Nestes tempos de isolamento social em decorrência de pandemias, muitas dúvidas surgem.
Em meio a elas, fui questionado por um cliente se a recomendação do Ministério Público da cidade de Curvelo na parte que recomenda apreensão do veículo caso ele estivesse com documentos em dia, poderia configurar abuso de autoridade, uma vez que não tem previsão no Código de Transito ou outro tipo penal.
Antes, segue a recomendação:
"Em caso de a(s) CARREATA(S) produzirem o efeito de gerar aglomeração de pessoas nas vias públicas, adote as providencias necessárias ao imediato encerramento do(s) movimentos, inclusive, se necessário, mediante apreensão dos veículos utilizados" .
Questionado, tenho o seguinte parecer: É de extrema importância o questionamento, pois com toda certeza será gerada tal dúvida.
Alguns pontos importantes devem ser levados em consideração: Primeiro deles é sobre o crime do art. 268 do Código Penal que é a infração a medida sanitária preventiva, o referido tipo penal tem como núcleo INFRINGIR (violar, desrespeitar, ignorar, descumprir determinação do poder público).
Assim, segundo os ensinamentos de Rogério Greco (2017), este diz o seguinte: “infringir pode ser entendido tanto no sentido de fazer alguma coisa contrária à determinação do Poder Público, como também deixar de fazer aquilo a que estava obrigado, tratando-se, portanto, de uma figura típica que poderá ser comissiva.” Então, o entendimento doutrinário é bem claro que qualquer conduta que se demonstre contrária a determinação do Poder público para se evitar uma doença se encaixa no crime, inclusive fazer carreata.
Por qual razão estes conceitos são importantes? É para entendermos justamente o fato da apreensão.
O art 6° do CPP, incisos II e III são bem claros neste sentido: art. 6o Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; Portanto, nesta ocasião vejo bem claro que o veículo é um objeto com relação ao fato e de imprescindível constatação para averiguar se houve o delito ou não.
O fato de não ser previsto no CTB não é relevante, por não ser crime de trânsito e sim um crime do código penal. Um exemplo: uma pessoa que trafica droga no veículo terá ele apreendido, porque é objeto do crime. Se fosse assim a lógica, seria então ilegal tal apreensão.
Outro ponto a se destacar é que a busca e apreensão do do CPP ela não tem natureza só de meio de prova, mas também como uma providência acautelatória e coercitiva, evitando que tal bem desapareça, estrague e atrapalhe a investigação, que no caso é um flagrante e não necessita de mandado.
Vale ressaltar que a recomendação da apreensão pelo MP foi dada como última alternativa.
Compulsando na lei de abuso de autoridade, não encontrei nada que pudesse encaixar nesta conduta, até porque é um ofício da autoridade e não existe dolo em querer prejudicar.
Claro, tem de ser analisado o caso concreto, caso se constate a intenção em prejudicar pode incorrer em algumas das sanções da lei de abuso.
Veja o art. 1° da lei:
Art. 1º Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído.
§ 1º As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.
Este é o meu parecer.