Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A responsabilidade tributária dos sócios e administradores de sociedades limitadas

Exibindo página 1 de 4
Agenda 22/02/2006 às 00:00

Pela regra do artigo 1.052 do Código Civil brasileiro, a responsabilidade dos sócios é restrita ao valor das quotas, mas todos são responsáveis solidários pela integralização do capital.

RESUMO

O presente trabalho dispõe sobre a responsabilidade tributária dos sócios e administradores de sociedades limitadas. Pela regra do artigo 1.052 do Código Civil brasileiro, a responsabilidade dos sócios é restrita ao valor das quotas, mas todos são responsáveis solidários pela integralização do capital. Esse, portanto, é o limite da responsabilidade dos sócios não-administradores por dívidas tributárias da sociedade. Isto porque o artigo 134, VII, do Código Tributário Nacional, o qual disciplina a responsabilidade dos sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas, não se aplica às sociedades limitadas, já que a consolidada jurisprudência de nossos tribunais não as considera uma sociedade de pessoas.

Existem, no entanto, algumas exceções acolhidas pela maioria da doutrina e da jurisprudência em que a responsabilidade destes sócios que não exercem a gerência não é limitada à integralização do capital, como por exemplo, a responsabilidade de todos os sócios pelas dívidas junto à seguridade social. Quanto à execução fiscal contra ex-sócios, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem afastado a possibilidade de responsabilizá-los por débitos que tiveram origem no seu período de gestão, mas desde que não tenham infringido a lei ou o contrato, que tenham se afastado regularmente da sociedade e que esta tenha dado continuidade às suas atividades.

No que tange à responsabilidade dos administradores, o Código Tributário Nacional, em seu artigo 135, prevê os pressupostos para que a execução recaia sobre os administradores de sociedade limitada, quais sejam a infração à lei ou ao contrato social. Para o fim deste artigo, a atual doutrina e jurisprudência são pacíficas em não considerar o mero inadimplemento do tributo como ensejadora da responsabilidade. Por outro lado, tanto a doutrina como a jurisprudência tem entendido que a dissolução irregular ou de fato da sociedade, sem observância dos procedimentos formais de sua liquidação, é considerada infração de lei que possibilita ao fisco buscar dos administradores o adimplemento dos tributos devidos pela sociedade.

Palavras chave: Responsabilidade, Tributária, Sócio, Sociedade Limitada


ABSTRACT

This paper presents a study about the taxation liability of limited companies’ partners and managers in Brazil. According to the article 1.052 of the Brazilian Civil Code, the partners’ liability is limited to the value of their investment, but they all are individually liable for the realization of the whole capital. Therefore, that’s the limit of the non managers’ partners’ liability for tax debts of the company limited by guarantee. The reason is that the article 134, VII, of the Brazilian Taxation Code, which regulates about the partners'' liability in case of liquidation of partners companies, is not applied to the limited companies, since consolidated precedents of the Brazilian courts do not consider them as a partners company.

There are, however, some exceptions welcomed by most of the doctrine and the precedents in which these non managers partners'' liability is not limited to the realization of the capital, as for example the liability of all the partners for the social security’s debts. In the subject of the fiscal execution against former partners, the precedents of Brazilian Superior Court of Justice haven’t been accepting the possibility of their liability for debits originated during their administration, but as long as they did not infringe the law or the company’s contract, and since they have left the company legally and regularly, and the company has continued its activities.

In the matter of the managers’ liability, the Brazilian Taxation Code, in the article 135, regulates the requirements to make the managers of limited companies be subject to fiscal execution because of the companies’ debits, which are the infringement of the law or the company’s contract. To the purpose of this regulation, the current doctrine and precedents have been considering that the mere non payment of the tax does not make the manager eligible to be subject to the fiscal execution. On the other hand, most the doctrine and the precedents have been accepting that an irregular or de facto dissolution of the company, not attending the formal procedures for its liquidation, is considered infringement of the law that makes possible to the Brazilian Revenue Service to execute the managers in order to have the companies’ debits paid.

Key-words: Liability, Taxation, Partner, Limited Company


SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; CAPÍTULO I - A SOCIEDADE LIMITADA E A LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA, 1.1 Natureza histórica e jurídica da sociedade limitada, 1.2 Limitação da responsabilidade dos sócios, 1.3 A desconsideração da personalidade jurídica e o direito tributário, 1.4 Obrigação tributária, 1.5 O fato gerador e o momento da responsabilidade, 1.6 Responsabilidade de terceiros no Código Tributário Nacional; CAPÍTULO II - A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO NÃO-ADMINISTRADOR, 2.1 Responsabilidade pela integralização do capital, 2.2 Natureza e limitação da responsabilidade tributária, 2.3 Os débitos tributários na liquidação da sociedade, 2.4 A responsabilidade perante a seguridade social, 2.5 A responsabilidade do ex-sócio; CAPÍTULO III - A RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES, 3.1 A administração nas sociedades limitadas, 3.2 O administrador não-sócio, 3.3 O fundamento da responsabilidade do administrador, 3.4 Excesso de poder e infração de lei ou de contrato, 3.5 A dissolução irregular da sociedade, 3.6 A apuração da responsabilidade e outros aspectos processuais; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

Ao contrário do que ocorre, por exemplo, nos direitos alemão e português, não há no direito brasileiro a previsão da sociedade unipessoal. Por isso, para se abrir uma sociedade no Brasil, o empreendedor pessoa física se vê na necessidade legal de ter um sócio. Considerando-se que a grande maioria das sociedades no Brasil são sociedades limitadas e que a maioria destas são de pequeno porte, é de grande interesse dos contratantes e dos administradores destas sociedades saber os limites de sua responsabilidade por débitos contraídos pela sociedade.

Por ser o insucesso tanto de novas como de antigas sociedades, com seu endividamento e fechamento, algo que ocorre com extrema freqüência, a necessidade de se analisar a responsabilidade de seus sócios e administradores pelas dívidas dessa sociedade se torna ainda maior na medida em que na maioria desses casos o encerramento da sociedade se dá de forma irregular. Sem conseguir pagar seus débitos, essas sociedades acabam encerrando suas atividades sem extinguir formalmente a sociedade, ou seja, se dissolvem de fato, mas sem obedecer ao procedimento legal para essa dissolução. Foram necessárias então previsões legais que atribuíssem ao administrador da sociedade a responsabilidade pelo adimplemento do tributo, tanto de sociedades que continuam com suas atividades, como nos casos em que não há mais interesse e/ou possibilidade de os contrates seguirem no empreendimento.

Em relação aos débitos fiscais, o legislador previu casos de responsabilização dos sócios e administradores por dívidas da sociedade que, inseridos principalmente no Código Tributário Nacional, dispõe sobre as hipóteses, possibilidades e requisitos para que sejam executados os bens dos sócios e administradores das pessoas jurídicas, inclusive quanto às sociedades limitadas, objeto do presente estudo. Por sua vez, a Fazenda Pública, com respaldo da legislação civil, empresarial e tributária, não exita em buscar nos sócios, ex-sócios, administradores e ex-administradores o pagamento dos débitos tributários da empresa, que acabam tendo que defender em juízo as diferentes teses já apresentadas e desenvolvidas pelo fisco. Neste contexto, o trabalho, fazendo o estudo caso a caso dos critérios e condições dentro da grande diversidade de situações em que se pode, na legislação brasileira, atribuir a esses terceiros a responsabilidade por débitos tributários da sociedade, fará principalmente a análise da doutrina e atual jurisprudência de nossos tribunais.

O tema a ser desenvolvido, portanto, se propõe a estudar questões relativas à responsabilização dos administradores e ex-administradores (sócios ou não), e dos sócios e ex-sócios de uma sociedade limitada pelas dívidas tributárias desta pessoa jurídica. A responsabilização do sócio por dívidas junto à previdência, que têm natureza tributária e é matéria de rotineira discussão judicial, será igualmente analisada minuciosamente, principalmente em função da controvertida legislação ordinária previdenciária, que não exige comprovação de abuso de poder, infração a lei ou a contrato social para que os sócios e administradores sejam executados por dívidas da sociedade junto à Seguridade Social.

Em um primeiro momento, será feita uma análise da natureza histórica e jurídica das sociedades limitadas, fazendo uma diferenciação quanto às sociedades de pessoas e sociedade de capital. Serão ainda analisados os limites gerais à responsabilização dos sócios e administradores deste tipo societário, assim como aspectos sobre a desconsideração da personalidade jurídica. Para verificar as condições de responsabilidade de terceiros no Código Tributário Nacional, então, estudar-se-ão igualmente as origens da obrigação tributária e seu fato gerador.

Será estudado então, em um segundo capítulo, a natureza e as limitações de responsabilidade dos sócios da sociedade que não exercem a gerência desta. Ainda assim será visto a questão dos débitos tributários na liquidação da sociedade, a responsabilização dos sócios que já se retiraram da sociedade, e a responsabilidade dos sócios em geral perante os débitos junto à seguridade social.

Por fim, em um terceiro capítulo, serão primeiramente analisados aspectos referentes à administração nas sociedades limitadas e à possibilidade, com o advento do Código Civil de 2002, de ser eleito nesse tipo societário um administrador que não pertença ao seu quadro de sócios. Após essa exposição, o trabalho passará a analisar quais são os fundamentos da responsabilidade tributária do administrador de acordo com o Código Tributário Nacional, e para isto fazer um diagnóstico jurídico do que tem sido considerado, pela doutrina e pelos tribunais brasileiros, infração de lei ou de contrato social, os quais são os principais pressupostos que ensejam essa responsabilização. Ressaltará, para concluir, as questões relativas à responsabilidade dos administradores por débitos tributários da sociedade quando esta é dissolvida irregularmente, além de verificar como se procede na apuração desta responsabilidade, fazendo observações quanto a outros relevantes aspectos processuais.


CAPÍTULO I - A SOCIEDADE LIMITADA E A LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA

1.1 Natureza histórica e jurídica da sociedade limitada

A sociedade limitada foi criada com o intuito de se estabelecer uma estrutura na qual a responsabilidade de seus sócios não fosse ilimitada. Surgiu para atender aos interesses dos pequenos e médios comerciantes europeus através de um tipo de sociedade que diminuísse os riscos decorrentes da atividade empresarial em relação ao patrimônio particular dos sócios, sem ter que se submeter aos rigores de uma sociedade anônima [01].

Foram as private companies na Inglaterra as primeiras sociedades com as características de uma sociedade limitada [02]. Entretanto foi no direito alemão, em 1892, que surgiu o primeiro texto legal sobre a sociedade de responsabilidade limitada, a Gesellschaft mit beschränkter Haftung. O princípio geral era de que uma vez integralizado o capital social, os sócios estariam isentos de responsabilização por dívidas da sociedade. O então novo modelo de sociedade teve tanto sucesso que logo se espalhou pelos ordenamentos jurídicos de toda Europa [03].

Essa evolução foi logo assimilada pelo direito brasileiro, servindo como inspiração para o projeto de Código Comercial de Inglez de Souza, de 1912, cujo trabalho serviu de base para projeto específico sobre sociedades limitadas proposto pelo então Deputado Joaquim Osório [04]. Foi desse segundo projeto que nasceu o Decreto n. 3.708, de 10 de Janeiro de 1919, ordenamento que regulou as sociedades limitadas até o advento do atual Código Civil, que passou então a ditar as regras relativas às sociedades empresárias. Historicamente, pode-se destacar, ainda, a tentativa do projeto de Nabuco de Araújo, em 1865, em inserir um modelo de sociedades limitadas, mas o projeto não só não teve sucesso, como não tratava especificamente de um novo modelo de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, mas sim um tipo de sociedade anônima livre do controle governamental [05].

O Decreto de 1919 apresentava apenas dezenove artigos, apresentando de forma extremamente resumida a regulação das sociedades limitadas, invocando em caráter supletivo a lei das sociedades anônimas [06]. O Código Civil de 2002 então revogou o Decreto 3.708, estabelecendo de forma mais detalhada preceitos legais para reger as sociedades limitadas. Estabeleceu o novo ordenamento que, em caso de lacuna, seriam regidas supletivamente pelas regras das sociedades simples ou, no caso de expressa vontade dos sócios no contrato social, poderiam ter, como regra supletiva, a lei das sociedades anônimas. Enquanto durante o revogado texto legal eram chamadas de sociedades por quotas de responsabilidade limitada, o atual texto passou a denominá-las simplesmente por sociedades limitadas [07].

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Em seu conceito atual no direto brasileiro, sociedade limitada é aquele "tipo social em que o capital é dividido em quotas iguais ou desiguais, e a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, respondendo todos solidariamente pela integralização do capital social" [08]. Não se admite em nosso ordenamento jurídico a sociedade unipessoal, portanto o primeiro requisito para sua formação é a pluralidade de sócios. A exteriorização da vontade dos sócios em contratar e formar a sociedade caracteriza o que a doutrina chama de affectio societatis, que nada mais é do que a vontade dos contratantes em constituir a pessoa jurídica [09].

Essa vontade dos contratantes em contratar é um dos principais fatores que leva à análise da característica de uma sociedade quanto ao fato de ser uma sociedade de pessoas ou uma sociedade de capital. Essa questão se mostra de grande relevância quanto à responsabilidade tributária dos sócios de sociedades limitadas, principalmente na análise do artigo 134, VII, do Código Tributário Nacional, na medida em que este preceito, na presença dos requisitos do caput do artigo, impõe a responsabilidade pelos tributos aos "sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas" [10]. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacífico de que se as sociedades limitadas não são sociedades de pessoas, conforme demonstra a fundamentação em recente decisão que confirmou decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

No tocante à alegação de que teria ocorrido dissolução irregular da sociedade, a ensejar a responsabilização dos sócios nos termos do art. 134, VII, do CTN, convém destacar o entendimento trilhado no aresto recorrido: "Em se tratando de responsabilidade de terceiros pelo crédito tributário, duas hipóteses poderiam enquadrar o caso vertente. A primeira, do art. 134, inc. VII, do CTN, não prospera porque, afora a exigência da comprovação de culpa, já se decidiu que à sociedade por quotas de responsabilidade limitada não se aplica o precitado dispositivo legal, por não ser sociedade de pessoas (AC nº 90.04.00456-4/RS, RTRF 4ª R nº 7/233)" - fl. 66, sem grifo no original -. Sucede que o fundamento invocado no acórdão a quo para afastar a incidência do art. 134, VII, do CTN, não foi, em nenhum momento, atacado pelo recorrente. O INSS, em seu recurso especial, não teceu qualquer consideração sobre a aplicabilidade deste dispositivo legal às sociedades limitadas que não se enquadram como sociedades de pessoas [11].

Mas por trazer tanto aspectos típicos de sociedades de pessoas, como elementos comuns às sociedades de capital, a maioria dos autores a considera uma sociedade híbrida, com características típicas das sociedades de pessoas, mas eivada de aspectos próprios da sociedade de capital, principalmente quanto à limitação da responsabilidade de seus sócios. Ela se constitui intuitu personae, por simples contrato social, assim como as sociedades de pessoas, mas todos os seus sócios têm responsabilidade limitada, característica das sociedades de capital [12].

1.2 Limitação da responsabilidade dos sócios

A regra do art. 1.052 do Código Civil determina que "na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital". Não houve alteração, nesse sentido, em relação ao art. 2º do Decreto 3.708, que determinava que fosse estipulado, no título constitutivo da sociedade, ser limitada a responsabilidade dos sócios à importância total do capital social.

Houve diferença, entretanto, no fato de que, pelo atual texto do Código Civil, há solidariedade entre os sócios pela integralização do capital em qualquer hipótese, desde que exaurido o patrimônio da sociedade, enquanto que o art. 9º do Decreto 3.708 restringia a solidariedade entre os sócios pela parte que faltasse para preencher o pagamento das quotas não inteiramente liberadas somente no caso de falência [13]. Em comparação ao que acontece no caso da sociedade anônima, a responsabilidade do sócio da sociedade limitada é maior, pois naquela o acionista responde tão-somente pela integralização de suas próprias ações, não tendo qualquer tipo de responsabilidade solidária em relação aos demais acionistas [14].

Os sócios de sociedades limitadas, portanto, respondem pelas obrigações sociais dentro de certo limite, pois a personalização da sociedade limitada acarreta a separação patrimonial, de direito e de deveres entre seus sócios e a sociedade. E a regra de limitação da responsabilidade dos sócios, conforme salienta Fábio Ulhoa Coelho, "corresponde à regra jurídica de estímulo à exploração das atividades econômicas. Seu beneficiário direto e último é o próprio consumidor" [15].

Há exceções, entretanto, em que o patrimônio dos sócios pode ser invadido para que obrigações sociais não cumpridas sejam atendidas. A primeira, já referida, diz respeito à integralização do capital não realizado. Ainda no Código Civil, o seu art. 1.080 estabelece que "as deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram".

Outra exceção se refere aos créditos trabalhistas, visto que a jurisprudência tem constantemente superado a personalidade jurídica para executar bens dos sócios, seja administrador ou não, no caso de insuficiência ou inexistência de bens da sociedade. Nesse campo, a desconsideração ocorre não somente com fulcro na teoria da desconsideração da personalidade jurídica, mas também, ante a natureza alimentar de créditos trabalhistas, respaldado pelo princípio da dignidade da pessoa humana. A proteção infraconstitucional ao crédito trabalhista decorre pela observância este princípio, que é inspirador e informador de todo o Direito [16]. Nos dizeres do eminente Ministro do Superior Tribunal de Justiça, José Augusto Delgado, em conferência realizada em 2003 na PUCRS, em Porto Alegre, "ao ler um artigo de lei, temos que pensar se este artigo de lei está valorizando a dignidade humana" [17], e por isso esse princípio deve ser considerado quando a desconsideração for almejada na área trabalhista.

Exceção à regra igualmente se dá em casos em que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica foi positivada no direito brasileiro. São exemplos disso, além do art. 50 do atual Código Civil [18], que estabelece os casos nos quais os efeitos das obrigações da sociedade serão estendidos aos bens particulares dos sócios ou administradores da sociedade, o Código de Defesa do Consumidor (Leis 8.0780/1990), em seu art. 28, o art. 18 da Lei Antitruste (Lei 8.884/1994) e o art. 4º da Lei do Meio Ambiente (Lei 9. 605/1990).

A antiga Lei de Falência não continha dispositivo que se relacionasse à teoria da desconsideração da personalidade jurídica, mas com a vigência da nova Lei de Recuperação e Falência (Lei 11.101/2005), atenta-se à observação de Itamar Gaino, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que, ao interpretar o texto da lei, esclarece que para se buscar a responsabilidade dos sócios:

será necessária, no entanto, segundo o seu art. 82, a ação de responsabilização dos sócios, de procedimento ordinário, de competência do juízo universal da falência e com prazo prescricional de dois anos, contados do trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência. Os credores da massa falida terão legitimidade para o ajuizamento dessa ação, podendo pleitear, no início do processo, com base no § 2º do referido artigo, um provimento judicial que torne indisponíveis os bens particulares dos sócios-réus, em valor bastante para a garantia do crédito. Esse provimento judicial, de natureza acautelatória, servirá para assegurar a utilidade prática do processo, garantindo a execução por sentença que reconhecer a responsabilidade dos sócios [19].

Para os créditos relativos às dívidas tributárias foi criado um mecanismo especial para a responsabilização pessoal dos sócios, cujos principais preceitos são os contidos nos artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional.

1.3 A desconsideração da personalidade jurídica e o direito tributário

É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, conforme dispõe o art. 150, I, da Constituição Federal, e face ao princípio da legalidade, exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Deve haver ato normativo editado com apreciação do poder legislativo, à exceção das Medidas Provisórias. Para que o princípio da legalidade tenha eficácia, não só deve haver previsão legal para a criação ou o aumento de carga tributária, mas é preciso que todos os elementos necessários para a determinação da relação jurídica sejam descritos na lei [20].

Existe uma rigidez no Direito Tributário Nacional quase tão forte como no Direito Penal, e para legislar sobre determinadas matérias, essa rigidez é ainda maior. Prevê a o art. 146, III, a, da Constituição Federal, que "cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuinte".

Isso é de relevante importância quando analisada a teoria do disregard of legal entity, desenvolvida no direito comparado, que desconsidera a personalidade jurídica de uma sociedade em casos de fraude à lei, simulação ou abuso de direito para que se atenda às obrigações ilegalmente não cumpridas [21]. Com a desconsideração da personalidade jurídica afasta-se a autonomia patrimonial entre sócio e sociedade, permitindo a responsabilização dos sócios por dívidas da sociedade no caso de insuficiência ou de inexistência de bens da sociedade, permitindo que o credor execute os bens particulares do sócio, ainda que já tenha integralizado o capital [22].

Essa teoria já vinha sendo aplicada pelos nossos tribunais mesmo antes de ser positivada, mas foi com a sua inclusão no ordenamento jurídico brasileiro que passou a ser mais amplamente aplicado. No direito tributário, muitos são os precedentes administrativos e judiciais que se valeram desse critério para combater práticas ilegais e anular os efeitos pretendidos por seus agentes [23]. Entretanto, há autores que não consideram que no direito tributário, devido ao princípio da legalidade que rege este campo do direito, possa-se aplicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Neste sentido, José Otávio Vaz [24] e Alexandre Couto Silva [25] entendem que não se trata de desconsideração, pois não existe a desvinculação entre a pessoa física e a pessoa jurídica, mas uma atribuição de responsabilidade a terceiro, já legalmente prevista.

Assim sendo, não se poderia, pelo princípio da legalidade que rege o direito tributário, aplicar a teoria para imputar responsabilidade tributária aos sócios de uma sociedade. Tampouco se poderia valer da regra de desconsideração da personalidade jurídica presente no art. 50 do Código Civil para responsabilizar os sócios, pois o Código Civil é uma Lei Ordinária, enquanto que cabe à lei complementar dispor sobre essa matéria, atualmente legislada pelos artigos 134, VII, e 135, III, do Código Tributário Nacional [26]. O art. 50 é uma norma mais ampla no sentido de alcançar o patrimônio dos sócios e administradores, sem as barreiras do direito tributário e, por isso, para os autores que entendem neste sentido, "nos executivos fiscais, é o art. 135 do CTN que deve ser aplicado, afastando-se as inovações trazidas pelo art. 50 do Código Civil" [27].

As contribuições sociais são espécies de tributo, e logo, em princípio, se submetem às mesmas regras de responsabilização previstas nos artigos 134, VII, e 135, III, do Código Tributário Nacional. Existe, no entanto, legislação ordinária específica que impõe responsabilidade a todos os sócios da sociedade limitada por débitos junto à seguridade social, mas cuja aplicação será oportunamente estudada. Independente de essa responsabilização dos sócios e administradores de uma sociedade limitada ser fruto da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ou de determinações legais, o importante é analisar em que casos essa atribuição de responsabilidade é cabível.

1.4 Obrigação tributária

Para a execução de seus fins o Estado precisa criar uma relação jurídica que lhe permita cobrar uma prestação pecuniária para que possa cobrir suas despesas públicas. Com a evolução das relações obrigacionais entre Estado e cidadão, é preciso que haja mecanismos cada vez mais eficientes para evitar que as pessoas deixem de adimplir suas obrigações. Como não existe obrigação tributária decorrente de vontade ou de ato ilícito, esses mecanismos devem estar expressos na legislação, por ser a obrigação tributária uma obrigação ex lege [28].

Para que haja sua ocorrência, é preciso que ocorra um fato gerador definido em lei como necessário e suficiente. Salvo o fato de a causa ser, na obrigação tributária, necessariamente decorrente de lei, sua estrutura não difere muito da obrigação civil. Zelmo Denari define a obrigação tributária como "o vínculo jurídico em virtude do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir de um particular (sujeito passivo) uma prestação pecuniária (objeto), nas condições previstas em lei (causa)" [29]. Ressalta o autor, ainda, que:

No entanto, nada obsta a delegação da capacidade tributária ativa a entes diversos do Estado, com personalidade de Direito Público e que exercitam o poder impositivo em via secundária. É o caso das contribuições sociais, instituídas pela União e delegadas a entes públicos descentralizados (INSS) [30].

Para resumir os aspectos que distinguem a obrigação tributária da obrigação civil, Luiz Felipe Silveira Difini, identificando os sujeitos da relação tributária, ensina que:

as especificidades da obrigação tributária são que o sujeito ativo é uma pessoa jurídica de direito público interno, genericamente denominada fisco; sujeito passivo pode ser contribuinte, o substituto tributário, o responsável ou o sucessor; a prestação é o pagamento de tributo (por isso, a obrigação principal é obrigação de dar). Finalmente, sua causa – que nas obrigações de direito civil é a vontade (obrigações decorrentes de contratos ou atos unilaterais de vontade) ou ato ilícito (obrigação de reparação de dano decorrente de ato ilícito) – na obrigação tributária é a lei (o tributo não decorre da vontade do sujeito passivo, nem é sanção de ilícito) [31].

Portanto, conforme destaca Luiz Emygdio F. da Rosa Junior, "a relação jurídico-tributária que se instaura entre o Estado e o contribuinte é, sem sombra de dúvida, obrigacional" [32]. Muitas são as teorias que tentam explicar este vínculo obrigacional entre Estado e indivíduo, mas o importante no estudo da responsabilidade tributária é o consenso de que o poder tributário do Estado está submetido às normas legais de direito, devido ao princípio da legalidade previsto no art. 150, I, da Constituição Federal [33], e art. 9°, I, do Código Tributário Nacional [34]. E é do surgimento de uma obrigação tributária que nasce para a Fazenda Pública a possibilidade de se exigir do contribuinte ou responsável o pagamento de um tributo.

O art. 113 do Código Tributário divide a obrigação tributária em principal e acessória. Diz o artigo:

A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

A obrigação principal, portanto, surge com a ocorrência do fato gerador, e a acessória, decorre da legislação tributária. A obrigação tributária principal consiste no pagamento do tributo, ou seja, numa prestação pecuniária compulsória que, sendo pecuniária, tem caráter patrimonial. "A obrigação tributária acessória (art. 113 § 2°) consiste, porém, em prestações positivas (prestar informações ao fisco, emitir guias, notas e documentos fiscais, etc.) ou negativas (p.e., não embaraçar a fiscalização, não rasurar livros e documentos fiscais)" [35].

Observe-se, entretanto, a crítica de parte da doutrina a esse artigo, conforme salienta Celso Ribeiro Bastos, ao lecionar que:

A melhor doutrina não considera tais obrigações como acessórias da obrigação de dar; prefere ver nelas deveres de natureza administrativa, isso porque a relação obrigacional é passageira, dissolvendo-se, sobretudo pelo pagamento, enquanto nos comportamentos impostos em caráter permanente, as pessoas designadas em lei o são sob um vínculo de durabilidade ou permanência não-suscetível de exaurir-se com o mero cumprimento [36].

Neste sentido, Sacha Calmon Navarro Côelho entende que, "rigorosamente, inexistem obrigações acessórias, mas prescrições de fazer e não-fazer diretamente estatuídas em lei" [37].

1.5 O fato gerador e o momento da responsabilidade

Para que o sujeito ativo da relação jurídico-tributária tenha uma obrigação imponível contra o sujeito passivo é preciso que se caracterize a ocorrência de um fato gerador. O fato gerador da obrigação principal é, conforme expresso no art. 114 do CTN, "a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência". É a circunstância representada por um fato, ato, ou situação jurídica que, definida em lei, dá nascimento à obrigação tributária [38].

Os efeitos produzidos pelo fato gerador mostram a importância deste na análise da responsabilidade dos sócios de sociedade limitada por débitos tributários. Dentre outros efeitos, o fato gerador fixa o momento em que se materializa a obrigação tributária principal prevista abstratamente na lei; identifica o sujeito passivo da obrigação tributária; determina o regime jurídico da obrigação tributária, e, assim, a lei a ser aplicada será aquela que estiver vigorando no momento da ocorrência do fato gerador, ainda que no momento do lançamento esteja revogada ou modificada [39]. Mas o mais importante em questão é que o fato gerador determina no tempo quem são os eventuais terceiros responsáveis nos casos de responsabilidade tributária previstos em lei. "É que a apuração da responsabilidade do sócio pelos créditos correspondentes à obrigação tributária, para os efeitos do artigo 135 do CTN, há de remontar aos atos praticados à época do fato gerador, desimportando os que lhe antecederam ou os que lhe sucederam" [40].

As obrigações dos sócios, como está expresso no art. 1.001 do Código Civil, começam imediatamente com o contrato, se este não fixar outra data, e terminam quando, liquidada a sociedade, se extinguirem as obrigações sociais. "A partir da celebração do contrato social, o sócio assume a obrigação de integralizar as quotas subscritas, bem como todos os direitos inerentes à condição de sócio" [41]. Essa regra do Código Civil vale inclusive para o caso de responsabilidade tributária dos sócios, e, independente da análise de infrações por atos ou omissões, todos os sócios são solidariamente responsáveis pela integralização do capital desde o arquivamento do ato constitutivo da sociedade na junta comercial.

Quanto aos administradores, independente da responsabilidade pela integralização do capital quando forem sócios, estes somente poderão ser responsabilizados pelas obrigações tributárias contraídas no período de sua gestão, por ter o responsável que estar vinculado ao fato gerador da respectiva obrigação (art. 128 CTN). Para que o patrimônio do administrador seja atingido, é necessária a comprovação de que este exercia esta função à época do fato tributário imponível. Assim, esclarece Leandro Paulsen que:

em se tratando de redirecionamento com suporte na responsabilidade de que trata o art. 135, III, do CTN, o Juiz deve exigir do Exeqüente que demonstre que o sócio exerceu a gerência na época da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária e que a obrigação decorre de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos [42].

Não tendo o administrador vínculo ao fato gerador da obrigação tributária, por não exercer funções de gerência da sociedade quando da ocorrência deste fato gerador, e por não ter agido com excesso de poderes ou infração da lei ou do contrato social, a execução não pode, em uma primeira análise, ser redirecionada ao patrimônio deste terceiro. Mas se a infração à lei for a dissolução irregular da sociedade sem a observância dos critérios legais referentes à dissolução das sociedades empresárias, o Superior Tribunal de Justiça tem permitido que o administrador sucessor responda pelas obrigações tributárias da empresa, mesmo por débitos de período em que ele não exercia a gerência da empresa. Nesse caso, se torna responsável não pelo simples inadimplemento, mas pela ocorrência da dissolução irregular [43].

1.6 Responsabilidade de terceiros no Código Tributário Nacional

Conforme se infere do art. 121 do Código Tributário Nacional, existem dois sujeitos passivos da obrigação principal, quais sejam o contribuinte e o responsável. De acordo com o inciso I do mesmo artigo, diz-se contribuinte, "quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador"; conforme o seu inciso II, diz-se responsável, "quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei".

É no art. 128 do CTN, no entanto, que se tem uma melhor definição de responsabilidade tributária. Dispõe o artigo que "a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação". É importante notar que o responsável é um terceiro em relação ao contribuinte, mas não alheio ao fato gerador, até porque nas sociedades empresárias, destaca Amador Paes de Almeida, a pessoa jurídica não é senão um instrumento para a satisfação das necessidades humanas, dirigida pelas pessoas físicas de seus respectivos sócios, que devem imprimir, em sua direção, todas as cautelas necessárias [44]. Seus sócios e administradores, portanto, estão intimamente ligados com o fato gerador da obrigação tributária.

Pelo Código Tributário Nacional, a responsabilidade pode ser, conforme o caso, por sucessão, regulada pelos artigos 129 e 133; de terceiros, regulada pelos artigos 134 e 135; por substituição, regulada pelo artigo 128; e por infrações, regulada pelos artigos 136 a 138. Em suma, pelo CTN o responsável tributário assume essa condição ou por substituição, substituindo aquele que deveria se naturalmente o contribuinte, por diversos motivos previsto em lei; ou por transferência, recebendo o dever de pagar o tributo antes atribuído ao contribuinte, o qual não pode ou não deve satisfazer a prestação [45]. Mas o que importa aqui é analisar especificamente a responsabilidade de terceiros, contida nos artigos 134 e 135 do CTN. Responsabilidade esta que "deve ser examinada diante do inadimplemento da obrigação principal e diante da impossibilidade da exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte" [46].

No art. 134, o CTN disciplina a responsabilidade subsidiária de terceiro, que surge nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte. Com isso, observados os pressupostos do caput do artigo, a Fazenda pode dirigir a execução contra o responsável quando o contribuinte não possui bens necessários para garantir a execução [47].

Diz o art. 134 do CTN:

Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;

II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;

III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;

IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;

V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;

VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;

VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.

Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.

Esse parágrafo único está determinando, expressamente, que estes terceiros respondem pelos tributos e pelas multas de caráter estritamente moratório, ou seja, aquelas referentes ao descumprimento da obrigação principal. "As multas isoladas, ou seja, as que apenam o descumprimento das obrigações ditas acessórias, são intransmissíveis a esses terceiros" [48].

Ao contrário do que dispõe o caput do artigo, entretanto, para a doutrina de Pedro Roberto Decomain [49] e a do renomado autor Luciano Amaro [50], a responsabilidade aqui é subsidiária, e não solidária, pois determina que os representantes se tornam solidariamente responsáveis somente na hipótese de o contribuinte natural não ser capaz de responder pelos débitos tributários, e desde que esse representante tenha intervindo mediante a prática de algum ato, seja comissivo ou omissivo. Mas Ricardo Lobo Torres ressalta que "tanto que o terceiro assuma a responsabilidade, esta se torna solidária, posto que ele se coloca junto ao contribuinte, e não no seu lugar, como acontece na substituição" [51].

Mas como o caput do artigo usa a expressão "solidariamente", e com base no preceito geral de que a solidariedade resulta de lei ou vontade das partes, sendo que em matéria tributária resulta sempre da lei, esse não é o entendimento de Ives Gandra da Silva Martins [52].

Dispõe o art. 135, por sua vez, que:

São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I - as pessoas referidas no artigo anterior;

II - os mandatários, prepostos e empregados;

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

A doutrina e a jurisprudência também são divergentes quanto ao tipo de responsabilidade deste artigo. A jurisprudência do STJ tem entendido que se trata de responsabilidade por substituição, conforme se infere em trecho de voto do Ministro Castro Meira:

Os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, nos termos do art. 135, III, do CTN, somente pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias, quando se comprova a prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou de infração de lei, contrato social ou estatutos [53].

Conforme bem lembra José Waldecy Lucena, mesmo posicionamento tinha o Supremo Tribunal Federal antes de a Constituição de 1988 transferir a competência para o julgamento dessa matéria ao Superior Tribunal de Justiça [54]. Neste sentido o seguinte aresto do STF:

EXECUÇÃO FISCAL. SOCIEDADE LIMITADA. SÓCIO-GERENTE. RESPONSÁVEL TRIBUTÁRIO POR SUBSTITUIÇÃO. CPC, ART. 568, V. CTN, ART. 135, III. Execução fiscal. Legitimação passiva. As pessoas referidas no inciso III do artigo 135 do CTN são sujeitos passivos da obrigação tributária, na qualidade de responsáveis por substituição, e, assim sendo, se lhes aplica o disposto no artigo 568, V, do Código de Processo Civil, não obstante seus nomes não constarem no título extrajudicial. [...] [55].

Aliomar Baleeiro [56] e José Jayme de Macedo Oliveira [57] entendem, entretanto, que se trata de responsabilidade pessoal, em virtude do texto literal do caput do artigo. Com o mesmo entendimento, Luciano Amaro defende que não se trata de responsabilidade subsidiária do terceiro e nem de responsabilidade solidária, pois somente o terceiro responde, pessoalmente [58]. Também não é responsabilidade por substituição, para esses autores, dado que o próprio texto legal condiciona a responsabilização do diretor, do gerente ou representante de pessoas jurídicas à prática de atos com violação do contrato ou da lei. Na substituição tributária, por outro lado, é a própria lei que exclui da obrigação tributária o contribuinte, que seria quem normalmente teria de pagar o tributo e coloca como sujeito passivo o substituto, que é terceira pessoa, que não pratica o fato imponível, mas de alguma forma está ligada a ele [59].

Neste sentido, Manoel de Queiroz Pereira Calças acrescenta que a responsabilidade do administrador é direta e pessoal em face da conduta culposa ou dolosa [60]. Por sua vez, Marlon Tomazette ressalta que "não foi a pessoa jurídica que teve sua finalidade desvirtuada, foram as pessoas físicas que agiram de forma ilícita, e por isso tem responsabilidade pessoal" [61].

Ives Gandra da Silva Martins entende no mesmo sentido, pois sempre que os contratos são violados por quem estaria na obrigação de preservá-los, é evidente que a pessoa jurídica a que pertencem está, como o fisco, na posição de vítima e não pode de vítima ser transformada em autora, e, por isso, exclui-se a responsabilidade da pessoa jurídica. Mas o próprio autor, no entanto, admite que esta não é a opinião dominante [62].

Sacha Calmon entende também neste sentido, mas ressalta que essa posição pode ser temerária, pois:

O que não se pode admitir é que grandes empresas, até mesmo multinacionais, por pura matroca obriguem seus diretores contratados, com poucos bens ou sem eles, a ficarem responsáveis por atos deliberadamente praticados em proveito da empresas, com excesso de poder ou infração da lei ou contrato. A exclusão das empresas daria lugar a enormes injustiças e à indução de "planejamentos tributários" marotos. Além disso, tornaria as funções gerenciais um tipo de atividade de alto risco. Fraude, conluio, sonegação para elidir o cumprimento de obrigação igualmente aproposita a responsabilidade prevista no art. 135, mas somente na hipótese de a pessoa jurídica provar a sua inocência [63].

E, por esse motivo, Pedro Decomain entende que:

Nesses casos, quando o ato, embora com essa mácula, seja praticado em benefício de terceiro (o filho, no caso da responsabilidade pelos pais, o espólio, no caso do inventariante, ou o administrador, no caso da empresa, por exemplo), também estes serão devedores do tributo, na condição de contribuintes. Surgirá, porém, concomitantemente, a responsabilidade solidária das pessoas indicadas nos incisos do art. 135 [64].

O Tribunal de Justiça do Rio grande do Sul, por sua vez, tem entendido que a responsabilidade a que se refere o art. 135 do CTN não é nem pessoal, nem por substituição, mas sim subsidiária, conforme se verifica no seguinte julgado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO E FISCAL. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO EM SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. LIMITES. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA (ART. 135 DO CTN). A PESSOA JURÍDICA COM PERSONALIDADE PRÓPRIA NÃO SE CONFUNDE COM A PESSOA DE SEUS SÓCIOS. A responsabilidade de que trata o artigo 135 do CTN ao tempo em que não exclui o verdadeiro contribuinte, é meramente subsidiária e não por substituição. Não se trata de responsabilidade objetiva, in re ipsa, exigindo ato doloso ou culposo para induzi-la, não prevalecendo a simples presunção quanto ao descumprimento de obrigações legais ou sociais. O credor deverá provar que o devedor agiu dolosamente, com fraude ou excesso de poderes. A responsabilidade subsidiária não institui a solidariedade [65].

Mas em um posicionamento diverso, Ricardo Lobo Torres entende que essa responsabilidade seja, na verdade, solidária [66]. Seguindo este entendimento, para Hugo de Brito Machado essa responsabilidade é solidária porque o responsável se coloca junto ao contribuinte desde a ocorrência do fato gerador. As pessoas referidas nos incisos deste artigo não têm responsabilidade pessoal quando praticam atos com excesso de poderes ou infração de lei ou contrato social, nem tampouco são responsáveis por substituição, mas são, na verdade, solidariamente responsáveis, sofrendo uma "atribuição de responsabilidade, em razão de condutas ilícitas daqueles aos quais é feita essa atribuição" [67]. A presença daquele a quem é atribuída a responsabilidade tributária não exclui a presença do contribuinte, pois não há "como excluir os contribuintes da solidariedade, afinal de contas são eles que detêm relação pessoal e direta com a situação que constitui o fato gerador, ou seja, são elas que realizam o fato previsto na lei como tributável, ainda que por seus representantes" [68].

Para defender seu posicionamento, Hugo de Brito Machado ainda faz uma comparação em relação ao artigo 137 do CTN:

A situação é diversa da prevista no art. 137 do Código, porque naquele dispositivo, embora esteja dito que a responsabilidade é pessoal do agente, cuida-se de responsabilidade por infrações. Quando se diz que a responsabilidade é pessoal ao agente, isto significa que a penalidade só a este pode ser aplicada. Mas é assim, não em virtude do elemento literal e sim porque a penalidade nasce da conduta infratora, que efetivamente deve ser ao agente imputada, e não ao contribuinte.

Na mesma linha de pensamento Luiz Felipe Difini leciona que a responsabilidade só é pessoal ao agente nos casos previstos no art. 137 do CTN, o qual disciplina a responsabilidade por infrações e diz que a penalidade é pessoal e exclusiva ao agente, podendo só a este ser aplicada, em virtude da conduta infratora, e não ao contribuinte [69].

Sobre o autor
Rafael Severo de Lemos

bacharel em Direito pela PUC/RS, bacharelando em Ciências Contábeis pela UFRGS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEMOS, Rafael Severo. A responsabilidade tributária dos sócios e administradores de sociedades limitadas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 964, 22 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8015. Acesso em: 23 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!