RESUMO
O presente trabalho objetiva uma análise do direito fundamental ao acesso à justiça a partir da perspectiva dos meios consensuais de resolução de conflitos de interesses. A conciliação e a mediação são alternativas de solução adequada de controvérsias haja vista a concretização do acesso a uma ordem jurídica justa e a satisfação do usuário. Buscou-se discorrer sobre o desenvolvimento do princípio dentro do ordenamento brasileiro, bem como a forma de efetivá-lo. Também abordou-se as peculiaridades dos institutos da conciliação e da mediação em favor do incentivo a mudança do paradigma da cultura litigiosa.
Palavras-chave: Acesso à justiça. Conciliação. Mediação. Pacificação social.
INTRODUÇÃO
O estudo da conciliação e da mediação como instrumentos de solução adequada de conflitos tem o intuito de abordar a aplicação de tais institutos como forma de efetivação do acesso à justiça e da pacificação social.
O acesso à justiça é um direito fundamental de garantia a uma ordem jurídica justa que se configura pela preservação de outros princípios. Logo, o acesso à justiça é um princípio que não se configura, meramente, pelo ingresso ao Poder Judiciário.
Ao longo dos anos, o referido princípio passou por diversas fases a fim de transpor os óbices do acesso à justiça, quanto à criação de assistência judiciária gratuita, outorga de direitos difusos e uma abordagem sobre os métodos consensuais de solução de conflitos.
A concretização do acesso à justiça é conceito volátil, pois, submete-se as mudanças sociais, bem como a alterações na prestação dos serviços judiciais. Tendo em vista que a ordem jurídica brasileira ainda é sinônimo de altos custos das demandas, formalismo exacerbado e morosidade da tutela jurisdicional, a instituição da política pública de tratamento adequado de conflito de interesses enseja o movimento do novo acesso à justiça no direito brasileiro.
Devido ao monopólio estatal, por força da inafastabilidade do controle jurisdicional, é dever constitucional do Estado promover a aplicação da lei e outorgar a solução dos litígios. Por conseguinte, alguns modos de solução de conflitos, diversos da jurisdição contenciosa, são aceitos no ordenamento jurídico brasileiro, os métodos alternativos não excluem a atuação do Poder Judiciário proporcionando possibilidade de escolha para o jurisdicionado.
A escolha do presente tema visa analisar a evolução histórica do acesso à justiça no ordenamento jurídico brasileiro até os dias atuais, e como o estímulo aos métodos consensuais podem representar uma mudança produtiva na tutela jurisdicional.
Considerando que os métodos consensuais não vieram para sobrepor o judiciário, mas para aumentar a abordagem do acesso à justiça em favor da satisfação do jurisdicionado. A pesquisa centra-se no entendimento das peculiaridades dos meios de resolução de conflitos, em especial, conciliação e da mediação de modo que serão tratadas as diretrizes propostas pelo Conselho Nacional de Justiça, a criação de órgãos e unidades jurisdicionais voltadas para a solução compositiva.
De modo a sistematizar o tema, o presente trabalho foi cedido em quatro capítulos para desenvolvimento do conteúdo.
O primeiro capítulo será apresentada a correlação entre a ciência jurídica e a sociedade. Ainda nesse capítulo, evolução histórica e o conceito do princípio do acesso à justiça, especialmente segundo a doutrina de Cappelletti.
No segundo capítulo será analisado o progresso do referido princípio dentro das Constituições brasileiras, aprofundando-se mais sobre o tema na abordagem de outras garantias constitucionais.
No capítulo seguinte serão abordados o conceito de conflito bem como do que se compreende como formas de resolução de conflitos, com vistas aos aspectos que envolvem a conciliação e a mediação.
No último capítulo do desenvolvimento é realizada a apreciação dos meios alternativos de solução de conflitos dentro do ordenamento jurídico brasileiro, como também mudanças estruturais e organizacionais executadas em prol do acesso à justiça.
Desta feita, o presente trabalho tem por objetivo destacar a importância da conciliação e mediação no ordenamento, enquanto efetivos instrumentos de pacificação social, remetendo-se a percepção construtiva do conflito como fundamento para a solução adequada de conflitos de interesses.
ACESSO À JUSTIÇA SOB A CONCEPÇÃO DA RESOLUÇÃO ADEQUADA DE CONFLITOS
1. Política Nacional de tratamento adequado de conflito de interesses
A criação da resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça que dispõe sobre a política pública de tratamento adequado de conflitos de interesses foi o ponto de partida para a inclusão dos métodos consensuais no plano normativo. Apesar de que a resolução preza pela adequação do processo, seja este autocompositivo ou heterocompositivo.
Como destaca:
Uma transformação revolucionária no Poder Judiciário em termos de natureza, qualidade e quantidade dos serviços judiciários, com o estabelecimento de filtro importante da litigiosidade, com o atendimento mais facilitado dos jurisdicionados [...] com o maior índice de pacificação social das partes em conflito [...] E assistiremos, com toda a certeza, à profunda transformação do nosso país que substituirá a ‘cultura da sentença’ pela ‘cultura da pacificação’.
O intuito é implementar um fórum de múltiplas portas, tese proposta por Frank Sander, no qual ocorra o aperfeiçoamento do procedimento a particularidade de cada disputa. Nesse contexto, a organização judiciária se configuraria em forma de um amplo sistema de resolução de litígios para efetivação dos escopos fundamentais.
Com o pluri‑processualismo, busca‑se um ordenamento jurídico processual no qual as características intrínsecas de cada processo são utilizadas para se reduzirem as ineficiências inerentes aos mecanismos de solução de disputas, na medida em que se escolhe um processo que permita endereçar da melhor maneira possível a solução da disputa no caso concreto[...]
Nessa complementariedade, são consideradas as características intrínsecas ou aspectos relativos a esses processos na escolha do instrumento de resolução de disputa (v.g. custo financeiro, celeridade, sigilo, manutenção de relacionamentos, flexibilidade procedimental, exequibilidade da solução, custos emocionais na composição da disputa, adimplemento espontâneo do resultado e recorribilidade).[2]
A resolução visa, principalmente, a implementação de mudanças dentro do Poder Judiciário com a finalidade de desenvolver a efetivação do acesso à justiça e da pacificação social. O principal objetivo do documento é mudar a percepção do jurisdicionado perante a prestação jurisdicional oferecida tendo em vista que o sistema atual é sinônimo de altos custos das demandas, abarrotamento de processos e morosidade.
Desta feita, o Conselho Nacional de Justiça promoveu um movimento de novo acesso à justiça, já que “o acesso à Justiça não se confunde com acesso ao Judiciário, tendo em vista que não visa apenas a levar as demandas dos necessitados àquele Poder, mas realmente incluir os jurisdicionados que estão à margem do sistema”.
À vista disso, o Judiciário começa a difundir um sistema público de resolução de conflitos em que a inclusão e satisfação dos envolvidos na querela é relevante, como doutrina o Manual de Mediação do Conselho Nacional de Justiça:
Nota‑se assim que o acesso à justiça está mais ligado à satisfação do usuário (ou jurisdicionado) com o resultado final do processo de resolução de conflito do que com o mero acesso ao poder judiciário, a uma relação jurídica processual ou ao ordenamento jurídico material aplicado ao caso concreto.
Na perspectiva de que a justiça tem falhado o escopo da pacificação social há uma tendência em visualizar o operador do direito como pacificador, mesmo na heterocomposição, pela responsabilidade da efetividade em matéria da resolução dos lítigios.
Nessa conjuntura, práticas cooperativas favorecem um resultado dos conflitos mais harmonizador:
O acesso à Justiça deve, sob o prisma da autocomposição, estimular, difundir e educar seu usuário a melhor resolver conflitos por meio de ações comunicativas. Passa‑se a compreender o usuário do Poder Judiciário como não apenas aquele que, por um motivo ou outro, encontra‑se em um dos pólos de uma relação jurídica processual – o usuário do poder judiciário é também todo e qualquer ser humano que possa aprender a melhor resolver seus conflitos, por meio de comunicações eficientes – estimuladas por terceiros, como na mediação ou diretamente, como na negociação. O verdadeiro acesso à Justiça abrange não apenas a prevenção e reparação de direitos, mas a realização de soluções negociadas e o fomento da mobilização da sociedade para que possa participar ativamente dos procedimentos de resolução de disputas como de seus resultados.
Assim sendo, como previsto na resolução, a política do Conselho Nacional de Justiça baseia-se, também, na necessidade de se consolidar uma política pública permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígios. Enquanto que a conciliação e a mediação são tidas instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios.
Antes mesmo do Conselho, Ada Pellegrini recomendava o “desenvolvimento de uma justiça conciliativa” com três fundamentos: o fundamento funcional, com vistas em superar os problemas estruturais do Judiciário pela “racionalização na distribuição da justiça”, e consequentemente a sua desobstrução; o fundamento social, na garantia da pacificação social pelas vias conciliativas; e o fundamento político, na forma de “participação popular na administração da justiça” em razão da democracia participativa.
Da mesma forma que a autora, o Conselho Nacional de Justiça pretende desenraizar a cultura litigiosa da sociedade brasileira e substituí-la pela busca do consenso e a prática do diálogo, na concepção de harmonização social, tal afirma Luchiari:
Assim, o incentivo à utilização de métodos não adjudicados de solução de conflitos do Poder Judiciário visa tornar efetivo o acesso à justiça qualificado, a refletir não só o direito do jurisdicionado de recorrer ao Poder Judiciário, mas também o direito de obter uma solução célere, justa, adequada e efetiva para o seu conflito.
E, por fim, ainda que o objetivo finalístico da resolução seja a pacificação social permeia-se a complementariedade entre as soluções consensuais e métodos litigiosos com o propósito de adequado atendimento e satisfação ao jurisdicionado.
1.1 Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos
No capítulo III da Resolução 125/2010 do CNJ, dispõe sobre a criação dos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos nos tribunais brasileiros para funcionar como centro da estrutura autocompositiva a fim de capacitar os operadores do direito e promover diretrizes em prol das práticas consensuais.
Para contextualizar o propósito do núcleo em treinamentos utiliza‑se informalmente a expressão “cérebro autocompositivo” do Tribunal pois a este núcleo compete promover a capacitação de magistrados e servidores em gestão de processos autocompositivos bem como capacitar mediadores e conciliadores – seja entre o rol de servidores seja com voluntários externos. De igual forma, compete ao Núcleo instalar os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e planejar de forma centralizada a implantação dessa política pública no respectivo Tribunal.
Anteriormente à resolução, a estrutura do órgãos jurisdicionais estava descentralizada, cada tribunal adotava um método de trabalho sujeitando-se a divergências regionais desfavorecendo a instituição das práticas autocompositivas.
À vista disso, os Núcleos tem como incumbência integralizar diversos órgãos para concretização da prestação jurisdicional adequada e pacificação social, tal qual, o Núcleo Permanente do Poder Judiciário do Estado de Pernambuco é composto dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, Câmaras de conciliação e mediação, como órgãos auxiliares das unidades jurisdicionais, e as Casas de Justiça e Cidadania, como centros de promoção de políticas públicas de desenvolvimento da cidadania e da justiça.
O caput do artigo determina que os núcleos são compostos por magistrados da ativa ou aposentados e servidores, com destaque para experiência prévia em métodos consensuais de solução de conflitos.
Nos incisos seguintes, estão estabelecidas as atribuições dos Núcleos, quais sejam:
I – desenvolver a Política Judiciária de tratamento adequado dos conflitos de interesses, estabelecida nesta Resolução;
II – planejar, implementar, manter e aperfeiçoar as ações voltadas ao cumprimento da política e suas metas;
III – atuar na interlocução com outros Tribunais e com os órgãos integrantes da rede mencionada nos arts. 5º e 6º;
IV – instalar Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania que concentrarão a realização das sessões de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, dos órgãos por eles abrangidos;
V – promover capacitação, treinamento e atualização permanente de magistrados, servidores, conciliadores e mediadores nos métodos consensuais de solução de conflitos;
VI – na hipótese de conciliadores e mediadores que atuem em seus serviços, criar e manter cadastro, de forma a regulamentar o processo de inscrição e de desligamento;
VII – regulamentar, se for o caso, a remuneração de conciliadores e mediadores, nos termos da legislação específica;
VIII – incentivar a realização de cursos e seminários sobre mediação e conciliação e outros métodos consensuais de solução de conflitos;
IX – firmar, quando necessário, convênios e parcerias com entes públicos e privados para atender aos fins desta Resolução.
Destaca-se da leitura do artigo que a competência dos Núcleos é concretizar as medidas gerais concebidas pelo Conselho Nacional de Justiça dentro da perspectiva de cada tribunal.
No decorrer do artigo, pode-se observar a preocupação pela integração entre órgãos jurisdicionais do país e pela preparação e habilitação de servidores e magistrados quanto aos métodos consensuais, como também a promoção do cadastramento de mediadores e conciliadores simbolizando o caráter permanente do desenvolvimento das soluções autocompositivas nos tribunais.
Nesse cenário, completa Nogueira:
As atividades dos Núcleos são essenciais para a concretização da política pública de tratamento adequado dos conflitos e aperfeiçoamento das instituições no âmbito estadual e regional, proporcionando um direcionamento às práticas autocompositivas e o consequente aprimoramento do serviço judicial.
Em suma, as atividades dos Núcleos são essenciais para efetivação das diretrizes propostas pelo Conselho Nacional de Justiça no aprimoramento da prestação jurisdicional, bem como exercem como incentivo pela cultura da pacificação social.
1.2 Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania
A resolução institui a criação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania no âmbito dos tribunais, atuando como órgãos auxiliares das unidades jurisdicionais, de forma a “atender aos Juízos, Juizados ou Varas com competência nas áreas cível, fazendária, previdenciária, de família ou dos Juizados Especiais Cíveis e Fazendários”
Dessa forma, Nogueira afirma:
A proposta dos Centros Judiciários reside na concentração dos vários serviços prestados pelo Poder Judiciário, disponibilizando em um único local variados mecanismos de solução de conflitos, com ênfase na conciliação e mediação, práticas autocompositivas mais difundidas no Brasil.
De acordo com o disposto no § 2º do mesmo artigo, os Centros deverão ser instalados nos locais onde exista mais de um Juízo, Juizado ou Vara com pelo menos uma das competências referidas no caput. Em vista de que a ideia promovida pela criação dos Centros é consolidar a centralização dos serviços judiciais, objetivando “o aprimoramento da qualidade dos serviços decorrente da sistematização das melhores práticas e gerenciamento das atividades”.
Aos Centros, cabe a realização de sessões e audiência de conciliação e mediação, advindas de reclamações pré-processuais e de processos judiciais. Na reclamação pré-processual, o interessado comparece em uma unidade e solicita o agendamento de uma audiência de tentativa de acordo é expedido o termo de ajuizamento e a carta convite para ciência da outra parte. Nesse tipo de procedimento, na possibilidade das partes comparecerem e realizar-se o acordo é proferida uma sentença homologatória pelo juiz coordenador do Centro que equivale à coisa julgada, com eficácia de título executivo judicial.
Como também, existe a possibilidade das partes comparecem e não houver acordo em razão do qual a reclamação é arquivada sem nenhum ônus para as partes, impedimento para uma nova tentativa, ou prejuízo dos atos já praticados. Nesse interim, as partes receberam as devidas orientações quanto às alternativas e métodos mais adequados para solução da querela.
Na medida em que a tentativa de acordo advém de uma etapa conciliatória prévia e extraprocessual configura-se como uma brecha ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. Muito embora haja o exercício do direito de ação pelo cidadão e a prestação da tutela jurisdicional pelo Estado, a inexistência do acordo não é justificação para prolongar a querela em jurisdição contenciosa, bem como, exercita a autonomia da vontade do interessado.
No entanto, os Centros também são responsáveis pelas audiências de conciliação e mediação dos processos judiciais encaminhados para tentativa de composição das partes, pelos quais os acordos são homologados pelos juízes do feito e, na infrutífera resolução compositiva o processo retorna a vara de origem.
Dito isso, também compete à instauração de um setor de cidadania para orientação dos jurisdicionados:
A função básica do Setor de Cidadania é a prestação de informações que possam auxiliar o jurisdicionado na solução de seus conflitos, com orientação jurídica e direcionamento quando envolver matérias não compreendidas na atuação do Centro, ou aquela ali realizadas tenham se esgotado sem êxito na composição.
Em síntese, os Núcleos e os Centros são associados em virtude da implantação e do desenvolvimento da política judiciária nacional de tratamento adequado de conflitos de interesses.
2. Código de Processo Civil conforme o panorama dos métodos consensuais
O atual código de processo civil não é o marco da inclusão da mediação na legislação, mas, estabelece a regulamentação da mediação no âmbito judicial, transmitindo-se em “um programa normativo que estimula a priorização das soluções consensuais”.
A este respeito, assinala Vasconcelos:
Em tal contexto, os processos judiciais, inclusive em sede adjudicatória, deverão, conforme o novo CPC, priorizar os procedimentos cooperativos, que promovam, na medida do possível, a solução pacífica e consensual das controvérsias. [...] Com efeito, é de conhecimento público que dificilmente a pacificação social é obtida através de sentença, que se resume, via de regra à imposição de textos normativos para solucionar aquela parcela da lide levada a juízo, sem compreender a concretude do conflito, nos sentimentos e nas necessidades humanas e sociais a serem reconhecidas e pacificadas.
Logo no primeiro artigo do Código, faz-se referência às normas fundamentais estabelecidas na Constituição com o intuito de frisar às “disposições normativas como instrumentos para concretização dos princípios constitucionais”, nas palavras de Vasconcelos.
A processualística civil depreende do texto normativo do artigo 3º, o princípio do acesso à justiça para reafirmar o compromisso com o acesso a uma ordem jurídica justa, em conformidade com o tratamento adequado dos conflitos prevista da política do Conselho Nacional de Justiça.
Quanto aos incisos do referido artigo:
Os §§ 2º e 3º consubstanciam o cerne da mudança de paradigma do processo civil brasileiro. Os métodos consensuais saíram daquela situação subalterna, aviltada, intuitiva, estigmatizada, como eram praticados sob o princípio da promoção da paz, ou da pacificação, tal como lhes reservara, implicitamente, a Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido, os métodos consensuais devem ser estimulados pelos magistrados e pelos operadores do direito considerando o acolhimento do sistema de múltiplas portas de acesso à justiça. A boa-fé, a duração razoável do processo e a cooperação também são diretrizes para concretização de uma prestação jurisdicional adequada, ratificadas nos artigos 4º, 5º e 6º do novo Código.
Também há uma seção dedicada aos mediadores e conciliadores judiciais e ao fomento dos métodos compositivos que aborda a inscrição no cadastro nacional, a capacitação dos mediadores e conciliadores, elenca os princípios referentes ao procedimento consensual, a composição e a organização dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, bem como o esclarecimento do âmbito de atuação do mediador e do conciliador.
Nesse contexto, ressalta Humberto Theodoro:
A valorização do papel da mediação e da conciliação dentro da atividade jurisdicional se faz presente de maneira mais expressiva no Código de Processo Civil, que, além de prevê-las como instrumentos de pacificação do litígio, cuida de incluir nos quadros dos órgãos auxiliares da justiça servidores especializados para o desempenho dessa função especial e até mesmo de disciplinar a forma de sua atuação em juízo (arts. 165 a 175).
Conforme os §§ 2º e 3º do artigo 165, ao conciliador compete, preferivelmente, casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, enquanto que ao mediador cabe atuar quando houver vínculo entre as partes para auxiliá-las a restabelecer a comunicação e identificar soluções consensuais.
Ainda existe uma inovação no tocante à instituição de câmaras de mediação e conciliação no âmbito administrativo dos entes federativos, prevista no artigo 174 do Código.
Dessa forma, o incentivo à conciliação e mediação é reiterado no código por meio de variados dispositivos com vistas à mudança da cultura do litígio, como disciplina Tartuce:
Com a inserção de dispositivos sobre mediação e a ampliação de previsões sobre a conciliação, dois modos diferentes de lidar com as controvérsias passam a conviver mais intensamente no Código de Processo Civil: a lógica de julgamento e a lógica coexistencial (conciliatória). [...]
Na lógica de julgamento inerente à via contenciosa, as partes atuam em contraposição, disputando posições de vantagens; a análise dos fatos foca o passado e um terceiro é chamado a decidir com caráter impositivo.
Diversamente, na lógica consensual (coexistencial / conciliatória) o clima é colaborativo: as partes se dispõem a dialogar sobre a controvérsia e a abordagem não é centrada apenas no passado, mas inclui o futuro como perspectiva a ser avaliada. Por prevalecer a autonomia dos envolvidos, o terceiro não intervém para decidir, mas para facilitar a comunicação e viabilizar resultados produtivos.
[...] dá-se atenção mais ao futuro da relação (em termos de restauração de harmonia) do que propriamente à retrospectiva do conflito em si.
Por isso, é imperativo a promoção da informação e o esclarecimento sobre os meios alternativos de solução de controvérsias com o intuito de aumentar o leque de possibilidades para satisfação do jurisdicionado:
Nesse contexto, promover informação sobre os diversos meios de abordagem de conflitos é iniciativa interessante para ampliar a visibilidade dos mecanismos consensuais, que podem se revelar adequados na busca da eficaz superação da controvérsia. Como a genuína adesão se revela essencial para que o litigante possa participar do sistema consensual com maior proveito, conhecer a pertinência dos diversos meios é o passo inicial para que possa cogitar legitimamente sobre o interesse em sua utilização.
A opção pela realização da audiência de conciliação e mediação prevista no artigo 319 do Código como requisito da petição inicial é mais um dispositivo para comprovar a preocupação do legislador em difundir os meios consensuais no processo civil.
No artigo reservado a audiência de conciliação e mediação está disposto no artigo 334 que a composição só será descartada quando ambas as partes, expressamente, demonstrarem desinteresse no método consensual ou não for admitida pelo tipo da causa. Também ressalta que o não comparecimento injustificado na audiência é considerado ato atentatório à dignidade da justiça com previsão de multa de dois por cento sobre o valor da causa.
Em suma, a valorização dos instrumentos consensuais de resolução de conflitos no Código de processo civil atual em comparação ao anterior é proporcional a nova abordagem do acesso à justiça fundamentada no estímulo aos meios consensuais.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conflito é inerente ao convívio social. A divergência de posições e percepções quanto a fatos, condutas, interesses ou valores sempre irá existir. E, como o direito é um produto do meio social o qual é incumbido da regulamentação de condutas, garantia de direitos e deveres e da resolução de conflitos. Isto é, a querela pode ser tida como um dos componentes originais da criação da máquina judiciária.
Desta feita, o acesso à justiça é um princípio fundamental do Poder Judiciário, o que não somente compreende no ingresso ao judiciário como responsável pela prestação jurisdicional. Afinal, o acesso a uma ordem jurídica justa consiste no dever do Estado de não interferir na busca do cidadão pela justiça e no direito a uma justiça adequadamente organizada mediante a remoção de obstáculos a efetivação da tutela jurisdicional. Em outras palavras, o exercício do acesso à justiça é pautado em outros direitos.
Entretanto, o direito enquanto fenômeno social não só compreende-se na manutenção da ordem e da segurança social, mas também como instrumento de implementação da pacificação social. Dentro do contexto atual do ordenamento brasileiro é latente o descontentamento dos usuários quanto a considerável demanda, o custo elevado das ações judiciais e a morosidade da prestação jurisdicional que caracterizam óbices ao acesso à justiça.
Ademais, a perpetuação da cultura do litígio não condiz com o panorama da prestação jurisdicional vigente, a ampliação da abordagem do acesso à justiça em prol do estímulo ao tratamento adequado de resolução de conflitos é uma das soluções apresentadas aos óbices da efetivação do referido princípio.
Posto que a mediação e a conciliação não visam pura e simplesmente à solução do conflito, tendo em vista que são meios de resolução construtiva de disputas com efeito transformativo. As finalidades mediatas dos meios consensuais de resolução de conflito consistem no restabelecimento do diálogo, manutenção das relações inter-pessoais, prevenção de novos conflitos e inclusão social.
Em suma, o método compositivo não pretende dirimir a importância do método contencioso, porém também é um meio hábil para a efetivação do acesso a justiça, bem como representa uma mudança do paradigma de qualificação do conflito para harmonização da sociedade moderna, pois, garante a promoção da pacificação social e a resolução dos conflitos através do respeito aos princípios básicos fundamentais inerentes a todo ser humano.
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