtude das leis; mas não existe nenhuma categoria particular de atos que sejam, pela sua mesma natureza, atos executivos".

"Em síntese: 1º O Estado de Direito se estabelece simples e unicamente em interesse e para a salvaguarda dos cidadãos: só tende a assegurar a proteção do seu direito ou do seu estatuto individual; 2º O sistema do Estado de Direito se encontra estabelecido atualmente na maior parte dos Estados, pelo menos no que se refere ao poder administrativo; 3º O sistema do Estado de Direito, por mais que tenha um alcance menos absoluto que o do sistema do Estado legal, enquanto a extensão do poder administrativo, possui, em outros aspectos, um alcance maior que este último".

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O democrático e legítimo no Estado de Direito está no fato de que se interpôs o Direito e suas garantias como obstáculo à extrema concentração do poder e ao arbítrio que lhe seria obviamente decorrente.

Transpondo as observações, é como se disséssemos que o Estado de Direito no Brasil seria revolucionário por transformar-se em "legitimidade política" e assim nos rogaria alguma "legalidade administrativa". Esse foi, relativamente, o curso de legalização e de burocratização por que passou o Estado Constitucional revolucionário, desde a origem, em direção à sua transformação institucional (institucionalização da política) na forma do Estado de Direito. Desse curso também adveio a idéia-matriz da Constituição, a idéia-força que lhe daria suporte legal, e isto seria uma espécie de positivação do Estado Constitucional, isto é, um Estado Constitucional positivado é um Estado de Direito Positivo 25.

3.2. Características e Princípios Elementares do Estado de Direito 26

A razão que existe entre os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade revela que a cada ação corresponde uma reação de igual valor ou de força equivalente.

Deve haver uma razoável proporção entre os meios empregados e os fins almejados, ou seja, deve haver uma adequação entre meios e fins (ou proporção satisfatória, satisfativa na relação custo-benefício). Portanto, de acordo com os princípios administrativos arrolados, não se aplica a regra política de que os fins justificam os meios.

Na essência são tidos como sinônimos, os princípios da legalidade e da liberdade negativa. Mas há diferenças, se entendermos que essas diferenças não serão essenciais.

Tendo-se o Estado como referência, o que muda é a angulação em que se projeta um determinado ponto de vista, ou seja, se de cima para baixo ou se, ao contrário, de baixo para cima. Pelo princípio da legalidade, o Estado edita normas e se vê obrigado ao cumprimento dessas normas, portanto, ao agir assim, o Estado cria normas e responsabilidades para si mesmo (desse modo, o movimento é de cima para baixo).

Já pelo viés do princípio da liberdade negativa, olhando-se de baixo para cima, trata-se de se assegurar direitos e garantias que salvaguardem o cidadão perante as ações abusivas do próprio Estado (deve-se lembrar especialmente, neste caso, dos chamados remédios jurídicos e das garantias constitucionais).

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Estado de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 920, 7 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7786. Acesso em: 6 mai. 2024.

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