5. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
5.1. Definição de legalidade
Antes de adentrarmos as especificidades deste tema, faz-se necessário conceituar de uma forma simples, ou seja, determinar o que é legalidade, para posteriormente estudar os detalhes deste instituto dentro do ordenamento jurídico tributário.
Ao buscar em alguns dicionários de linguagem portuguesa, é possível concluir que ambos compartilham da mesma definição sobre a legalidade, que é a seguinte: ‘qualidade de legal, em conformidade com a lei, caráter ou qualidade do que é legal, conjunto das determinações constantes das leis’ .
Logo, por óbvio, a lei é a base, o desenvolvimento e o ponto de partida e chegada de todo entendimento.
No entanto, cabe neste momento, aprofundar-se ainda mais, citando a definição de legalidade para grandes nomes do cenário jurídico:
a) “Derivado do latim, de ‘legalis’, quer exprimir a situação de coisa ou ato, que se mostra devidamente regulamentada pela norma jurídica. É, pois, a ação exercida dentro da ordem jurídica ou na conformidade das regras e solenidades prescritas em lei. Ou seja, a legalidade do ato, segundo os requisitos legalmente instituídos”.
b) “Atributo daquilo que se mostra conforme a razão e a natureza. Legalidade é termo de significado muito mais estrito, tem mais particular uso na jurisprudência positiva e parece referir-se a tudo que se faz ou obra segundo o que está determinado nas leis humanas, isto é, guardando as solenidades, formalidades ou condições que elas prescrevem. Em física é legítimo ouro, legítima prata, legítimo diamante o que tem a própria natureza destas substâncias, o que não é contrafeito nem adulterado. Em lógica, é legítimo o raciocínio quando os princípios são verdadeiros e a consequência deduzida segundo as regras. Em moral, são legítimas as ações que conformam com a razão, a equidade e a justiça universal. E finalmente, em jurisprudência são legítimas todas as ações ou omissões que as leis ordenam, etc. Um título é legítimo quando está autenticamente na forma da lei: um testamento é legal quando foi feito com as solenidades da lei, uma prova é legal quando nela se acham verificadas todas as condições que a lei requer, etc ."
c) “Cumpre ressaltar que a legalidade reflete fundamentalmente o acatamento a uma estrutura normativa posta, vigente e positiva. Compreende a existência de leis, formal e tecnicamente impostas, que serão obedecidas por condutas sociais presentes em determinada situação institucional. Como afirma Angel S. de la Torre, a legalidade projeta-se concretamente ‘como a esfera normativa contida em expressões ou signos expressivos dos deveres e direitos dos sujeitos de atividade social, subjetivamente como fidelidade dos sujeitos sociais ao cumprimento de suas atividades dentro da ordem estabelecida necessariamente no grupo humano a que pertencem" .
Nota-se, que tanto na definição extraída de um dicionário de língua portuguesa, quanto a definição contida no dicionário jurídico, a lei é o que da suporte as coisas e aos atos, vinculados ao Poder Público.
Cumpre aqui, esclarecer, que se encontra na história da ciência do Direito, que este é dividido em ramos, e a primeira divisão esta em Direito Público e Privado.
No Direito Privado as partes podem realizar negócios jurídicos de acordo com a sua vontade, diferentemente do Direito Público, que é o ramo que interessa ao presente estudo, a lei expressamente autoriza e determina a totalidade de sua atuação.
Além disso, em matéria tributária, é de suma importância distinguir as funções dadas pela noção de legalidade, mediante a exigência da atuação imprescindível do legislativo (função formal), dos elementos essenciais do fato jurídico tributário e da respectiva obrigação (função material), bem como quanto à atuação dos órgãos da Administração pública.
Portanto, a legalidade tributária diferencia-se da legalidade comum por exigir, dentro outros requisitos, reserva absoluta de lei, abarcando a legalidade tributária formal, que significa a obediência ao processo legislativo e órgão competente para legislar, somada à legalidade tributária material, assim a definição de todos os aspectos do fato gerador.
5.2. Legalidade formal
A legalidade na sua modalidade formal, determina que toda norma tributária deve ser criada e inserida no ordenamento jurídico, conforme as regras de processo legislativo adequado, por ente legitimo e competente.
A Constituição Federal arrola em seu artigo 145, que a União, os Estados, o Distrito-Federal e os Municípios são os entes competentes para instituição de tributos, que assim define:
“art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
I - impostos;
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas”.
E ainda, conforme já estuda acima, nos artigos 153, 155 e 156, determinam a competência privativa de cada ente político, bem como os limites de atuação.
A observância da competência tributária legislativa é fundamental para que não se instaure um estado de desordem na cobrança de tributos, evitando que os entes tributantes atuem com discricionariedade e garantindo a segurança jurídica para os contribuintes.
Vale ressaltar que, ainda que um ente tributante decida não legislar sobre determinado tributo, não significa dizer que outro ente político é competente para fazê-lo, de modo que um tributo federal será instituído por lei federal, um tributo estadual será instituído por lei estadual e por fim um tributo municipal será instituído por lei municipal.
Assim, a Constituição Federal não cria tributos, mas expressamente, cuida da seara fiscal, autorizando a instituição destes, dentro de parâmetros objetivos por ela consignados, a fim de evitar conflitos entre os entes, bem como tratamento injusto dos contribuintes.
Dessa forma, em atendimento ao mandamento constitucional, o ato normativo de instituição e majoração de tributo, deve também, além de passar por todo o processo legislativo, amparado no artigo 59 e seguintes da CF/88, deve conter: (i) a hipótese de incidência tributária; (ii) desonerações tributárias (isenções, deduções, reduções); (iii) as sanções fiscais e anistias; (iv) as obrigações acessórias 9emissão de notas, escrituração de livros, etc) ; (v) hipóteses de suspensão, extinção e exclusão do crédito tributário; (vi) correção monetária .
Resulta-se do Sistema Tributário Nacional, composto de normas constitucionais e infraconstitucionais que disciplinam a atividade tributante, essencialmente, da conjunção de três planos normativos distintos: a) o texto constitucional, responsável por atribuir competências e limitações; b) a lei complementar, veiculadora de normas gerais em matéria tributária e c) a lei ordinária, instrumento de instituição de tributos por excelência.
No que se refere à instituição de tributos, o Poder Legislativo é o ente político competente para tanto.
Neste ponto, ainda não esta se discutindo, a delegação, ao Poder Executivo da faculdade de definir base de cálculo e alíquotas, ainda que em parte, não podendo apontar nenhum aspecto essencial da norma tributária, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.
Igualmente, compartilha deste entendimento, o Ilustre Professor Paulo Barros de Carvalho:
“Assinale-se que a lei instituidora do gravame é vedado deferir atribuições legais a normas de inferior hierarquia, devendo, ela mesma, desenhar a plenitude da regra matriz de exação, motivo por que é inconstitucional certa pratica, cediça no ordenamento jurídico brasileiro, e consistente na delegação de poderes para que órgãos administrativos completem o perfil dos tributos. É o que acontece com diplomas normativos que autorizam certos órgãos da Administração Pública federal a expedirem normas que dão acabamento à figura tributária concebida pelo legislador ordinário. Mesmo nos casos em que a Constituição dá ao Executivo federal a prerrogativa de manipular o sistema de alíquotas, como o Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI), tudo se faz dentro de limites que a lei especifica” .
Inegável, é o entendimento sobre a invalidade da delegação de poderes à Administração para que venha dispor sobre qualquer dos elementos essências da regra matriz de incidência tributária.
Na verdade, a faculdade regulamentar, serve para ressaltar alguns conceitos menos claros contidos na lei, mas não para agrega-los novos componentes, ou o que é pior, para defini-los.
Logo, entendimentos contrário, violaria o principio da legalidade em sua própria essência.
5.3. Legalidade material
Todavia, a legalidade na modalidade material, constitui a regra no mundo abstrato que gera efeitos no mundo concreto, ou melhor explicando, a norma que existe abstratamente até que o fato gerador ocorra para que produza seus efeitos.
Esta modalidade de legalidade corresponde uma característica denominada tipicidade tributária, a significar que a lei deve conter todos os elementos configuradores da hipótese de incidência tributária, isto é, a ocorrência idônea que dá início a obrigação de pagar o tributo.
Assim leciona Roque Antônio Carrazza:
“O artigo 150, inciso I da Constituição Federal garante ao contribuinte o direito de não suportar outros encargos tributários além dos definidos em lei. Nesse sentido, só podem ser exigidos tributos quando se verificarem, no mundo fenomênico, os pressupostos de fato regularmente descritos na norma” .
Criar um tributo é estabelecer todos os elementos de que se necessita para saber, qual é a situação de fato que faz nascer o dever de pagar esse tributo, qual é o seu valor, quem deve pagar, quando e a quem deve ser pago.
Assim, surge a legalidade material, que vai definir essa lei instituidora.
À vista disso, a hipótese de incidência descreve a situação necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária e os seus elementos são a hipótese e a consequência, desdobrando-se em critérios: (i) Critério material (como); (ii) Critério espacial (quando); (iii) Critério temporal (onde); (iv) Critério pessoal, que se subdivide em sujeito ativo e sujeito passivo; (v) Critério quantitativo, que se subdivide em base de cálculo e alíquota.
Entretanto, a lei não deve se limitar em estabelecer apenas a hipótese de incidência tributária, em todos os seus aspectos, mas também tudo o que for necessário para a existência da relação obrigacional tributária.
Deve prever, portanto, a hipótese de incidência tributária e o consequente mandamental, o fato temporal e da consequente prestação e ainda a sanção, caso o sujeito passivo não pague tal obrigação tributária.
Dessa forma, o tipo tributário, descrição material da exação, há de ser um conceito fechado, seguro, exato, rígido, preciso e reforçador da segurança jurídica.
Deve a lei estruturá-lo em ‘numerus clausus’, sem espaço para inúmeras interpretações, assim há de ser uma lei qualificada e estrita .
Por isso, a estrita legalidade é o principal instrumento de revelação e garantia da justiça fiscal, além de estar profundamente relacionada com a segurança jurídica dos contribuintes.
Contendo a lei, todos os seus elementos que vão proporcionar a identificação do fato imponível, fica vedado o emprego da analogia, por parte do Poder Judiciário e a discricionariedade, por parte da Administração Pública.
O exemplo disso, é a conduta da Fazenda Pública, ao cobrar o tributo, já que esta exerce atividade tipicamente administrativa, deve ser disciplinada em lei ordinária, que minuciosamente deve descrever o caso e o modo como deve ser aplicada.
Deste modo, todos os elementos essenciais do tributo devem ser atribuídos abstrativamente pela lei, para que se considere cumpridas todas as exigências da legalidade, dando ensejo à cobrança da obrigação tributária.
Isto posto, fica claro assentar o entendimento de que o principio da legalidade é a base do ordenamento jurídico brasileiro, que por sua vez, no âmbito do Direito Tributário, torna-se importantíssimo, uma vez que todos os atos do Poder Publico são definidos por lei, bem como que todo o sistema tributário brasileiro é alicerçado nos termos da Constituição Federal do Brasil.
6. DA SEGURANÇA JURÍDICA
Ultrapassadas as importantes questões acima, chegamos ao ponto crucial deste estudo, a segurança jurídica em matéria tributária.
É importante destacar que, conforme acima analisado, em síntese, os princípios atuam para implementar valores a cada ramo que atuam, de modo que operam, para realizar e otimizar o direito, como é o caso deste tão importante principio, a segurança jurídica.
A segurança é por excelência, um sobreprincípio.
Efetiva-se pela atuação de todos os demais princípios, tais como os tratados anteriormente, como: legalidade, anterioridade, igualdade, irretroatividade, moralidade, publicidade, entre outros abrangidos por todo ordenamento jurídico, em especial, o que tange ao direito público.
Em matéria tributária, é nítido sua importância, na medida em que a segurança jurídica é o escopo de cada principio em sua individualidade.
De modo que, o seu desrespeito, simboliza dano gravado tanto no meio jurídico, quanto no meio real.
Isto porque, na medida em que os entes federativos vão desenvolvendo a sua competência tributária legislativa e ativa, dentro dos paradigmas estabelecidos pela Constituição Federal, o contribuinte, o sujeito passivo dessa relação, não fica a mercê do arbítrio dessas pessoas políticas.
E ainda, ao passo, que a Constituição Federal brasileira, estabelece as diretrizes basilares do nosso sistema tributário, é que se torna possível a formalização desse importante principio.
Desse modo, o legislador federal, estadual, distrital e também municipal, ao exercer a sua função de instituir tributos, encontra-se, perfeitamente iluminado pelo texto supremo e constitucional, o caminho que pode validamente percorrer.
Cumpre relembrar que, o poder de tributar, é uma exceção ao principio constitucional da propriedade privada, previsto no art. 5º, XXII, e 170,II da CF/88, isto exemplifica em parte, o porque a Constituição Federal disciplina de forma tão rígida o sistema tributário brasileiro, estabelecendo assim, os deveres e as garantias aos seus contribuintes, para evitar futuros excessos por parte do poder publico.
Ademais, observa-se nitidamente a presença intacta do principio da segurança jurídica, visto que o principio da propriedade privada é constitucionalmente protegido, a matéria tributária por sua vez, para ser valida, também deve estar claramente inserida no texto constitucional, como é o atualmente o caso.
Não obstante tudo o que se disse, vale destacar, o fato de o Direito Tributário Brasileiro esta amplamente abordado na Constituição Federal, limitando a atuação estatal, e determinando os deveres dos sujeitos da relação jurídico-tributária.
Uma vez que o contribuinte não pode sofrer abusos por parte da arrecadação tributária e o Fisco não pode deixar de exercer a sua competência estabelecida.
Portanto, tendo em vista todos os meios protetivos, regulamentadores e limitadores analisados até aqui, o principio da segurança jurídica é o objetivo maior de cada um deles, que permite o regular prosseguimento das funções estatais, bem como o devido cumprimento das obrigações tributária e por consequência, a contrapartida em desenvolvimento social, educacional, saúde, transporte, e demais deveres do Estado.
CONCLUSÃO
Todos os itens e subitens ora analisados neste estudo, tiveram como objetivo principal demonstrar a importante e indispensável relevância da Constituição Federal de 1988 no âmbito do Direito Tributário brasileiro, a partir de dois itens que são essenciais ao seu nascimento e desenvolvimento formal e material, qual seja o Principio da Legalidade e a Segurança Jurídica.
Analisamos o fato de que, o Direito Tributário deve ser fundamentado por lei em âmbito constitucional e regulamentado por legislação infraconstitucional, para que seja alcançada a Segurança Jurídica tributária para todos os sujeitos da relação jurídico-tributária.
Assim, foi possível compreender que toda a estrutura do Direito Tributário, é vestida pela contrapartida, de modo que o contribuinte dispõe de parte de seu patrimônio, para que com o recolhimento dos tributos para o Fisco, o Estado possa praticar todos os atos responsáveis para uma boa gestão da sociedade, de modo que sem uma regulamentação constitucional rígida, isso não seria alcançado.
Portanto, resta claramente demonstrado, o amparo constitucional contido nos artigos 5º, inciso II, e 150, inciso I, da Constituição Federal, revelando-se verdadeiros vetores da legalidade, possibilitando alcançar a Segurança Jurídica nas relações jurídico-tributárias.