Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Código de Defesa do Contribuinte no Direito Comparado

Exibindo página 1 de 4
Agenda 02/03/2006 às 00:00

O projeto de Código de Defesa do Consumidor destoa flagrantemente de seus similares em outros países. Sua aprovação inviabilizará o trabalho do fisco, criando ambiente propício ao aumento incontrolável da sonegação.

1. RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo discutir o PLC 646/99, denominado "Código de Defesa do Contribuinte", em tramitação no Senado Federal. Desde sua proposta, em 25/11/1999, tal projeto de lei complementar tem sido alvo de profundas controvérsias, uns considerando-o um verdadeiro "Código de Defesa do Sonegador", outros o defendendo incondicionalmente. De forma a ampliar as bases para discussão, lança-se mão do Direito Comparado, analisando o código em tramitação no Senado à luz de normas ou orientações já existentes em outros países, tais como França, Espanha, México, Estados Unidos da América, Canadá, Venezuela, Austrália e Peru.


2. INTRODUÇÃO

Independentemente da existência de um Código de Defesa do Contribuinte, ou seja, um texto legal específico, regulando direitos e deveres dos contribuintes e do fisco, é notório que as normas tributárias existentes no ordenamento jurídico pátrio já contemplam, de forma esparsa, tais relações. Assim, há preceitos relativos aos direitos dos contribuintes (e limites aos entes detentores de competência tributária) na Constituição Federal, no Código Tributário Nacional, na norma que regula o Processo Administrativo-Fiscal, nos regulamentos que disciplinam os tributos (RIR/99, por exemplo), assim como no restante da legislação tributária.

A mesma legislação também prevê deveres e obrigações impostos aos contribuintes nas suas relações com o fisco, assim como prerrogativas especiais outorgadas à Administração Tributária.


3. O PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº 646/99 – O "CÓDIGO DE DEFESA DO CONTRIBUINTE"

O denominado Código de Defesa do Contribuinte foi encaminhado pelo Senador Jorge Bornhausen ao Senado Federal em novembro de 1999 e tramita como Projeto de Lei Complementar nº 646/99. Foi encomendado pelo Partido de Frente Liberal e pelo Instituto Tancredo Neves ao professor Torquato Jardim, que coordenou o Grupo de Trabalho composto pelos tributaristas Roque Antonio Carrazza, Eduardo Botallo, José Souto Maior Borges, Ricardo Lobo Torres e Paulo de Barros Carvalho.

O projeto do CDC é constituído de 53 artigos, e sua Justificação, assinada pelo Senador Bornhausen, cita os códigos de contribuinte recentemente aprovados nos Estados Unidos da América (1996) e na Espanha (1998), assim como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica – 1969), como norteadores da criação do código por ele proposto. Na tramitação do projeto, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal aprovaram várias emendas ao projeto, que foi a Plenário em junho de 2000, voltando à CCJ e à CAE. Novamente colocado em pauta para discussão no Plenário do Senado em 31 de outubro de 2001, o Senador Artur da Távola, então líder do governo no Senado, solicitou adiamento. Em 05 de dezembro de 2001 é aprovado novo requerimento, do mesmo senador, para que o projeto retorne à CAE, onde ainda se encontra, aguardando relatoria do Senador Romero Jucá desde 21 de fevereiro de 2003.

O "lobby" para sua aprovação é poderoso. Um dos eventos específico para promoção do CDC foi o congresso "O Código de Defesa do Contribuinte – Direitos, Garantias e Deveres", em São Paulo, setembro de 2000. Dentre inúmeras intervenções, Ney Prado discorreu sobre as fases a percorrer para atingir o objetivo, qual seja, a aprovação do CDC no Congresso Nacional: cooptação, sensibilizar opinião pública, superar resistências, determinar quais são os interlocutores, recrutar quadros, levantar recursos financeiros, integrar as entidades dispostas a participar, oferecer informações, organizar reuniões e congressos, escrever artigos, assessorar o Congresso Nacional, acompanhar a tramitação, identificar Senadores e Deputados favoráveis ao projeto, selecionar interlocutores para mobilizar a Casa Legislativa, traçar tipologia dos parlamentares, identificar universo antagônico ao projeto, cobrar lealdade dos congressistas.

Embora em estado latente, o projeto ainda tramita no Senado, havendo possibilidade concreta de voltar a ameaçar a eficácia das administrações tributárias, enquanto não for definitivamente arquivado.

Fora do Senado Federal, o PLC nº 646/99 criou clima de total animosidade entre seus defensores, de um lado, e as administrações tributárias e associações de servidores do fisco do outro. Que motivos levaram a tal animosidade? Estariam as administrações tributárias se negando a ceder ante a previsão legal de justos direitos dos contribuintes, já consolidados em outros países através de códigos semelhantes, como amplamente anunciado por seus defensores? Ou teriam razão os críticos do CDC proposto, pois tal código, se aprovado, inviabilizaria a fiscalização e a arrecadação de tributos, aumentando significativamente a sonegação fiscal? Esclarecer tal controvérsia é o objeto deste trabalho, apoiando-se no Direito Comparado.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

4. CÓDIGOS DE DEFESA DO CONTRIBUINTE NO DIREITO COMPARADO

Num mundo em crescente globalização, com notável aumento do comércio internacional, transferências instantâneas de capitais, e formação de blocos econômicos, impõe-se uma maior interação e convergência entre as administrações tributárias das nações. Neste contexto, surge a necessidade de uma maior uniformidade no Direito Positivo dos países que tenham a pretensão de participar desta tendência à globalização. Isto ocorre também no Direito Tributário, e por este motivo foram analisadas algumas normas existentes em outros países, relativas aos direitos e obrigações dos contribuintes.

Se há necessidade de se legislar no Brasil sobre os direitos e deveres dos contribuintes, criando-se um Código de Defesa do Contribuinte, é imprescindível que tal código nasça em consonância com os já existentes no Direito Comparado.

Nem todos os países possuem uma lei especificamente voltada para os direitos e deveres dos contribuintes, podendo tais princípios, em alguns casos, serem encontrados na legislação tributária esparsa. Certas vezes, especialmente quando não há a norma específica, são editados e disponibilizados aos contribuintes textos contendo orientações sobre seus direitos e deveres em face da Administração Tributária. Neste contexto, foram analisados os códigos, leis, cartas ou comunicados, relativos a direitos e deveres dos contribuintes, de oito países, de diferentes regiões, padrões sócio-econômicos e perspectivas culturais. Os países para os quais se teve acesso a estas informações foram França, Espanha, México, Venezuela, Estados Unidos da América, Austrália, Canadá e Peru. Poder-se-á, assim, ter uma melhor compreensão quanto à adequação do projeto de CDC proposto pelo Senador Bornhausen à nossa realidade e aos códigos de outros países. Em sua maioria, as informações analisadas foram obtidas através da Internet. De modo a facilitar a comparação entre os CDC de diferentes países, foram elaboradas treze tabelas, apresentadas em anexo (vide tabelas ao final do trabalho).


5. ANÁLISE COMPARADA DO PLC Nº 646/99

Vistos os principais dispositivos contemplados pelos Códigos de Defesa do Contribuinte no Direito Comparado, pode-se proceder a uma análise crítica do PLC nº 646/99 à luz destes ordenamentos estrangeiros. A conclusão que se chega, analisando os dados tabelados, é de que o projeto de CDC do Senador Bornhausen está francamente dissociado dos existentes nos países analisados no estudo comparado.

Não haveria, portanto, uma convergência do texto legal em tramitação no Senado com a legislação vigente nos outros países estudados, como seria desejável, e como exaustivamente propalado por seus defensores.


6. CONCLUSÕES

Constata-se que, após 15 anos de sua promulgação, a efetividade da Constituição de 1988 é ainda bastante precária, especialmente naquilo que diz respeito "... a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna ....", "... fundada na harmonia social ....", previstos no seu Preâmbulo, assim como "à cidadania, à dignidade da pessoa humana" (incisos I e II do art. 1º), "construir uma sociedade livre, justa e solidária", "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais" (incisos I e III do art. 3º) e outros tantos princípios de solidariedade. Neste contexto, na modesta avaliação do autor, a iniciativa de criação de um Código de Defesa do Contribuinte, embora louvável, se mostra defasada das reais necessidades da sociedade, que certamente não é a aprovação de um CDC, quando faltam à ampla maioria da população condições mínimas de sobrevivência digna. Um CDC teria como destinatários uma parcela mínima da população, no caso, os mais bem aquinhoados, que por sinal suportam uma carga tributária baixa, se comparada àquela que lhes seria imputada na maioria dos países desenvolvidos. Tal código seria, assim, com o conteúdo proposto no PLC nº 646/99, apenas um instrumento a mais de proteção das elites, inclusive daquelas que se negam a participar da construção de um País mais justo, através do pagamento de tributos.

No Brasil, assim como ocorre em outros países de cultura latina, é extremamente elevado o nível de sonegação fiscal. Meios seguros para coibir a sonegação devem ser encontrados e implementados na legislação tributária e penal, dentre eles o fortalecimento das Administrações Tributárias. O presente projeto de lei complementar parece vir na contra-mão desta necessidade.

Elevada parcela da arrecadação tributária no Brasil é constituída pelos tributos indiretos. As empresas os incorporam aos preços e repassam ao consumidor final. Tais tributos oneram sobremaneira as camadas mais pobres, que chegam a pagar, proporcionalmente, muito mais tributos que os mais ricos, como já demonstrado em inúmeros trabalhos.

Para reverter tal quadro, há necessidade de se implementarem diferentes medidas, tais como:

A análise das tabelas em anexo permite concluir que:

Resumindo, se o sistema legal brasileiro fosse cumprido, talvez nem se precisasse de um CDC: bastava que os princípios constitucionais e as leis em vigor tivessem efetividade, que automaticamente os direitos dos contribuintes estariam garantidos.

O texto completo da monografia que deu origem a este trabalho-resumo pode ser encontrado no portal do UNAFISCO, www.unafisco.org.br, setor de ESTUDOS TÉCNICOS.


DISPOSITIVOS DE CARÁTER GERAL – 01/02

DISPOSITIVO

PLC Nº 646/99

FRANÇA

ESPANHA

MÉXICO

VENEZUELA

EUA

AUSTRÁLIA

CANADÁ

PERU

Direitos e Garantias do Contribuinte previstos em texto legal específico (CDC)

Sim [1]

Não

Sim [2]

Não

Não

Sim [3]

Não

Não

Não

Direitos e Garantias do Contribuinte previstos na legislação esparsa, com doc. consolidado disponível aos contribuintes

Não

Sim

Não

Sim

Sim

Não

Sim

Sim

Sim

Previsão de Ouvidor do Contribuinte, ou órgão colegiado com idêntica finalidade

[4]

Sim [5]

Sim [6]

Sim

Sim

Sim

Previsão de Corregedoria

[7]

Sim [8]

Sim [9]

Sim [10]

CDC dá definição para o termo "contribuinte"

Sim [11]

[1] PLC Nº 646/99. Nesta coluna são inseridas as informações relativas às disposições previstas neste projeto de lei complementar.
[2] Ley 1/1998, de Derechos y Garantías de los Contribuyentes.
[3] Taxpayer Bill of Rights II, cujos dispositivos integram a lei tributária geral.
[4] No sítio da Receita Federal na Internet está disponível o acesso à Ouvidoria do Ministério da Fazenda.
[5] Há previsão de um Conselho de Defesa do Contribuinte, criado pelo Real Decreto 2458/1996, de 2 de dezembro.
[6] Há previsão dos Síndicos dos Contribuintes e do Agente de Solução de Problemas, todos acessíveis aos contribuintes.
[7] Embora não previsto no projeto, há na SRF a Corregedoria, com atribuição para investigar servidores.
[8] Há duas Controladorias, uma na Secretaria de Fazenda e Crédito Público, e a outra no Serviço de Administração Tributária. Além disso, há a figura do Ouvidor (Ombudsman), defensor dos Direitos Humanos, que recebe queixas formuladas pelos contribuintes contra autoridades e funcionários públicos.
[9] Inspetor Geral para a Administração de Impostos do Tesouro.
[10] Trata-se do Comissário do Sigilo, atuando em questões que envolvam violação da privacidade do contribuinte.
[11] Art. 1º, § 1º.


DISPOSITIVOS DE CARÁTER GERAL – 02/02

DISPOSITIVO

PLC Nº 646/99

FRANÇA

ESPANHA

MÉXICO

VENEZUELA

EUA

AUSTRÁLIA

CANADÁ

PERU

Preocupação em incrementar o cumprimento voluntário de obrigações tributárias

[12]

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Previsão de prazo de decadência e/ou prescrição no CDC

Sim [13]

Sim

Sim

Sim [14]

Lei sancionatória mais benigna retroage

[15]

Sim [16]

Sim

Previsão de denúncia de casos de sonegação

Sim [17]

Sim [18]

Sim

Sim [19]

Previsão de denúncia contra agente fiscal, inclusive anônima

Sim

Sim [20]

[12] O texto legal é omisso sobre o assunto.
[13] Art. 24.
[14] Texto Único Ordenado do Código Tributário, art. 43.
[15] Previsto no CTN, art. 106, II.
[16] Art. 4.3.
[17] Inclusive denúncia anônima.
[18] Há previsão de recompensa por informações, paga com parte do montante arrecadado a partir da denúncia.
[19] Art. 192 do Código Tributário.
[20] Denúncia ao Inspetor Geral para a Administração de Impostos do Tesouro.

Sobre o autor
Albino Joaquim Pimenta da Cunha

auditor-fiscal da Receita Federal, instrutor da ESAF, bacharel em Direito, professor da pós-graduação em Direito Tributário da Faculdade de Direito de Campos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUNHA, Albino Joaquim Pimenta. Código de Defesa do Contribuinte no Direito Comparado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 974, 2 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8049. Acesso em: 19 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!