1 – introdução
Na concepção do mestre De Plácido e Silva a Câmara Municipal “é tida, então, como poder legislativo do município, composta por seus vereadores, eleitos pelo voto direto dos habitantes do município”.[1]
Trata-se de poder autônomo e independente, ou seja, detêm funções individualizadas, quais sejam: fazer as leis municipais e fiscalizar os atos Poder Executivo.
Entretanto, a despeito destas prerrogativas elencadas, ressoa tormentosa a questão relativa ao âmbito de sua capacidade processual.
2 – Reconhecimento da capacidade processual
Rui Stoco aponta que aqueles que insistiam em negar capacidade processual as Câmaras Municipais partiam do suposto de que são pessoas jurídicas de direito público interno apenas a União, cada um de seus Estados e o Distrito Federal e cada um dos Municípios legalmente constituídos (trata-se de concepção retrógrada que não mais atende ao disposto no artigo 41 do Código Civil Brasileiro)[2].
Hoje, entretanto, é pacífico o reconhecimento, tanto pela doutrina[3] quanto pela jurisprudência[4], da capacidade processual da Câmara para determinadas circunstâncias (como nos chamados atos interna corporis, ou seja, naqueles que versam sobre a defesa de suas prerrogativas institucionais),[5] restando, por outro lado, sua absoluta impropriedade para a defesa de outras.[6]
O cerne da questão está em estabelecer uma diferenciação entre personalidade jurídica e personalidade judiciária.
Conforme as lições de Hely Lopes Meirelles a personalidade jurídica não se confunde com a personalidade judiciária. De fato, somente é pessoa jurídica o município, sendo, por isso, correto dizer que a Câmara não detém personalidade jurídica. Mas, por outro lado, sua personalidade judiciária lhe confere a possibilidade de, ao menos, defender suas prerrogativas ou direitos próprios.[7]
Com o brilhantismo que lhe é peculiar o mestre Diomar Ackel Filho pontua que “A Câmara Municipal não tem personalidade jurídica. Ela é órgão do governo do Município, incumbida das funções legislativas. Assim, a personalidade é do Município de cujo governo participa e não dela. Isso não obsta, contudo, que se reconheça à legitimidade da Câmara Municipal para agir em Juízo, quando o fizer na defesa de seus interesses.[8]
Portanto, de acordo com o exposto, a capacidade processual da Câmara, ao menos para a defesa de suas prerrogativas institucionais, ou seja, para os atos interna corporis, é pacificamente reconhecida.
Por outro lado, numa interpretação mais elástica, entende-se que, quando o ato for danoso à Câmara, ela deve ser parte, independentemente de tratar-se de imputação que onere a Fazenda, por que tem direito a defender a legalidade, a legitimidade de seus atos e interesses próprios.[9]
Vale lembra que, sendo a Câmara um órgão despatrimonializado, todos os encargos ou vantagens de ordem pecuniária decorrentes de um julgado serão suportados pela Fazenda Pública ou serão para ela revertidos.
Em resumo, o que não se admite, conforme frisa o mestre Rui Stoco, é que a Câmara “ingresse em juízo em nome do Município ou a pretexto de defendê-lo em demandas com terceiros, relativas a negócios administrativos da competência privativa do Executivo local.[10]
3 – Conclusão
Hoje, conforme o que fora exposto, a capacidade processual da Câmara Municipal é pacifica tanto na doutrina quanto na jurisprudência, ao menos no que tange às suas prerrogativas institucionais.
A problemática da questão se resolve quando compreendemos que, embora a Câmara seja um ente que não detém personalidade jurídica (haja vista que esta é do Município), ela tem personalidade judiciária cabendo, por conseguinte, a defesa de seus interesses próprios, sendo, entretanto, cabível pontuar, que toda a sorte dos julgados dos quais ela vier a participar serão suportados ou auferidos pela Fazenda Municipal.
Notas
[1] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, Vol. I, Forense, 12ª ed., 1996, p. 356
[2] STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, Ed. RT, 5ª ed., 2001, p. 824.
[3] James Goldschimidt, Derecho Processual Civil, Madrid, 1936, p. 192; José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Português, Lisboa, 1944, V. I, p. 23; Lopes da Costa, Direito Processual Civil, Rio de Janeiro, V. I, p. 286.
[4] “A Câmara Municipal não tem personalidade jurídica, mas goza de capacidade processual” (TJSP – 1ª C. – Agravo de Petição – Rel. Odyr Porto – RDA 98/202).
[5] “Embora não possa ser considerada como pessoa jurídica, a Câmara Municipal tem, contudo, capacidade processual restrita à defesa de suas prerrogativas político administrativas. Os atos de composição da Mesa, como os resultantes exclusivamente da interpretação dada ao regimento Interno, compreendem-se entre os chamados interna corporis, excluídos, como tais, do controle jurisdicional” (TJPR – 1ª C. – Agravo de Petição – Rel. Mercer Júnior – T 301/590).
[6] “Responsabilidade Civil – Acidente de trânsito – Colisão com veículo da Câmara Municipal – Indenizatória ajuizada contra a Prefeitura – Cabimento, eis que a Câmara possui natureza privada não podendo assumir obrigações de ordem patrimonial – Procedência – Sentença mantida” (TACSP – 6ª C. – Ap. – Rel. Ernani de Paiva – JTACSP-RT 97/144).
[7] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, Malheiros, 16ª ed., 2008, p. 625.
[8] ACKEL FILHO, Diomar apud STOCO, Rui. Tratado..., cit., p. 823.
[9] “TJSP – 1ª C. – AI 82.699-1 – Rel. Renan Lotufo – RJTJSP-LEX 107/244”.
[10] STOCO, Rui. Tratado..., cit., p. 823.