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A responsabilidade tributária dos sócios e administradores de sociedades limitadas

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22/02/2006 às 00:00
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CAPÍTULO II - A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO NÃO-ADMINISTRADOR

2.1 Responsabilidade pela integralização do capital

Mesmo o sócio que não exerce a gerência da sociedade responde, solidariamente, pela integralização do capital social (Código Civil, art. 1.052), podendo a credora na relação tributária cobrar de um, alguns ou todos os sócios a dívida do remisso, assegurado ao pagamento direito regressivo contra o inadimplente. Assim sendo, não estando o capital completamente integralizado, e não havendo bens da sociedade suficientes para satisfazer o crédito, todos os sócios respondem solidariamente pela parte que faltar para preencher o pagamento das quotas não inteiramente integralizadas [70].

Ressalte-se, no entanto, que os bens destes sócios só poderão ser executados depois de exauridos os bens sociais. O art. 1.024 do Código Civil dispõe expressamente que "os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais". Assim como o art. 596 do Código de Processo Civil dispõe que "os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade". Neste sentido, Sérgio Campinho destaca que:

Como o Código Civil de 2002, em seu art. 1.052, não mais se impôs a falência como condição para a efetivação da solidariedade entre os sócios, hoje já não mais se pode ter incerteza em afirmar que, na execução judicial proposta em face da sociedade, podem os credores, na ausência de patrimônio da pessoa jurídica, visto que a responsabilidade dos sócios sempre será em grau subsidiário, pretender a responsabilização até a integralização do capital social a que os sócios são solidariamente obrigados, citando-os na causa para extrair o pretendido efeito. Contudo, repita-se, isso somente poderá ocorrer em não havendo patrimônio da sociedade, posto que o benefício de ordem é sempre oponível pelos sócios aos credores sociais [71].

A conclusão que se tira sobre estes artigos, portanto, é que a execução só pode ser redirecionada contra qualquer dos sócios quando o capital ainda não foi totalmente realizado, e somente quando exauridos os bens da sociedade. Neste sentido, a seguinte decisão do STJ:

PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO FISCAL - PENHORA - EXISTÊNCIA DE BENS PATRIMONIAIS DA EXECUTADA - PRETENSÃO DE SUBSTITUIÇÃO COM OUTROS DO PATRIMONIO PESSOAL DOS SOCIOS - CTN, ART. 135 - LEI 6.830/80 (ARTS. 15 E 24). 1. Existentes, localizados e penhorados bens patrimoniais da pessoa jurídica executada, descabe a substituição por outros do patrimônio pessoal dos sócios, até que, não arrematados, ou não adjudicados, reavaliados, fique demonstrada a insuficiência do valor para quitar a dívida fiscal atualizada. 2. Recurso improvido [72].

A doutrina é unânime em acolher este entendimento, até porque essa foi a razão de criação desse tipo societário. Entretanto, se um sócio minoritário que detém apenas 1% (um por cento) do capital social, por exemplo, tiver de responder subsidiariamente pelas obrigações contraídas pela sociedade, até o total do capital social, que será no caso cem vezes maior do que seu investimento, o risco do empreendimento se torna desproporcional à perspectiva de ganho, afastando por completo a atratividade do negócio. Nesse caso, não se verifica o princípio de que os sócios são responsáveis pelos lucros e pelas perdas, na forma de sua participação contratual [73].

Após totalmente integralizado, contudo, a regra é de que o patrimônio pessoal do sócio não-administrador fica resguardado contra execuções fiscais dirigidas à sociedade limitada, visto que não se aplicam às sociedades limitadas o art. 134 do CTN, eis que o mandamento é dirigido às sociedades tipicamente de pessoas, o que não é o caso das limitadas, entendidas pela maior parte da doutrina como híbridas [74]. Se não fosse assim, não haveria interesse algum em constituir-se uma sociedade. De fato, no dizer de Fábio Ulhoa Coelho, "poucas pessoas – ou nenhuma – dedicar-se-iam a organizar novas empresas se o insucesso da iniciativa pudesse redundar na perda de todo o patrimônio, amealhado ao longo de anos de trabalho e investimento, de uma ou mais gerações" [75].

O que deveria existir, entretanto, era um mecanismo de controle da efetividade do capital social. No Brasil se adotou a liberdade quanto à fixação do montante do capital social, não havendo estipulação legal quanto a um piso ou um teto. Por isso, a responsabilidade pela integralização do capital social não dá muita garantia à Fazenda, pois na prática, a maioria das sociedades limitadas inicia as suas atividades com o capital já integralizado. O que irá garantir os credores da sociedade será o seu efetivo patrimônio, pois o capital social, apesar de não distribuído aos sócios, ou mesmo ausente qualquer má-fé na administração, pode-se diluir no momento seguinte à sua integralização, sem a aquisição de qualquer patrimônio que pudesse substituí-lo [76].

2.2 Natureza e limitação da responsabilidade tributária

A responsabilidade pelas dívidas tributárias de uma sociedade limitada não pode ser imputada aos seus sócios pelos simples fato de serem sócios, mas somente ao sócio que exerça a administração da sociedade. A esse respeito, Manoel Pereira Calças comenta que:

Rigorosamente falando, o art. 135, III, do Código Tributário Nacional não disciplina a responsabilidade dos sócios por dívidas fiscais, mas sim a responsabilidade dos administradores de sociedade limitada por tais débitos. O sócio da limitada, pela simples circunstância de ostentar tal status, não responde pessoalmente com seu patrimônio pelas dívidas fiscais da sociedade [77].

Mas a interpretação do Código Civil, e anteriormente do Decreto 3.708, levaram à recriminação de julgamento de certos tribunais, de nítida tendência fazendária, com o objetivo de ampliar a responsabilidade dos sócios. Nesta linha de pensamento, Rubens Requião já fez a seguinte análise crítica a certos julgamentos, especialmente do extinto Tribunal Federal de Recursos, no qual dizia:

Encontramos, com efeito, certos julgamentos, sobretudo do Tribunal Federal de Recursos, em matéria tributária, nos quais se pretendeu envolver a responsabilidade de sócio-quotista por obrigações fiscais, quando a exaustão do patrimônio social não propiciou nenhuma garantia para o pagamento da dívida. Pretendeu-se, nesses casos, promover, com a penhora de bens particulares do sócio, a responsabilidade deste. O Supremo Tribunal, após algumas vacilações, deixou claro que a responsabilidade do sócio somente se torna ilimitada quando resultar de ato infrator da lei ou do contrato [78].

Ainda assim, o sócio que não fosse investido de poderes de gestão não poderia, em princípio, ser responsabilizado por débitos fiscais [79]. A norma do art. 135 do CTN é dirigida apenas aos administradores, uma vez que o simples sócio-quotista não exerce poderes de que possa abusar. Não se poderia enquadrar, nesse caso, a omissão por parte do sócio não-administrador contra atos do administrador, pois a redação legal prevê apenas a forma comissiva [80].

Atualmente, conforme Jorge Lobo destaca, é pacífico na jurisprudência do STJ o entendimento que o sócio não-administrador não é responsável pelas dívidas tributárias da sociedade limitada com a União, Distrito Federal, Estados e Municípios [81]. Nesse sentido, o seguinte aresto do STJ:

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SÓCIO QUOTISTA. ART. 135, III, DO CTN. 1. "Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade" (EREsp n. 260.107, Primeira Seção, Ministro José Delgado). 2. Em se tratando de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, o sócio que não participa da gestão da empresa não deve ter a execução fiscal redirecionada contra si. 3. Embargos de divergência providos [82].

No mesmo entendimento, o seguinte aresto do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

TRIBUTÁRIO. SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. SÓCIO SEM PODERES DE ADMINISTRAÇÃO. INCLUSÃO NO PÓLO PASSIVO DA EXECUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. O sócio-quotista sem poderes de administração da pessoa jurídica não é responsável por solidariedade pelos débitos fiscais da sociedade.[...] [83].

Coerentemente, restou afastada a responsabilidade do sócio não-administrador nas sociedades limitadas com o capital já integralizado [84]. Mesmo no caso em que há a dissolução irregular da sociedade, a maciça jurisprudência considera responsáveis apenas os administradores [85].

Em sentido contrário, Amador Paes de Almeida entende que, sempre que a sociedade se dissolver irregularmente, com ofensa à lei e ao contrato, é admissível a responsabilidade residual dos sócios, nos termos do art, 135, I e III, do CTN [86].

2.3 Os débitos tributários na liquidação da sociedade

A norma do art. 134, VII, do Código Tributário Nacional refere-se à responsabilidade dos sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Nesse caso, os sócios respondem solidariamente com o contribuinte nos atos que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis, no caso de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte [87].

Para Luciano Amaro, "as várias figuras de administradores previstas no artigo só responderão se tiverem concorrido para o não cumprimento da obrigação tributária" [88]. Se a empresa se liquida sem haver o suficiente para arcar com todas obrigações fiscais, por exemplo, a responsabilidade do sócio só ocorrerá se demonstrado que o patrimônio da empresa foi para ele desviado, ou seja, o responsável só responde por tributos impagos em razão de atos em que interveio ou omissões de que foi responsável [89].

Já para Hugo de Brito Machado, embora a responsabilidade no caput do artigo refira-se apenas aos atos que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis, essa responsabilidade aí depende unicamente da condição de sócio, e por isso se restringe à sociedade de pessoas. Por isso, não admite que fosse o caso de responsabilizar os sócios de uma sociedade limitada, visto não considerá-la, em regra, uma sociedade de pessoas [90]. Na verdade, o autor considera, com o mesmo entendimento de Hugo de Brito Machado Segundo, que há valioso argumento no sentido de que a expressão "sociedade de pessoas", na hipótese, é imprecisão técnica do legislador, que na verdade faz referência às sociedades com responsabilidade ilimitada de seus sócios [91].

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Houve muita discussão doutrinária e jurisprudencial a respeito da natureza da sociedade limitada. Os que a consideravam sociedade de pessoas invocavam, principalmente, o seu caráter pessoal intuitu personae, e a corrente contrária defendia ser uma sociedade de capital. Hoje, a grande maioria da doutrina a considera um tipo societário híbrido, com características tanto de pessoas como de capital [92]. Independente de ser de capital ou híbrida, o importante é que no conceito de sociedade de pessoas não se enquadra a sociedade limitada [93].

No caso de falência de uma sociedade limitada, como já foi visto, tanto na vigência do Decreto 3.708 como com a vigência do Código Civil de 2002 o sócio é solidariamente responsável pela integralização do capital ainda não realizado. A diferença é que, enquanto antes essa solidariedade ocorria somente no caso de falência, no atual Código a solidariedade ocorre sempre, em qualquer momento.

Na época do advento do Código Tributário Nacional, o STF, cuja jurisprudência era até então pacífica no sentido de reconhecer a irresponsabilidade de sócio por dívida fiscal da sociedade por quotas, passou a acolher a tese fazendária, considerando a sociedade por quotas como uma sociedade de pessoas, para aplicar o disposto no art. 134, VII, do CTN. A interpretação do STF, entretanto, acabou por se pacificar no sentido de não considerar a sociedade limitada como uma sociedade de pessoas, influenciada sobretudo pela doutrina de Aliomar Baleeiro [94].

Aliomar Baleeiro destaca que "sociedades de pessoas, no art. 134 do CTN, são as em nome coletivo e outras, que não se enquadram nas categorias de sociedades anônimas ou por quotas de responsabilidade limitada" [95]. No mesmo sentido, Pedro Decomain ensina que nas sociedades limitadas, uma vez integralizadas suas quotas de capital, os sócios não respondem pelas dívidas sociais, incluindo as tributárias, pois como não são sociedades de pessoas, a elas não se aplica esse artigo [96]. Esse foi então o entendimento que se firmou no STJ, pois "o preceito do art. 134 não faz referência alguma ao integrante da sociedade limitada, mas refere-se aos sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas" [97]. Neste sentido, entende também a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

DIREITO TRIBUTÁRIO. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SÓCIO E DO ADMINISTRADOR DE PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO: TEM SUA ORIGEM NA PRÁTICA ILÍCITA DO FATO GERADOR, E NÃO NA FALTA DE PAGAMENTO DO TRIBUTO. 1. A responsabilidade tributária do sócio, na liquidação de sociedade de pessoas, prevista no art. 134, VII, do CTN, nas quais não se incluem as sociedades limitadas, que, segundo a doutrina, são sociedades mistas […] [98].

Essa responsabilidade, ressalta José Waldecy Lucena, "somente pode alcançar os sócios que eram gerentes/administradores, não os sócios não-integrantes da administração da sociedade, já que, notadamente em execuções fiscais, vem ocorrendo uma indevida extensão da responsabilidade a estes últimos" [99].

Em sentido contrário, entretanto, Antônio Carlos Diniz Murta [100] entende que a sociedade limitada é uma sociedade de pessoas, e o sócio-quotista, enquadrado no regramento do art. 134, V, e VII, do CTN, responde por culpa in eligendo e in vigilando nos atos em que intervir ou pelas omissões de que for responsável. No mesmo sentido, Júlio César Lorens ressalta que, ainda que subsidiária e solidária, a responsabilidade dos sócios de sociedade limitada, mesmo do não-administrador, é objetiva [101].

Situação diferente, no entanto, se dá na hipótese de o sócio concorrer para o não-cumprimento da obrigação tributária, pois nesse caso o sócio poderá ser responsabilizado; não pelo inciso VII do artigo 134, mas sim pelo inciso III do artigo 135 [102]. Se houver dissolução irregular da sociedade, por exemplo, sendo um ato que caracteriza a infração à lei, pode gerar não só a responsabilidade solidária dos sócios-gerentes, mas também daqueles que não exercem a gerência, se estes colaborarem para a dissolução, como recebendo bens sociais, subtraindo-se à execução pelos créditos tributários devidos. Não serão ilimitadamente responsáveis, mas no limite do que receberam dos bens sociais [103]. Inexiste previsão legal para o não sócio ser responsabilizado na dissolução irregular, mas pela vedação ao enriquecimento ilícito, terá que responder até o montante dos bens a ele desviados [104].

2.4 A responsabilidade perante a seguridade social

De acordo com a Lei 8.620/1993, pelos débitos junto à seguridade social os sócios das sociedades limitadas respondem, solidariamente, com seus bens pessoais. Diz a lei, em seu art. 13:

O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social.

Parágrafo único. Os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores respondem solidariamente e subsidiariamente, com seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento das obrigações para com a Seguridade Social, por dolo ou culpa.

Na vigência do Decreto 3.708, esse dispositivo era uma exceção à limitação da responsabilidade dos sócios, atingindo mesmo os que não exercessem a gerência, e sem haver benefício de ordem que obrigasse primeiro à execução dos bens da sociedade. O Código Civil de 2002 em nada alterou essa regra, seguindo o sócio, nos termos da lei, responsável solidária e ilimitadamente com seus bens, ainda que o capital já esteja integralizado [105]. Manoel Pereira Calças, a respeito dessa exceção, destaca que:

O Instituto de Nacional de Seguro Social (INSS), autarquia federal encarregada da seguridade social, é o único credor das sociedades limitadas que é favorecido expressamente pelo sistema legal para o fim de responsabilizar ilimitadamente os sócios das sociedades limitadas pelo pagamento das contribuições sociais de responsabilidade da sociedade [106].

No caso das dívidas previdenciárias, portanto, Amador Paes de Almeida apura como majoritária a doutrina no sentido de que os sócios e os administradores respondem solidária e ilimitadamente [107]. A jurisprudência também tem considerado a responsabilidade como objetiva dos sócios ou administradores pelo não recolhimento das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados [108]. O que há divergência, entretanto, tanto na doutrina como na jurisprudência, é quanto à fundamentação da responsabilidade destes, e se essa responsabilização se estende aos sócios não-administradores, ou somente aos administradores.

Para Gustavo Saad, ainda que fazendo referência à natureza tributária das contribuições sociais, a responsabilização dos sócios está sujeita à disciplina diversa da dos tributos em geral, e tanto os administradores como os sócios cotistas responderão solidária e subsidiariamente com a sociedade [109]. Sérgio Campinho entende como válida a regra do art. 13 da Lei 8.620/1993, estando os administradores sócios aí incursos. Quanto aos administradores não sócios, conforme o parágrafo único do artigo, o autor considera que estes respondem solidária e subsidiariamente, com seus bens pessoais, por dolo ou culpa [110].

A jurisprudência do STJ não é pacífica quanto a essa matéria. Entendendo como válida a regra da Lei 8.620, o voto do Ministro Teori Albino Zavascki, no julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 374.139/RS:

Assim, nos casos de débitos para com a Seguridade Social, a responsabilidade atribuída pelo citado dispositivo ao sócio-cotista tem respaldo no art. 124, II, do CTN. Nessa situação, portanto, por ser a responsabilidade de todo e qualquer sócio imposta por determinação legal, não há cogitar da necessidade de comprovação, pelo credor exeqüente, de que o não-recolhimento da exação decorreu de ato praticado com violação à lei, ou de que o sócio deteve a qualidade de dirigente da sociedade devedora. Todavia, cumpre salientar que o prosseguimento da execução contra o sócio-cotista, incluído no rol dos responsáveis tributários, fica limitado aos débitos da sociedade no período posterior à Lei 8.620/93, que não pode retroagir para alcançar o patrimônio do sócio quanto à satisfação de obrigações anteriores à sua entrada em vigor. Quanto aos débitos anteriores, aplica-se a sistemática geral de responsabilização subsidiária prevista no art. 135 do CTN [111].

Admitindo a responsabilidade objetiva dos sócios por dívidas junto à previdência, mas não com o respaldo na Lei 8.620, a seguinte decisão do Tribunal Federal da 4ª Região:

EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. SÓCIO. RESPONSABILIDADE. MASSA FALIDA. MULTA. 1. É dispensável a prova de que o sócio agiu com excesso de poder ou infração à lei, uma vez que o simples deixar de recolher as contribuições previdenciárias na época própria caracteriza infração à lei, levando à responsabilidade do sócio pelos débitos da empresa. 2. O sócio responde pelo pagamento de multa por força da legislação tributária, sendo que esta exclui tal pagamento, apenas com relação à massa falida [112].

Em sentido contrário, o voto do Ministro do STJ Luiz Fux, no julgamento do Agravo Regimental em Recurso Especial nº 536.098/MG:

É cediço que a contribuição para a seguridade social é espécie do gênero tributo, devendo, portanto, seguir o comando do Código Tributário Nacional. O CTN, por seu turno, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 como lei complementar. Destarte, não há que se falar na aplicação da lei ordinária 8.620/93, posto ostentar grau normativo hierarquicamente inferior ao CTN, mercê de esbarrar no princípio da hierarquia das leis, de natureza constitucional, que foge aos limites do recurso especial traçados pela Constituição Federal, ao determinar a competência do STJ [113].

Neste sentido, Jorge Lobo também entende que a responsabilidade dos sócios das limitadas pelas contribuições previdenciárias segue o tratamento dado às dívidas fiscais [114]. Sendo assim, para Amador Paes de Almeida, a responsabilidade solidária recai, então, exclusivamente sobre o sócio gerente [115]. Neste sentido, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região inclusive já entendeu como inconstitucional o art. 13 da Lei 8.620/1993, corroborando o entendimento de que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais sobre responsabilidade tributária, conforme demonstra o seguinte aresto:

EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. SÓCIOS SEM PODERES DE ADMINISTRAÇÃO. ART. 13 DA LEI 8620/93. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PRESCRIÇÃO AFASTADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Incabível a responsabilização do sócio que não exercia poderes de administração da sociedade. 2. O Plenário desta Corte declarou inconstitucional o artigo 13 da Lei nº 8620/93 na parte em que estabelece: "e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada" por invadir área reservada à lei complementar, vulnerando, dessa forma, o art. 146, III, b, da Constituição Federal. […] [116].

Para essa parte da doutrina e da jurisprudência, portanto, incide quanto aos débitos previdenciários a norma do art. 135, III, do CTN, com preterição do art. 13 da Lei 8.620/1993, qualificando-se como responsável tributário apenas o sócio com poder de gerência ou administração da sociedade limitada [117]. Não haveria assim a atribuição de responsabilidade objetiva ao administrador nas hipóteses em que este deixa de recolher as contribuições previdenciárias, conforme exposto por Rodrigo Campos Zequim, o qual considera que:

também nestas hipóteses, o não-recolhimento destas contribuições só configurará infração à lei prevista no artigo 135 do CTN quando estiver presente o elemento subjetivo na conduta do administrador, como no caso em que este se apropria indevidamente dos valores descontados dos salários dos empregados. Assim, deixando o administrador de recolher as contribuições em razão de dificuldades financeiras que atravessa a empresa, não pode lhe ser atribuída a responsabilidade do art. 135, III, do CTN, pois não estará caracterizada a infração à lei em sentido estrito [118].

Neste sentido, a jurisprudência do Tribunal regional Federal da 4ª Região:

EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA NÃO É OBJETIVA. ALTERAÇÃO UNILATERAL DE ACORDO DE PARCELAMENTO COM REDUÇÃO DE PARCELAS. 1. A responsabilidade tributária, prevista no art.135, do CTN, não é objetiva, devendo ser comprovada, pelo exeqüente, a prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, bem como, a má-fé. 2. O simples não recolhimento das contribuições não configura infração à lei para efeito de responsabilidade pessoal pelo débito. Ilegitimidade passiva do sócio executado.[...] [119].

No mesmo sentido, o seguinte aresto do STJ:

PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - SÓCIO GERENTE -RESPONSABILIDADE. 1. A jurisprudência desta Corte pacificou-se no sentido de não admitir seja responsabilidade objetiva do sócio gerente o não recolhimento de tributos e contribuições. 2. A imputação da responsabilidade só é admitida quando comprovado haver comportamento doloso ou culposo por parte do sócio, hipótese configurada nos autos de forma cristalina, porque condenada uma das sócias na esfera penal, por arrecadação e não recolhimento de contribuições previdenciárias. 3. Responsabilidade limitada ao período em que esteve a sócia à frente da administração da empresa. 4. Recurso especial improvido [120].

Por fim, cabe-se ressaltar que, desde a alteração do art. 114 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 20, de Dezembro de 1998, passou a ser de competência da Justiça do Trabalho "a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir". Quanto à responsabilização dos sócios, a tendência da Justiça do Trabalho é de entender no sentido de que mesmo os sócios-quotistas são responsáveis. O Tribunal Regional do Trabalho de da 3ª Região já proferiu decisão nesse sentido:

EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - EXECUÇÃO PREVIDENCIÁRIA - POSSIBILIDADE DE INCLUSÃO DO SÓCIO - O art. 13 da Lei 8.620/93 é de clareza meridiana ao dispor que "O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social." Portanto, não há nulidade no direcionamento da execução previdenciária contra o sócio da empresa, devedor solidário, eis que o título executivo é a sentença homologatória do acordo com reconhecimento de parcelas trabalhistas que dão ensejo à incidência da contribuição previdenciária, cujo adimplemento forçado cabe a esta mesma Justiça, por força da competência atribuída pelo art. 114, VIII, da CF/88. Veja-se que esta execução tem contornos peculiares e, em verdade, substitui aquela regulada na Lei 6.830/80, cujo art. 4º, V, prevê expressamente a possibilidade de ela ser promovida contra "o responsável, nos termos da lei, por dívida tributária ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado" [121].

2.5 A responsabilidade do ex-sócio

Na sociedade limitada, como já foi visto, a responsabilidade de cada sócio é, em princípio, restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital. Logo, se ao retirar-se da sociedade, o capital social ainda não foi completamente integralizado, o ex-sócio continua responsável no limite do capital faltante, observado o prazo de dois anos, conforme o disposto no parágrafo único do art. 1.003 do Código Civil [122]. Logo, à exceção deste caso, como a simples condição de sócio não implica a responsabilidade tributária, o ex-sócio só poderá ser responsabilizado se exerceu cargo de gerência na sociedade, e se agiu com abuso de poder ou se infringiu lei ou contrato social. Ainda assim, essas obrigações tributárias cuja responsabilização se busca deve ter resultado de tais atos administrativos societários. A situação é regida pelo art. 135 do CTN e, se o ex-sócio não era o administrador, não há que se falar, via de regra, em responsabilidade deste [123].

O seguinte aresto demonstra o entendimento do STJ:

RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. EX-SÓCIA DE SOCIEDADE LIMITADA. RESPONSABILIDADE DE SÓCIOS. LIMITES. ARTIGO 135, INCISO III, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CARACTERIZADO. Já se encontra assente na doutrina e na jurisprudência que a responsabilidade do sócio que se retira da sociedade, em relação às dívidas fiscais contraídas por esta, somente se afirma se aquele, no exercício da gerência ou de outro cargo na empresa, abusou de poder ou infringiu a lei, o contrato social ou estatutos, a teor do que dispõe a lei tributária, ou, ainda, se a sociedade foi dissolvida irregularmente. […] [124].

Portanto, se o sócio se exonera regularmente da sociedade, sem extinção ilegal da empresa, sem ter agido com excesso de poderes ou infração à lei ou ao contrato social, não será ele responsável por dívida tributária da sociedade. Nesse entendimento, Amador Paes de Almeida leciona que "o sócio que se retira regularmente da sociedade, continuando a empresa suas atividades normais, não tem responsabilidade por dívidas fiscais apuradas e cobradas posteriormente, ainda que contraídas ao seu tempo de sócio" [125].

E não só "descabe responsabilizar-se pessoalmente sócio que se retirou regularmente da empresa que continuou em atividade, mas que só posteriormente veio a extinguir-se de forma irregular" [126], como tampouco prospera a execução fiscal ajuizada contra ex-sócio, quando a sociedade da qual se retirou foi regularmente dissolvida [127]. Logo, as condições que podem (mas que não necessariamente irão) gerar a responsabilidade do ex-sócio de uma sociedade limitada são que ele tenha exercido a gerência e que ele tenha a responsabilidade comprovada pelos débitos da sociedade, por ter infringido a lei ou o contrato.

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Sobre o autor
Rafael Severo de Lemos

bacharel em Direito pela PUC/RS, bacharelando em Ciências Contábeis pela UFRGS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEMOS, Rafael Severo. A responsabilidade tributária dos sócios e administradores de sociedades limitadas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 964, 22 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8015. Acesso em: 5 nov. 2024.

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