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A tipificação do feminicídio sob a ótica do homicídio de mulheres na comarca de Ariquemes (RO)

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Agenda 16/12/2019 às 11:38

5. O FEMINICÍDIO SOB A ÓTICA DO HOMICÍDIO DE MULHERES NA COMARCA DE ARIQUEMES

O presente estudo buscou até aqui explanar acerca da violência de gênero, do crime misógino e, principalmente do termo feminicídio, seu significado etimológico, surgimento e quando foi utilizado o termo pela primeira vez e como se dá sua tipificação no âmbito do direito penal que, ao ser incluído como norma penalizadora, alterou o Decreto-Lei nº. 2.848/ 40 e a lei de Crimes Hediondos – 8.072/90.

No entanto, ainda se faz necessário que a percepção acerca do tema, seja exemplificado de forma mais abrangente, pois para que o assassinato de uma mulher seja tipificado como feminicídio é necessário que estejam presentes todos os elementos tipificadores, uma vez que a ausência de qualquer um deles pode ensejar em erro de tipo, alterando, assim a classificação do delito.

Passar-se-á a descrição de dados de homicídios de mulheres por condição do sexo feminino na Comarca de Ariquemes/RO por meio de um estudo do mapa da violência entre os anos de 2015 a 2019 e a descrição de casos emblemáticos de morte de mulheres por violência de gênero, ocorridos no ano de promulgação da Lei nº. 13.104/15, onde o primeiro caso foi tipificado a princípio como crime de feminicídio ocorrido em âmbito doméstico familiar, que após o réu recorrer recebeu nova classificação para homicídio duplamente qualificado, não deixando de ser um crime hediondo, mas também não sendo classificado como um crime por questão da vítima ser do sexo feminino e o quinto caso ocorrido em 2017, com réu reincidente em crime hediondo, sendo que a primeira vítima foi assassinada antes da criação da Lei do Feminicídio e a outra sofreu uma tentativa de feminicídio, ficando com sequelas (estado semivegetativo) permanentes no de 2017, onde o réu foi condenado pelo de feminicídio tentado contra sua esposa.

5.1. O MAPA DA VIOLÊNCIA ENTRE OS ANOS DE 2015 A 2019 E O HOMICÍDIOS DE MULHERES POR QUESTÃO DE GÊNERO NA COMARCA DE ARIQUEMES

A Comarca de Ariquemes foi criada pelo Decreto-Lei nº. 8. de 25 de janeiro de 1982, com a instalação em 06 de outubro de 1982, sendo uma Comarca de 1ª Entrância, de 2ª Seção Judiciária que, além de atender os delitos e lides do município de Ariquemes, também é responsável pelos delitos e lides dos municípios de Alto Paraíso, Cacaulândia, Cujubim, Monte Negro, Rio Crespo, Distrito de Joelândia, de Nova Vida, Vila Nova, Garimpo Bom Futuro entre outros distritos que fazem parte da circunscrição da comarca.

Com a promulgação da Lei 13.104 em 2015, o homicídio de mulheres ganhou tipificação própria e passou a elencar o rol de crimes hediondos, com punições mais severas ao autor deste delito, tanto na forma tentada, quanto na forma consumada, com dissemos ao longo deste trabalho.

Neste ponto da pesquisa não podemos ignorar a realidade a que estamos inseridos e é importante destacar e explanar acerca dos dados estatísticos de assassinato de mulheres por questão de gênero na comarca de Ariquemes, dividindo esses dados entre os anos de 2015 a 2019, para que deste modo seja possível ampliar nosso conhecimento e entendimento sobre o quantitativo de mulheres que foram assassinadas em nossa comarca ou sofreram tentativas de assassinatos desde a promulgação da Lei nº. 13.104/15.

A tabela a seguir mostra o número de mulheres vítimas de feminicídio na Comarca de Ariquemes, destacando os casos em que foram consumados e também os tentados.

Tabela 1. Feminicídios consumados e tentados na comarca de Ariquemes 2015/2019

2015

2016

2017

2018

2019

Feminicídios consumados

04

0

0

0

01

Feminicídios tentados

01

01

03

01

01

Fonte: DCCV/Ariquemes-RO

É importante destacar que ao longo destes 05 anos, o número de homicídios praticados contra mulheres em nossa comarca foi bem maior, no entanto, a comarca de Ariquemes, assim como o estado de Rondônia encontra uma dificuldade na hora do registro dos homicídios que na maioria dos casos não são registrados nas delegacias como feminicídios, mas sim como homicídios. Aqui destacamos casos que já foram a julgamento e com sentenças transitadas em julgado. Outros casos foram desclassificados como feminicídios, pois não estavam presentes os requisitos tipificadores.

O estado de Rondônia apresenta índices alarmantes no que tange ao crime de feminicídio e violência contra mulheres, sendo um dos lugares mais perigosos do Brasil para as mulheres, tanto que em 20 de dezembro de 2018 foi criada a primeira e única Promotoria de Justiça do Brasil – 37ª Promotoria de Justiça – com atribuições exclusivas em crimes de feminicídio.

Nas tabelas abaixo será possível observar alguns dados sobre inquéritos que apuram crimes de feminicídio entre os anos de 2015 (após a promulgação da Lei nº.13.104/15) e 30 de março de 2019, ressaltando que são ocorrências que desde o boletim receberam a classificação de crime de feminicídio. Os dados foram obtidos no site do CNPM e através do Monitor da Violência.

Dados sobre inquéritos que apuram crimes de feminicídio instaurados entre 10/03/2015 a 10/03/2016 em Rondônia.

Tabela 2. Dados de inquéritos de feminicídios entre os anos de 2015/2016.

Número de inquéritos informados

Número de inquéritos – dez/2016

Denúncias

Arquivamento

Desclassificação

Investigação em curso

Total de baixas

Total

60

136

7

1

0

128

8

136

Gráfico 1. Percentual da apuração dos inquéritos de feminicídios instaurados entre 2015/2016.

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Dados sobre inquéritos que apuram crimes de feminicídio instaurados entre 10/03/2016 a 10/03/2017 em Rondônia.

Tabela 3. Dados de inquéritos de feminicídios entre os anos de 2016/2017.

Número de inquéritos informados

Número de inquéritos – dez/2017

Denúncias

Arquivamento

Desclassificação

Investigação em curso

Total de baixas

Total

70

104

29

1

4

2

34

104

Gráfico 2. Percentual da apuração dos inquéritos de feminicídios instaurados entre 2016/2017.

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As tabelas 2 e 3, assim como os gráficos 1 e 2 são meramente ilustrativos, haja visto que em conversa com servidores da Ministério Público de Porto Velho, através de ligação telefônica (69) 3216-3700, alguns municípios não chegaram a enviar seus dados à época, ou ocorreu que durante os boletins de ocorrência os casos foram simplesmente registrados como homicídios (art.121 do CP).

Um avanço que merece destaque é a criação de um sitio para o registro de feminicídios, sendo este um banco nacional e que será alimentado por todas as Promotorias do país, com a finalidade de atingirem as metas de diminuição do assassinato de mulheres por questão de gênero.

foto 1: Sitio para o cadastro de feminicídios nacionais.

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5.2. CASOS EMBLEMÁTICOS

Neste momento narrar-se-á alguns casos de homicídio de mulheres ocorrido por questão de gênero, no ano de promulgação da Lei do Feminicídio – 13.104/2015, todos ocorridos em âmbito doméstico e familiar e associados ao gênero.

A finalidade é ilustrar como cada transgressão ocorreu e qual foi o tratamento dispensado pela Justiça a cada um deles.

Os casos aqui narrados são verídicos e, os dados relacionados aos mesmos foram obtidos por meio de acesso aos inquéritos policiais, autos dos processos por meio de consulta pública via internet no site do Tribunal de Justiça de Rondônia e também através de matérias jornalísticas policiais divulgadas em sites de notícias como: Ariquemes190, Foco em noticia e Rondônia agora.

Por serem casos que foram amplamente divulgados pela imprensa regional, difundidos por todos os meios de comunicação e internet, não aferi a necessidade de alterar os nomes dos réus ou das vítimas, por não entender que a narração dos casos possa provocar em ambas as partes qualquer constrangimento.

Os processos aqui narrados, já foram a julgamento pelo Plenário do Júri e todos se encontram com suas sentenças transitadas em julgado e os réus recolhidos ao sistema prisional para o cumprimento de suas sentenças condenatórias.

5.2.1. Caso 1: Marcelo Henrique de Souza Teixeira e Sirléia Oliveira dos Santos

Foto 2: Marcelo e Sirléia - Fonte: https://jaruonline.com.br/rapaz-e-condenado-a-20-anos-de-prisao-por-matar-a-namorada-jaruense/

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O primeiro caso se refere ao inquérito policial nº. 71/2015/DCCV, que originou o processo criminal nº.0014330.85.2015.8.22.0002 e foi julgado pela 1ª Vara Criminal do Tribunal do Júri da Comarca de Ariquemes/RO.

O réu foi pronunciado pela prática do crime do art. 121. (matar alguém), §2º (Se o homicídio for cometido), inciso VI (contra a mulher por razões da condição de sexo feminino) em face da vítima Sirléia Oliveira dos Santos, de 20 anos de idade.

A notitia criminis chegou através de ligação feita por um vizinho ao 190 (Polícia Militar) relatando que havia uma casal discutindo e que na madrugada escutaram disparos de arma de fogo e viram o suspeito fugindo do local em uma motocicleta tomando rumo ignorado e ao adentrarem na residência se depararam com a vítima ao solo já sem vida.

O suspeito apresentou-se na companhia de seu advogado no dia 15 de junho de 2015, cinco dias após ter cometido o crime, na 1ª Delegacia de Crimes Contra a Vida, onde o delegado explicou seus direitos e o interrogatório foi colhido às folhas 32/33.

Conforme interrogatório, o réu disse que convivia com a vítima maritalmente acerca de 1 ano e 8 meses e, que no dia dos fatos estavam em casa e começaram a discutir, pois a mesma descobriu que ele havia arrumado outra mulher. Relatou também que ela o ameaçava muito e que não estava mais sustentando aquela situação e queria pôr fim ao relacionamento, e que no dia dos fatos estavam discutindo e, ela veio em sua direção com uma faca na mão e ele acabou perdendo a cabeça e disparou contra ela com uma arma calibre .38 de sua propriedade há muito tempo. Após efetuar os disparos ficou muito nervoso, montou em sua moto e saiu em fuga da fazenda rumo a cidade de Porto Velho. No trajeto jogou a arma fora, no meio do mato, não recordando exatamente o local.

Durante seu interrogatório, o réu enfatizou que a relação era muito conturbada, que brigavam muito e que ela (a vítima) sempre o ameaçava. Também enfatizou que nunca havia feito algo do tipo e que no dia dos fatos não havia feito uso de bebidas alcoólicas ou drogas.

Consta na denúncia que, no dia 10 de junho de 2015, pela madrugada, por volta das 01hs30min, na RO 140, KM 08, Fazenda Quatro Cachoeira, Zona Rural do município de Cacaulândia, o paciente Marcelo Henrique de Souza Teixeira, com manifesto desejo homicida, por motivo fútil (desentendimento anterior), deferiu disparos de arma de fogo contra a vítima Sirléia Oliveira dos Santos, acertando-a na região do tórax com a região mamária, bem como na região parietal. Após terminar seu intento homicida, o paciente evadiu-se do local, utilizando-se, para tanto, uma motocicleta que possuía (IP.71/2015 - DCCV).

Foto 3: caso 1 - Sirléia - Fonte: https://ariquemes190.com.br/

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Durante a perícia foi constatado que a vítima apresentava perfurações compatíveis com disparos de arma de fogo, uma localizada no lado esquerdo do tórax, próximo a mama esquerda e o outro encontrava-se na região parietal.

Foi um caso típico de feminicídio ocorrido no âmbito doméstico, no entanto, durante o interrogatório e também durante o julgamento perante o Tribunal do Júri, o acusado alegava legítima defesa, fazendo menção as provas colhidas na cena do crime, destacando que próximo ao corpo da vítima havia uma faca com a qual a mesma intentou contra sua vida.

Foto 4: Sirléia - Fonte: https://ariquemes190.com.br/

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Segundo foi apurado pela autoridade policial inquisitória o motivo presumível para o crime foi por ciúmes, a vítima ao descobrir a traição de seu companheiro pôs-se a tirar satisfação, o que acarretou em uma longa discussão que adentrou a noite e terminou com seu assassinato à 1h30min do dia 10 de junho de 2015.

Conforme consta dos autos, o réu alegou que a vítima de posse de uma faca tentou intimidá-lo e descobrir quem era sua amante e ele apossou-se de uma arma de fogo calibre .38 disparou contra a mesma não lhe dando nenhuma chance de defesa.

O Inquérito policial foi concluído e encaminhado ao Ministério Público que pediu o indiciamento do agente.

O juiz recebeu a denúncia, converteu a prisão temporária em preventiva e o indiciado foi levado a júri popular no dia 16 de fevereiro de 2016 e foi condenado.

O Ministério Público embasou a acusação evidenciando a presença dos requisitos típicos para a configuração do delito de feminicídio, por ter sido o crime cometido contra pessoa do sexo feminino, ocorrido em âmbito doméstico, o sujeito passivo foi uma mulher, foi um crime fundamentado por razão da condição de sexo feminino, houve total menosprezo pela vida humana, neste caso concreto o acusado quis impor sua força, seu poder de domínio sobre a vítima e de forma brutal e a sangue frio a executou.

O réu foi condenado a pena de reclusão de 20 anos pelo crime de feminicídio pelo Tribunal do Júri da 1ª Vara Criminal da Comarca de Ariquemes, Rondônia.

O juiz a quo, Alex Balmant, proferiu a sentença considerando todas as atenuantes e agravantes do caso.

Desde sua prisão temporária que depois foi convertida em prisão preventiva, o réu gozou de todos os seus direitos de contraditório e ampla defesa, impetrando Habeas Corpus:

Habeas corpus. Homicídio qualificado. Prisão preventiva. Revogação. Não cabimento. Gravidade concreta. Modus operandi. Elementos concretos a justificar a segregação cautelar. Condições pessoais favoráveis. Irrelevância. Ordem denegada. Não é ilegal o encarceramento provisório que se funda em dados concretos a indicar a necessidade da medida cautelar. A gravidade in concreto do crime e o modus operandi empregado constituem, na espécie, fundamento idôneo para a decretação da prisão preventiva. Condições pessoais favoráveis, sozinhas, não têm o condão de conduzir o paciente à liberdade, se presentes nos autos outros elementos que recomendam a manutenção da medida extrema. Ordem denegada.

(TJ-RO - HC: 00063283520158220000 RO 0006328-35.2015.822.0000, Relator: Desembargador Hiram Souza Marques Relator p/ acórdão (art.31, I, RITJRO) : Juiz Acir Teixeira Grécia (em subst. ao Des. Valter de Oliveira), Data de Julgamento: 16/07/2015, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 24/07/2015.)

O pedido de habeas foi negado fundamentado no fato de haver indícios suficientes do réu ser autor do delito que por ele foi confirmado durante interrogatório à autoridade policial, a maneira e o local onde o crime foi cometido, os requintes e, principalmente pelo fato de ter empreendido fuga do local, revelando uma conduta fugidia e a prisão foi mantida para assegurar a aplicação da lei penal.

Ao receber a sentença o réu interpôs recurso de apelação ao Tribunal de Justiça de Rondônia, alegando que a condenação era contrária as provas dos autos e que a condenação era exacerbadamente incompatível com as circunstâncias do delito e com as atenuantes, pedindo a reforma e aplicação da pena no mínimo legal.

Apelação criminal. Homicídio. Júri. Pena-base. Circunstâncias judiciais válidas. Proporcionalidade. Fundamentos válidos para pena-base não podem ter relação direta com o tipo penal. Avaliadas as circunstâncias judiciais válidas – personalidade, circunstâncias e consequências, se justifica a pena-base fixada acima do mínimo legal, respeitado o princípio da proporcionalidade.

(TJ-RO - APL: 00078768920158220002 RO 0007876-89.2015.822.0002, Relator: Desembargador Daniel Ribeiro Lagos. Data de Julgamento: 18/02/2016, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 24/02/2016.)

No recurso de apelação interposto pelo condenado a sentença foi parcialmente reformada, primeiro no que tange a pena-base que foi redimensionada pelo fato do réu não apresentar maus antecedentes criminais, ficando estipulada em 17 anos de reclusão e na segunda fase levou-se em conta a menoridade relativa do agente e houve outra redução de 3 anos na pena-base, sendo agora fixada em 14 anos de reclusão e os demais pedidos ficaram inalterados.

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Por fim o caso recebeu a tipificação de homicídio qualificado pelo art. 121, §2º, inciso IV.

Foto 5: Extrato simplificado da pena de Marcelo - Fonte: https:// www.tjro.jus.br/appgesep/pages/extratoPena.xhtml

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5.2.2. Caso 2: Claudemir Dias dos Santos e Geiziane dos Santos

Foto 6: Geiziane dos Santos - Fonte: https://ariquemes190.com.br/noticia.php?id=29169

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O segundo caso se refere ao inquérito policial nº. 75/2015/2ª DP/DCCV, que originou o processo criminal nº.0009563.04.2015.8.22.0002 e foi julgado pela 1ª Vara Criminal do Tribunal do Júri da Comarca de Ariquemes/RO.

O crime ocorreu na BR 421, KM 51 (fundos do Posto Tupã) na cidade de Monte Negro, nº 1883 – Bairro: Monte Negro, no dia 19 de junho de 2015, às 20h20min. O inquérito policial foi instaurado no dia 23 de junho de 2015, quando o irmão da vítima compareceu a delegacia e contou como foi encontrar sua irmã assassinada e quem poderia ser o autor do delito.

O presente inquérito policial foi instaurado por meio de APF lavrado na sede da DPC de Ariquemes-RO. Foi um inquérito e um processo muito extenso, pois foram arroladas e ouvidas muitas testemunhas, realizadas inúmeras diligências, várias provas foram apreendidas (aparelhos celulares, chips, cartões de memória, documentos, anotações de contas, projéteis etc.).

Com a conclusão do IP foram apontados como autores, Claudemir Dias dos Santos, vulgo “Bida”, como mandante do crime e ex-marido da vítima, Antônio Freitas da Silva, vulgo “Parazinho” ou “Marcelo” e Gedeon José Duque, vulgo “Gideon” e também Cassiano, o qual foi morto na cidade de Buritis, após se desentender com invasores de terras.

Os réus foram denunciados e pronunciados pela prática do crime do art. 121. (matar alguém), §2º (Se o homicídio for cometido), incisos I (mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe), II (por motivo fútil) e IV (à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido), Feminicídio §2º-A (Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve), inciso I (violência doméstica e familiar) em face da vítima Geiziane dos Santos, a época com 31 anos de idade.

Narra os fatos que a polícia militar foi acionada para atender uma ocorrência de invasão e arrombamento de domicílio através de uma ligação feita ao número 190 que gerou o BOP: 189/2015/2ªDP. Ao chegarem ao local, os policiais perceberam que a cerca elétrica no muro dos fundos da residência encontrava-se rompida e, ao adentrarem no terreno perceberam que a porta da cozinha (blindex) havia sido estilhaçada.

Ao adentrarem na casa encontraram a vítima já sem vida dentro do banheiro de um dos quartos de sua residência, apresentando lesões provocadas por disparos de arma de fogo, efetuado por elemento (s) até o momento de qualificação ignorada. A porta do quarto havia sido arrombada e a do banheiro onde a vítima foi encontrada também, sugerindo que vítima tentou se defender do (s) agente (s). Toda a casa passou por uma perícia minuciosa com o objetivo de localizar o (s) autor (es) do homicídio.

Durante o inquérito, como já mencionado, foram ouvidas muitas testemunhas e todas eram enfáticas em afirmarem que a vítima não possuía inimigos, dívidas ou quaisquer motivos que pudessem levar a sua morte. Foram unânimes em relatarem que a única pessoa que já havia tentado contra a mesma e que vivia por ameaçá-la era seu ex-marido, com a qual a vítima passou a ter uma relação extremamente conflituosa, pois o mesmo não aceitava pôr fim a relação marital.

A vítima chegou a fazer alguns boletins de ocorrência contra o ex-companheiro, em uma delas o ex-marido invadiu a residência da vítima e de posse de uma espingarda a ameaçou de morte e também sua irmã e uma amiga. Foi feito o registro de BO – ameaça (violência doméstica) no dia 13 de fevereiro de 2015 com o BOP: 471215000083, em outro momento a vítima também registrou o arrombamento de sua residência, onde o infrator apenas destruiu seus pertences pessoais não levando nada da residência, no dia 19 de abril de 2015, BOP: 4712150000207. Por diversas vezes a residência da vítima sofreu arrombamentos, também foram inúmeras as vezes que a cerca elétrica fora danificada.

No dia do delito (19/06/2015), a vítima Geiziane encontrava-se em sua residência com seu filho quando sua sogra pediu para ficar com o garoto, seu neto, fruto do relacionamento de Geiziane com Claudemir e a mesma deixou. Após deixar o filho com a sogra, a vítima passa em seu posto de gasolina e fez o fechamento do caixa.

Ao que consta no inquérito e as fotos colhidas no local, a vítima estava sozinha em casa, jantando, quando percebeu que invasores haviam pulado o muro e estava em seu quintal, atiram na porta da cozinha que era de vidro, provocando estilhaçamento da mesma, momento em que a vítima corre para seu quarto e de uso do seu celular ligou para o sogra que mora ao lado e pediu socorro, pois homens estariam já dentro da casa; a vítima na ânsia de se proteger tranca a porta do quarto corre para o banheiro e se tranca sentando-se ao lado direito da porta.

A porta do quarto é arrombada e posterior a porta do banheiro e Geiziane é alvejada na nuca com uma arma .40 e vem a óbito ainda no local.

A sogra que deveria ligar diretamente para a polícia, liga para a neta e conta que a casa de Geiziane foi invadida, avisa também um outro parente que aciona a empresa de segurança e somente depois e que acionam a guarnição da polícia militar. Quando a neta chega em casa e descobre que há várias viaturas de polícia no local, descobre que sua ex-madrasta foi assassinada, então manda uma mensagem para seu pai, ex-marido de Geiziane que neste momento já se encontrava na cidade de Machadinho D’Oeste juntamente com seu padrasto.

Ao saber da notícia retornou a cidade de Monte Negro, foi ao velório e sepultamento da vítima, parecia extremamente comovido, pois chorava muito, dava a impressão de estar desolado, desconsolado com o fatídico, no entanto, para a família da vítima só havia um culpado, o ex-marido.

Foi com a ajuda de testemunhas sob proteção da justiça, com suas identidades mantidas em sigilo que as autoridades policiais chegaram até os autores do assassinato e consequentemente do mandante.

Já de posse de algumas informações confidenciais, o delegado de polícia “Vinícius Lucena Tavares Bastos” e o delegado regional “Thiago Flores” interrogam o ex-marido – Claudemir Dias dos Santos que relatou ter sido casado com a vítima por cerca de 6 ou 7 anos, que desta relação tiveram um filho, que a data do fato estava com 03 anos.

Relatou que a relação entre o casal durou até o início do ano de 2015 e, que se separaram por má influência de uma das irmãs da vítima (Lidiane) e de uma amiga (Helena), as quais segundo o interrogado não aceitavam que a vítima fosse casada com ele, que essa amiga de sua ex-esposa dizia a ela que era muito linda e poderia ficar com o homem que quisesse.

O interrogado alegou que nunca haviam discutido antes e que a única coisa que se recordava era de ter pego uma espingarda e ido até a casa de sua ex, mas que não havia ninguém, se arrependeu e voltou para a casa de sua mãe. Também alegou que matinha um bom relacionamento com a vítima, principalmente nos três últimos meses que antecederam seu assassinato.

O interrogado enfatizou em seu interrogatório que na data no delito encontrava-se n a cidade de Guatá, em Mato Grosso havia uns 35 dias para trabalhar em uma empresa de nome COMIL, que tomou conhecimento da morte de Geiziane, no mesmo dia quando chegara na cidade de Machadinho D’Oeste, através de uma mensagem pelo WhatsApp enviada por sua irmã no momento em que estava descarregando um caminhão.

Foto 7: Executor da vítima Geiziane dos Santos - Fonte: https://ariquemes190.com.br/noticia.php?id=31087

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De posse das informações colhidas em fase de inquérito a polícia chegou até um dos executores “Antônio Freitas da Silva, vulgo “Parazinho” ou “Marcelo” que já se encontrava preso na cidade de Buritis/RO por outros delitos, também havia em seu desfavor, inquéritos em mais três estados que o apontavam como executor de alguns assassinatos, e em interrogatório este confirmou ter participado do assassinato da empresária, delatando demais partícipes e o mentor do crime.

Segundo “Parazinho”, em seu interrogatório, confirmou ser ele o autor do disparo que ceifou a vida de empresária Geiziane dos Santos e que os fatos aconteceram da seguinte forma: na data fatídica, valendo-se do auxílio de “Cowboy”, dirigiu-se a residência da ofendida, estacionando a moto nos fundos do imóvel, danificando e superando a cerca elétrica invadiu a casa e, em ato contínuo, já dentro do imóvel, disparou a arma de fogo na direção de uma porta de vidro, quebrando-a e ingressou no interior da residência.

Na sequência, percebeu que a vítima refugiava-se dentro do banheiro de seu quarto, quando então rompeu a porta do quarto e do banheiro com chutes, alcançou a ofendida e efetuou os disparos de arma de fogo que a atingiram-na, provocando traumatismo cranioencefálico, matando-a. Disse que o delito foi cometido por pistolagem, ou seja, mediante paga, visto que o denunciado Claudemir, ex-marido de Geiziane, contratou, por R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais), o denunciado Gedeon e Cassiano (falecido), para agenciarem a morte da vítima, os quais, por sua vez, o contrataram juntamente com “Cowboy” para executá-la. Ao todo o denunciado Claudemir investiu um total de R$: 10.000,00 (dez mil reais) para executar sua ex-esposa.

A conclusão do inquérito verificou que após a separação a vítima e acusado passaram a se desentender constantemente e, isso só terminou quando Geiziane teve sua vida ceifada em decorrência de disparo de arma de fogo, efetuado em sua cabeça, oportunidade em que os agentes se evadiram do local, tomando rumo ignorado.

No decorrer das investigações todos os elementos foram identificados e como dito anteriormente Antônio, vulgo “Parazinho” assumiu a autoria do delito, alegando que foi um dos executores, mas não o único, que agiu em companhia de um terceiro “Cowboy”, e indicou tanto em sede de interrogatório para o delegado, quanto perante o Tribunal do Júri que fora contratado pelo ex-marido da vítima e que isso ocorreu por intermédio de Gedeon José Duque.

Outrossim, “Parazinho” alegou categoricamente que foi Gedeon o agenciador, e que no dia do crime foi a casa da vítima acompanhado desta terceira pessoa que conhece apenas pela alcunha de “Cowboy” que desconhece seu paradeiro exato, mas sabe que o mesmo costuma ficar no acampamento dos “Sem-Terra Liga dos Camponeses Pobres”.

Vale ressaltar que segundo os elementos de informações coligados nos autos da empreitada criminosa fora arquitetada pelo ex-marido da vítima, o qual não aceitava o fim do relacionamento e não conseguiu superar o fato da vítima estar recomeçando sua vida.

Durante o seu interrogatório, Claudemir tentou ludibriar a autoridade policial, alegando que a vítima possuía dívidas com agiota, ou que estava em um relacionamento com outro homem, pois a viu em Ariquemes em um lanche na Avenida Guaporé na companhia do mesmo e também falou sobre um possível affair com um ciclista, também da cidade de Ariquemes, procurando com estas informações tirar o foco de sua pessoa, uma vez que na cidade era unânime a opinião dos moradores de que ele, Claudemir era o assassino da empresária.

Foto 8: Ex-marido e mandante da execução da vítima Geiziane dos Santos - Fonte: https:// rondoniavip.com

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Claudemir chegou a dar entrevistas alegando inocência, dizendo não ter nada a temer e que o povo que o acusava ainda iria engolir a própria língua, pois ele jamais faria uma coisa daquele tipo, que havia cometido erros e ela também, mas que nunca agiria com tamanha crueldade.

Para a polícia o caso estava solucionado e, não restavam dúvidas de quem eram os elementos que assassinaram a empresária.

Foto 9: Local do crime, vítima, mandante e seus executores - Fonte: https:// 24horasnoticia.com.br

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Os réus foram submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri da 1ª Vara Criminal da Comarca de Ariquemes-RO, com início da sessão de julgamento no dia 25 de abril de 2016, às 8h da manhã e adentrou a madrugada do dia 26 de abril de 2016, encerrando-se às 01hs30min, todos os réus com incursos no art. 121, §2º, incisos I (mediante paga), II (motivo fútil), IV (recurso que dificultou a defesa da ofendida) e §2º-A, inciso I (feminicídio), do Código Penal, na forma dos art. 29, do Código Penal, do Estatuto Repressivo Penal (réu Claudemir) e art. 121, § 2º, incisos I (mediante paga) e IV (recurso que dificultou a defesa da vítima), na forma do art. 29, do Código Penal (réus Gedeon, Robson e Antônio).

Não estavam presentes no Plenário do Júri, mesmo intimados os réus Robson e Gedeon, fazendo-se presentes seus defensores; a palavra foi dada ao promotor e aos defensores com apresentação de réplica e tréplica, todos apresentaram suas considerações e teses, o plenário foi fechado para que o conselho de sentença votasse.

O plenário foi reaberto na presença dos réus, do Defensor, dos Advogados e do Promotor de Justiça e o MM Juiz que presidiu o júri leu a sentença aos réus, primeiro foi absolvido sumariamente o réu Robson Silva e os demais réus foram condenados a penas de reclusão que somadas atingem 65 anos de reclusão, a saber o réu Claudemir Dias dos Santos foi condenado a 25 anos de reclusão, em regime inicial fechado, já os réus Gedeon José Duque e Antônio Freitas da Silva a 20 anos de reclusão, também em regime inicial fechado, ambos pela prática de crime hediondo. Com a publicação da sentença condenatória os réus manifestaram o desejo de interpor recurso de apelação “o que foi feito por intermédio do causídico, com fundamento no art. 593, inc. III, alínea “c” e “d”, do CPP”.

Desde o momento de sua prisão temporária que depois foi convertida em prisão preventiva o condenado Claudemir vem interpondo todos os recursos possíveis e, mesmo com provas contundentes de sua autoria segue negando ser o mandante da execução da sua ex-esposa.

HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. GRAVIDADE CONCRETA. PERICULOSIDADE. RESGUARDO DA ORDEM PÚBLICA. AMEAÇA À TESTEMUNHAS. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. Hipótese em que não há flagrante ilegalidade a ser reconhecida. A custódia cautelar foi decretada para o resguardo da ordem pública e para a conveniência da instrução criminal, haja vista a gravidade concreta do delito praticado, além do que testemunhas estariam sendo ameaçadas de morte. 2. Habeas corpus denegado.

(STJ - HC: 347170 RO 2016/0009376-4, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 08/03/2016, SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/03/2016).

HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO DA APELAÇÃO. DECISÃO CONTRÁRIA A PROVA DOS AUTOS. LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA. IMPROCEDÊNCIA.

Ainda que a peça de interposição não limite os motivos do inconformismo dentre as alíneas do inc. III do art. 593. do CPP, deve-se conhecer da apelação quando as razões deixam claro o embasamento legal no qual se funda o apelo.

A decisão do júri que opta por uma das versões existentes nos autos não pode ser anulada sob a alegação de ser contrária à prova dos autos quando encontra respaldo nos elementos de provas colhidos.

(TJ/RO 101.501.2005.001534-1 Apelação, Câmara Criminal, Rel. Dês. Cássio Rodolfo Sbarzi Guedes, j.28.05.2009).Negritamos.

Apelação criminal. Júri. Decisão manifestamente contrária às provas dos autos. Inexistência. Opção do conselho de sentença por uma das versões apresentadas em plenário. Absolvição. Exclusão das qualificadoras. Impossibilidade. Sentença mantida.

1. Não é contrária às provas dos autos a decisão do Tribunal do Júri quando os autos revelam que apenas houve, por parte do Conselho de Sentença, a livre opção por uma das versões dos fatos debatidos, e que encontram satisfatórios elementos de provas no bojo dos autos.

2. Os recursos de origem do Tribunal do Júri limitam a devolução a apenas os casos elencados no art. 593, III, alíneas "a" a "d", do CPP, impedindo o Tribunal de optar pela tese mais adequada aos fatos, o que inviabiliza a absolvição ou a exclusão das qualificadoras.

3. Recurso não provido.

(TJ/RO AC N. 0000011-34.2010.8.22.0020, J. 07/12/2010).

Apelando da sentença, o tribunal não reformou a mesma e ainda estipulou o pagamento das custas processuais, haja visto que o condenado Claudemir Dias dos Santos possuía a época um patrimônio avaliado em R$: 300.000,00 (trezentos mil reais) impetrou mandado de segurança, apelou da sentença do Tribunal do Júri, apresentou Recurso Especial, Recurso Extraordinário e sua condenação como dos demais réus foi mantida e transitou em julgado, esgotando todos os recursos cabíveis contra a mesma.

O que mais me chamou atenção neste caso foi o fato do ex-marido e mandante do crime ter ido ao velório, chorado e consolado a família da vítima, participou do sepultamento, isso só demonstrou sua frieza e quão calculista, egoísta e de caráter meticuloso, covarde.

O réu Claudemir também pediu o “Desaforamento de Julgamento” alegando que tanto ele quanto a vítima eram pessoas de grande conhecimento tanto na região de Monte Negro quanto na cidade de Ariquemes e, que o homicídio fora divulgado por todos os meios de comunicação e, que diante disto ficara impossível a imparcialidade para o julgamento, fato este que foi improvido pelo Tribunal de Justiça.

Apresentamos o extrato da pena-base aplicada a cada réu após o trânsito em julgado da sentença condenatória, com todos os recursos apreciados, a começar pelo mandante do crime e, posterior dos corréus:

Foto 10: Extrato simplificado da pena de Marcelo - Fonte: https:// www.tjro.jus.br/appgesep/pages/extratoPena.xhtml

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Foto 11: Extrato simplificado da pena de Marcelo - Fonte: https:// www.tjro.jus.br/appgesep/pages/extratoPena.xhtml

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Foto 12: Extrato simplificado da pena de Marcelo - Fonte: https:// www.tjro.jus.br/appgesep/pages/extratoPena.xhtml

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5.2.3. Caso 3: Andrei Willian Claudino e Sindy Lorrhayne Ocanha Pereira

Foto 13: Andrei Willian e Sindy - Fonte: https://ariquemes190.com.br

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O terceiro caso refere-se ao inquérito policial nº. 124/2015/DCCV, que originou o processo criminal nº.0002704-35.2015.8.22.0002 e foi julgado pela 1ª Vara Criminal do Tribunal do Júri da Comarca de Ariquemes/RO.

O réu foi pronunciado pela prática do crime do art. 121. (mata r alguém), §2º (Se o homicídio for cometido), incisos IV (à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido), VI (contra a mulher por razões da condição de sexo feminino) e § 2º -A (Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I- violência doméstica e familiar em face da vítima Sindy Lorrhainy Ocanha Pereira, de 16 anos de idade.

A polícia militar foi chamada para comparecer na Avenida Canaã, na Beer House, setor da cidade de Ariquemes no dia 25 de outubro de 2015, onde foram informados que uma garçonete do estabelecimento ao adentrar no banheiro feminino, reservado a clientes se deparou com uma garota caída ao lado do vaso sanitário, apresentando um grande corte no pescoço envolta a uma imensa poça de sangue. A equipe de atendimento de emergência já estava no local e havia constatado o óbito da jovem, foi lavrada a ocorrência policial sob nº. 380/2015 da 2ª DP.

Consta na referida ocorrência que após desentendimento entre vítima e infrator, este de posse de uma faca esperou a vítima ir ao banheiro do estabelecimento comercial e desferiu facadas na mesma, a qual não resistiu aos ferimentos vindo a óbito ainda no local, não se sabendo ao certo as circunstâncias do fato, foi instaurado, portanto o inquérito competente para apurar os fatos, sua correspondente materialidade e indícios de autoria.

Iniciadas as investigações no dia 26 de outubro de 2015, o delegado ouviu as testemunhas que relataram que eram amigas da vítima e estavam com a mesma no referido local, que possivelmente o infrator soube do local onde elas estariam por meio do check-in em uma rede social onde as mesmas também postaram algumas fotos, que a vítima que queria manter distância do infrator e que não cogitava em hipótese alguma reatar o relacionamento, que tinha até arrumado um outro namorado, mas quando o infrator soube procurou o rapaz e o esfaqueou.

Segundo consta nos depoimentos, elas estavam sentadas conversando quando o suspeito chegou, a vítima continuou conversando como se o mesmo ali não estivesse, em um dado momento uma delas se levantou e se dirigiu ao balcão, momento em que a vítima disse que iria ao banheiro, assim que saiu foi seguida pelo suspeito que se trancou com a mesma no banheiro, uns sete minutos depois ele sai do local apressado; as amigas continuam conversando até que são surpreendidas com a trágica notícia.

Após cometer o crime o suspeito se dirigiu até sua casa, deixando uma mochila que continha duas facas, uma delas usada no crime e uma camiseta também suja de sangue e tomou rumo ignorado, se manifestando apenas pelas redes sociais e ameaçando outras pessoas.

Foto 14: Andrei Willian e print de sua conversa em rede social, após o crime - Fonte: https:// ariquemes190.com.br

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Depois de cinco dias do crime (29/10) o suspeito do crime fez um acordo com a Polícia Civil e combinou de se entregar as autoridades policiais na casa de seu pai, como de fato ocorreu às 13h30min onde recebeu voz de prisão, no primeiro momento manifestou seu direito constitucional de permanecer calado e só falar em juízo.

O delegado de polícia responsável pelo caso tentou ouvir novamente o acusado, Andrei Willian Claudino de 20 anos, que entrou em contradições diversas vezes, primeiro alegou que executou a vítima, sua ex-namorada porque ela o teria humilhado na frente das amigas e ao tentar conversar com a mesma no banheiro esta cuspiu em seu rosto e o xingou. Ao ser indagado se premeditou o caso este alegou que não, no entanto, as testemunhas relataram em depoimento que após o término do namoro o acusado constantemente fazia ameaças contra a vida da vítima, por não aceitar o término do relacionamento, tanto que a vítima teve que ficar um tempo fora do estado, retornando apenas para ser brutalmente assassinada com 18 golpes de faca.

Segundo exame tanatoscópico a vítima tentou se defender entrando em luta corporal com o acusado, apresentando vários ferimentos defensivos. Alguns golpes foram tão profundos que provocam espanto com tamanha brutalidade, um dos golpes quase a degolou.

Este caso é na minha visão um dos mais bárbaros da Comarca classificado como feminicídio, não só pelo fato da vítima ser uma adolescente, mas pela frieza e crueldade com que o condenado a executou, foi um crime macabro, as cenas são extremamente perturbadoras, capazes de provocar em qualquer pessoa um sentimento de revolta, angustia e anseio por justiça.

Foto 15: Andrei Willian e fotos da vítima na cena do crime- Fonte: https://24horasnoticia.com.br

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O réu foi submetido ao Tribunal do Júri no dia 16 de junho de 2016, e após ouvir as testemunhas do caso MM. Juiz chamou Andrei para que pronunciasse sobre o caso, já que em sede de interrogatório o mesmo se ateve ao mínimo, logo se disse réu confesso do assassinato da ex-namorada, alegou que estava sob efeito de bebida alcoólica e antidepressivos, ainda alegou que o crime ocorreu após um discussão de ambos e que a vítima o teria xingado e cuspido nele, em vários momentos se contradisse.

Relatou não recordar toda a dinâmica do crime, que a matou usando um facão, que apenas fechou os olhos e a golpeou reafirmando que “o crime aconteceu por um ato impensado, motivado pela fúria do momento, após ser insultado pela vítima dentro do banheiro”.

Não restaram dúvidas acerca da motivação para o crime, pois ficou evidente que réu perseguia a vítima por não aceitar a separação e por estar insatisfeito ao descobrir que a vítima já buscava outros relacionamentos, tendo inclusive tentado contra a vida de um novo namorado da vítima, também com golpe de faca. O réu planejou, arquitetou o crime nos mínimos detalhes, sendo traiçoeira e atacando a vítima de surpresa, dificultando e impossibilitando sua defesa.

Após 06 horas de julgamento, finalmente Andrei é condenado por feminicídio, com pena de reclusão de 20 anos. Na sentença, o juiz fixou a pena-base de 20 anos de reclusão, no entanto, por estarem presentes as questões atenuantes de ter confessado o crime e por ser menor de 21 anos na época dos fatos, a sentença foi reduzida para 18 anos de prisão. Por estar em prisão preventiva desde o dia 29 de outubro de 2015 até a data do julgamento, a pena final restou em 17 anos, cinco meses e 12 dias a serem cumpridos em regime fechado.

Abaixo encontra-se o extrato simplificado da execução da pena do condenado atualizada:

Foto 16: Extrato da pena do réu

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5.2.4. Caso 4: Walter da Costa Soares e Nair Aparecida Santos

Foto 17: Walter assassino de Nair Aparecida - Fonte: https://ariquemesagora.com.br

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O quarto caso se refere ao inquérito policial nº. 158/2015/DCCV, que originou o processo criminal nº.0002353.62.2016.8.22.0002 e foi julgado pela 1ª Vara Criminal do Tribunal do Júri da Comarca de Ariquemes/RO.

O réu foi pronunciado pela prática do crime do art. 121. (matar alguém), §2º (Se o homicídio for cometido), incisos II (motivo fútil), VI (contra a mulher por razões da condição de sexo feminino) e § 2º-A (Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I- violência doméstica e familiar em face da vítima Nair Aparecida Santos, no dia 26 de dezembro de 2015.

A polícia militar foi acionada através de ligação feita ao 190 para comparecer no endereço Rua Vitória-Régia, nº5404, bairro São Luiz, pois uma mulher havia sido golpeada várias vezes por um homem de cor morena e alto, que se evadira do local.

Ao se deslocarem ao endereço a guarnição se deparou com a equipe de emergência SAMU socorrendo a vítima que, em seguida foi encaminhada ao Hospital Regional Municipal de Ariquemes para atendimento especializado devido a gravidade dos ferimentos. Uma testemunha contou aos policias o que presenciou e as características do elemento que praticara a ação e, de posse desses dados a polícia foi a procura do suspeito.

Foto 18: Nair Aparecida sendo socorrida em estado grave pelo SAMU - Fonte: https:// ariquemesagora.com.br

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Nair foi encaminhada ao hospital, mas não resistiu aos ferimentos e veio a óbito.

Durante as buscas a polícia logrou êxito em capturar o suspeito que ainda estava de posse da arma do crime.

Abaixo é possível ver a imagem da arma utilizada no crime e que ainda apresentava fragmentos do sangue da vítima.

Foto 19: Arma do crime - O canivete usado no crime foi apreendido pela PM com o suspeito que, a princípio, negou o assassinato. (Foto: Alerta Notícias/Divulgação)

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Após a prisão do suspeito, o mesmo foi flagranteado pelo delegado de plantão e deu-se início ao inquérito policial. Ao ser indagado sobre o crime o suspeito a princípio negou ser ele o autor, mas logo assumiu a autoria.

Em interrogatório o mesmo relatou que convivia com a vítima há aproximadamente quatro anos, que trabalhava como vaqueiro na Fazenda Nova Vida e que havia chegado de lá na tarde anterior ao crime e que estava ingerindo bebida alcóolica com vítima quando em dado momento esta lhe desferiu um tapa em seu rosto sem qualquer motivo aparente, que o genro da vítima e a filha da mesma, foram para cima dele e então pegou o canivete para se defender.

Disse também que a vítima veio em sua direção e ele a golpeou com o canivete, mas que não tinha a intenção de matá-la. Alegou ainda que já havia sido por diversas vezes agredido pelo genro e a filha da vítima que já estava cansado da situação e que após o crime saiu andando pela cidade e voltou até a casa da vítima para buscar dinheiro afim de voltar para a fazenda. Perguntado sobre a convivência entre ambos o acusado disse que já havia sido preso e processado por violência doméstica contra a própria vítima.

O delegado ouviu uma testemunha que contradisse tudo que fora alegado pelo suspeito, segundo ele o acusado vivia passando pela rua onde a vítima morava, descia a rua e ficava parado em uma esquina observando a casa da mesma.

Segundo a testemunha no dia do crime o suspeito chegou e o viu em frente sua residência e se aproximou e perguntou se o mesmo sabia se a vítima estava em casa, momento em que este disse que não, ficaram conversando por um tempo até que a vítima chegou passou pelo suspeito e adentrou em sua residência, o acusado esperou que a mesma entrasse e em seguida entrou também.

A testemunha continuou seu relato narrando que assim que o suspeito entrou na casa a vítima já saiu correndo gritando socorro, sendo alcançada pelo acusado que de posse de um objeto pontiagudo a perfurava, principalmente a região do pescoço, que a mesma caiu e continuou a ser atingida pelo acusado que depois saiu caminhando como se nada tivesse acontecido, que ligou para a polícia e para o Serviço de Atendimento Médico de Urgência.

A filha e o genro da vítima relataram que a convivência da paciente com o suspeito foi extremamente conturbada, pois o mesmo tinha muito ciúme e que após a separação o acusado tornou-se ainda mais ciumento e possessivo não aceitando a separação o que resultou no assassinato de sua mãe.

Não restaram dúvidas acerca da motivação para o crime, foi por ódio, ira, ciúme exasperado, pois ficou evidente que réu perseguia a vítima por não aceitar a separação e ao tentar novamente reatar o relacionamento e possivelmente ter recebido uma negativa da vítima foi tomado por uma ferocidade e a atacou, golpeando-a dezoito com seu canivete. O réu foi insensível com a vida da vítima a qual alegou amar muito até no Plenário do Tribunal do Júri, sua conduta demonstra-se repugnante, uma vez que arquitetou o crime nos mínimos detalhes, sendo traiçoeiro e atacando a vítima de surpresa, dificultando e impossibilitando sua defesa.

O Tribunal do Júri da Comarca de Ariquemes ante a materialidade do delito e das provas apresentadas, bem como o depoimento das testemunhas e o interrogatório do acusado, no dia 09 de junho de 2016, não poderia fornecer ao pronunciado uma sentença contrária a barbárie praticada pelo mesmo e, nas palavras do Presidente do Tribunal do Júri MM. Alex Balmant na sentença condenatória “a culpabilidade de Walter ressoa com alta intensidade do dolo e é gravíssima, sendo sua conduta muito reprovável, pois tinha pleno conhecimento das consequências do ato, demonstrando determinação e certeza, devendo-lhe ser aplicado o Juízo de censurabilidade por sua ação dolosa.”

Por fim veio a sentença que condenou o réu a pena de reclusão de 19 anos pela prática do crime de feminicídio.

Abaixo encontra-se o extrato simplificado da execução da pena do condenado atualizada

Foto 20: Extrato simplificado da pena do réu

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5.2.5. Caso 5: Edson Bueno Laguscheski e Taiara Cássia Andrade

O quinto caso se refere ao Inquérito Policial nº. 84/2017/DEAM, que originou o processo criminal nº. 1002.2017.0019.8273.0315402. e foi julgado pela 1ª Vara Criminal do Tribunal do Júri da Comarca de Ariquemes/RO.

É o único caso do ano de 2017 que aqui será citado, por se tratar de um réu que já havia assassinado uma mulher antes e que se encontrava em liberdade condicional em decorrência desta condenação e que com frieza tentou contra a vida de outra, assim que saiu da prisão.

O réu foi pronunciado pela prática do crime do art. 121. (matar alguém), §2º (Se o homicídio for cometido), incisos II (motivo fútil), IV (recurso que dificultou a defesa da vítima), VI (contra a mulher por razões da condição de sexo feminino) e § 2º-A (Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I- violência doméstica e familiar, c.c. art. 14. do Código Penal em face da vítima Taiara Cássia Andrade, no dia 05 de maio de 2017.

A polícia militar foi acionada através de ligação feita ao 190 pelo próprio suspeito para comparecer na esquina da Travessa paralela à Rua Jandaia, n.1819, Setor 02, pois no interior do imóvel do endereço em epigrafe, onde ele havia surpreendido sua esposa com um amante, a qual avançou em sua direção, pegou-o pelo pescoço e tentou agredi-lo com uma marreta.

Além de ligar para a Polícia Militar, o conduzido também acionou o Serviço de Atendimento Médico de Urgência – SAMU.

A Polícia Militar conduziu o agressor a central onde este foi flagranteado pelo delegado plantonista.

Foto 21: Edson na delegacia, após ser preso por ter assassinado a vítima Selma Ramos

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Edson Bueno Laguscheski, mais conhecido pela alcunha de “Polaco”, já havia sido acusado e condenado antes por assassinar uma outra mulher no ano 2012 com um tiro no rosto depois de ter sido convidado a se retirar do aniversário do filho desta vítima, Edson foi embora, buscou uma espingarda e do meio da mata acertou um tiro fatal em Selma Ramos Firmiano, que segundo várias matérias divulgadas na época pela imprensa regional era ex-esposa de Edson e o aniversário seria de seu filho de 07 anos.

Após a prisão do suspeito, o mesmo foi flagranteado pelo delegado de plantão e deu-se início ao inquérito policial. Ao ser indagado sobre o crime o suspeito afirmou ser ele o autor do delito.

Em interrogatório o mesmo relatou que é casado com quem tem uma filha pequena, que estava trabalhando e ao retornar ao apartamento onde ambos estavam residindo surpreendeu a esposa com um possível amante e que ela no intento de livrar o amante avançou sobre o mesmo, que queria entrar apenas para pegar algumas roupas, mas que a vítima se apossou de uma marreta e tentou acertá-lo, neste momento o possível amante conseguiu fugir e ele tomou a marreta da mão da vítima e a golpeou na cabeça umas duas ou três vezes.

Relatou também que após acertá-la, ligou para a polícia militar através do número 190 e também para a equipe do SAMU, que quando os policiais chegaram ele estava esperando e que os levou até o quarto onde a vítima encontrava-se sem vida, no entanto, quando a equipe médica chegou constatou que a mesma estava viva, mas gravemente ferida e precisava de atendimento de emergência, pois uma parte do seu crânio apresentava traumatismo cranioencefálico gravíssimo.

Foto 22: Taiara sendo socorrida em estado grave pelo SAMU e arma utilizada pelo agressor - Fonte: https://ariquemes190.com.br

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Durante as investigações e averiguações a equipe da polícia não encontrou vestígios de que outra pessoa estivesse na casa no momento do delito, então Edson foi confrontado e confessou que iniciou-se uma discussão banal, que durou alguns minutos e cessou, momento em que a vítima se dirige ao quarto, minutos depois o acusado retoma a discussão e no calor da contenda ele tomado pela ira se apossou de uma marreta vindo a ferir gravemente a vítima.

No dia 20 de novembro de 2017, o Tribunal do Júri da Comarca de Ariquemes ante a materialidade do delito e das provas apresentadas, não poderia fornecer ao pronunciado uma sentença contrária a barbárie praticada pelo mesmo e, nas palavras do Presidente do Tribunal do Júri MM. Alex Batman na sentença condenatória:

“A culpabilidade ressoa com alta intensidade do dolo, pois o crime foi cuidadosamente planejado pelo denunciado. Agiu de forma articulada, orientando sua vontade com propósito de eliminar a vida da vítima. Com efeito, demonstrou absoluta insensibilidade para com a vida humana, ao praticar o crime doloso contra a vida da sua esposa, com quem conviveu por 10 (dez) anos, genitora de sua filha, menor, com apenas 08 (oito) anos de idade. Conduta desprezível, altamente repugnante, supera os limites do tolerável. O que se denota claramente, no caso em apreço, é a força, o poder, o domínio que se quer ter sobre a vítima de um crime passional” (SENTENÇA CONDENATÓRIA, fls. 146/150).

Por fim veio a sentença que condenou o réu a pena de reclusão de 16 anos pela prática do crime de tentativa de feminicídio. O réu ao receber a sentença manifestou pelo desejo de apelar. A apelação foi interposta tempestivamente gerando o seguinte número de processo: 1001612-68.2017.822.0002, onde o recurso não foi provido e a pena ainda foi majorada em 22 anos de reclusão.

Homicídio qualificado. Circunstâncias judiciais desfavoráveis. Redução da pena. Mínimo legal. Inviabilidade. Precedente STF. Compensação. Agravante e Atenuante. Reincidente específico. Impossibilidade. Regime menos gravoso. Impossibilidade. Recurso não provido.

1. O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena, cabendo às instâncias ordinárias, mais próximas dos fatos e das provas, fixar as penas, de modo que o Tribunal somente poderá modifica-la se flagrantemente desproporcional e arbitrária.

2. É entendimento jurisprudencial, inclusive do STF, de que presente uma só circunstância judicial desfavorável já é suficiente para elevar a pena-base de seu mínimo legal.

3. A compensação da agravante da reincidência pela atenuante da confissão espontânea há que ser aferida atentando-se para as peculiaridades do caso concreto, observando-se os princípios da proporcionalidade e da individualização da pena e diante da análise dos antecedentes criminais do réu.

4. A múltipla reincidência ou a reincidência específica impede a compensação da agravante de reincidência com a atenuante de confissão, isso como forma de não tornar letra morta o art. 67. do CP.

5. O condenado à pena superior a oito anos, deve iniciar o cumprimento da pena em regime prisional fechado.

6. Recurso não provido

(TJ-RO - APELAÇÃO: 10016126820178220002 RO 1001612-68.2017.822.0000, Relator: Desembargador MIGUEL MONICO NETO, Data de Julgamento: 28/02/2018, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 28/02/2018).

A vítima Taiara encontra-se em estado semivegetativo, ainda não tem consciência do que aconteceu, acredita que sofreu um acidente de moto, não se recorda de nada do dia do fato e passa a maior parte do tempo em uma cama sendo cuidada por sua irmã que se compadeceu do seu estado e por sua filha, uma garotinha amável que carrega as dores do que seu pai fez com sua mãe.

A paciente que antes era vaidosa e saudável depende da ajuda e da solidariedade das pessoas. O réu não logrou êxito em matá-la, mas talvez a tenha colocado em uma situação ainda mais lastimável e dolorida, pois as dores em seu corpo são constantes e as sequelas permanentes.

Foto 23: Taiara dias antes de sofrer a tentativa de feminicídio – arquivo do álbum da mesma.

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Foto 24: Taiara dias atuais após sofrer a tentativa de feminicídio – arquivo do álbum da mesma.

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A pena pelo primeiro homicídio qualificado foi pouco, pois com quatro anos de reclusão já se encontrava fora das grades e fez mais uma vítima. É um condenado que deve ficar sob os olhos da justiça, tendo em vista que demonstra frieza, calculismo e desprezo pela vida feminina e tem fortes indícios de que ao ser libertado e contrariado por outra mulher, matará novamente.

Abaixo encontra-se o extrato simplificado da execução da pena do condenado atualizada

Foto 25 – Extrato simplificado da pena do réu – pg. 1/2

Foto 37 – Extrato simplificado da pena do réu – pg. 2/2

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5.3. FEMINICÍDIO: CRIME DE ÓDIO QUE MATA MULHERES NA COMARCA DE ARIQUEMES

Os casos emblemáticos aqui apresentados de feminicídio julgados na Comarca de Ariquemes tiveram como principal motivação a separação, foi o basta das vítimas que selaram seus destinos fatais.

Dos cinco casos aqui denunciados e já transitados em julgado, somente o primeiro recebeu desclassificação ao delito de feminicídio, respondendo o réu por homicídio doloso duplamente qualificado, uma vez que sua defesa consegui apelar da sentença e desclassificou o feminicídio, alegando que o réu apenas tentou se defender das ameaças feitas pela vítima que supostamente estava com uma faca, sendo assim obrigado a conte-la efetuando dois disparos de arma de fogo e, segundo o próprio réu,; ele agiu no calor da emoção e não mediu as consequências dos seus atos, matando-a no quarto onde viviam como marido e mulher.

Já os demais casos foram classificados, tipificados e qualificados com base no art. 121, §2º, incisos II, IV e VI e §2º-A, inciso I (feminicídio) do Código Penal Brasileiro.

Ragazzi (2017, p. 1) assim discorreu sobre a motivação para o crime de feminicídio:

Feminicídio é um crime praticado contra mulheres e motivado pela condição de gênero, causado pelos sentimentos de desprezo, posse e ódio, tendo a mulher como um simples objeto para ser usado e descartado de forma livre e espontânea menosprezando-a por possuir o sexo feminino.

O motivo fútil e torpe, a crueldade e o local onde as vítimas foram brutalmente executadas, à traição, pois não esperavam que seus algozes usassem de meios que as impossibilitariam de terem o mínimo de chance de lutarem, de brigarem por suas vidas, por serem pegas de surpresa, foram infelizmente aniquiladas.

O que se percebeu ao analisar esses casos entre os divulgados pela mídia nacional e internacional, assim como na Comarca de Ariquemes, aqui se mata por ódio, raiva, ira, ciúmes, por egoísmo extremo alegando se tratar de crime passional, por amor, quando a realidade o que os denunciados nunca aceitaram foi a possibilidade da vítima se desvencilhar das correntes que a prendiam e aprenderem a serem livres, a refazerem-se, a ter novos relacionamentos.

O que mata mulheres em nossa comarca é o sentimento nutrido pelos denunciados de propriedade, de posse, de acharem-se donos das vítimas, esse é o real motivo que alimenta essas atrocidades.

É o ódio que mata, que vitimiza milhares de mulheres pelo mundo, aquele ditado cruel “se não for para ser minha, não pertencerá a ninguém”.

O sentimento mesquinho que gera uma afronta a sua masculinidade, é o ódio por terem sido abandonados ou simplesmente contrariados, não o amor que causa essa caça às bruxas; o amor não extermina, não desfigura o corpo e alma, não denigre a imagem.

Não há amor nos crimes de feminicídio, é uma afronta chamá-los de crimes passionais, é retrógrado, não há paixão, mas sim um trivial e gigantesco sentimento de ódio, uma maneira cruel, desumana de subjugação final à mulher que, em nossa sociedade ainda arcaica e patriarcal fundida na cultura do machismo as vê – mulheres – objetos de propriedade do homem.

Nobre (2019) afirma que no Brasil a cada 2h14min uma mulher é vítima de feminicídio e passa a integrar um quadro cruel e estatístico de uma guerra civil e massacrante que os homens travaram contra as mulheres para as quais um disse disseram “Eu te amo”.

Foto: 27 - Baseado em levantamento realizado por Jefferson Nascimento (@jnascim)

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Esse sentimento de ódio pelas mulheres está propício a aumentar, fato este que já nas primeiras horas do ano de 2019 tivemos 07 casos de feminicídios, registrados em Rondônia, sendo que um deste aconteceu na Comarca de Ariquemes, cidade de Cujubim, onde a vítima Vanessa foi assassinada possivelmente por seu companheiro no dia 31 de dezembro de 2018 e enterrada na fundiária do sítio onde residia em uma cova rasa. O assassino, seu companheiro, deixou um bilhete indicando a localização do corpo de Vanessa e cometeu suicídio.

Já o estado de São Paulo registra o maior índice, até 30 de março de 2019, já foram registrados 70 casos de feminicídio e, é possível observar no mapa acima pontos vermelhos e azuis, onde os vermelhos indicam casos de feminicídios consumados e os azuis representam os casos de feminicídios tentados.

O feminicídio no Brasil, tornou-se um caso de epidemia, mesmo sendo tipificado como crime hediondo, com aplicação de pena mais gravosa ao autor deste tipo de delito, levantamentos apontam que todos os dias 13 mulheres são assassinadas no país.

É um crime inaceitável que vem atingindo índices alarmantes.

Abaixo no gráfico é possível observar que desde a promulgação da Lei 13.104 em 2015 o número de feminicídios só faz crescer, lamentavelmente.

Gráfico 3 – 2019

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os dados de feminicídios de 2019 foram levantados até o dia 10 de fevereiro de 2019.

Os altos índices estão relacionados ao inconformismo, ao ciúme, ao sentimento de posse, ao desprezo à condição de mulher, e principalmente ao ódio justificado pelo triste ditado machista “Não é minha... não será de ninguém”.

É errôneo pensar ou falar em amor nos crimes de feminicídios, muito menos em crimes passionais. Não é o amor que ocupa o banco dos réus.

O que restou provado nos casos analisados e em todos os demais que ocorreram ao redor do mundo é a subjugação letal do homem sobre a mulher, onde o homem alimenta a ideia de que é o dono da vida da mulher, seu senhor, sentindo-se legitimado e em pleno gozo do direito de decidir sobre a vida e a morte da mulher.

Essa forma letal de subjugação, mesmo com aplicação de penas mais gravosas, parece não intimidar o agressor, prova disso restou evidente na divulgação do Atlas da Violência de 2019 que mostra que em 2017, 13 mulheres foram mortas por dia no Brasil e, que 221 mil denunciaram casos de violência doméstica.

Como dito anteriormente, precisamos compreender que o feminicídio é um problema de saúde pública, uma verdadeira caça às bruxas em pleno século XXI, onde o mundo tornou-se desmedidamente hostil às mulheres.

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