A Justiça federal, no nosso país, vem sendo ampliada a cada dia. Paralelamente o Ministério Público respectivo. O protagonismo deles, nos dias atuais, por conseguinte, é incomparavelmente mais candente que há alguns tempos passados. Uma das naturais conseqüências desse fenômeno expansionista tem sido a eclosão, cada vez mais freqüente, de conflitos (de atribuições) entre membro do Ministério Público Federal e representante do Ministério Público estadual. A polêmica maior que reside nesse tema é a seguinte: de quem é a competência para dirimir esse conflito?
Na Petição nº 1.503/MG, o Supremo Tribunal Federal, pelo seu órgão Pleno, ante virtual conflito de jurisdição entre os juízos federal e estadual, conferira interpretação elástica ao artigo 105, inciso I, alínea "d", da Constituição Federal, decidindo pela competência do Superior Tribunal de Justiça para apreciar a matéria – foi relator o Ministro Maurício Corrêa, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 14 de novembro de 2002.
Até o princípio de 2005 esse ainda era o entendimento firme do STF. Ocorre que o Colendo Superior Tribunal de Justiça com ele nunca concordou. No Conflito de Atribuição nº 154, por exemplo, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, reportando-se a precedentes, proclamara, na dicção do Ministro José Delgado, que "a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que não se conhece de conflito de atribuições, por incompetência da Corte, em que são partes o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual, por não se enquadrar em quaisquer das hipóteses previstas no art. 105, I, da CF/1988" (acórdão publicado no Diário da Justiça de 18 de abril de 2005). Outro precedente da mesma Corte: CAt 155-PB, DJ 3/11/2004. Mais recentemente: CAt 169-RJ, rel. originária Min. Laurita Vaz, rel. para acórdão Min. Hélio Quaglia Barbosa, julgado em 23/11/2005.
De um lado o STF dizia ser competente o STJ; de outro é certo que esse órgão nunca aceitou a doutrina da Corte Suprema. Conclusão: havia instabilidade jurisprudencial sobre a matéria. Diante do vácuo jurídico criado pela discordância estabelecida entre as duas Cortes citadas, num determinado momento passou a Procuradoria Geral da República (particularmente Cláudio Lemos Fonteles) a admitir a tese de que a competência para dirimir tal conflito seria do respectivo Procurador-Geral.
Em 28.09.2005, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, sendo relator o Min. Marco Aurélio, no Conflito de Atribuições e Competência Originária do Supremo veiculados na Pet 3528/BA, voltou a discutir o assunto e acabou concluindo que, diante da inexistência de norma constitucional ad hoc, a competência é do próprio Supremo Tribunal Federal.
O Min. Marco Aurélio, divergindo do precedente da Corte firmado na Pet. 1503-MG, fundamentou seu voto (condutor) da seguinte maneira: no caso em exame não se vislumbra nem sequer um conflito virtual entre os juízos federal e estadual. Impõe-se, desse modo, afastar a interpretação analógica que prevaleceu quando do pronunciamento anterior e que girou em torno do preceito da alínea "d" do inciso I do artigo 105 da Constituição Federal, a revelar competir ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar originariamente os conflitos de atribuição entre MP federal e MP estadual. A competência, assim, não é do Superior Tribunal de Justiça que, aliás, sempre pensou dessa forma.
Também não é possível assentar-se competir ao Procurador-Geral da República a última palavra sobre a matéria. A razão é muito simples (como bem sublinhou o Min. Marco Aurélio): "de acordo com a norma do § 1º do artigo 128 do Diploma Maior chefia ele o Ministério Público da União, não tendo ingerência, considerados os princípios federativos, nos Ministérios Públicos dos Estados". O MP federal, em suma, não pode ter preponderância nem poder de comando sobre o MP estadual.
A solução do impasse há de decorrer, por conseguinte, não do pronunciamento deste ou daquele Ministério Público, sob pena de se assentar hierarquização incompatível com a Lei Fundamental. "Uma coisa é a atividade do Procurador-Geral da República no âmbito do Ministério Público da União, outra é a atividade do Procurador-Geral de Justiça no Ministério Público do Estado. Algo diverso, e que não se coaduna com a organicidade do Direito Constitucional, é dar-se à chefia de um Ministério Público, por mais relevante que seja, em se tratando da abrangência de atuação, o poder de interferir no Ministério Público da unidade federada, agindo no campo administrativo de forma incompatível com o princípio da autonomia estadual. Esta apenas é excepcionada pela Constituição Federal e não se tem na Carta em vigor qualquer dispositivo que revele a ascendência do Procurador-Geral da República relativamente aos Ministérios Públicos dos Estados" (trecho do voto do Min. Marco Aurélio).
Como já sublinhado, não há disposição específica na Lei Fundamental relativa a essa competência, de qualquer modo, o impasse não podia continuar. Solução: diante do vácuo legislativo, cabe ao próprio STF dirimir o conflito. Aliás, a Corte Suprema já tinha precedente segundo o qual, diante da conclusão sobre o silêncio do ordenamento jurídico a respeito do órgão competente para julgar certa matéria, a ela própria cabe a atuação (Conflito de Jurisdição nº 5.133, relator Ministro Aliomar Baleeiro, DJ de 22 de maio de 1970).
Em outro julgado já se havia decidido pela competência do STF quando "há causa entre órgão de um Estado-membro e órgão do Distrito Federal, configurando-se, assim, hipótese prevista na competência originária desta corte (artigo 102, I, "f", da Constituição Federal), uma vez que o litígio existente envolve conflito de atribuições entre órgãos de membros diversos da Federação, com evidente substrato político (Mandado de Segurança n° 22.042-2).
Sintetizando: compete ao Supremo Tribunal Federal dirimir conflito de atribuições entre os Ministérios Públicos federal e estadual. Quando houver conflito de jurisdição entre Justiças distintas, por força do art. 105, I, d, da CF, a competência é do Superior Tribunal de Justiça. Se o conflito é só de atribuição entre membros do Ministério Público, cabe ao STF dirimi-lo. Com base nesse entendimento, o Tribunal Supremo, pelo seu órgão Pleno, resolvendo conflito instaurado entre o MP do Estado da Bahia e o Federal, firmou a competência do primeiro para atuação no caso concreto que estava sendo examinado. Considerou-se a orientação fixada pelo Supremo no sentido de ser dele a competência para julgar certa matéria diante da inexistência de previsão específica na Constituição Federal a respeito, e emprestou-se maior alcance à alínea "f" do inciso I do art. 102 da CF, ante o fato de estarem envolvidos no conflito órgãos da União e de Estado-membro. Asseverou-se, ademais, a incompetência do Procurador-Geral da República para a solução do conflito, em face da impossibilidade de sua interferência no parquet da unidade federada. Precedentes citados: CJ 5133/RS (DJU de 22.5.70); CJ 5267/GB (DJU de 4.5.70); MS 22042 QO/RR (DJU de 24.3.95). Pet 3528/BA, rel. Min. Marco Aurélio, 28.9.2005.