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A responsabilidade tributária dos sócios e administradores de sociedades limitadas

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22/02/2006 às 00:00
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CAPÍTULO III - A RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES

3.1 A administração nas sociedades limitadas

Em geral, "administrador" é o gênero do qual "diretor", "gerente" e "representante" são espécies. Juridicamente falando, entretanto, "gerente" é o administrador da sociedade. Mas não importa o nome dado ao cargo, mas sim as atribuições ou poderes que lhe são conferidos pela lei ou pelo contrato. Essa importância reside no fato de o Código Tributário Nacional imputar a essas figuras a responsabilidade pelos créditos decorrentes de obrigações tributárias resultantes de atos praticados com abuso de poder, infração de lei ou do contrato social [128].

Importante, outrossim, é a definição da natureza jurídica da relação entre a sociedade e o administrador, para se demonstrar a natureza da responsabilidade do administrador [129]. Para a exteriorização da vontade da sociedade e condução dos negócios sociais de acordo com as metas dos sócios, é imprescindível a intermediação de um órgão que, na sociedade, é a administração [130]. Gustavo Saad conceitua a administração da sociedade limitada como:

o órgão societário, composto por uma ou mais pessoas naturais, com poderes específicos atribuídos pelo contrato social para administrar a sociedade no âmbito interno e atuar por ela nas relações jurídicas com outras pessoas naturais e jurídicas, privadas ou públicas [131].

Na elaboração do contrato social, os sócios da sociedade limitada podem dar-lhe uma estrutura simplificada ou podem esquematizar uma estrutura mais sofisticada. A administração pode ser exercida por apenas um sócio, que desempenha a função de gerência e representa ativa e passivamente a sociedade, ou pode estabelecer uma gerência colegiada, em que dois ou mais sócios desempenham a função de administração da sociedade [132].

Na vigência do Decreto 3.708, o uso da firma cabia ao "sócio-gerente", mas se o contrato fosse omisso, todos os sócios dela poderiam usar. Com o Código Civil, fica ultrapassada a antiga designação "sócio-gerente", pois os gestores da sociedade limitada passaram a denominar-se "administradores", podendo o contrato social atribuir-lhes o título de diretores. Se o contrato social atribuir a administração a todos os sócios, essa atribuição não se estenderá aos futuros sócios, exceto se houver outorga específica [133].

Durante o Decreto 3.708, havia a presunção de que os sócios de sociedades limitadas eram administradores, com todas as responsabilidades da posição, e mesmo que o próprio contrato tivesse cláusula dispondo que não eram sócio-gerente, deveriam provar que não estavam envolvidos na administração da sociedade para eximir-se de responsabilização por débitos da sociedade. Quanto a esta questão, importante inovação do Código Civil é a de reconhecer que na sociedade limitada os sócios não são automaticamente administradores da sociedade [134]. Isto quer dizer que não há a presunção de que qualquer sócio da sociedade limitada seja administrador, assim como, para o Direito Tributário, não há obrigação solidária ou subsidiária automática em relação ao sócio da sociedade. A solidariedade ou subsidiariedade só ocorrem em decorrência de uma sanção aplicada ante a prática de atos abusivos ou ilegais na condução da administração da sociedade [135].

Pelas razões expostas, note-se que é fundamental para o Estado, como sujeito ativo da relação jurídico-tributária, conhecer a estrutura da pessoa jurídica, para exercer corretamente a formalização do crédito tributário, quando do lançamento, e para a eventual execução fiscal [136].

3.2 O administrador não-sócio

No regime do Decreto 3.708, somente os sócios poderiam integrar a administração, cujos cargos não podiam ser preenchidos por quem não fizesse parte do corpo societário [137]. Era admitida, entretanto, a delegação de poderes de gerência, nos termos do art. 13 do Decreto [138]. Ainda que o teor do dispositivo tenha sido extensamente debatido pela doutrina, tendo interpretação controvertida durante muito tempo, firmou-se o entendimento pelo qual, no silêncio do contrato, a delegação podia ser feita sem restrições [139]. Mesmo que houvesse expressa vedação de delegação no contrato, esta não era nula, mas o sócio-gerente que a fizesse ficava responsável pessoalmente pelas obrigações contraídas pelo gerente-delegado [140].

O Código Civil pôs fim à delegação da gerência a terceiros por ato unilateral do sócio-gerente, mas possibilitou a eleição de administrador estranho à sociedade limitada. Mas para que sejam admitidos administradores não sócios, é indispensável que haja previsão contratual [141]. Devem estar presente no contrato social, devidamente registrado na Junta Comercial, a permissão de administrador não-sócio e todas as responsabilidades e poderes desse administrador.

Por conseguinte, a função de administrador da sociedade limitada, pelo regramento do Código Civil, poderá ser exercida por sócio ou por pessoa estranha à sociedade. A diferença é que se exige, para escolha de administrador não-sócio, aprovação dos sócios por unanimidade, enquanto o capital não estiver integralizado, e por dois terços, se o capital estiver integralizado [142]. A regra para destituição do administrador não-sócio é a mesma para o sócio, ou seja, é necessário a concordância de mais da metade do capital social (art. 1.076, II, do Código Civil). Quanto à responsabilidade do administrador da sociedade, por culpa no desempenho de suas funções, a lei não faz distinção entre sócio administrador e administrador não-sócio, logo, seja qual for a natureza da relação, o administrador responderá pelos débitos tributários da sociedade, nos casos previstos em lei [143].

Do mesmo modo que alguém pode ter sido sócio, mas nunca ter exercido função de administração de uma sociedade, o Código Civil de 2002 passou a permitir que alguém possa ser administrador de uma sociedade limitada da qual nunca foi sócio. Assim, presente o pressuposto do excesso de poderes ou da violação à lei ou do contrato, surgirá a responsabilidade desse administrador que, seja ou não sócio, será responsabilizado com fundamento no art. 135, III, do CTN [144].

3.3 O fundamento da responsabilidade do administrador

Os administradores de uma sociedade limitada possuem o poder de gerir os atos da sociedade, buscando atingir os objetivos da sociedade. Agindo de forma correta, praticando atos em nome e em benefício da sociedade, não assume o administrador da sociedade limitada a responsabilidade por eventuais transtornos que advenham de sua administração [145].

Existe, entretanto, uma constante evolução no direito brasileiro para responsabilizar os administradores, abandonando as simples previsões de que a administração deveria fundar-se meramente no respeito à lei, dentro dos limites dos contratos sociais [146]. Mas para se questionar essa questão, segundo Gustavo Saad, existe um visível problema, qual seja o da "natureza indisponível das regras de admissão de responsabilidade pessoal do administrador da sociedade limitada, tendo em vista a sua derivação do princípio da segurança jurídica e da violação do sistema jurídico vigente" [147].

Como a atribuição da administração é administrar a sociedade, os membros do órgão devem ser diligentes e leais, sendo responsabilizados quando desatendidos os deveres gerais dos administradores [148]. Mas os administradores que poderão ser responsabilizados, nos termos do art. 135, III, do CTN, são apenas aqueles incumbidos dos comandos financeiro e comercial da empresa, que opinam e decidem sobre o recolhimento de tributos, e não, por exemplo, o diretor de um departamento técnico [149]. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região já se manifestou neste sentido:

EMBARGOS DE TERCEIRO. EXECUÇÃO FISCAL. FGTS. LEGITIMIDADE ATIVA. DIRETOR TÉCNICO. RESPONSABILIDADE POR SUBSTITUIÇÃO. 1. Havendo outros sócios com designação contratual para a direção financeira e comercial da empresa, não é responsável tributário o diretor técnico, de departamento autônomo com finalidade técnica específica não sendo caso em que incida o Art. 135, III do CTN. Sentença reformada. Apelação provida para julgar procedentes os embargos de terceiro, excluindo o sócio embargante da execução [150].

A regra, então, é a da irresponsabilidade do administrador pelos atos de representação e gestão ordinária da sociedade, mas respondem pelas obrigações tributárias causadas por culpa no desempenho de suas funções, quando ultrapassam os atos regulares de gestão ou quando procedem com violação do contrato social ou lei [151]. O mero exercício da administração não implica automaticamente responsabilidade do administrador pelos débitos fiscais da sociedade. O fisco deve provar que ele praticou um ato ilícito, e sua responsabilidade decorre desse ato ilícito que ensejou o não pagamento do tributo, e não do simples inadimplemento da obrigação tributária da sociedade [152].

Neste sentido, Itamar Gaino observa que "trata-se, portanto, de uma responsabilidade de natureza subjetiva. Sua caracterização depende do elemento subjetivo da culpa (em sentido amplo, compreensivo do dolo)" [153]. Sendo assim, sem caráter objetivo, o mero não recolhimento do tributo não constitui causa de responsabilidade. Itamar Gaino ainda destaca que:

A imputação da responsabilidade ao terceiro deriva, portanto, da presença de provas diretas ou indiretas (indícios) quanto a ter ele agido maliciosamente, com o propósito de prejudicar o fisco ou, ao menos, com a previsão de que, ao praticar o ato significativo de excesso de poderes, de infração de lei ou do contrato social, poderia tornar a sociedade inadimplente com respeito às obrigações tributárias [154].

Conforme José Waldecy Lucena, é majoritária a doutrina com o entendimento de que se trata de uma responsabilidade subjetiva, na qual há a ocorrência fática de uma conduta ilícita, com liame de causalidade com o dano conseqüente, qualificada pelo elemento subjetivo (dolo ou culpa) [155]. Dessa forma, conclui Zelmo Denari, nem todas obrigações tributárias estão compreendidas nessa responsabilidade, pois "o dispositivo faz expressa referência a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração da lei, contrato social ou estatutos" [156]. Mesmo assim, somente depois de comprovado que a sociedade não tem bens suficientes para o adimplemento da obrigação, pode o processo ser redirecionado contra o sócio-gerente [157].

A regra do art. 135 do CTN, entretanto, tem sido usada em diversos julgados com o alcance que efetivamente não tem, conforme salienta Hugo de Brito Machado, "ensejando soluções que não se harmonizam com as garantias fundamentais que o nosso ordenamento jurídico oferece, ou que negam vigência a dispositivos expressos de lei" [158]. É importante destacar este aspecto, pois por muito tempo a jurisprudência considerou a simples falta de pagamento do tributo como infração à lei, atribuindo a responsabilidade ao dirigente da pessoa jurídica, onde na verdade há "espaço para a simples culpa, para o dolo específico e também para o estado de necessidade, na medida em que os donos da empresa não tenham numerário ou ordenem verbalmente o não pagamento" [159]. Rubens Requião relembra que:

o Tribunal Federal de Recursos tentou impor jurisprudência nesse sentido, considerando o sócio-gerente ilimitadamente responsável pelas obrigações sociais, quando a sociedade se tornar insolvente, pela exaustão de seu patrimônio, ou quando, dissolvida, não restar bens para pagar os créditos tributários. O Supremo Tribunal corrigiu o exagero e a injustiça [160].

O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, adotou em um primeiro momento a tese da responsabilidade objetiva do administrador da sociedade limitada, pela ausência de recolhimento de tributo, conforme demonstra a decisão a seguir:

TRIBUTARIO - EXECUÇÃO FISCAL - PENHORA DE BENS – RESPONSABILIDADE DO SOCIO - ARTIGOS 135 E 136, CTN. 1. O sócio responsável pela administração e gerência de sociedade limitada, por substituição, é objetivamente responsável pela dívida fiscal, contemporânea ao seu gerenciamento ou administração, constituindo violação a lei o não recolhimento de divida fiscal regularmente constituída e inscrita. [...] [161].

Seguindo o STJ, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região proferiu decisão no mesmo sentido:

EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. PROVA PERICIAL. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE. MEAÇÃO. ILEGITIMIDADE. 1. Desnecessária a produção de prova pericial visando demonstrar a lisura do sócio-gerente na administração da pessoa jurídica uma vez que, nos termos do art. 135, III, do CTN, a responsabilidade dos sócios-gerentes das sociedades por quotas pelos atos praticados com infração à lei decorre da falta de recolhimento do tributo no prazo estipulado.[...] [162]

Mas, posteriormente, o STJ mudou seu posicionamento, e vem julgando acolhendo a tese de responsabilidade subjetiva, não caracterizando o mero não pagamento do tributo infração à lei passível de responsabilização do administrador, conforme expresso no seguinte aresto:

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SÓCIO-QUOTISTA. RESPONSABILIDADE PESSOAL PELO NÃO-PAGAMENTO DO FGTS. AUSÊNCIA DE PROVA DE INFRAÇÃO À LEI, CONTRATO SOCIAL OU ESTATUTO. 1. O não recolhimento do tributo, por si só, não constitui infração à lei, suficiente a ensejar a responsabilidade pessoal do sócio, devendo-se comprovar a prática de atos fraudulentos ou com excesso de poderes. […] [163]

Em seu voto no julgamento do Recurso Especial nº 662.379, a Ministra Eliana Calmon sintetizou da seguinte maneira a posição do STJ, ao confirmar a decisão do acórdão recorrido:

Sobre o tema da responsabilidade do sócio, estabeleceu algumas premissas para bem interpretar-se os arts. 134 e 135 do CTN, dos quais destacamos: a) o redirecionamento da execução pressupõe o desaparecimento da pessoa jurídica, ou a total ausência de patrimônio que possibilite garantir a dívida fiscal; b) a imputação de responsabilidade pessoal ao sócio não é objetiva, devendo ser demonstrada a conduta culposa ou dolosa do sócio gerente, para só assim ser possível atribuir-lhe pessoalmente a responsabilidade; c) a prova do agir doloso ou culposo do sócio é ônus do exeqüente [164].

Leandro Paulsen, neste sentido, também analisa o entendimento jurisprudencial quanto à questão do inadimplemento do tributo como infração à lei:

O mero inadimplemento de obrigação tributária não é suficiente para configurar a responsabilidade do art. 135 do CTN. Nesse sentido é que se consolidou o entendimento tanto da 1ª como da 2ª Turmas do STJ, que, assim, adotam a melhor posição, acatando a doutrina bastante consistente que já vinha preconizando uma interpretação adequada e sistemática desse dispositivo. Em setembro de 2001, também a 1ª Seção do TRF4 revisou sua posição anterior em sentido contrário para, à luz da nova orientação do STJ, alinhar-se pela interpretação que descarta o simples inadimplemento como fundamento para a responsabilização dos sócios-gerentes [165].

Em outras palavras, no dizer de Luiz Emygdio da Rosa, "só se pode aplicar a referida regra se o ato for ao mesmo tempo tributável, sem ter havido pagamento de tributo, e constituir infração de lei, contrato social ou estatuto" [166]. O auto ainda expressa sua indignação ao dizer que:

Assim, recusamo-nos a aceitar a tese de alguns julgados, entendendo que o mero não pagamento do tributo pela sociedade implica na responsabilidade pessoal do deu administrador. O administrador é órgão da sociedade, e como tal gera a vontade social. Daí a lei estabelecer, como regra, que ele não responde pelas obrigações sociais porque os resultados, positivos ou negativos, dos atos praticados pelo administrador recaem sobre a sociedade. Assim, o administrador só responde pessoalmente, em caráter excepcional, se o ato por ele praticado for com infringência de lei, contrato social ou estatutos (...). A regra é a personificação jurídica da sociedade e, por isso, ela é quem responde pelas obrigações sociais [167].

Esse vem sendo, então, o entendimento quase unânime da doutrina. Neste sentido, Luiz Felipe Difini justifica sua posição dizendo que:

Tal postura simplesmente aniquila o princípio da separação dos patrimônios e responsabilidades das pessoas físicas e jurídicas. A exceção é tão ampla que da regra geral nada sobra, e os sócios-gerentes respondem sempre e por tudo, objetivamente. Sempre que houver execução fiscal terá havido não pagamento de tributos: é obviedade gritante que, se os tributos tivessem sido pagos, o fisco não os estaria cobrando [168].

Sacha Calmon Navarro Coelho ressalta que:

o simples não recolhimento do tributo constitui, é claro, uma ilicitude, porquanto o conceito lato de ilícito é o de descumprimento de qualquer dever jurídico decorrente de lei ou de contrato. Dá-se que a infração a que se refere o art. 135 evidentemente não é objetiva, e sim subjetiva, ou seja, dolosa. Para os casos de descumprimento de obrigações fiscais por mera culpa, nos atos em que intervierem e pelas omissões de que forem responsáveis, basta o art. 134, anterior, atribuindo aos terceiros dever tributário por fato gerador alheio. No art. 135 o dolo é elementar [169].

Aliomar Baleeiro, fazendo uma análise dos dispositivos sobre a responsabilidade de terceiros no CTN, entende no mesmo sentido:

A responsabilidade pessoal e exclusiva dos terceiros, arrolados no art. 135, se desencadearia com a simples ausência de recolhimento do tributo devido – sem dúvida um ilícito ou infração de lei. Mas, se assim fosse, qual seria a diferença entre os art. 134 e 135? Observe-se que as mesmas pessoas, mencionadas no art. 134, estão repetidas no art. 135, I. (...) Por isso que hipóteses de singelo não pagamento do tributo a cargo de terceiro se enquadram no art. 134 e não no art. 135 [170].

Quanto à responsabilidade de antigos administradores, questiona-se se estes podem ser responsabilizados pelo período em que exerciam cargo de gerência ou administração. Nesse ínterim, surge a dúvida de se o novo administrador pode ser cobrado pelo não-recolhimento do tributo relativo a período em que não exercia a gerência [171]. O STJ tem entendido que o administrador não responde pelas dívidas da sociedade, no período que exerceu a gerência, se dela se afastou regularmente, e a sociedade continuou regularmente suas atividades. Nesse sentido, o voto do Ministro José Delgado, ao transcrever e confirmar a sentença de 1° grau nos Embargos de Divergência no Recurso Especial n° 100.739:

"[...] o sócio/embargado retirou-se da sociedade antes do ajuizamento da execução, continuando a empresa a exercer as suas atividades. Esse panorama está caracterizado nos autos, de modo inquestionável, passando a exercer forte influência para a interpretação e aplicação do art. 135, III, do CTN, em face de o embargado não ser apontado como tendo, no exercício de diretoria, dissolvido irregularmente a sociedade nem violado a legislação em vigor ou os estatutos sociais. Esta, após a saída do embargado dos seus quadros sociais, continuou cumprindo as suas atividades. Configurado esse quadro determinador da relação jurídica em debate, há de se acompanhar entendimento jurisprudencial já esposado no âmbito do STJ, em eximir a responsabilidade de sócio quando não lhe é apontada a culpa pelo insucesso da sociedade ou por sua irregular dissolução. [...] O Recurso não prospera, quanto a este argumento. A hipótese que nos é apresentada nestes autos é diferente: o embargante varão alienou suas cotas a terceiros, sem dissolver a pessoa jurídica. Assim, a sociedade continuou a existir e operar a empresa, com outros gerentes, por longo tempo após a retirada do Embargante. [...] Se o sócio desligou-se regularmente da sociedade, que permaneceu em plena atividade, não há como falar em responsabilidade solidária." O meu entendimento segue a linha dos precedentes supra-referidos [172].

No mesmo sentido, o Recurso Especial n° 101.597:

TRIBUTÁRIO – SOCIEDADE LIMITADA – RESPONSABILIDADE DO SÓCIO PELAS OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS DA PESSOA JURÍDICA (CTN, ART. 173, III) – SÓCIO-GERENTE – TRANSFERÊNCIA DE COTAS SEM DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE – RESPONSABILIDADE DO SUCESSOR – CTN, ARTS. 135 E 136. [...] 5. Não é responsável tributário pelas dívidas da sociedade o sócio-gerente que transferiu suas cotas a terceiros, os quais deram continuidade à empresa [173].

E corroborando o entendimento, a recente decisão de Embargos de Divergência no Recurso Especial n° 260.107:

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DE SÓCIO-GERENTE. LIMITES. ART. 135, III, DO CTN. PRECEDENTES. [...] 4. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de contrato social ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária do ex-sócio a esse título ou a título de infração legal. Inexistência de responsabilidade tributária do ex-sócio. [...] [174]

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Portanto, conclui Amador Paes de Almeida, "a responsabilidade do sócio-gerente está, obviamente, condicionada à contemporaneidade das obrigações fiscais e do seu gerenciamento" [175]. Ainda assim, cabe-se ressaltar mais uma vez, esta será afastada se este sócio se afastou regularmente do quadro societário da sociedade, que teve continuidade às suas atividades após sua saída.

3.4 Excesso de poder e infração de lei ou de contrato

Quando o art. 135 do CTN menciona "excesso de poderes", está se referindo aos poderes conferidos, pela legislação comum, às pessoas mencionadas em seu inciso II e àqueles decorrentes de mandatos e funções inerentes à sua atividade. Assim, a referida expressão aplica-se, em princípio, somente às pessoas mencionadas no inciso II do artigo. Como o administrador da sociedade limitada recebe seus poderes, em princípio, diretamente do contrato social, qualquer "excesso de poderes" seu caracteriza "infração ao contrato". Mas como poderia haver infração ao contrato que não se caracterizasse como infração à lei, fez-se necessária a presença da expressão "infração à lei" no caput do art. 135, como hipótese de responsabilização [176].

Sem relevar o fato de que qualquer excesso de poder seria uma infração ao contrato, Itamar Gaino escreveu que:

Pratica excesso de poderes, por exemplo, o sócio-gerente que adquire, sozinho, um bem imóvel para a sociedade quando, pelo contrato social, faz-se necessária a presença de mais um sócio ao ato. Não sendo pagos os tributos relacionados a essa operação, ele responde perante o fisco, subsidiariamente à sociedade, segundo o art. 135, III, do CTN.

Nesse caso acontece excesso dos poderes de gestão e de representação da sociedade, a par de caracterizar também, sem dúvida, infração do contrato social, o que constitui outra causa de responsabilidade prevista no art. 135, III, do CTN [177].

Mas o grande problema acerca da responsabilidade atribuída aos administradores das sociedades limitadas pelo crédito constituído em desfavor da pessoa jurídica por eles representada, é justamente quando o crédito é decorrente de prática de atos em infração à lei [178]. Por isso, "é preciso delimitar o conteúdo e a extensão destes atos geradores de responsabilidade do administrador, tarefa esta que vem sendo objeto de controvérsias tanto na doutrina quanto na jurisprudência" [179].

Para Rodrigo Zequim, o que se questiona nesse tema é se a infração à lei prevista no art. 135, caput, do CTN, deve ser compreendida em sentido lato, ou seja, a responsabilidade do administrador se originaria do descumprimento de qualquer norma, inclusive a tributária, ou em sentido restrito, abrangendo apenas a não-observância da lei civil ou comercial. Explanando sua posição, o autor argumenta que:

Assim, deve este ato gerador da responsabilidade tributária do administrador ser compreendido de modo restrito e não lato, pois, caso contrário, qualquer descumprimento de preceito normativo material ou formal levaria à atribuição de sua responsabilidade. [...] Portanto, exemplo de infração à lei cometida pelo administrador, gerando a sua responsabilidade tributária, é a sonegação de tributos, escondendo receitas, manipulando documentos, forjando despesas, escamoteando rendimentos, auferindo "caixa dois" [180].

Logo, conforme Itamar Gaino, a lei referida pelo art. 135, III, do CTN, pode ser tributária ou não:

O que importa, para a imputação da responsabilidade ao terceiro, é a lesão ao interesse do fisco, ou seja, a falta de recolhimento do tributo devido. Essa lesão pode derivar, entretanto, de infração de lei tributária ou de infração de lei civil ou comercial [181].

Exige-se, ainda assim, o elemento subjetivo por parte do administrador, ou seja, que a sua conduta tenha sido praticada de modo a causar prejuízo tanto à empresa como ao fisco, conforme elucida Luciano Amaro:

Para que a responsabilidade se desloque do contribuinte para o terceiro, é preciso que o ato por este praticado escape totalmente das atribuições de gestão ou administração, o que freqüentemente se dá em situações nas quais o representado ou administrado é (no plano privado), assim como o fisco (no plano público), vítima de ilicitude praticada pelo representante ou administrador [182].

Outra questão que se pode discutir é se as obrigações a que se refere o artigo são somente as principais ou também as acessórias. Como o artigo menciona "obrigações tributárias", para José Otávio Vaz o mesmo se aplica tanto ao crédito decorrente da obrigação principal quanto àquele decorrente da obrigação acessória. Mas o autor também entende que a "infração à lei" mencionada no art. 135 não se refere à lei tributária, mas a leis que regem os diversos tipos societários. A aplicação desta regra, entretanto, deve ser feita após a análise do caso concreto, evitando-se dano ao Erário e, também, à empresa [183].

Conforme Hugo de Brito Machado, a violação da lei societária, ensejando a responsabilização do administrador, pode ocorrer em dois momentos distintos:

O primeiro, quando o fato gerador é praticado pelo diretor ou sócio-gerente fora de suas funções, extrapolando os limites impostos pelos atos constitutivos ou pela lei societária. É o caso, por exemplo, do sócio-gerente que realiza operação mercantil vedada pelo contrato social. O segundo, quando embora o fato gerador tenha sido realizado pela pessoa jurídica, a dívida tributária não for adimplida em virtude de ato contrário à lei societária praticado pelo diretor ou sócio-gerente, como é o caso da liquidação irregular da sociedade, do desvio de recursos desta para a pessoa natural do diretor (...). Deve-se distinguir, repita-se, o ato da pessoa jurídica do ato da pessoa natural que corporifica, para se saber quem praticou a infração à lei. Se o tributo (direto ou indireto) não é pago pela pessoa jurídica, que não dispõe de recursos, ou os utiliza para outros fins lícitos (v.g. pagamento de folha de salários), tem-se uma dívida da sociedade não paga pela sociedade. Entretanto, se esse mesmo tributo (direto ou indireto) não é pago porque desfalcado o patrimônio da pessoa jurídica pelos que a dirigem, que dolosamente não recolhem o tributo e do valor respectivo se apropriam, em infração da lei societária, tem-se nítida incidência da norma contida no artigo 135, III, do CTN. Nesse último caso, ressalte-se, não foi da pessoa jurídica o ato que infringiu a lei, não pagando o tributo, mas do seu diretor ou gerente, enquanto pessoa natural [184].

A infração à lei, portanto, pode assumir os mais diversos aspectos, como o débito declarado e não pago, assim exemplificado por Amador Paes de Almeida [185]. Para o STJ, isso constitui infração à lei para os fins do art. 135, III, do CTN, conforme se observa no seguinte aresto:

EXECUÇÃO FISCAL - SOCIEDADE POR QUOTAS - RESPONSABILIDADE DO SOCIO-GERENTE. Os sócios-gerentes de sociedade por quotas são pessoalmente responsáveis pelas obrigações tributárias concernentes a ICM declarado e não pago, resultante de atos praticados com infração à lei. Infringe a lei quem quer o imposto de seus clientes (embutido no preço de seus produtos) e não o recolhe no tempo, forma e lugar determinado e ainda transfere suas quotas a pessoas fictícias ou sem qualquer patrimônio, para fugir de uma obrigação para com o fisco. Recurso improvido [186].

Para Zelmo Denari, existe importante distinção que depende de o débito ter sido declarado ou não:

Assim, quando uma sociedade comercial desobedece exigências legais (v.g., furtando-se denunciar ou declarar operações tributáveis) sujeita-se, ipso facto, à ação fiscal, podendo a fiscalização proceder o levantamento do qual resulte a lavratura do auto de infração. Neste caso, o debitum decorrente desse levantamento fiscal é, na linguagem do código, uma obrigação resultante de infração da lei, implicando, portanto, responsabilidade pessoal dos administradores daquela sociedade.

A contrario sensu, tratando-se de operações regularmente escrituradas e denunciadas pelo contribuinte, mas, de todo modo, inadimplidas, a responsabilidade pessoal dos administradores deixa de subsistir, por isso que não se trata, com rigor terminológico, de uma obrigação resultante de infração da lei.

A questão não pode assumir outra quadratura: o propósito do legislador foi o de responsabilizar pessoalmente os sócios-gerentes e administradores de empresas privadas quanto às obrigações tributárias resultantes de sonegação, fraude fiscal ou irregularidades, constatadas por iniciativa da fiscalização e apuradas através de auto de infração [187].

Em suma, para se caracterizar a responsabilidade, é imprescindível que o ato cometido seja com infração de lei ou contrato social. Para Luiz Emygdio da Rosa, isso ocorre, por exemplo, quando a sociedade desconta o imposto de renda na fonte de seus empregados e não recolhe o valor correspondente ao erário público, caracterizando apropriação, o não recolhimento de contribuição previdenciária descontada de empregados da sociedade, o não recolhimento de ICMS recebido de consumidor final e tendo ocorrido a extinção da empresa, além da dissolução irregular da sociedade [188].

Itamar Gaino também exemplifica quais as infrações legais, na sua opinião, passíveis de responsabilização do administrador, que poderia até mesmo ser um preceito da própria legislação tributária:

Ocorre infração de lei tributária, por exemplo, quando o sócio-gerente, recebendo dos consumidores finais o ICMS, não o transfere, porém, ao erário público. (...) Ocorre infração da lei civil em caso de alienação de bens da sociedade quando ela já era devedora do fisco, caracterizando-se, aí, a fraude contra credores. A infração compreende também a lei tributária, segundo o art. 185 do CTN (...) [189].

Quanto a esse artigo, note-se que a Lei Complementar nº 118, de 09.02.2005, substituiu o seu caput por texto onde foi suprimida sua parte final que dizia "em fase de execução", resultando na presunção de fraude contra o fisco desde a inscrição em dívida ativa, ainda que não tenha se dado início à execução fiscal [190].

Com entendimento contrário aos que consideram o não repasse ao erário do ICMS uma infração à lei, passível de responsabilização do administrador da sociedade, Luiz Felipe Difini só reconhece essa responsabilização nos casos do Imposto sobre Produtos Industrializados, do Imposto sobre a Renda retido na fonte dos empregados, e das contribuições previdenciárias dos empregados:

É correto entender a responsabilidade aos sócios-gerentes ou administradores nos casos de IPI, imposto de renda na fonte descontado de empregados (por expressa disposição legal) e contribuições previdenciárias descontadas de empregados, pois nesses casos o não-pagamento revela mais que inadimplemento, mas descumprimento do dever jurídico de repassar ao erário valores descontados de empregados. Nos demais casos, a responsabilização de sócios-gerentes ou administradores depende de prova de ato praticado com infração da lei, do contrato social ou estatutos, ou com excesso de poderes [191].

Assim como no caso de contribuições previdenciárias, para o IPI e o IR retido na fonte dos empregados, existe legislação específica dispondo sobre a responsabilização dos administradores de sociedades. Dispõe o art. 8° do Decreto-Lei 1.736/1979:

São solidariamente responsáveis com o sujeito passivo os acionistas controladores, os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, pelos créditos decorrentes do não recolhimento do imposto sobre produtos industrializados e do imposto sobre a renda descontado na fonte.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas referidas neste artigo restringe-se ao período da respectiva administração, gestão ou representação.

Observando esta disposição legal, o seguinte aresto do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. IPI. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS DIRETORES. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. 1. Em análise de plausibilidade de direito, laborou com acerto o juiz a quo, porquanto "a citação de um dos co-devedores, alcança aos demais, bem como de prescrição da exigibilidade, pois esta foi interrompida pela citação, conforme disposto no artigo 176, do CC, e art. 125, III, do CTN; II - o fato de não ter sido notificado de sua inscrição no CADIN, gera apenas penalidade administrativa ao funcionário que deu causa, conforme art. 1º, § 5º, da MP 1542-28/97, não nulidade do ato; III - o fato deste afirmar ser direito apenas da área comercial, não o exime de qualquer responsabilidade, pois os diretores possuem responsabilidade solidária decorrente de lei, conforme o artigo 135, III, do CTN, e art. 158, §2º, da Lei nº 6404/76." 2. Ademais, cumpre lembrar que, em se tratando de débito referente ao IPI, a responsabilidade solidária dos diretores decorre do artigo 8º do Decreto-Lei nº 1.736/79 [192].

No mesmo posicionamento de Luiz Felipe Difini, entendendo que não pagar ICMS não é, por si só, infração à lei, já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

DIREITO TRIBUTÁRIO. ICMS. MASSA FALIDA. RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES. Para que possam os administradores da sociedade falida ser tributariamente responsabilizados necessário faz-se que o fisco prove tenham eles agido com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (CTN, art. 135, III), não bastando o simples não-pagamento do tributo, presumindo-se, de resto, ausentes os referidos pressupostos se não foram eles condenados por crime falimentar. Negaram provimento ao agravo. Unânime [193].

Em sentido contrário, a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – INCLUSÃO DOS SÓCIOS DA EMPRESA NO PÓLO PASSIVO DA AÇÃO – RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS PELA PRÁTICA DE INFRAÇÃO À LEI (NÃO RECOLHIMENTO DO ICMS) QUANDO NO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA DA EXECUTADA - PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. 1. Consoante jurisprudência pacífica deste STJ, os sócios gerentes são responsáveis pela dívida tributária da empresa, resultante de atos praticados com infração à lei, a exemplo do não recolhimento do ICMS devido. 2. Quem, na condição de gerente da empresa, deixa de recolher tributos devidos pela sociedade, pode figurar no pólo passivo da execução fiscal contra ela ajuizada. 3. Recurso provido [194].

Há divergência jurisprudencial também quanto à caracterização do não recolhimento do FGTS como uma infração à lei. Entendendo como infração legal, o seguinte aresto do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. FGTS. INFRAÇÃO À LEI 8.036/90. ART. 135 DO CTN. INCLUSÃO DO SÓCIO DO PÓLO PASSIVO DA EXECUÇÃO FISCAL. POSSIBILIDADE. 1. Tratando-se o não-recolhimento das contribuições devidas ao FGTS infração à Lei nº 8.036/90, poderá a Fazenda Nacional, nos termos do art. 135, III, do CTN, cobrar a dívida do sócio da empresa executada, que é co-responsável pelo débito. 2. Agravo de instrumento provido [195].

Em sentido contrário, a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:

EXECUÇÃO FISCAL. CONTRIBUIÇÃO PARA O FGTS. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO PARA OS SÓCIOS-GERENTES. ART. 135 DO CTN. INAPLICABILIDADE. A Eg. Primeira Seção pacificou o entendimento de que a responsabilidade tributária imposta ao sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente, só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Recurso especial improvido [196].

Já foi analisada a questão do não recolhimento do tributo como infração à lei ensejadora da responsabilidade do administrador, cabe agora analisar a questão da dissolução de fato ou irregular como caracterizadora de infração à lei para esse fim. Como destaca Waldecy Lucena, exemplo comum de infração à lei é o encerramento da empresa sem que se dissolva regularmente a sociedade. E como os gerentes obraram, neste caso, contra legem, continuam responsáveis, solidária e ilimitadamente, pelas dívidas sociais [197].

3.5 A dissolução irregular da sociedade

A dissolução de toda sociedade, quando houver causa para que ocorra, deve se dar nos termos da lei, de forma imperativa. Esse procedimento pode se dar da forma mais simples, que é o distrato da sociedade, ao mais complexo, que é a dissolução judicial. À extinção de sociedade limitada que simplesmente encerrou suas atividades, sem que os administradores a tenham dissolvido e liquidado regularmente, a doutrina deu o nome de dissolução de fato [198].

Mas quando ocorre esse encerramento da atividade social e o desaparecimento dos bens, sem que antes se tenha solvido o débito tributário, há uma afronta de lei comercial. Essa dissolução irregular da sociedade constitui a infração de lei de maior profusão nos repertórios jurisprudenciais [199].

Historicamente falando, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, à época de sua competência para julgar a matéria, na tentativa da Fazenda de responsabilizar os sócios de sociedade limitada, invocando o art. 135, III, do CTN, visto o insucesso em responsabilizá-los com fundamento no art. 134, VII, do CTN, acabou acolhendo a tese de que, dissolvida de fato a sociedade por quotas, o sócio-gerente (e não qualquer sócio) responderia pessoal e ilimitadamente pelas dívidas fiscais, por ter agido contra a lei. O Tribunal Federal de Recursos pacificou sua jurisprudência em consonância com a do Supremo Tribunal Federal. O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, segue hoje com o mesmo entendimento que tinha o Supremo [200]. Entretanto, já chegou a decidir inclusive pela responsabilidade ilimitada dos sócios, mesmo se dissolvida regularmente, conforme se observa no seguinte aresto:

TRIBUTARIO. CTN. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE.. RESPONSABILIDADE DO SOCIO. I - Dissolvida a sociedade, mesmo que sob o império da legalidade, a responsabilidade dos sócios permanece no que pertine à relação tributária-fiscal. Precedentes. II - Recurso provido [201].

Por muito tempo, e até hoje, a dissolução irregular foi apontada como a hipótese mais característica da responsabilização dos sócios com fundamento no art. 135, III, do CTN. Mas para Leandro Paulsen a irregularidade não atrai incidência do referido artigo porque:

o art. 135, II, do CTN diz respeito à responsabilização por créditos correspondentes a obrigações tributárias "resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos". Ora, a dissolução irregular é posterior, não decorrendo dela as obrigações tributárias. Assim, não é suficiente, por si só, para trazer os sócios automaticamente para a posição de sujeitos passivos das obrigações tributárias da sociedade, na qualidade de responsáveis tributários. Há precedentes do TRF4 destacando que a invocação, pelo credor, da dissolução irregular da sociedade, é insuficiente para que se configure a responsabilidade dos sócios e para se possa contra eles ajuizar ou redirecionar execução, apontando a necessidade de, mesmo em tal situação, haver a demonstração de atos dolosos ou culposos que impliquem a responsabilidade. O STJ tem precedentes recentes reafirmando que a dissolução irregular configura a responsabilidade e no sentido de que a dissolução irregular inverte o ônus da prova [202].

Mas para rebater esta posição, Hugo de Brito Machado ensina:

O próprio nascimento da obrigação tributária já teria de ser em decorrência de atos irregulares, mas tal posição levaria a excluir-se a responsabilidade em exame toda vez que os atos irregulares, violadores da lei ou do estatuto, fossem posteriores à ocorrência do fato gerador do tributo. Operar-se-ia, assim, injustificável redução no alcance da regra jurídica em estudo [203].

Por isso, conforme já foi dito, a jurisprudência já vem entendendo há algum tempo que existe a responsabilidade do administrador quando houver dissolução irregular da sociedade, por constituir uma infração à lei, conforme explica decisão do STJ:

TRIBUTÁRIO - RESPONSABILIDADE DE SÓCIO (ART. 135 DO CTN). 1. A solidariedade do sócio na responsabilidade tributária é subsidiária, o que difere da solidariedade do Código Civil. 2. O sócio só deve ser acionado depois da empresa, não se lhe imputando a responsabilidade por simples inadimplemento da obrigação tributária. 3. A responsabilidade do sócio só está presente quando há dissolução irregular da sociedade, comprovado o seu agir com dolo ou culpa. 4. Existindo na empresa outros sócios, não se pode imputar a responsabilidade tributária a sócio que já se retirou da sociedade.5. Recurso especial improvido [204].

Firmou-se, aliás, no STJ, o entendimento que, no caso de dissolução irregular, o redirecionamento da execução fiscal para o administrador independe de dolo ou culpa:

TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL – DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA - REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA OS SÓCIOS – POSSIBILIDADE -PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. [...] 2. A jurisprudência pacífica deste Superior Tribunal de Justiça tem se firmado no sentido de que a responsabilidade do sócio-gerente, em relação às dívidas fiscais contraídas pela sociedade apenas ocorre quando aquele, no exercício da gerência ou de outro cargo na empresa, exorbitou do poder ou infringiu a lei, o contrato social ou estatuto, a teor do que dispõe o artigo 135 do Código Tributário Nacional ou, ainda, se a sociedade foi dissolvida irregularmente. [...] 4. A dissolução irregular da sociedade oportuniza redirecionamento da execução independente de culpa ou dolo dos sócios. Esse o entendimento adotado neste Superior Tribunal de Justiça: "É cabível o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente quando a sociedade tiver sido dissolvida de forma irregular. Precedentes da Corte." (AgRg no RESP 622736/RS, Ministro LUIZ FUX DJ 28.06.2004) 5. Portanto, ocorrendo a dissolução irregular, afirmativa não contestada nos autos, torna-se possibilitado o redirecionamento da execução contra os sócios, os quais poderão, oportunamente, oferecer embargos do devedor, onde argüirão toda matéria de defesa. O que não é possível é o fisco ficar sem ter a quem dirigir a cobrança do crédito fiscal em face de a sociedade não mais existir. 6. Recurso especial provido [205].

Neste sentido, Pedro Decomain destaca que nossos tribunais "tem entendido, e com razão, que essas extinções irregulares e meramente de fato das sociedades, deixando débitos tributários, mas com desaparecimento total do patrimônio, representam atos de violação à lei por parte de seus administradores, fazendo nascer a responsabilidade pessoal deles pelo pagamento desses tributos" [206].

Seguindo esse entendimento, para Jorge Lobo:

os sócios, gerentes ou não, que decidirem encerrar as atividades operacionais, cerrar as portas do estabelecimento, furtarem-se ao pagamento das dívidas sociais e evadirem-se, sem dissolver, liquidar e extinguir a sociedade limitada na forma da lei, respondem pelos tributos federais, estaduais e municipais (…) [207].

No mesmo sentido, Amador Paes de Almeida [208], Luiz Emygdio da Rosa [209] e Sacha Calmon Navarro de Côelho [210] entendem igualmente que a dissolução irregular da sociedade resulta em responsabilidade do administrador.

Por fim, cabe-se ressaltar que a insuficiência ou inexistência de patrimônio social por motivos alheios à administração, de caso fortuito ou força maior, não pode ensejar a responsabilidade tributária prevista nos artigos 134 e 135 do CTN [211]. Mas nessas ocasiões os sócios não são eximidos de proceder ao encerramento regular da sociedade, conforme a seguinte decisão do STJ:

PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO PARA O SÓCIO-GERENTE. POSSIBILIDADE. OCORRÊNCIA DE CASO FORTUITO. RESPONSABILIDADE NÃO DESCARACTERIZADA. […] 3. A ocorrência do caso fortuito (incêndio), conquanto exonere o representante legal da empresa das obrigações cujo adimplemento restou afetado pela ocorrência do sinistro, tais como exibição de livros e documentos porventura destruídos na ocasião, não o exime das obrigações relacionadas ao encerramento regular das atividades empresariais, com baixa na junta comercial e respectivo pagamento dos créditos tributários. O caso fortuito, in casu, não retira o caráter irregular da dissolução, porquanto não a afeta, tampouco desautoriza o redirecionamento da execução em face do sócio-gerente com fundamento nesta irregularidade. 4. Recurso Especial provido [212].

Portanto, ainda que a sociedade tenha se dissolvido em decorrência de um caso fortuito, isto não retira o caráter irregular da dissolução e a possibilidade de redirecionamento da execução contra o administrador caso não seja feita a sua dissolução nos termos da legislação comercial.

3.6 A apuração da responsabilidade e outros aspectos processuais

Ao analisar a questão da inclusão do sócio administrador no pólo passivo de uma execução fiscal, é preciso recorrer à chamada Certidão de Dívida Ativa (CDA). Essa certidão é o título executivo extrajudicial, do qual a Fazenda Pública vale-se para executar tributos não pagos. Ela goza, segundo o art. 204 do CTN, c/c art. 3º da Lei 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais) dos pressupostos de liquidez, certeza e exigibilidade, devendo nela constar, entre outras informações, o nome do devedor e dos co-responsáveis. Ela é a peça instrutória da ação de execução fiscal, mas necessita de um processo administrativo tributário para lhe garantir essa liquidez, certeza e exigibilidade [213].

Entretanto existe uma divergência na doutrina e na jurisprudência quanto ao procedimento para se apurar a responsabilidade dos administradores da sociedade. Conforme relata Rodrigo Campos Zequim, para alguns autores, a Certidão de Dívida Ativa só tem presunção de certeza, liquidez e exigibilidade do crédito contra o devedor principal (pessoa jurídica), mas quanto ao responsável, não traz prova alguma que a ele devam ser estendidos os efeitos da execução. Mas o posicionamento majoritário é, em sentido contrário, o que admite a apuração da responsabilidade do administrador pelas dívidas da sociedade pela sua simples citação na execução fiscal, ainda que seu nome não conste da CDA [214].

Seguindo a corrente majoritária, Itamar Gaino entende que o fato de não constar o nome do sócio-gerente como responsável não impede o redirecionamento da execução contra ele [215]. Neste sentido, Luiz Felipe Difini ensina que a responsabilidade da execução aos administradores pode ser apurada nos próprios autos da execução fiscal movida contra a sociedade e mesmo que seus nomes não constem no título executivo, ou seja, proposta a execução contra a sociedade e não encontrada esta, a execução é redirecionada contra os administradores, prosseguindo com sua citação em nome próprio e penhora de seus bens particulares [216].

No mesmo sentido, Luiz Emygdio da Rosa entende que "é irrelevante para a execução fiscal o fato de não constar o nome do responsável tributário da Certidão da Dívida Ativa" [217]. Isso porque, acrescenta Leandro Paulsen, não é necessária, por parte do fisco, a comprovação exaustiva da responsabilidade do administrador, "pois, neste momento, estará o Juiz simplesmente verificando a legitimidade passiva, o que lhe cabe fazer de ofício. Eventual dilação probatória dependerá de provocação do executado em sede de Embargos" [218].

Nesse caso, caberia então aos sócios ou administradores demonstrarem que agiram de forma regular, ou seja, criou-se o ônus ao sócio de primeiro ter seus bens apreendidos judicialmente, para então se opor à cobrança, decorrente de uma presunção relativa, em favor do fisco, de que o sócio sempre age de forma irregular, impondo-se a ele o difícil encargo de fazer prova negativa [219].

Ricardo Zequim entretanto, com posicionamento divergente, por ter a apuração de responsabilidade complexa análise de cognição, entende que parece mais razoável o entendimento minoritário que defende pela existência de um processo administrativo prévio para a apuração da responsabilidade tributária dos administradores de sociedade. O autor esclarece seu posicionamento ao dizer que:

o administrador só poderá ser citado juntamente com a empresa para responder a um processo executivo fiscal, na hipótese em que seu nome também conste da Certidão de Dívida Ativa, título hábil para a propositura da execução, comprovando-se, assim, a ocorrência de anterior processo administrativo ou judicial em que foi apurada a sua responsabilidade [220].

No mesmo sentido, Humberto Theodoro Jr., ainda que reconhecendo a forçosa jurisprudência em sentido contrário, entende por "inadmissível, em feito da espécie, pretender a Fazenda o acertamento de responsabilidades de terceiros ou coobrigados que não figuram no processo administrativo e contra quem não se formou o título executivo, que é a Certidão de Dívida Ativa" [221].

Neste sentido, para José Otávio Vaz, que entende como pessoal a responsabilidade do administrador, a obrigação tributária deve ser constituída em nome daquele que deve responder por ela, no caso, o responsável. Portanto, dentro de seu posicionamento, o autor entende igualmente que deveria haver processo administrativo prévio, com o devido lançamento do débito em nome do responsável e extração de Certidão da Dívida Ativa em nome deste [222].

Já a jurisprudência tem entendido praticamente em sua unanimidade não ser necessária a prévia inscrição do débito da sociedade em nome do sócio-gerente para que a execução seja direcionada contra ele, bastando, por vezes, um simples pedido da Fazenda Pública para que o magistrado mande citar o administrador, juntando com a CDA a cópia do contrato social da sociedade. Conforme o ministro José Delgado, esse já é o entendimento remansoso do STJ [223]. Neste sentido, o recente aresto do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO DE SÓCIO INDICADO NA CDA. PROVA DA QUALIDADE DE SÓCIO-GERENTE, DIRETOR OU ADMINISTRADOR PELO EXEQÜENTE. DESNECESSIDADE. PRESUNÇÃO DE CERTEZA DA CDA FORMULADA COM BASE NOS DADOS CONSTANTES DO ATO CONSTITUTIVO DA EMPRESA. É consabido que os representantes legais da empresa são apontados no respectivo contrato ou estatuto pelos próprios sócios da pessoa jurídica e, se a eles se deve a assunção da responsabilidade, é exigir-se em demasia que haja inversão do ônus probatório, pois basta à Fazenda indicar na CDA as pessoas físicas constantes do ato constitutivo da empresa, cabendo-lhes a demonstração de dirimentes ou excludentes das hipóteses previstas no inciso III do art. 135 do CTN. A certidão da dívida ativa, sabem-no todos, goza de presunção juris tantum de liquidez e certeza. "A certeza diz com os sujeitos da relação jurídica (credor e devedor), bem como com a natureza do direito (direito de crédito) e o objeto devido (pecúnia)" (in Código Tributário Nacional comentado. São Paulo: RT, 1999, p. 786), podendo ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou de terceiro a que aproveite, nos termos do parágrafo único do artigo 204 do CTN, reproduzido no artigo 3º da Lei n. 6.830/80, e não deve o magistrado impor ao exeqüente gravame não-contemplado pela legislação de regência. Recurso especial provido, para determinar a citação do co-responsável e o prosseguimento do processo [224].

Mas nem sempre basta que seja incluído o contrato social da sociedade. O juiz poderá exigir, antes de ordenar a citação do administrador, a prévia demonstração pela Fazenda Pública que este praticou algum dos atos previstos no art. 135 do CTN, caracterizadores da responsabilidade. Neste sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL – EXECUÇÃO FISCAL – CITAÇÃO DE TERCEIRO – PROVA DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA – CERTIDÃO DE INSCRIÇÃO DA DÍVIDA – PRESUNÇÃO DE CERTEZA – ALCANCE (LEI 6.830, ART. 3º). 1. A presunção de liquidez da certidão de dívida ativa só alcança as pessoas nela referidas. 2. Para admitir que a execução fiscal atinja terceiros, não referidos na CDA, é lícito ao juiz exigir a demonstração de que estes são responsáveis tributários, nos termos do CTN (art. 135) [225].

Em sentido contrário, entendendo pela necessidade de um processo administrativo ou judicial prévio, já decidiu o Tribunal Regional Federal da 2ª Região:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. REPRESENTANTE LEGAL. NECESSIDADE DE PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO OU JUDICIAL PARA COMPROVAR A PRÁTICA DE ATOS COM EXCESSO DE PODERES OU INFRAÇÃO DE LEI. O representante legal da pessoa jurídica executada só responde pela dívida fiscal desde que comprovada, mediante prévio processo administrativo ou judicial, a prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei. A simples falta de recolhimento do tributo, na data do seu vencimento, não configura infração de lei, impondo-se a presença do elemento subjetivo para que se possa caracterizar o ato como lícito. Recurso a que se nega provimento, por unanimidade [226].

Nesse ínterim, ainda, devem ser analisados os meios de defesa do administrador caso venha a ter seu patrimônio atingido pela execução. Para Júlio César Lorens, para que o devedor afaste o perigo da constrição do seu patrimônio no caso de penhora de seus bens, deve ser interposto embargos de devedor, e não de terceiro. Nem o sócio não-administrador poderá oferecer embargos de terceiro por ser sujeito do processo de execução [227]. O extinto Tribunal Federal de Recursos chegou, inclusive, a editar a Súmula 184 neste sentido, cujo enunciado diz que "em execução movida contra a sociedade por quotas, o sócio-gerente, citado em nome próprio, não tem legitimidade para opor embargos de terceiro, visando livrar da constrição judicial seus bens particulares".

Neste sentido, a seguinte decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. TERCEIRO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INOCORRÊNCIA. BENS. CONFISCO. UNIÃO. SUCESSÃO. DÉBITO ANTERIOR. DIREITOS. PENHORA, IMPOSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE. SÓCIO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. 1 - Sendo a ação executiva movida contra a sociedade e citado o sócio pessoalmente, como responsável tributário, correta é a interposição de embargos do devedor, para afastar a constrição sobre seus bens particulares e não de embargos de terceiro [228].

Mas pelo princípio da fungibilidade, os embargos de terceiro, neste caso, podem, dependendo o caso, ser processados como embargos à execução. Neste sentido, Itamar Gaino esclarece que:

Excepcionalmente se admite, porém, em homenagem aos princípios da instrumentalidade, da economia processual, da ampla defesa e da fungibilidade, o processamento dos embargos de terceiros como embargos à execução, desde que apresentados, naturalmente, dentro do prazo estabelecido pela lei para estes últimos [229].

Com este entendimento, o seguinte aresto do STJ:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. SOCIO-QUOTISTA. EMBARGOS DE TERCEIRO (ART. 1.046, CPC). PRINCIPIO DA AMPLA DEFESA, INSTRUMENTALIDADE E DA FUNGIBILIDADE. 1. Os embargos de terceiro prestam-se a quem não é parte no processo de execução (art. 1.046, CPC). A jurisprudência, todavia, tem mitigado a compreensão linear, admitindo que o sócio, citado como litisconsorte passivo do devedor, visando livrar da constrição judicial seus bens particulares, como homenagem aos princípios da ampla defesa, da instrumentalidade e da fungibilidade, assegurando-se-lhe o acesso ao judiciário, tenha os seus embargos recebidos e processados como a execução. 2. Precedentes da jurisprudência. 3. Recurso provido [230].

O meio comum de defesa que se apresenta, portanto, é o dos embargos à execução. Mas há casos também em que o meio de defesa pode ser o meio extraordinário da exceção de pré-executividade, em que o administrador requer a extinção do processo por estar configurada a sua ilegitimidade passiva ad causum [231]. Cabe esse meio processual, inclusive, para a invocação de prescrição ou outras causas extintivas do crédito tributário. A denominada exceção de pré-executividade, construção pretoriana e não prevista expressamente em lei, tem cabimento, portanto, nas hipóteses excepcionalíssimas e restritas de flagrante inexistência ou nulidade do título executivo, assim como nas hipóteses referentes à flagrante falta de pressupostos processuais e/ou condições da ação [232]. Após o prazo prescricional de cinco anos, previsto no art. 174 do CTN, por exemplo, não poderá a execução fiscal ser redirecionada contra o administrador não citado inicialmente, o qual poderá defender-se por meio da exceção de pré-executividade. O Superior Tribunal de Justiça já proferiu decisão neste sentido:

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. POSSIBILIDADE. PESSOA JURÍDICA. REDIRECIONAMENTO DA AÇÃO. SÓCIO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. DESPACHO CITATÓRIO. ART. 8º, IV E § 2º, DA LEI Nº 6.830/80. ART. 219, § 4º, DO CPC. ARTS. 125, III, E 174, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN. [...] 1. O acórdão a quo, rejeitando exceção de pré-executividade, asseverou que, face ao princípio de solidariedade passiva tributária entre a pessoa jurídica e seus sócios, a prescrição indeferida contra aquela projeta-se perante o sócio, mesmo que não tenha sido citado. [...] 3. A jurisprudência do STJ tem acatado a exceção de pré-executividade, impondo, contudo, alguns limites. Coerência da corrente que defende não ser absoluta a proibição da exceção de pré-executividade no âmbito da execução fiscal. 4. No caso em exame, a invocação da prescrição é matéria que pode ser examinada em exceção de pré-executividade, visto que a mesma é causa extintiva do direito do exeqüente. […] [233].

Quanto a isso, entretanto, vale dizer que existe divergência no próprio STJ quanto ao cabimento de exceção de pré-executividade em matéria tributária. Enquanto a Primeira Turma do STJ admite exceção de pré-executividade quando estão em jogo pressupostos processuais ou condições da ação, assim como para alegar prescrição, a Segunda Turma não admite a exceção de pré-executividade para invocar a prescrição, por entender que é direito disponível, enquanto a exceção só cabe para matéria de ordem pública. Mas como bem lembra Itamar Gaino, a exceção só é cabível "enquanto não efetivada a penhora dos bens do sócio. Realizada a penhora, o meio de defesa que a lei lhe faculta é o dos embargos à execução, no qual podem ser aduzidas todas as matérias pertinentes, com grande amplitude, segundo o art. 745 do Código de Processo Civil" [234].

Diferente situação, entretanto, se dá em relação ao cônjuge do administrador, em que não se pode pretender que a execução fiscal contra este administrador venha a onerar a meação do cônjuge ou companheiro(a). Em regra, destaca Humberto Theodoro Jr., atingida a meação destes, em execução dessa natureza, lícito lhe será o manejo de embargos de terceiro [235]. O antigo TFR chegou a editar a Súmula 112 neste sentido, a qual diz que "em execução fiscal, a responsabilidade do sócio-gerente de sociedade por quotas, decorrente de violação da lei ou excesso de mandato, não atinge a meação de sua mulher". O entendimento foi mantido pelo STJ, que ressalvou, através da Súmula 251, que "a meação só responde pelo ato ilícito quando o credor, na execução fiscal, provar que o enriquecimento dele resultante aproveitou ao casal".

Por fim, independente da discussão de pressupostos para responsabilização dos administradores da sociedade, ainda quanto à análise da prescrição do crédito tributário em execução fiscal ajuizada contra a sociedade, para Luiz Emygdio da Rosa Júnior deve esta ser redirecionada contra o responsável tributário no prazo prescricional do art. 174 do CTN (cinco anos), com a sua citação em nome próprio para se defender da responsabilidade imputada [236]. Portanto, o sócio é beneficiado pela contagem de prazo prescricional quando a execução fiscal lhe é posteriormente redirecionada, sem que conste o seu nome no título executivo e sem que tenha sido citado inicialmente. Entretanto, para Luiz Felipe Difini como a interrupção ou suspensão da prescrição contra a sociedade a interrompe contra o sócio, a interrupção da prescrição pela citação da sociedade estende seus efeitos ao sócio [237]. Este tem sido o entendimento das decisões proferidas pelos tribunais pátrios, aplicando-se ao caso o art. 125 do CTN combinado com o art. 8º, §2º, da Lei 6.830/80 [238]. Neste sentido, já proferiu decisão o Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO FISCAL. PESSOA JURÍDICA. REDIRECIONAMENTO CONTRA O SÓCIO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INOCORRÊNCIA DE SUA DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. […] 6. Conforme o art. 125, III, do CTN, c/c o art. 8º, § 2º, da LEF, a ordem de citação da pessoa jurídica interrompe a prescrição em relação ao sócio, responsável tributário pelo débito fiscal. Fenômeno integrativo de responsabilidade tributária que não pode deixar de ser reconhecido pelo instituto da prescrição, sob pena de se considerar não prescrito o débito para a pessoa jurídica e prescrito para o sócio. Ilogicidade não homenageada pela ciência jurídica. […] [239].

A questão da prescrição também é muito divergente, mas recentemente a jurisprudência tanto da Primeira como da Segunda Turma do STJ vêm proclamando que o redirecionamento da execução contra o sócio deve dar-se no prazo de cinco anos da citação da pessoa jurídica, ou seja, a citação da pessoa jurídica interrompe a prescrição em relação ao sócio [240].

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Sobre o autor
Rafael Severo de Lemos

bacharel em Direito pela PUC/RS, bacharelando em Ciências Contábeis pela UFRGS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEMOS, Rafael Severo. A responsabilidade tributária dos sócios e administradores de sociedades limitadas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 964, 22 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8015. Acesso em: 29 mar. 2024.

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