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O IVA e uma reforma tributária

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Agenda 16/03/2020 às 19:02

X – A QUESTÃO DA NÃO CUMULATIVIDADE

Fala-se na aplicação do princípio da não-cumulatividade com relação ao ICMS, no qual se diz: compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou Distrito Federal(artigo 153, parágrafo segundo, inciso I). Mas, diversamente do que ocorre com o IPI, em relação ao ICMS, essa não cumulatividade está sujeita ao disposto em Lei Complementar, que disciplina o regime de competência do imposto(artigo 153, parágrafo segundo, inciso XII, alinea "c").

A Lei Complementar n. 87/96 alterou de forma significativa a regra da não cumulatividade, na medida em que admitiu a utilização de créditos relativos a entrada de bens destinados ao consumo e ao ativo fixo do adquirente, fixando, para tanto, regras de direito intertemporal.

No caso, os textos das duas propostas de emendas constitucionais propõem a criação de um imposto seletivo. Ou seja, um imposto que tem como objetivo o estímulo ou desestímulo de comportamentos sociais, ou proteção de algum determinado setor econômico.

Evitar-se-á a nociva cumulatividade entre o ICMS e o PIS/COFINS.

As Contribuições para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e para o Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) são classificadas como tributos da espécie contribuições sociais, cobradas exclusivamente pela União Federal, consoante previsão do artigo 149 da CF/88.

A Constituição prevê, em seu artigo 195, que as contribuições sociais serão financiadas pelas pessoas jurídicas de direito privado com base em sua receita ou faturamento. Nota-se, portanto, que o constituinte confere ao ente tributante o poder de exigir a PIS/Pasep e a Cofins tomando como base de cálculo a receita ou faturamento da pessoa jurídica. Nesse contexto, o legislador infraconstitucional, pelo artigo 2º da lei 9.718, de 27 de novembro de 1998, estabeleceu que "as contribuições para o PIS/Pasep e a Cofins, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento", e o artigo subsequente do referido diploma preceitua que o faturamento consiste na receita bruta, definida no art. 12 do decreto-lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977. Com a edição da lei 12.973/14, o conceito de receita bruta, que outrora compreendia todo o resultado das operações de venda de bens em conta própria e o preço dos serviços prestados, passou a ser mais abrangente. O referido diploma alterou o art. 12 do decreto-lei 1.598/77, de modo que a receita bruta da pessoa jurídica passou a compreender, também, o resultado auferido nas operações de conta alheia, e, de forma geral, todas as receitas da atividade ou do objeto principal da pessoa jurídica. Adicionalmente, o parágrafo 5º desse dispositivo, em flagrante ilegalidade e inconstitucionalidade, previu ainda que na receita bruta incluem-se os tributos sobre ela incidentes. 

Como disse Aluísio Neves Baptista Filho, o fisco ganhou respaldo normativo para uma prática já realizada: a de incluir os tributos indiretos, como o ISS e o ICMS, integrantes dos preços dos bens e serviços, nas bases de cálculo da contribuição ao PIS/Pasep e Cofins.

No entanto, a inclusão desses tributos na base das aludidas contribuições, ainda que diante do disposto no parágrafo único do art. 12 do decreto-lei no 1.598/77, é ilegal e inconstitucional, pois a parcela dos valores referentes a essas exações são receitas do Estado e não da pessoa jurídica (esta apenas os repassa no preço de seus produtos ou serviços), como se lê em “A inconstitucionalidade e ilegalidade da inclusão do ICMS e ISS na base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS”, in Migalhas. .Dessa forma, tanto no período anterior à vigência da lei 12.973/14, como após a nova redação atribuída, essa tributação é ilegal e inconstitucional, na medida em que a CF dispõe que a base de cálculo da PIS/Pasep e Cofins é a receita ou faturamento da pessoa jurídica contribuinte, e não de pessoa alheia. Os valores que transitam provisoriamente pelo patrimônio da pessoa jurídica, sendo repassado a terceiros (verdadeiros titulares da riqueza), não são receita bruta daquela, e não se configuram como sua disponibilidade econômica. Admitir essa situação, como fazem as autoridades fiscais pátrias e a redação do §5º do art. 12 do decreto-lei 1.598/77, é ignorância não só ao conceito de receita, mas, também, ao principal fundamento da atividade tributária estatal, qual seja, o de valorar a capacidade contributiva dos particulares, que devem contribuir de acordo com a sua geração de riqueza (capacidade econômica). 

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Nos termos do voto do relator do RExt 240.785/MG, Ministro Marco Aurélio Melo, "as expressões utilizadas no inciso I do artigo 195 em comento hão de ser tomadas no sentido técnico", de modo que:

"O conceito de faturamento diz com riqueza própria, quantia que tem ingresso nos cofres de quem procede à venda de mercadorias ou à prestação dos serviços, implicando, por isso mesmo, o envolvimento de noções próprias ao que se entende como receita bruta. Descabe assentar que os contribuintes da Cofins faturam, em si, o ICMS. O valor deste revela, isto sim, um desembolso a beneficiar a entidade de direito público que tem a competência para cobrá-lo."

Conclui-se quanto a impossibilidade de se considerar os tributos indiretos como receita para fins da base de cálculo da PIS e da COFINS, que "se alguém fatura ICMS, esse alguém é o Estado e não o vendedor da mercadoria"

Decidiu o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 574706, Relatora Ministra Cármen Lúcia,  apreciando o tema 69 da repercussão geral, por dar provimento ao recurso extraordinário e fixou a seguinte tese: "O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins". Vencidos os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Nesta assentada o Ministro Dias Toffoli aditou seu voto. Plenário, 15.3.2017.

Dir-se-á que a decisão referenciada poderá ser objeto de modulação, desde que seja objeto de discussão própria em recurso de embargos de declaração.

A preocupação que existe é de que caso o STF não acate o pedido de modulação e a decisão seja aplicada retroativamente, haveria um enorme custo para o Tesouro que, segundo o anexo de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias, poderia chegar a R$ 250 bilhões.

No que diz respeito ao aspecto temporal, o artigo 27 da lei de n. 9.868/99 prevê que o Supremo Tribunal Federal terá a opção de declarar a inconstitucionalidade apenas a partir do trânsito em julgado da decisão (declaração de inconstitucionalidade ex nunc). Poderá, ainda, declarar a inconstitucionalidade, com a suspensão dos efeitos por algum tempo a ser fixado na sentença (declaração de inconstitucionalidade com efeito pro futuro). Nessa hipótese, por motivo de segurança jurídica ou de interesse social, a lei continuará sendo aplicada por um determinado prazo, a ser determinado pelo próprio Tribunal.

Razões de segurança jurídica e de ordem pública poderiam ser avaliadas na decisão a ser tomada pelo Supremo Tribunal Federal. Mas, de toda sorte, para o futuro, estaria dada em sua plenitude a interpretação de que o ICMS não integra a base de cálculo das contribuições para o PIS e para a COFINS.

A tese apresentada pelos advogados e que vem sendo admitido em juízo é de que sob o   ponto de vista econômico, a alíquota do PIS/Cofins está embutida no preço também e, portanto, o imposto incide sobre ele mesmo.

O PIS e a Cofins, incidentes sobre a receita bruta auferida, compõem as suas próprias bases de cálculo graças aos parágrafos 1º, inciso III e 5º do artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598/1977, cujo texto define que “na receita bruta incluem-se os tributos sobre ela incidentes”. Para os advogados que atuaram na peça, há total relação entre o mandado e o RE. “A decisão do STF, mais do que determinar a exclusão [do ICMS] da base de cálculo do PIS/Cofins, acaba por determinar o próprio conceito de faturamento, no raciocínio de que quando as empresas formam seus preços e depois faturam esses valores, elas já contabilizam os tributos já pagos”.

Por entender que o ICMS não compõe faturamento ou receita bruta das empresas, o STF decidiu em março de 2017 que o imposto estadual deve ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins. O resultado, por 6 votos a 4, representou uma vitória dos contribuintes. A corte deverá julgar ainda a modulação dos efeitos da decisão tomada na análise do recurso com repercussão geral.

A Receita Federal alegou que era inviável aplicar o mesmo entendimento do Supremo no caso do ICMS ao cálculo do PIS e da Cofins. Segundo a Receita, a base de cálculo das contribuições é o valor do faturamento ou das receitas, com as exclusões legais expressamente admitidas. E complementou afirmando que não cabe ao intérprete da lei ampliar o rol de exclusões. Quanto a Lei 12.973/14, a Receita afirma que a norma não inovou em relação ao conceito de receita bruta, limitando-se a externar entendimento já consagrado na jurisprudência.

Vejamos a redação da Lei n. 12.973/14, no que interessa ao caso:

Art. 1º - O Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas - IRPJ, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, a Contribuição para o PIS/Pasep e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins serão determinados segundo as normas da legislação vigente, com as alterações desta Lei. Art. 2º - O Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, passa a vigorar com as seguintes alterações: (...)

Art. 12 - A receita bruta compreende:

I - o produto da venda de bens nas operações de conta própria;

II - o preço da prestação de serviços em geral;

III - o resultado auferido nas operações de conta alheia; e

IV - as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas nos incisos I a III.

§ 1º - A receita líquida será a receita bruta diminuída de:

I - devoluções e vendas canceladas;

II - descontos concedidos incondicionalmente;

III - tributos sobre ela incidentes; e (...)

§ 4º - Na receita bruta não se incluem os tributos não cumulativos cobrados, destacadamente, do comprador ou contratante pelo vendedor dos bens ou pelo prestador dos serviços na condição de mero depositário.

§ 5º - Na receita bruta incluem-se os tributos sobre ela incidentes e os valores decorrentes do ajuste a valor presente, de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, das operações previstas no caput, observado o disposto no § 4º.

Está crescendo, por sua vez, o entendimento de que, por simetria, a idêntica solução deve ser aplicada ao caso concreto, onde se discute a possibilidade de exclusão dos valores de PIS e COFINS da base de cálculo das próprias contribuições. Veja-se que: (a) as rubricas discutidas nestes autos (PIS e COFINS) e no Recurso Extraordinário citado acima (ICMS) possuem naturezas semelhantes, qual seja a de tributos que apenas transitam na contabilidade da empresa, sem configurar acréscimo patrimonial; (b) há plena identidade entre os tributos tratados nesta ação e no RE 574.706/PR (Contribuições ao PIS e à COFINS).

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O IVA e uma reforma tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6102, 16 mar. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/80128. Acesso em: 5 nov. 2024.

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