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A classificação de "taxa mínima de consumo"

Agenda 12/03/2006 às 00:00

            O projeto de lei n.º 4269/2004, do Deputado Federal Alberto Fraga, em seu art. 1º e parágrafo único disciplina que:

            "Art. 1º Fica extinto o pagamento de tarifas e taxas de consumo mínimas ou de assinatura básica, cobradas pelas concessionárias prestadoras de serviços de água, luz, gás, tv a cabo e telefonia, devendo o consumidor arcar apenas com o pagamento do efetivo consumo ou uso do produto ou serviço disponibilizado pela concessionária.

            Parágrafo único: As concessionárias de que trata o caput somente poderão cobrar pelo serviço disponibilizado, aferido individualmente por cada consumidor, ficando impedidas da cobrança de tarifa, taxa mínima ou assinatura básica de qualquer natureza e a qualquer título."

            Primeiramente, importante distinguir "taxa" e "tarifa", vez que ambas possuem significado extremamente diferente, haja vista que aquela submeteria a cobrança aos limites contidos no plano do sistema tributário nacional, pois se trata de tributo, enquanto para a derradeira inexistiriam tais restrições, visto que estariam sob o regime de direito privado, onde prevaleceria a autonomia da vontade dos contratantes.

            Valendo-se das lições do professor Hugo de Brito Machado:

            "O que caracteriza a remuneração de um serviço público como taxa ou como preço público é a compulsoriedade, para a taxa, e a facultatividade, para o preço, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal".

            (...)

            O mesmo pode ser dito do serviço de água e esgoto. Se há norma proibindo o atendimento da necessidade de água por outro meio que não seja o serviço público, a remuneração correspondente é a taxa. Se a ordem jurídica não proíbe o fornecimento de água em pipas, nem o uso de fossas, nem o transporte de dejetos em veículos de empresas especializadas, nem o depósito destes em locais para esse fim destinados pelo Poder Público, ou adequadamente construídos pela iniciativa privada, então a remuneração cobrada pelo serviço público de fornecimento de água e esgoto é preço público." [01]

            (...)

            "Assim, portanto, o valor da taxa, seja fixado diretamente pela lei, seja estabelecido em função de algum critério naquela estabelecido, há sempre de estar relacionado com a atividade estatal específica que lhe constituiu o fato gerador. Nada justifica uma taxa cuja arrecadação total em determinado período ultrapasse significativamente o custo da atividade estatal que lhe permite existir." [02]

            Desse modo, se a taxa corresponde a um tributo, portanto dotado de caráter compulsório, no caso de prestação de serviço público a sua base de cálculo deverá necessariamente corresponder ao valor da efetiva prestação do serviço, de forma divisível e individualizada, sendo que, por sua vez, em se tratando de tarifa, o preço é livre, decorrente da autonomia da vontade das partes contratantes.

            Outrossim, em que pesem tais colocações, relevante esclarecer que "tarifa" jamais poderia ser cobrada diretamente pelo Poder Público, o qual somente poderia exigir "taxa", visto que aquela implica a existência de parafiscalidade.

            Nesse contexto, o Poder Público vem instituindo tarifas através de concessionários de serviços públicos, como em relação à luz e à água, por exemplo, uma vez que, caso os instituísse diretamente pela pessoa política competente, teria que fazê-lo indiscutivelmente por taxas [03].

            No tocante à possibilidade de exigência de taxa ou tarifa mínima, penso não ser possível tal previsão, independentemente da classificação adotada, visto que, em se tratando de taxa, a sua base de cálculo deverá necessariamente estar vinculada ao custo do serviço público prestado ao contribuinte, de forma individualizada, não sendo possível cobrar por um serviço público que talvez não venha a ser praticado – hipótese da taxa mínima.

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            Em outro sentido, submetendo-se ao regime de direito privado, a tarifa mínima não encontra amparo para sua exigência, pois tratar-se-ia de relação de consumo travada entre o prestador do serviço e o consumidor, devendo ser aplicado o art. 39, I, da Lei n.º 8.078/90, que impediria a exigência do pagamento por um serviço não prestado, sendo que o Código de Defesa do Consumidor prevaleceria, pelo critério cronológico, sobre o art. 4º da Lei n.º 6.528/78.

            Não obstante, a jurisprudência vem reconhecendo a aplicação do art. 4º [04], da Lei n.º 6.528/78 e do Decreto n.º 82.578/78, que permitem a exigência de "tarifa mínima":

            ADMINISTRATIVO. SERVIÇO PÚBLICO. TAXA DE ÁGUA. COBRANÇA DE TARIFA PELO CONSUMO MÍNIMO. LEGALIDADE. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. É lícita a cobrança da taxa de água pela tarifa mínima, mesmo que haja hidrômetro que registre consumo inferior àquele. Inteligência das disposições legais que regulam a fixação tarifária (artigo 4º, da Lei 6.528/78 e artigos 11 caput, 11, § 2º e 32 do Decreto nº 82.587/78). (REsp 416383/RJ; Relator: Ministro LUIZ FUX; PRIMEIRA TURMA; Data do Julgamento: 27/08/2002) [05]

            Desse modo, analisando-se o art. 1º e seu parágrafo único, do Projeto de Lei n.º 4.269/2004, verifica-se que o deputado Alfredo Fraga não se restringiu em adotar uma classificação de taxa ou tarifa mínima, mas mencionou ambas como devendo ser extintas, de certo para evitar interpretações tendenciosas, no que particularmente entendo que andou bem, pois, conforme exposto, penso que não se pode exigir o pagamento por serviços não prestados, independentemente se no âmbito do direito público (taxas) ou do regime de direito privado (tarifas/preços públicos).


Notas

            01

Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 21ª edição, Malheiros, p. 382.

            02

Obra citada, p. 379.

            03

Apenas um comentário a respeito: uma das razões de caráter financeiro para instituir tarifas através da parafiscalidade consiste no fato de que, agindo de tal forma, possibilita-se o absurdo de se exigir impostos sobre as tarifas, como o ICMS sobre a "tarifa" da energia elétrica, o que seria impraticável, caso se tratasse de taxas, afinal, seria inadmissível a tributação sobre um outro tributo. Ou seja, trata-se de mais um subterfúgio para aumentar a carga tributária.

            04

Art. 4º: "A fixação tarifária levará em conta a viabilidade do equilíbrio econômico-financeiro das companhias estaduais de saneamento básico e a preservação dos aspectos sociais dos respectivos serviços, de forma a assegurar o adequado atendimento dos usuários de menor consumo, com base em tarifa mínima."

            05

No mesmo sentido: REsp 39652/MG; REsp 214758 / RJ;
Sobre o autor
Alexandre Carlos Giancoli Filho

advogado sócio do escritório Giancoli, Oliveira e Chamlian Advogados Associados em São Paulo (SP), especialista em Direito Tributário pelo Centro de Extensão Universitária (CEU)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GIANCOLI FILHO, Alexandre Carlos. A classificação de "taxa mínima de consumo". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 984, 12 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8067. Acesso em: 25 nov. 2024.

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