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Os efeitos da lista suja no Brasil contemporâneo

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3. Dos Resultados Alcançados

Com o intuito de informar e dar publicidade a sociedade sobre as fazendas do qual os empregadores utilizam de mão de obra em condição análoga à escrava, a ONG Repórter Brasil e parceria com a OIT, desenvolveu uma pesquisa que levou o nome de “Cadeia Produtiva do Trabalho Escravo”, que tinha por finalidade além de informar a sociedade, detalhar o processo que as mercadorias passam até estarem prontas para o consumo. Como consequência, acaba informando ao mercado a concorrência desleal, posto que não pagam impostos, contribuições, menos ainda os salários.

Após delongas, notou-se que colaboradores, exportadores, varejistas entre outros que realizavam negócios com os empresários infratores não tinham conhecimento da prática de tal ato.

Além disso, as empresas que passaram a ter conhecimento se uniram, e juntamente com o Instituto Ethos e a OIT, formaram o Pacto Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo. Tendo uma aceitação totalmente positiva, diversos estabelecimentos prestaram compromisso com o referido pacto se mantendo o mais distante possível de qualquer ato ligado ao crime.

Segundo dados fornecidos pela OIT, entre os anos de 1995 e 2010 foram realizadas mais de mil operações, resultado no resgate de mais de 38.000 trabalhadores e no pagamento de mais de 58 milhões de reais em direitos trabalhistas. E ainda há campanhas de conscientização, educação, principalmente em regiões afastadas. Toda a mobilização, operações, instituições realizadas para o combate ao trabalho análogo à escravidão levou o Brasil a ser exemplo mundial, sendo destaque nos Relatórios Globais da OIT em 2005 e 2009, e em 2010 a Relatora Especial sobre formas Contemporâneas de Escravidão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, mencionou o trabalho desenvolvido no Brasil. (CAMPANHÂ, 2015, p. 67)

Tal lista é de grande publicidade, objetivando alcançar o resultado esperado, ou seja, coibir a prática desta mão de obra desumana. Como já discorrido, o Cadastro de Empregadores Infratores não aplica penalidades aqueles cujo nome esteja inscrito, todavia, uma vez presente o nome na referida lista, os infratores passam por restrições financeiras e comerciais, estes conforme já aludido, deixam de disponibilizar créditos e benefícios aos participantes da Lista Suja, com o fundamento de que não querem ver o seu nome associado de qualquer meio a aqueles que utilizam da mão de obra ilegal, também sustentam a ideia de que se o empregador sujeita trabalhadores ao trabalho desse tipo, provavelmente não possuirá capacidade para pagar as suas dívidas uma vez que terá que arcar com os direitos trabalhistas a serem devidos, entre multas e indenizações.

Em 2018, com sua atualização, a “Lista Suja” trouxe em seu bojo uma fabricante da empresa Coca-Cola, a Spal Industria Brasileira de Bebidas que integra o grupo Femsa considerado o maior engarrafador de Coca-Cola do mundo, tal ação foi motivada devido a diversas sentenças judiciais existentes na Justiça do Trabalho e encaminhadas ao antigo Ministério do Trabalho, por conta de processos movidos por ex-funcionários.

Em fiscalização realizada entre 2015 e 2016, a empresa foi identificada como utilizadora de mão de obra análoga a escrava, onde os caminhoneiros e ajudantes de entrega realizavam, em média, 80 horas extras por mês, sendo em casos mais extremos chegando a 140 horas extras por mês, além de dias inteiros de trabalho sem intervalos. Como consequência acabavam afastados por atestado médico.

Um motorista relatou que, após encerrar a sua jornada por volta de 0h30, chegou em casa às 2h com a obrigação de retornar ao trabalho às 6h30. Ele disse aos auditores que tomou banho, jantou e ficou vendo televisão. "Se dormisse não conseguiria levantar no horário de trabalho", informou em seu depoimento aos fiscais. "Sabia que, se não fosse trabalhar, receberia advertência no outro dia", disse à fiscalização. (CAMARGOS, 2018)

Também com o nome divulgado na “Lista Suja” publicada em 2018, a empresa Via Veneto, a maior marca nacional a ingressar na lista, foi flagrada em 2016 com roupas de sua marca sendo costuradas por bolivianos em jornadas de mais de 12 horas, em um local pequeno, com pouca iluminação e forte odor por conta da ausência de limpeza. O trabalho era realizado sem o registro em carteira e os trabalhadores dormiam no próprio ambiente de trabalho. Em fiscalização foi constatado a existência de uma mulher de 15 anos dentre os trabalhadores.

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A empresa Zara Brasil Ltda., de grande renome no país entre as fabricantes de roupas, também foi flagrada sob a utilização da mão de obra escrava contemporânea em 2011 e teve seu nome incluso na “Lista Suja”. Os auditores fiscais do antigo Ministério do Trabalho em fiscalização constataram que diversos funcionários de oficinas de costuras da cidade de São Paulo atuavam em condições degradantes, tendo seus direitos violados e o desrespeito às normas pertinentes a segurança do trabalho. A empresa sustentou a ideia de não ter ciência do que estava acontecendo nas oficinas de costura, encaixando-se na teoria conhecida por Cegueira Deliberada.

De acordo com os advogados da União, os auditores verificaram durante a fiscalização que toda a linha de produção das oficinas de vestuário estava direcionada ao fornecimento de peças para a Zara. Segundo a Procuradoria, no local foram encontradas etiquetas da empresa e observações nos produtos sobre a modelagem e costura determinadas pela multinacional. (JURÍDICO, 2014)

A teoria da cegueira deliberada tem por objetivo punir o agente que voluntariamente ignora fatos suspeitos, ou seja, finge não enxerga-los e não age com cautela e boa-fé que a sociedade espera, escolhendo, assim, pela situação que lhe é mais vantajosa ou cômoda, e por isso sendo punido. Oportuno ressaltar, que nos casos de trabalho em condição análoga a de escravo os fatos suspeitos são visíveis, mas mesmo assim o agente os ignora e finge não velos para que com esse meio almeje lucros que não seriam alcançados com a mão de obra regular.

Em fiscalização realizada em 2014, também foi constatado na linha de produção das lojas Renner trabalhadores sujeitos a tal condição degradante de trabalho, foram resgatados 37 trabalhadores bolivianos em uma oficina localizada na Zona Norte de São Paulo, as autuações recebidas valoravam aproximadamente R$ 2 milhões de reais.

Os trabalhadores encontrados estavam sujeitos a uma jornada de trabalho de 16 horas, alojamentos em péssimas condições, descontos indevidos de salários e até retenções dos mesmos e de documentos, caracterizando uma servidão por dívida, além de violência verbal e física.

Os auditores fiscais do Ministério do Trabalho investigaram a empresa por aproximadamente três meses, com apoio do Ministério Público do Trabalho e da Defensoria Pública da União. Os fiscais foram deslocados ao Rio Grande do Sul, estado onde está a sede da Renner. Lá encontraram elementos que comprovam a ligação direta da empresa com a oficina, que oficialmente tem a denominação de Oficina de Costura Letícia Paniágua. (BOCCHINI, 2014)

Entre as irregularidades foi constatado que a alimentação ofertada aos trabalhadores era totalmente inadequada, alimentos fora do prazo de validade, deteriorados, com insetos e baratas. Em alguns trabalhadores houve a ocorrência de infecções intestinais severas causadas por conta da má alimentação. A empresa em nota alegou não compactuar a esta forma de mão de obra, deixando a responsabilidade a seus fornecedores, encaixando-se também a teoria da Cegueira Deliberada.

Destaca-se novamente a utilização da mão de obra estrangeira, nos casos narrados grande maioria dos trabalhadores são bolivianos, realidade que vem se tornando rotina. Pelo desespero em encontrar trabalho para sua subsistência, por conta da mão de obra barata, e muitas vezes da entrada ilegal no país, os estrangeiros acabam sendo alvos fáceis para o trabalho escravo contemporâneo.

Mesmo ainda existindo a utilização tal meio de trabalho, o mesmo ocorre de forma menos frequente, os números de trabalhadores resgatados vêm diminuindo no decorrer dos anos, bem como as fiscalizações ocorrem com maior frequência para de fato evitar tal ato.

Não há dúvidas, que as atitudes tomadas pelo Governo, trouxeram demasiado amparo aos trabalhadores sujeitos à essa condição, destacando-se os diversos projetos e programas desenvolvidos, grande parte em áreas isoladas, onde o desemprego assola a vida da sociedade, seja por consequência da distância dos grandes centros econômicos e sociais, ou pela situação atual em que o país se encontra.

Tais projetos têm como finalidade conscientizar a população dos males trazidos pela prática de trabalho em condição análoga a de escravo, por meio de palestras, cursos, oficinas entre outros, para que de fato atinja até mesmo os empregadores, informando-lhes o efeito prejudicial e negativo que o emprego em tais condições pode ocasionar, para que assim traga a necessária informação e a segurança social que é indispensável para alcançar a tão almejada e necessária extinção da referida prática ilegal e desumana.


4. CONCLUSÃO

Por fim, conclui-se com o presente trabalho que mesmo sendo abolida a escravidão no país pela assinatura da Lei Aurea o mesmo não se viu livre de praticas equivalentes as antepassadas. Trabalhadores ainda são subordinados a superiores, em muitos casos o próprio empregador, que se utilizam de praticas degradantes no exercício da mão de obra, vedando aos obreiros direitos inerentes a estes, fundamentais para o trabalho pleno e digno.

Ocorre que com a aplicação da lista suja como um dos meios de combate ao trabalho análogo ao escravo encontrou uma forma eficaz de evitar que empregadores sujeitassem seus colaboradores a mão de obra penosa e degradante, uma vez que se constatada tal pratica pelos órgãos competentes o nome da empresa, seja ela pessoa jurídica ou pessoa física, encontra-se após processo administrativo no cadastro de empregadores infratores.

Tal cadastro não possui sanções, nele apenas estão presentes os nomes das empresas e empregadores que se utilizaram de mão de obra em condição análoga a escrava no Brasil, com o objetivo principal de ser um veículo de informação mundial, tornando de conhecimento e abrangência ampla aqueles que vêm violando as normas relativas ao trabalho e os direitos fundamentais dos trabalhadores.

Entretanto, tal cadastro vem alcançando patamares além do esperado, com a inclusão na lista suja, muitas colaboradores e empreendimentos, estrangeiras ou nacionais, que realizavam negócios com as empresas e empregadores constantes no referido cadastro acabaram rescindindo o vinculo empresarial e comercial, uma vez que não desejavam seu nome e imagem associada a esta forma de mão de obra. Com isso muitos empregadores se viram prejudicados, posto que seu produto passou a gerar um retorno não pretendido ou diferente do alcançado anteriormente, ocasionando um prejuízo econômico.

Há que se falar também na perda de investimentos, aqueles que investiam na empresa constante na lista suja não querem sua imagem associada a pratica de trabalho análogo ao de escravo, como já falado, e posto isso deixam de realizar transações e investimentos que acabam acarretando também um prejuízo econômico ao empregador.

Além do mais, instituições bancarias vem vedando análises de créditos e financiamentos a empresas com o nome presente no cadastro de empregadores infratores, isto porque primeiramente não querem nenhuma forma de associação a seu nome e imagem a pratica de trabalho degradante, e em segunda plano que entendem que o empregador que se encontra sob a presente situação dificilmente terá condições econômicas de arcar com os pagamento de eventuais financiamento e concessões de créditos, estando o banco em risco de inadimplência.

Mesmo que o cadastro de empregadores infratores em si não tenha nenhuma forma de sanção a aqueles que nele estão presentes, tais acontecimentos acima descritos acabaram consequentemente sendo uma punição aos empregadores, uma vez que acaba trazendo grandes reflexos ao seu negócio. Há quem diga que tais consequências justificam o sucesso na aplicação da lista suja e a diminuição da ocorrência de trabalho sob as condições referidas.

Por fim, não há que se questionar a eficácia e importância da aplicação do cadastro de empregadores infratores, este é deveras necessário, uma vez que vem trazendo resultados cada vez mais positivos no combate ao trabalho em condição análogo a de escravo.


REFERÊNCIAS

BOCCHINI, Bruno. Fiscais encontram trabalho análogo ao de escravo na produção da Renner. Agência Brasil. Brasília, 28 nov. 2014. Disponível em <https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2014-11/fiscais-encontram-trabalho-analogo-de-escravo-na-producao-da-renner>. Acesso em: 22 jan. 2019.

CAMARGOS, Daniel. Via Veneto e fabricante da Coca-Cola entram na lista do trabalho escravo. Notícias Uol. 5. out. 2018. Disponível em <https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/reporter-brasil/2018/10/05/coca-coca-cola-via-veneto-brooksfield-trabalho-escravo-lista-suja.ht>. Acesso em: 22 jan. 2019.

CAMPANHÃ, Beatriz Mattos. A “lista suja” como meio para coibir o trabalho em condições análogas à escravidão. 2015. 80. f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Faculdade de Direito de Bauru, Instituição Toledo de Ensino, Bauru, SP, 2015.

CHAGAS, Daniel de Mattos Sampaio. Possibilidade Jurídicas de Combate à Escravidão Contemporânea. Brasília: OIT, 2007.

COSTA, Patrícia Trindade Maranhão. Combatendo o Trabalho Escravo Contemporâneo: o Exemplo do Brasil. Brasília: OIT, 2010.

JURÍDICO, Âmbito. Advocacia-Geral confirma nome da Zara na lista suja do trabalho escravo. Jusbrasil. Brasília, 2014. Disponível em <https://ambito-juridico.jusbrasil.com.br/noticias/116617196/advocacia-geral-confirma-nome-da-zara-na-lista-suja-do-trabalho-escravo>. Acesso em: 22 jan. 2019.

NOCCHI, Andrea Saint Pastous; VELLOSO, Gabriel Napoleão E.; FAIVA, Marcos Neves. Trabalho escravo contemporâneo: O desafio de superar a negação. 2.ed. São Paulo: LTr, 2011.

SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Trabalho escravo: A abolição necessária. São Paulo: LTr, 2008.

TREVISAM, Elisaide. Trabalho Escravo No Brasil Contemporâneo: Entre as Presas da Clandestinidade e as Garras da Exclusão. Curitiba: Juruá, 2015.

Sobre os autores
Rogério Rodrigues de Freitas

Procurador do Trabalho da 15ª Região e Professor de Direito do Trabalho.

Informações sobre o texto

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