Noticiou o site do jornal O Globo, em 21 de janeiro do corrente ano, que Ministério Público Federal apresentou denúncia nesta terça-feira contra sete pessoas, incluindo o jornalista Glenn Greenwald, pela invasão do Telegram de autoridades públicas. O caso é investigado na Operação Spoofing. Para o procurador Wellington Divino Marques de Oliveira, da Procuradoria da República no Distrito Federal, Glenn Greenwald foi "partícipe" nos crimes de invasão de dispositivos informáticos e monitoramento ilegal de comunicações de dados, além de ter cometido o crime de associação criminosa.
Também foram denunciados o hacker Walter Delgatti Neto, que admitiu ter invadido as contas e repassado as conversas para o jornalista, e outras pessoas ligadas a Delgatti: Thiago Eliezer Santos, Gustavo Henrique Elias Santos, Suelen Priscila de Oliveira, Danilo Cristiano Marques e Luiz Henrique Molição.
Glenn não havia sido ainda investigado ou denunciado no caso. Em agosto, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, havia concedido uma liminar, a pedido do partido Rede, proibindo que qualquer autoridade pública praticasse "atos que visem à responsabilização do jornalista Glenn Greenwald pela recepção, obtenção ou transmissão de informações publicadas em veículos de mídia". O ministro afirmou que sua decisão tinha o objetivo de garantir a "proteção do sigilo constitucional da fonte jornalística".
Ainda assim, o procurador apresentou a denúncia contra o jornalista. O MPF concluiu que o hacker Walter Delgatti Neto foi o "responsável direto e imediato" pelas invasões do Telegram de 176 pessoas, utilizando uma brecha no sistema. Além disso, a Procuradoria concluiu que Delgatti, após as invasões, monitorou as conversas de 126 pessoas em tempo real.
Dentre os alvos das invasões estavam o ministro da Justiça, Sergio Moro, e o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba, Deltan Dallagnol. Segundo as investigações, as conversas copiadas do Telegram de Deltan foram repassadas ao site "The Intercept Brasil" e subsidiaram reportagens com base nos diálogos.
Será caso de ajuizamento de reclamação constitucional caso a denúncia venha a ser recebida.
A reclamação não é um mero incidente processual. Não é recurso não só porque a ela são indiferentes os pressupostos recursais da sucumbência e da reversibilidade, ou os prazos, mas, sobretudo, como advertiu José da Silva Pacheco(obra citada, pág. 444), porque não precisa que haja sentença ou decisões nem que se pugne pela reforma ou modificação daquelas, ´bastando que haja interesse em que se corrija um eventual desvio de competência ou se elida qualquer estorvo à plena eficácia dos julgados do STF ou do STJ’.
Em duas situações se pode falar em reclamação: nas hipóteses de preservação de competência e ainda na garantia da autoridade das decisões. Na primeira, se ocorrer um ato que se ponha contra a competência do STF, quer para conhecer e julgar, originalmente, as causas mencionadas no item I, do artigo 102 da Constituição Federal, quer para o recurso ordinário no habeas corpus, o mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, quer para o recurso extraordinário quando a decisão em única ou última instância, contrariar dispositivo constitucional, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, ou julgar válida lei ou ato de governo local contestado perante a Constituição Federal, é cabível a reclamação. A segunda hipótese para ajuizamento de reclamação abrange a garantia da autoridade das decisões.
Na correta lição de José da Silva Pacheco (O mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas, ,2ª edição, pág. 435) há de se preservar a autoridade da decisão, quer seja proferida em instância originária, quer em recurso ordinário ou em recurso extraordinário pelo STF; ou em instância originária, em recurso ordinário ou em recurso especial, pelo STJ.
Não obstante os pressupostos assinalados por Amaral Santos (RTJ 56/539), reconhecidos por Alfredo Buzaid (RT 572/399), de que para haver reclamação são necessários: “a) a existência de uma relação processual em curso; b) e um ato que se ponha contra a competência do STF ou contrarie decisão deste proferida nessa relação processual ou em relação processual que daquela seja dependente”, o certo é que não há falar em reclamação sem a iniciativa ou provocação de um interessado ou da procuradoria-geral da República.
Ora, para que esses entes possam fazê-lo, é mister que propugnem pela elisão de qualquer usurpação atentatória da competência de um desses dois tribunais ou pelo reconhecimento da autoridade de decisão já proferida por um deles.
Correta a ilação de que no que concerne ao asseguramento da integridade de decisão do tribunal supremo, não importa perguntar da sua natureza. Tal compreende tanto a decisão da matéria civil como a criminal. Assim será o caso de reclamação contra decisão exorbitante da instância ordinária, ao rever julgamento do STF, como já entendeu-se na Recl. 200 – SP, em 20 de agosto de 1986, em que foi Relator o Ministro Rafael Mayer.
Observe-se, com o devido respeito, que um dos objetivos que podem ser firmados com a denúncia é considerar viciada a prova que, porventura, seja usada para a obtenção de anulação dos atos praticados pelo então juiz Sérgio Moro no âmbito da Lava-jato.
O procurador da República Wellington Divino Marques de Oliveira, que denunciou o jornalista Glenn Greenwald e outras seis pessoas sob acusação de hackear telefones de autoridades ligadas às investigações da Lava Jato, é o mesmo que denunciou o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, por calúnia contra o Ministro da Justiça, Sergio Moro.
Ademais, poderá ser arguida eventual inépcia da peça inicial, uma vez que ela não se arrima em qualquer investigação antes feita sobre a conduta de Glenn. Parece basear-se em ilações.
Aguardemos o desenrolar dos fatos.