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Teto de vencimentos.

Rediscussão da matéria

Agenda 13/03/2006 às 00:00

          Volta à baila discussão sobre o teto de vencimentos dos servidores públicos em razão da Emenda Constitucional nº 41, de 19-12-2003, que fixou novo teto de remuneração equivalente ao subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (atualmente de R$24.500,00) e reintroduziu os subtetos nas esferas estadual e municipal.

          O inciso XI do art. 37 da CF, mediante nova alteração decorrente da EC nº 41/03, incluiu no cômputo do teto salarial ´as vantagens pessoais ou de qualquer natureza´.

          O art. 8º dessa Emenda estabeleceu como teto provisório (até que venha ser fixado o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal) ´o valor da maior remuneração atribuída por lei na data de publicação desta Emenda a Ministro do Supremo Tribunal Federal, a título de vencimento, de representação mensal e da parcela recebida em razão de tempo de serviço, aplicando-se como limite, nos Municípios,...´

          Não passa de mera reprodução, na esfera federal, do teto nacional que havia sido fixado de forma inexeqüível pela fracassada Emenda Constitucional nº 19/98.

          Finalmente, o satânico art. 9º da EC nº 41/03 repristina o art. 17 do ADCT, determinando sua aplicação aos vencimentos, remunerações e subsídios dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos em geral, e aos ´proventos e pensões ou outra espécie remuneratória percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza´.

          Transcreve-se o art. 17 do ADCT, para bem compreender a natureza dessa norma:

          Art. 17 - Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título´.

          Percebe-se a inutilidade e desnecessidade da expressão final do texto supratranscrito, pois não há, nem pode haver direito adquirido contra a Constituição.

          Em função desses textos constitucionais retromencionados, vem sendo aplicado em diferentes esferas políticas o redutor salarial incidindo generalizadamente sobre as remunerações excedentes ao subsídio mensal dos Ministros do STF, ignorando os adicionais por tempo de serviço a pretexto de que estes integram o subsídio-teto.

          Há, data venia, equívoco no enfrentamento da questão, ao invocar a inconstitucionalidade da EC nº 41/03 no ponto em que incluiu as vantagens pessoais no novo teto. Ninguém tem e nem pode ter direito adquirido à imutabilidade do regime jurídico de servidores públicos. Porém, é certo que, na passagem de um regime jurídico para outro, há que ser respeitado o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

          A questão deve ser analisada à luz do princípio da irredutibilidade de vencimentos (art. 37, XV da CF), que, conforme veio a ser finalmente assentado pelo STF, após longa contestação por um de seus Ministros já aposentado, por sinal, dos mais ilustres, ´é modalidade qualificada do direito adquirido´ (RREE ns. 298.694-SP e 298.695-SP) a que se refere o art. 5º, XXXVI da CF.

          Enganam-se os que pensam que a proibição do art. 5º, XXXVI da CF só diz respeito à lei em sentido estrito, não se aplicando às Emendas.

          Ora, a irredutibilidade de vencimentos configura, sem sombra de dúvida, uma garantia fundamental por força do disposto no art. 5º, caput e seu § 2º, c.c. o art. 60, § 4º, IV da CF.

          A interpretação literal dada ao inciso XXXVI do art. 5º da CF, por algumas decisões judiciais de primeira instância, conduz a um verdadeiro absurdo jurídico, à medida em que somente a lei em sentido estrito não poderia afrontar o direito adqurido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Os demais instrumentos normativos elencados no art. 59 da CF, dentre os quais medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções, seriam imunes à proibição constitucional.

          Outrossim, se a proibição não alcançasse a Emenda Constitucional, o texto do § 4º do art. 60 da CF, que veda a deliberação de proposta de emenda tendente a abolir, dentre outros, os direitos e garantias fundamentais, deixaria de ter sentido. Seria um texto desprovido de eficácia e, como tal, desnecessário e inútil.

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          Se é verdade que nenhum servidor público tem direito adquirido a determinado regime jurídico, é verdade também que na passagem de um regime jurídico para outro há que se respeitar o direito adquirido, que entre nós é instituto regulado em nível constitucional, o que afasta a teoria de incidência imediata das normas de ordem pública, aplicável apenas nos Países onde vigora o referido princípio em nível infraconstitucional.

          Somente o poder constituinte original tem o condão de desrespeitar o direito adquirido, desconstituir situações consolidadas ou desconsiderar a coisa julgada. A Emenda Constitucional é instrumento normativo subalterno à Constituição, com limites materiais e processuais disciplinados pela Carta Magna.

          Logo, quem estava percebendo as vantagens pessoais, dentre as quais o adicional por tempo de serviço, sob a égide do texto constitucional antecedente, não pode sofrer redução salarial a pretexto de que essas vantagens passaram a integrar o novo teto remuneratório, representado pelo subsídio mensal dos Ministros da Corte Suprema, hoje, repita-se, no valor de R$24.500,00 – o que não é pouco, se considerada a realidade da população trabalhadora em geral.

          A aplicação do redutor salarial incidente sobre as verbas que compõem a vantagem pessoal ou não, não importa a sua qualificação jurídica, implicará sempre redução de vencimentos ou proventos/pensões e, como tal, será inconstitucional. E aqui é oportuno esclarecer que não vingam as explicações de natureza econômica, política ou social para combater os poucos ´marajás´, na verdade, frutos da ordem jurídico-constitucional então vigorante, sob pena de sacrificar um dos mais importantes princípios que embasam o Estado Democrático de Direito, que é o da segurança jurídica. No momento em que a coisa julgada for flexibilizada, que situações consolidadas forem desfeitas, que os direitos adquiridos forem ignorados, temos a convicção de que ninguém mais poderá dormir sossegado na certeza de que, ao acordar, seus direitos não foram conspurcados.

          Nem se argumente com o satânico art. 9º da EC nº 41/03, que, muito marotamente, prescreve a aplicação do art. 17 do ADCT, inserido pelo legislador constituinte originário.

          Ora, esse artigo 17 está diretamente relacionado com o texto original do art. 37, XI, da Constituição promulgada nos idos de 1988. O referido artigo, como se não bastasse a sua situação topológica a revelar seu caráter transitório, é norma de efeito concreto, ou preceito de eficácia imediata, que se exaure e se extingue com a produção do efeito nela previsto, qual seja, redução imediata dos vencimentos, proventos (e pensões) que estivessem sendo percebidos em desacordo com a Constituição, no caso, em desacordo com o art. 37, XI.

          Se resultou ou não na efetiva redução de vencimentos, proventos ou pensões, por conta da interpretação conjugada do inciso XI do art. 37 com o § 1º do art. 39 da CF é outro problema que não interessa no presente estudo.

          O fato é que o citado art. 17 do ADCT é norma de efeito concreto que veio à luz para surtir efeito imediato, tornando-se imune a revogação porque se esgota e se extingue com o resultado alcançado. É como o ato declaratório de desapropriação, instrumento normativo de efeito concreto que se exaure e se extingue com a consumação da desapropriação, não comportando revogação, nem sua incidência pela segunda vez. Afinal, não se tem notícia de eventual desapropriação em duplicada, e nem isso seria necessário, salvo engano.

          Portanto, prescrever a aplicação do referido art. 17 eqüivale às emendas espúrias, que vêm acrescentando novos dispositivos ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988, para excepcionar, por exemplo, a aplicação das regras permanentes da Carta Política, concernentes ao pagamento de precatórios judiciais. Por isso, em artigo sobre precatórios judiciais já afirmamos que emendas da espécie nem Satanás em dia fúria seria capaz de patrociná-las.

Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Teto de vencimentos.: Rediscussão da matéria. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 985, 13 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8091. Acesso em: 25 nov. 2024.

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