6. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NOS CRIMES DE TELECOMUNICAÇÕES
Os serviços de telecomunicações são de competência da União, tendo em vista a previsão do artigo 21, incisos XI e XII, da Constituição da República que preceitua, compete à União:
XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens
A Lei de Telecomunicações, Lei nº 9.472/96, em seu artigo 183, prevê a conduta criminosa, consistente em desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação, com pena de detenção de dois a quatro anos, in verbis:
Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação:
Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente, concorrer para o crime.
Art. 184. São efeitos da condenação penal transitada em julgado:
I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;
II - a perda, em favor da Agência, ressalvado o direito do lesado ou de terceiros de boa-fé, dos bens empregados na atividade clandestina, sem prejuízo de sua apreensão cautelar.
Parágrafo único. Considera-se clandestina a atividade desenvolvida sem a competente concessão, permissão ou autorização de serviço, de uso de radiofrequência e de exploração de satélite.
Art. 185. O crime definido nesta Lei é de ação penal pública, incondicionada, cabendo ao Ministério Público promovê-la.
Acerca da conduta típica do artigo 183 da Lei das Telecomunicações, recentemente o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 606, com o seguinte enunciado:
SÚMULA 606 – STJ – NÃO SE APLICA O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CASOS DE TRANSMISSÃO CLANDESTINA DE SINAL DE INTERNET VIA RADIOFREQUÊNCIA QUE CARACTERIZAM O FATO TÍPICO PREVISTO NO ARTIGO 183 DA LEI 9.472/97”
7. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NA LEI SOBRE DROGAS
Talvez o caminho seja mais árduo. A fantasia é sempre mais fácil e mais cômoda. É mais simples para os pais de um menino envolvido com drogas culpar o traficante que supostamente induziu seu filho ao vício, do que perceber e tratar dos conflitos familiares latentes que, mais provavelmente, motivam o vício.
Também é mais simples para a sociedade eximir-se do conflito, tranferindo-o para o Estado, esperando a enganosa salvadora intervenção do sistema penal.
Todavia, neste estudo, o princípio da insignificância é focado à luz do crime de posse de droga para uso pessoal, previsto no artigo 28 da Lei 11.343/06 c/c artigo 14, parágrafo único, da Lei 23.737/89. O ponto de partida é o direito penal brasileiro. Assim, aplica-se o princípio em questão a fatos relacionados com a posse de substância de drogas para uso pessoal.
A Jurisprudência brasileira já decidiu acerca da pequena quantidade de droga como forma de caracterizar ou não o princípio da insignificância ou delito de bagatela:
Há duas posições acerca do assunto:
1ª – a insignificância da gravidade objetiva do fato conduz à inexistência de crime por atipicidade ou ausência de ilicitude (TJRS, HC 25.832, RJTJRS, 89:28);
2ª – não há exclusão do delito (STJ, REsp 2.179, 5ª Turma, DJU, 28 maio 1990, p. 4738). Para essa teoria, que é prevalente, o texto legal não faz limitação de ordem quantitativa do objeto material (STF, RECrim 109.435, RT, 618:407; STF, HC 71.073, 2ª Turma, DJU, 4 ago. 1995, p. 22441; TJSP, ACrim 151.143, JTJ, 152:310).
Entorpecente. Quantidade ínfima. Atipicidade. “O crime, além da conduta, reclama um resultado no sentido de causar dano ou perigo ao bem jurídico (...); a quantidade ínfima informada na denúncia não projeta o perigo reclamado”1. “Sempre é importante demonstrar-se que a substância tinha a possibilidade para afetar ao bem jurídico tutelado”2 . A pena deve ser “necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do delito. Quando a conduta não seja reprovável, sempre e quando a pena não seja necessária, o juiz pode deixar de aplicar dita pena. O Direito moderno não é um puro raciocínio de lógica formal. É necessário considerar o sentido humanitário da norma jurídica. Toda lei tem um sentido teleológico. A pena conta com utilidade”.
Penal. Entorpecentes. Princípio da insignificância. Sendo ínfima a pequena quantidade de droga encontrada em poder do réu, o fato não repercussão na seara penal, à míngua de efetiva lesão do bem jurídico tutelado, enquadrando-se a hipótese no princípio da insignificância. Habeas corpus concedido
(STJ, HC 17956-SP, rel. Min. Vicente Leal).
Analisando ainda a tipicidade do antigo artigo 16 da Lei nº 6.368/76, o STF assim decidiu:
Conforme reiterados precedentes do STF, a circunstância de ser mínima a quantidade de maconha encontrada em poder do réu não prejudica a configuração da tipicidade do crime previsto no art. 16. da Lei 6.368/76, que está vinculada às propriedades da droga, ao risco social e de saúde pública e não à lesividade comprovada em cada caso concreto
(STF – 651/372).
O art. 16. da Lei nº 6.368/76 não distingue, na configuração do delito, a posse de quantidade maior ou menor de maconha. A posse de pequena quantidade não o descaracteriza
(STF – RT, 613/434).
A quantidade ínfima de droga não desnatura o ilícito. O crime de uso de entorpecente é contra a saúde pública, e a porção mínima utilizada pelo agente é irrelevante para a configuração do delito
(STJ – JSTJ, 68/384).
O Superior Tribunal de Justiça também firmou entendimento acerca do princípio da insignificância:
STJ – “Penal. Recurso Especial. Tóxicos (art. 16. da Lei nº 6.368/76). Pequena quantidade. Princípio da insignificância. Perigo presumido. I - O delito previsto no art. 16. da Lei de Drogas é de perigo presumido ou abstrato, possuindo plena aplicabilidade em nosso sistema repressivo. II - O princípio da insignificância não pode ser utilizado para neutralizar, praticamente in genere, uma norma incriminadora. Se esta visa as condutas de adquirir, guardar ou trazer consigo tóxico para exclusivo uso próprio é porque alcança, justamente, aqueles que portam (usando ou não) pequena quantidade de drogas (v.g., um cigarro de maconha) visto que dificilmente alguém adquire, guarda ou traz consigo, para exclusivo uso próprio, grandes quantidades de droga (v.g., arts. 12, 16 e 37 da Lei nº 6.368/76). A própria resposta penal guarda proporcionalidade, no art. 16, porquanto apenado com detenção, só excepcionalmente e, em regra, por via de regressão, poderá implicar em segregação total (v.g., art. 33, caput, do Código Penal).
Recurso desprovido (STJ, 5ª turma, REsp 612064/MG, Rel. Min. Felix Fischer, j. 1º/6/2004, DJ, 1º/7/2004, p. 273. No mesmo sentido: STJ, 5ª Turma, REsp 510486/RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 25-11-2003, DJ, 15-12-2003, p. 375; STJ, 5ª Turma, HC 24.314/ES, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 7-10-2003, DJ, 19-12-2003, p. 514; STJ, 6ª Turma, REsp 550653/MG, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 16-12-2003, DJ, 9-2-2004, p. 218; STJ, 5ª Turma, REsp 605616/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 9-3-2004, p. 298; STJ, 6ª Turma, RHC 14268/PR, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 9-12-2003, DJ, 2-2-2004, p, 364; STJ, 5ª Turma, REsp 604076/MG, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 19-8-2004, DJ, 20-9-2004, p. 326; STJ, 5ª Turma 612064/MG, Rel. Min. Felix Fischer, j. 1º-6-2004, DJ, 1º-7-2004, p. 273; STJ, 5ª Turma, REsp 521137/RS, Rel. Felix Fischer, j. 6-5-2004, DJ, 1º-7-2004, p. 258; STJ, 5ª Turma, HC 27.713/SP, Rel. Min. Felix Ficher, j. 10-2-2004, DJ, 8-3-2004, p. 298.
Vários julgados da Justiça argentina inclinam pela inadmissibilidade do princípio da insignificância em matéria de posse para uso pessoal:
La teoría de la “insignificância” atenta contra el verdadero fin querido por el legislador: proteger a la comunidad del flagelo de la droga y terminar con el traficante
(Corte Sup., 11/12/1990 – Montalvo; Fallos 313:1333; y 24/10/1995 – Caporale, Susana; Fallos 318:2103).
No corresponde aplicar el “principio de insignificancia” por cuanto es extraño al sistema jurídico vigente y su solo postulado encierra, en si mismo, un contrasentido ontológico, que, por outra parte, tampoco cabe utilizar como un recurso dialéctico que encubre la declaración de inconstitucionalidad de la norma o el apartamiento de su recta aplicación. La “teoría de la insignificancia” – sostenida a veces por doctrinarios y sustento de algunos pronunciamientos judiciales – atenta el verdadero fin querido por el legislador: proteger a la comunidad del flagelo de la droga y terminar con el traficante (Fallos 313:133).
(C. Fed. La Plata, sala 3ª, 18/1/1995 – Kiffel, Oscar; Lexis nº 34/878)
La posibilidad de tratar a los consumidores quedaria truncada si se aceptara la teoría de la insignificância en aquellos casos en que no sea factible la cuantificación de la droga o sea ínfima la cantidad de sustancia estupefaciente; en tanto quedarían fuera del sistema instituído por la ley, cuando no hace ninguna referencia a la cuantificación de la droga, lo que es lógico si lo que se pretende es abarcar todos los supuestos posibles y cumplir adecuadamente con el objetivo de proteger la salud pública a partir de un tratamiento individual del iniciado. Por outro lado, los motivos esgrimidos por los legisladores para incriminar la tendencia de estupefacientes remiten a cuestiones de política criminal que involucran razones de oportunidad, mérito o conveniência, sobre las cuales está vedado al Poder Judicial inmiscuirse, ya que cabe el riesgo de arrogarse ilegitimamente la función legislativa. Y si bien los jueces tienen el deber de formular juicios de validez constitucional, les está inhibido basarse em juicios de conveniência.
(C. Nas. Casación Penal, sala 2ª, 5/10/2004 – Espínola, Juliana L.; reg. nro 6997.2, causa nro 5251).
8. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NA LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS
“Levantem os olhos sobre o mundo e vejam o que está acontecendo à nossa volta, para que amanhã não sejamos acusados de omissão, se o homem, num futuro próximo, solitário e nostálgico de poesia, encontrar-se sentado no meio de um parque forrado com grama plástica, ouvindo cantar um sabiá eletrônico, pousado no galho de uma árvore de cimento armado”
(Manoel Pedro Pimentel – Revista de Direito Penal – 24;91)
A Constituição Federal de 1988, no seu Art. nº 225, trouxe um grande avanço ao estabelecer, que:
"Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".
A Constituição Federal de 1988 previu diversas regras distribuídas em quatro grupos distintos:
a) regras de garantia, quando a norma confere legitimidade a qualquer cidadão para propor ação popular, visando a anulação de ato lesivo ao meio ambiente (CF, art 5º, LXXIII).);
b) regras de competência, onde a CF/88 confere à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a competência comum na proteção do meio ambiente (CF/88, art. 23);
c) regras gerais, onde a Norma Maior confere difusamente regras relacionadas à preservação do meio ambiente.
d) regras específicas, estabelecendo a Carta Magna um capítulo específico, art. 225, para ampla “proteção do meio ambiente, proclamando que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida...”.
Existem inúmeras normas de proteção do meio ambiente, máxime, a Lei nº 9.605 de 1998.
Desta feita, a lei em epígrafe estabelece como crimes contra o meio ambiente, aqueles:
a) contra a fauna, ao matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente;
b) contra a flora, ao fazer fogo, provocar queimaduras, derrubar, destruir, danificar, ou cortar árvores em floresta, mata ou vegetação de preservação permanente, sem autorização ou licença;
c) que provocam a poluição e outros crimes contra o meio ambiente, ao causar poluição, de qualquer natureza, ao ar, ao solo, às águas interiores, de superfície ou subterrâneas, ao estuário, ao mangue, à águas jurisdicionais brasileiras, ou aos demais componentes do meio ambiente, em níveis que resultem ou possam resultar em danos ou perigo ao meio ambiente, ou à incolumidade humana, animal ou vegetal.
Neste item inserem-se, dentre outros, os atos de executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização; produzir, processar, embalar, comercializar, etc., produto de substância tóxica em desacordo com as exigências estabelecidas nas leis ou nos seus regulamentos; produzir sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentares; disseminar doença ou pragas que possam causar dano à agricultura, à pecuária, à fauna, à flora ou aos ecossistemas.
d) contra o ordenamento urbano e patrimônio cultural, ao destruir, inutilizar ou deteriorar bens protegidos por lei, alterar o aspecto da estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, promover construção em solo não edificável em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, etc., sem autorização da autoridade competente; pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano (três meses a um ano e multa);
e) contra a administração ambiental, quando o funcionário público fizer afirmação falsa ou enganosa, etc., em procedimentos de autorização ou de licenciamento ambiental. Quando (o funcionário público) deixar de promover as medidas determinadas pela autoridade competente necessárias à prevenção, interrupção ou minoração do agravamento do dano ambiental;
f) que infringem a administração ambiental, referindo-se a toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
Quanto à aplicação do princípio da insignificância nos crimes ambientais, os Tribunais Superiores dividem opiniões.