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A constitucionalidade da prisão em 2ª instância.

Segurança jurídica na aplicação da lei penal e processual no judiciário

Agenda 24/01/2020 às 20:25

Este presente trabalho apresenta a polêmica questão penal e constitucional sobre a possibilidade de execução provisória da pena após a condenação em segunda instância, mesmo antes do trânsito em julgado.

INTRODUÇÃO

Ao dar início na análise da constitucionalidade da execução provisória da pena após condenação em segundo grau de jurisdição, deve-se primariamente o significado e a relevância – tanto social como jurídico-política – do tema em questão, visto que trata-se de uma problemática que abarca dois ramos colossais do estudo do Direito – o Penal, que visa a segurança do indivíduo como a garantia do cumprimento e a punição para o descumprimento das normas, como também o Constitucional, que versa sobre a estrutura fundamental e institucional do Estado e das garantias fundamentais dos Direitos Humanos, tutelando a pedra angular da existência social: a dignidade da pessoa humana.

E tendo isso como base, deve-se entender que, a síntese que o tema irá gerar em efeitos reais na vida prática terá consequências severas e colossais.

Visto que o tema tem origem desde a promulgação da Carta Magna de 1988, com julgados da Suprema Corte em direções opostas – muito embora tendo um entendimento majorado no sentido da possibilidade – é cristalino que a ambiguidade e suscetibilidade de interpretações antagônicas sobre o tema é muito possível. Ora pois, com menos de 40 anos de vigência da Constituição Cidadã – que tutela, mesmo que abstratamente e genericamente sobre o tema da prisão, melhor legislado pelo diploma processualista penal – tivemos entendimentos divergentes ao longo dos anos, com argumentos muito embasados e sólidos de ambas as partes.

E conforme o mais recente julgado notório da Corte Máxima, que tinha como objeto de lide as ADCs[1] 43, 44 e 54, um novo posicionamento surgiu e alvoroçou a população – tanto leiga e dos advogados, como também do legislativo e da academia jurídica. E a principal repercussão da decisão da Corte Suprema foi a sensação de impunidade e de falha da Justiça para com o povo.

Não tirando importância da voz do povo – visto que estamos numa democracia – mas deixando um pouco de lado os pré-julgamentos vindouros de clamores muitas vezes, irracionais ou sem argumentos sólidos ou vindos da racionalidade e da força do Direito, vamos tratar ao longo desse breve estudo sobre as questões técnico-práticas, i.e, sobre o funcionamento do Judiciário e da Administração Prisional e sua eficácia, bem como da materialidade/formalidade e da validade normativa do instituto e do dispositivo que versa sobre a possibilidade da execução provisória da pena após condenação em segunda instância.

Antes de darmos início no conteúdo em si, é necessário uma recapitulação do tema desde sua gênese, i.e, a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Inicialmente, o STF se posicionava favorável à possibilidade da execução provisória da pena privativa de liberdade. Nesse sentido: HC 68.726 (Pleno, j. 28.06.1991 – leading case), HC 69.964 (j. 18.12.1992), HC 72.366 (j. 13.09.1995), HC 73.968 (j. 14.05.1996), HC 74.983 (j. 30.06.1997) etc.[2] E devido a essa solidez de entendimento majoritário jurídico que o STF editou as Súmulas 716 e 717.

S. 716/STF: Admite-se a progressão de regime de cumprimento de pena ou aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. (aprovada na sessão plenária de 24.09.2003)

S. 717/STF: Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial. (aprovada na sessão plenária de 24.09.2003) (grifo nosso)

A tradicional jurisprudência da Suprema Corte, todavia, sofreu alteração no julgado do HC 84.078 (Pleno. Rel. Min. Eros Grau. j. 05.02.2009), ficando ressalvada as hipóteses de prisões cautelares – prisão em flagrante delito, prisão temporária e prisão preventiva, mas impedindo a execução provisória da pena, por entendimento no sentido de que tal hipótese contraria o art. 5º, LVII da CRFB/88.

Polemicamente e posteriormente, houve nova mudança no entendimento do Supremo Tribunal Federal, que retornou as origens da interpretação primária, tendo como Ministro Relator o Ilustre e Saudoso Teori Zavascki, já falecido, proferindo que “ressalvada a estreita via da revisão criminal, é, portanto, no âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a possibilidade de exame de fatos e provas e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado”.[3] Nesse mesmo sentido, o próprio Relator entendeu que era constitucional a hipótese de inelegibilidade antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, conforme a LC n. 135/2010 – “Lei da Ficha Limpa.

O entendimento se manteve nas medidas cautelares das Ações Declaratória de Constitucionalidade 43 e 44 no ano de 2016, como em 2018, no HC 152.752 – caso “Lula” – o entendimento de que a execução antes do trânsito em julgado após condenação por decisão de grau recursal era possível.

Como as ADCs 43 e 44 estavam aguardando julgamento do mérito, e juntadas foram por prevenção em 18.04.2018 com a ADC 54, novamente o tema foi reaberto para interpretação da Suprema Corte. E esse será o objeto de análise nesse breve estudo – não o julgamento de 2019, mas sim o cabimento da execução provisória de acordão penal condenatório ainda que sujeito a REsp e RE.

Esse estudo não pretende abarcar densamente e profundamente o tema, com delongas e citações descomunais e tecnicidade superabundante, visto que o propósito do presente estudo é uma breve reflexão e interpretação do mesmo.

A abordagem foi dividida em partes, tratando primeiramente da parte teórica normativa, e posteriormente da parte técnica-prática.    

ANÁLISE CONSTITUCIONAL E TEÓRICA

Expresso na Carta Magna, no artigo 5º, inciso LVII, diz: Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Com naturalidade é interpretado e entendido que a inversão do ônus de provar, ou seja, é presumido a inocência do réu, cabendo o ônus ao Ministério Público ou à parte acusadora – nos casos de ação penal privada – provar dentro do processo penal a culpa, sendo pois, julgada improcedente caso não o faça.

Todavia, a presunção de inocência não tem nenhuma vinculação com a ideia ou instituto da prisão.  A presunção de inocência versa sobre a culpa, conforme expressamente no texto constitucional in supra. Além do mais, a presunção de inocência é um meio de prova e de resguardo do direito do réu a ser acusado e julgado por um devido processo legal. E tal meio de prova não constitui regra máxima imutável ou presunção absoluta jure et de jure. É claramente possível a prova em contrário. E tais provas vão sendo mostradas ao longo do curso do processo e da instrução criminal, tendo o juiz com destinatário das provas, julgando com motivação fundamentada e imparcial aquilo que chegar mais próximo, no seu entendimento, da verdade real, princípio este salutar e sólido.

Ora pois, não haveria que se falar em instrução criminal nem em processo penal se a presunção de inocência não sofresse mitigações ao longo da investigação e da apuração dos fatos. O réu, sem dúvida nenhuma, inicia o processo com a presunção de inocência em seu grau máximo. No entanto, essa presunção – que não é absoluta, pois, se assim fosse, não haveria maneira alguma de culpabilizar algum indivíduo – sofre gradação, sendo mitigada ao longo do processo penal, bem como colocada em análise com demais princípios e presunções com os quais entre em conflito na busca pela verdade real.

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Vejamos o que diz o notório doutrinador do tomo do direito processual civil, Marcus Vinicius Rios Gonçalves, sobre o instituto da presunção:

São pressuposições da existência ou veracidade de um fato, estabelecidas por lei, ou como decorrência da observação do que ocorre normalmente. Havendo presunção, dispensa-se a produção da prova. As decorrentes de lei podem ser relativas ou absolutas, conforme admitam ou não prova em contrário.[4]

Muito embora essa definição seja trabalhada no estudo do Processo Civil, é possível, mesmo que superficialmente termos uma noção do que se trata o instituto da presunção. E pela breve explanação do ilustre mestre, é conclusivo que a presunção de inocência é relativa! Ora pois, ela admite prova em contrário! Ou não é isso que o Parquet ou a acusação busca realizar dentro da esfera processual penal? Provar que o fato ocorrido constitui um crime e o réu é o autor, devendo ser apenado conforme a lei.

Se então, a presunção não é absoluta e ao longo do processo ela vai se exaurindo com as provas, sendo então o réu sentenciado por acórdão penal condenatório – a última instância para análise de provas e fatos – então é perceptível que o réu teve exaurido sua presunção de inocência, pois cessou a fase de provas. Até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, o réu tem a possibilidade de provar sua inocência, e isso não impede ou afeta a execução provisória da pena. E mesmo após o trânsito em julgado, ainda há a possibilidade da revisão criminal, favorável somente ao réu, possibilitando ser inocentado mesmo após ter exaurido todos os recursos, visto como o direito penal do Brasil é pródigo.

Lembrando que os Tribunais Superiores – STJ E STF – não admitem reexame de provas e fatos, sendo após o julgamento em segundo grau esgotadas as vias ordinárias.

Conforme já explicado, a materialidade e autoria ficam adstritos em primeira e segunda instância, não sendo revisitados pelo STJ, que analisará questões infraconstitucionais e legais, bem como a Suprema Corte irá dispor sobre matéria constitucional. Logo, culpado já é, pois cessou a presunção de inocência, que se exauriu com a sentença condenatória em último grau de análise de fatos e provas, fundamentada no devido processo legal e na competência que a Magistratura tem, mesmo antes do trânsito em julgado. O que, conforme já mencionado, não significa que o réu não poderá apelar. A execução provisória da pena não afeta a possibilidade recursal. E novamente, também não afeta o benefício da revisão criminal que é heroica para com o réu.

Portanto, o primeiro ônus da prova é da acusação. Provar a culpabilidade, autoria do réu e materialidade do fato, bem como exigir a punibilidade do mesmo quando possível. Percorrido todo o devido processo legal, esgotadas todas as possibilidades na instrução criminal de acostar aos autos fatos ou provas de sua inocência, o réu deixa de ter o benefício da presunção da inocência em seu grau máximo, passando o mesmo a ter o ônus de provar, em sede recursal especial, extraordinária ou numa possível revisão criminal – e até mesmo num HC – que ocorreu vícios processuais ou afrontas à Carta Magna. Ora pois, quando o réu alega tal feito, este torna-se “autor” de um novo feito – de maneira elucidativa apenas – devendo provar que o Judiciário não cumpriu com seu papel e julgou de maneira incorreta. E não o oposto. Nessa fase, o jus puniendi contra o jus libertatis se encontram devendo o réu provar que a punição foi ilegítima, visto que deverá expor as causas que lhe levaram a apelar em sede de Suprema Corte, grau este que não que não vai abarcar em sua análise, fatos e provas. Nessa fase, o réu deve provar que houve violação ao seu jus libertatis, mostrando que o processo ou a decisão continham alguma nulidade ou incompetência ou vício que deturpou todo o feito.

E se levarmos em conta que o réu é julgado, primeiramente por um juiz competente e investido, com capacidade para o feito, posteriormente também será reanalisado por uma turma de juízes tão competentes e capazes como o primeiro, é notável que o índice de erro judicial é ínfimo. Tanto o juiz de primeiro grau como a instância de apelação têm ampla cognição da matéria fática e probatória. É cristalina a legitimidade e possibilidade da execução provisória da pena proferida por acordão recursal, mesmo antes do trânsito em julgado.

Por fim, é bastante notável e deve ser ressaltado que, em mais de 30 anos da vigência de nossa Constituição Cidadã de 1998, o entendimento no sentido da admissão da execução provisória da pena vigorou por mais de 20 anos, i.e, mais de 2/3. Vide tabela abaixo, extraída da obra Direito Constitucional Esquematizado de Pedro Lenza, 22ª edição

Nítido é, pois, que, ao longo do tempo, nossos magistrados têm – ou tiveram mantido – uma linha de entendimento que estava consolidando precedentes judiciais. E isso não pode ser ignorado.

Mudanças de pensamentos podem acontecer e são saudáveis sim. Mas a ruptura abrupta de direção pode causar efeitos e danos além da esfera jurídica e acadêmica. A segurança jurídica fica em xeque e totalmente sem respaldo quando há quebra de premissas e de paradigmas morais e jurisdicionais. Mas vamos tratar disso na próxima parte desse breve estudo, em que será abordado a parte fática e prática da aplicação ou não da execução provisória da pena.

ANÁLISE LEGAL E PRÁTICA

Dispõe o Código de Processo Penal:

Art. 283.  Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

§ 1o As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade.

§ 2o A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio.

[…]

Art. 637.  O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença. (os destaques não constam no original)

Após a breve análise das bases filosóficas e estruturais da valoração e validade normativa da possibilidade da prisão provisória após condenação em segunda instância, é possível uma análise menos rebuscada, menos abstrata e mais dirigida para a aplicação e prática jurídica e política de um ordenamento que possibilita ou que impede tal instituto.

Observando os dois artigos in supra, e tendo como respaldo e alicerces primários e sólidos do Direito Penal a reserva legal, a dignidade da pessoa humana, o devido processo legal entre outros princípios já mencionados no capítulo anterior, é de se notar que, com a interpretação do diploma processualista penal de maneira que seja ampliativa e que trate todos os artigos como parte de um todo, e não lendo-os de forma isolada, conforme o ilustre jurista e antigo Ministro Eros Grau proferia que a Constituição não pode ser lida em tiras, devendo ser analisada em seu amplo e completo contexto. Isso vale também para o Código Penal, Código Civil, Código de Trânsito Brasileiro e todas as outras leis – sejam elas codificadas, consolidadas ou esparsas – pois o ordenamento é uno e visa o fim da Justiça e Harmonia, um se complementando com o outro.

Todavia, ora pois, a mesma Carta Magna permite a prisão temporária[5], a prisão em flagrante delito e a prisão preventiva e não permite a execução provisória da pena privativa de liberdade após condenação em segunda instância? Não parece que tal ordenamento tenha lógica ou funcionamento prático se for aplicado dessa forma.

Possibilitar prisões cautelares que ocorrem antes da análise do mérito do processo, antes do contraditório, antes de ser dito o direito e das provas e fatos terem sido observados pelo Magistrado e vedar uma prisão que já está fundamentada pelo Judiciário e que foi observada todo o rito processual é algo impensável. A eficácia do sistema penitenciário e processual de tal ordenamento ficaria anulado ou totalmente nulo. Infértil e inutilizada por burocracias e por aplicações ilógicas e desmedidas de princípios e meio de provas.

Ora pois, nosso Poder Judiciário possui duas instâncias competentes para a análise de provas e fatos no processo. Restringir a possibilidade da execução provisória da pena antes do trânsito em julgado transformaria tais instâncias em locais de mera formalidades processuais e rituais, para passagem apenas, sem valor ou efeito jurídico algum. Tornaria o juiz e o Tribunal de apelação em locais opinativos, deixando de terem competência judiciária para sentenciar lides, dando somente pareceres e opiniões que poderiam ou não auxiliar o juízo de fato – que seria agora o STF, visto que nenhuma sentença teria efeito algum.

Além disso, desse engessamento do Judiciário por conta de uma interpretação dos textos legais e constitucionais, há duas questões que devem ser observadas. Primeiro o Supremo Tribunal Federal editou duas súmulas – 716 e 717, já mencionadas anteriormente – que tratam da progressão de regime antes do trânsito em julgado. Como iremos explicar ou interpretar tais dispositivos sumulados? Teriam eles se tornados aberrações jurídicas ou foram canceladas tacitamente? E segundamente, como ficam os precedente normativos? Observando os artigos 5º[6] e 20[7] da LINDB, tal decisão da Suprema Corte está em direção totalmente contrária e desconexa com nosso ordenamento. Conforme a LINDB, decisões devem considerar as consequências práticas, não se prendendo somente a abstrações.

Deve-se lembrar que por mais que o Direito brasileiro seja soberano em nosso território, há que se constatar que o direito anglo-saxônico e miscigenou com o romano-germânico, deixando claro que deve ser levado em conta a realidade global e evolutiva do direito internacional e a harmonização dos povos na busca pela Justiça.

E, antes de qualquer julgamento por nossa parte, vale ressaltar que as prisões cautelares mencionadas in supra possuem fundamentos salutares e morais, como também eficazes e práticos, não tutelando apenas a validade normativa nem os aspectos abstratos do direito penal, mas respaldando o destinatário da norma: a sociedade. O indivíduo. E se há valores morais e sociais – nesse caso, a justiça, o sentimento constitucional da população sobre a impunidade e eficácia do Judiciário – o mesmo deve contas à sociedade e deve se pautar – não exclusivamente nem de maneira vinculada, seguindo opiniões vindouras de paixões e clamores irracionais, mas sim, lembrando que o direito não vive isolado do povo e da sociedade, tendo repercussões econômicas, políticas, culturais e em diversas áreas da vida cotidiana.

Sendo tais prisões permitidas sobre a condição de possuírem requisitos, fundamentos e condições de admissibilidade, antes ou durante o processo, visando resguardar a segurança da lei e dos destinatários da lei, como ficaria o sistema penitenciário e judicial que não tem a garantia da eficácia da lei após a análise dos fatos e provas? Como a funcionalidade do aparato judiciário teria operabilidade, seguindo o princípio da duração razoável do processo se o processo teria uma longa e quase que infindável duração e sem efeitos? Além do fato de que o princípio da presunção de inocência não ofende a Constituição, bem como a execução provisória não ofende a presunção, e por conseguinte, a Constituição. E não estamos falando em hierarquia de princípios ou maior aplicação de um em detrimento do outro. Estamos falando de operabilidade harmônica de um ordenamento jurídico, com medidas e contrapesos coerentes. A aplicação absoluta da presunção gera impunidade e insegurança processual e ineficácia da jurisdição e do julgado.

E sem estender demais, é notável que após a condenação na instância recursal de mérito, a utilização dos recursos especiais ou extraordinários são quase que, unanimemente, por réus de crimes de colarinho branco – corrupção, lavagem de dinheiro e crimes fiscais que envolvam cargos políticos ou empresários de empresas concessionárias. E muitas vezes, tais recursos são protelatórios, com intuito de procrastinar a atividade decisória do Magistrado, bem como de se esquivar da aplicação da lei penal, visando a prescrição do feito. É impensável um sistema judicial onde todos os casos penais tivessem apenas efeito após a Corte Máxima decidisse sobre o feito. Tal ideia é inconcebível, visto que um Poder Judiciário dessa forma teria pilhas e mais pilhas de extensos processos penais que no final não teriam possibilidade de aplicação da lei penal, bem como o sentenciador final sequer analisaria os fatos e provas do mesmo, tendo as primeiras instâncias apenas como opiniões e pareceres jurídicos, como se fossem doutrinadores concursados. O que é um absurdo! Transformar os juízes de primeiro e segundo grau nisso. Eles são competentes ao máximo para o feito de sentenciar uma lide penal. Possuem ampla cognição e imparcialidade para aferir o mérito.

Antes de encerrar essa parte, é preciso mencionar que quase que unanimemente, no mundo todo, após a condenação em grau de recurso ordinário é iniciada a execução da pena, sobrando algumas ressalvas particulares para cada nação[8]. Tendo em vista que o Brasil seguia esse precedente por diversos anos, a quebra desse paradigma basilar acarreta em mudanças de confiança e de estrutura social que afetam até mesmo as relações exteriores do país com seus parceiros comerciais. Uma relação mercantil leva em conta a segurança jurídica de um país bem como da forma como as leis funcionam e como seu povo interpreta a Carta Magna. Quebrar toda construção jurisprudencial e acadêmica trará sérias consequências internas e externas.     

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Preliminarmente, é cristalino que a lei é criada e interpretada para seus destinatário, i.e, a sociedade que é regida por tal ordenamento. E tal lei não é criada e interpretada como mera atividade de lazer ou desregrada de finalidade ou consequências. Ora pois, o direito é como o Rei Midas, com seu toque de ouro. Enquanto o monarca mitológico transformava tudo em metal precioso áureo, o direito transforma tudo que toca em jurídico, conformando a conduta sócia e aplacando os anseios dos destinatários da lei, a fim de atingir o bem maior: a Justiça!

Pode concluir após transcorrido essa breve exposição que

  1. Há diversos “remédios/’ para sanar o vícios processuais e constitucionais, tais como o HC e a revisão criminal. Todos eles versando sobre irregularidade processual ou afronta à Constituição, e não sobre matéria de fato ou prova.
  2. Por diversos anos a jurisprudência do STF foi no sentido da legitimidade e possibilidade da execução. Qual teria sido o objetivo visado pelos Ilustres Ministros ao modificar a direção do entendimento da Egrégia Corte Máxima? Qual a repercussão social, econômica, cultural e fática essa orientação jurisdicional terá?
  3. O texto constitucional não fala de prisão, mas sim de culpa.
  4. A aplicação da presunção de inocência de maneira absoluta e total, por interpretação literal ou extensiva, leva ao desequilíbrio social e jurídico do ordenamento, que deve ser harmonizado com os demais princípios norteadores e basilares.

Levando em consideração esses quatro pontos, por fim, é razoável defender com boa-fé e sentimento de busca pela justiça e racionalidade a manutenção, ou nesse caso o retorno do entendimento que permite a execução provisória da pena após condenação em segunda instância, entendimento esse majoritário ao longo da existência da Carta Magna de 1988 e que possui um arcabouço sedimentado de segurança jurídica e sentimento de justiça e punição para os atos criminosos.

REFERÊNCIAS

Constituição Federal de 1988

Código de Processo Penal

Código Penal

Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

Súmulas do STF

Votos dos Ministros Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luiz Fux nas ADCs 43, 44 e 54.

Direito Constitucional Esquematizado, 22ª edição. Pedro Lenza

Direito Processual Penal Esquematizado, 8ª edição. Alexandre Cebrian e Victor Gonçalves

Direito Penal Parte Geral Esquematizado, 7ª edição. André Estefam e Victor Gonçalves

Direito Processual Civil, 10ª edição. Marcus Vinicius Rios Gonçalves


[1] Ação Declaratória de Constitucionalidade. As ADCs mencionadas ao longo do estudo versavam sobre o artigo 283 do Código de Processo Penal que dispõe: Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. No julgado do STF no dia 07/11/2019, o placar ficou 6X5, assentando a constitucionalidade do dispositivo, dando procedência aos autores, vedando a execução provisória da pena após condenação em segunda instância antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Foram maioria os votos dos Ministros Marco Aurélio Ricardo Lewandovski, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli, que foram no sentido de procedência das ADCs. Foram vencidos o Ministro Luiz Edson Fachin, que votou pela improcedência, e os Ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia, que a julgavam parcialmente procedente para dar interpretação conforme.

[2] Pedro Lenza, Direito constitucional esquematizado, p. 1278.

[3] Trecho do voto do Min. Relator Teori Zavascki no HC 126.292, fls. 8-9.

[4] Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Direito Processual Civil Esquematizado, p. 507.

[5] É regulamentada pela Lei n. 7.960/89

[6] LINDB Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

[7] LINDB Art. 20.  Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

[8] Nos EUA, Canadá, Argentina e em vários países da Europa, como França, Inglaterra e Espanha, prisão em segunda instância é permitida. Na Alemanha, a Constituição prevê que a pena só deve ser cumprida após esgotadas as possibilidades de recurso, mas é comum que o processo transite em julgado após julgamento em apenas dois graus, pois crimes considerados graves, como homicídio, já começam a ser julgados nos órgãos que normalmente atuam como segunda instância e são cabíveis apenas recursos para a corte superior. Em Portugal, a execução da pena só se inicia depois de a condenação se ter tornado definitiva. Contudo, apenas recursos de crimes com pena superior a oito anos chegam ao Tribunal Constitucional, a última instância.

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