Artigo Destaque dos editores

Conflito de atribuições entre MP federal e MP estadual:

de quem é a competência para dirimi-lo?

20/01/2006 às 00:00
Leia nesta página:

A Justiça federal, no nosso país, vem sendo ampliada a cada dia. Paralelamente o Ministério Público respectivo. O protagonismo deles, nos dias atuais, por conseguinte, é incomparavelmente mais candente que há alguns tempos passados. Uma das naturais conseqüências desse fenômeno expansionista tem sido a eclosão, cada vez mais freqüente, de conflitos (de atribuições) entre membro do Ministério Público Federal e representante do Ministério Público estadual. A polêmica maior que reside nesse tema é a seguinte: de quem é a competência para dirimir esse conflito?

Na Petição nº 1.503/MG, o Supremo Tribunal Federal, pelo seu órgão Pleno, ante virtual conflito de jurisdição entre os juízos federal e estadual, conferira interpretação elástica ao artigo 105, inciso I, alínea "d", da Constituição Federal, decidindo pela competência do Superior Tribunal de Justiça para apreciar a matéria – foi relator o Ministro Maurício Corrêa, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 14 de novembro de 2002.

Até o princípio de 2005 esse ainda era o entendimento firme do STF. Ocorre que o Colendo Superior Tribunal de Justiça com ele nunca concordou. No Conflito de Atribuição nº 154, por exemplo, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, reportando-se a precedentes, proclamara, na dicção do Ministro José Delgado, que "a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que não se conhece de conflito de atribuições, por incompetência da Corte, em que são partes o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual, por não se enquadrar em quaisquer das hipóteses previstas no art. 105, I, da CF/1988" (acórdão publicado no Diário da Justiça de 18 de abril de 2005). Outro precedente da mesma Corte: CAt 155-PB, DJ 3/11/2004. Mais recentemente: CAt 169-RJ, rel. originária Min. Laurita Vaz, rel. para acórdão Min. Hélio Quaglia Barbosa, julgado em 23/11/2005.

De um lado o STF dizia ser competente o STJ; de outro é certo que esse órgão nunca aceitou a doutrina da Corte Suprema. Conclusão: havia instabilidade jurisprudencial sobre a matéria. Diante do vácuo jurídico criado pela discordância estabelecida entre as duas Cortes citadas, num determinado momento passou a Procuradoria Geral da República (particularmente Cláudio Lemos Fonteles) a admitir a tese de que a competência para dirimir tal conflito seria do respectivo Procurador-Geral.

Em 28.09.2005, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, sendo relator o Min. Marco Aurélio, no Conflito de Atribuições e Competência Originária do Supremo veiculados na Pet 3528/BA, voltou a discutir o assunto e acabou concluindo que, diante da inexistência de norma constitucional ad hoc, a competência é do próprio Supremo Tribunal Federal.

O Min. Marco Aurélio, divergindo do precedente da Corte firmado na Pet. 1503-MG, fundamentou seu voto (condutor) da seguinte maneira: no caso em exame não se vislumbra nem sequer um conflito virtual entre os juízos federal e estadual. Impõe-se, desse modo, afastar a interpretação analógica que prevaleceu quando do pronunciamento anterior e que girou em torno do preceito da alínea "d" do inciso I do artigo 105 da Constituição Federal, a revelar competir ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar originariamente os conflitos de atribuição entre MP federal e MP estadual. A competência, assim, não é do Superior Tribunal de Justiça que, aliás, sempre pensou dessa forma.

Também não é possível assentar-se competir ao Procurador-Geral da República a última palavra sobre a matéria. A razão é muito simples (como bem sublinhou o Min. Marco Aurélio): "de acordo com a norma do § 1º do artigo 128 do Diploma Maior chefia ele o Ministério Público da União, não tendo ingerência, considerados os princípios federativos, nos Ministérios Públicos dos Estados". O MP federal, em suma, não pode ter preponderância nem poder de comando sobre o MP estadual.

A solução do impasse há de decorrer, por conseguinte, não do pronunciamento deste ou daquele Ministério Público, sob pena de se assentar hierarquização incompatível com a Lei Fundamental. "Uma coisa é a atividade do Procurador-Geral da República no âmbito do Ministério Público da União, outra é a atividade do Procurador-Geral de Justiça no Ministério Público do Estado. Algo diverso, e que não se coaduna com a organicidade do Direito Constitucional, é dar-se à chefia de um Ministério Público, por mais relevante que seja, em se tratando da abrangência de atuação, o poder de interferir no Ministério Público da unidade federada, agindo no campo administrativo de forma incompatível com o princípio da autonomia estadual. Esta apenas é excepcionada pela Constituição Federal e não se tem na Carta em vigor qualquer dispositivo que revele a ascendência do Procurador-Geral da República relativamente aos Ministérios Públicos dos Estados" (trecho do voto do Min. Marco Aurélio).

Como já sublinhado, não há disposição específica na Lei Fundamental relativa a essa competência, de qualquer modo, o impasse não podia continuar. Solução: diante do vácuo legislativo, cabe ao próprio STF dirimir o conflito. Aliás, a Corte Suprema já tinha precedente segundo o qual, diante da conclusão sobre o silêncio do ordenamento jurídico a respeito do órgão competente para julgar certa matéria, a ela própria cabe a atuação (Conflito de Jurisdição nº 5.133, relator Ministro Aliomar Baleeiro, DJ de 22 de maio de 1970).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Em outro julgado já se havia decidido pela competência do STF quando "há causa entre órgão de um Estado-membro e órgão do Distrito Federal, configurando-se, assim, hipótese prevista na competência originária desta corte (artigo 102, I, "f", da Constituição Federal), uma vez que o litígio existente envolve conflito de atribuições entre órgãos de membros diversos da Federação, com evidente substrato político (Mandado de Segurança n° 22.042-2).

Sintetizando: compete ao Supremo Tribunal Federal dirimir conflito de atribuições entre os Ministérios Públicos federal e estadual. Quando houver conflito de jurisdição entre Justiças distintas, por força do art. 105, I, d, da CF, a competência é do Superior Tribunal de Justiça. Se o conflito é só de atribuição entre membros do Ministério Público, cabe ao STF dirimi-lo. Com base nesse entendimento, o Tribunal Supremo, pelo seu órgão Pleno, resolvendo conflito instaurado entre o MP do Estado da Bahia e o Federal, firmou a competência do primeiro para atuação no caso concreto que estava sendo examinado. Considerou-se a orientação fixada pelo Supremo no sentido de ser dele a competência para julgar certa matéria diante da inexistência de previsão específica na Constituição Federal a respeito, e emprestou-se maior alcance à alínea "f" do inciso I do art. 102 da CF, ante o fato de estarem envolvidos no conflito órgãos da União e de Estado-membro. Asseverou-se, ademais, a incompetência do Procurador-Geral da República para a solução do conflito, em face da impossibilidade de sua interferência no parquet da unidade federada. Precedentes citados: CJ 5133/RS (DJU de 22.5.70); CJ 5267/GB (DJU de 4.5.70); MS 22042 QO/RR (DJU de 24.3.95). Pet 3528/BA, rel. Min. Marco Aurélio, 28.9.2005.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Conflito de atribuições entre MP federal e MP estadual:: de quem é a competência para dirimi-lo?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 931, 20 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7842. Acesso em: 26 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos