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Acidentes de trabalho em massa: responsabilidade civil do empregador na reparação do dano moral coletivo

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Agenda 17/04/2020 às 17:55

6 DANO MORAL COLETIVO NOS ACIDENTES EM MASSA

Para MEDEIROS NETO (2012, p. 291), a ordem jurídica, sob as diretrizes da Carta Magna de 1988, “assegurou à coletividade a titularidade de direitos e interesses, cuja violação enseja reação eficaz consubstanciada na possibilidade de se obter uma reparação adequada, que se viabiliza por meio do sistema processual coletivo”.

Neste sentido, o princípio constitucional da reparação integral (art. 5º, V e X), associado às normas de interesses transindividuais (artigos 6º, 7º, 194, 196, 205, 215, 220, 225 e 227), vêm subsidiando a tese do cabimento da condenação em danos morais coletivos, sobretudo após algumas inovações legislativas infraconstitucionais ocorridas nas últimas décadas.

Uma dessas inovações é a Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), que tratou abertamente de direitos coletivos, notadamente nos artigos 2º, Parágrafo único[19] (“equipara-se ao consumidor a coletividade de pessoas...”), art. 81[20] (“A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo”) e artigo 110[21], que passou a admitir a formulação de Ação Civil Pública para a tutela dos direitos individuais homogêneos. Os incisos VI e VII do artigo 6º[22] também versam sobre a prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. Além disso, a Lei dos Interesses Difusos (7.347/1985), nos artigos 1º (inciso IV)[23] e art. 21 (caput)[24] e a Lei Antitruste (12.529/2011), em seu artigo 1º[25], passaram a franquear a concepção de danos morais e patrimoniais à coletividade.

Após esses relevantes avanços legislativos, parcela considerável da doutrina passou a admitir uma perspectiva atualizada de dano moral, capaz de abarcar também aquelas condutas danosas à sociedade, na medida em que ofendem direitos transindividuais. Na lição de Flávio Tartuce:

“Com supedâneo, assim, em todos os argumentos levantados, chega-se à conclusão de que o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico; quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa)” (TARTUCE, 2013, p. 430)

No palco jurisprudencial, o instituto tem ganhado força, sobremaneira após o histórico julgamento do REsp 866.636/SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, no qual admitiu-se indenização por danos morais coletivos, no famoso caso das “pílulas de farinha” (ação civil pública sobre dano consumerista). Nessa mesma linha, em 2009, ao julgar o REsp 1.057.274/RS, em ação civil pública sobre direito de idoso, decidiu a 2ª Turma do STJ, sob a relatoria da Ministra Eliana Calmon (MARINO & FERRAZ, 2019). Desde então, o Superior Tribunal de Justiça já proferiu vários acórdãos reconhecendo a possibilidade do dano moral coletivo. Senão vejamos:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. OMISSÃO INEXISTENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. CONDENAÇÃO A DANO EXTRAPATRIMONIAL OU DANO MORAL COLETIVO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO NATURA. 1. Não há violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso. 2. A Segunda Turma recentemente pronunciou-se no sentido de que, ainda que de forma reflexa, a degradação ao meio ambiente dá ensejo ao dano moral coletivo. 3. Haveria contra sensu jurídico na admissão de ressarcimento por lesão a dano moral individual sem que se pudesse dar à coletividade o mesmo tratamento, afinal, se a honra de cada um dos indivíduos deste mesmo grupo é afetada, os danos são passíveis de indenização. 4. As normas ambientais devem atender aos fins sociais a que se destinam, ou seja, necessária a interpretação e a integração de acordo com o princípio hermenêutico in dubio pro natura. Recurso especial improvido.” (REsp 1367923/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, publicado em 06/09/2013)

Na esfera trabalhista, decisão recente da 11ª Turma do TRT-MG, de relatoria do Desembargador Luiz Antônio de Paula Iennaco, entendeu como viável a condenação a título de danos morais coletivos, em demanda cujo objetivo era defender os direitos dos trabalhadores que foram dispensados pela empresa sob a alegação de “justa causa” em período da greve:

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“DANO MORAL COLETIVO.  LESÃO A DIREITO IMATERIAIS DE UMA COLETIVIDADE DE TRABALHADORES. POSSIBILIDADE. A  violação  a  direitos  difusos  ou  coletivos  pode  dar ensejo à lesão de valores extrapatrimoniais de uma dada sociedade ou de uma  coletividade,  citando-se  como  exemplo  desta  hipótese  um  grupo  de trabalhadores de uma determinada categoria profissional, gerando o dever de  reparação  civil  pelo  ofensor,  segundo  expressamente  previsto  nos artigos  186  e  927  do  Código  Civil  c/c  o  que  dispõe  o  art.  6º, VI, da Lei 8.078/90 e art. art. 1º, e inc. IV da Lei nº 7.347/85” (RO-0010029-85.2016.5.03.0149, Rel. Des. LUIZ ANTÔNIO DE PAULA IENNACO, 11ª TURMA, publicado em 22/06/2018)

Assim, parte da jurisprudência tem admitido o reconhecimento e a reparação dos danos morais coletivos, em decorrência da ofensa aos valores e bens mais elevados do agrupamento social. Convém ressaltar que, para a concessão da referida indenização, vários julgados têm se fundamentado na constatação da ilicitude trabalhista a direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos, bastando para tanto, saber se o infortúnio estava na esfera de previsibilidade do empregador.

Desta forma, há uma tendência jurisprudencial de aplicação da teoria do risco[26] na apreciação das demandas de dano moral coletivo, uma vez que, nestes casos, não será necessária a ocorrência e a verificação de fatores subjetivos (ex.: constrangimento, a angústia, humilhação, etc.), mas apenas da comprovação do dano e do nexo causal com as atividades laborativas. 


7 CONCLUSÃO

O desafio dos acidentes de trabalho deve ser enfrentado em duas trincheiras: a preventiva e a reparatória. No âmbito preventivo, o empregador deve investir na segurança do trabalho de modo a reduzir o risco das atividades ali exercidas. Às autoridades administrativas incumbe a fiscalização das atividades econômicas, empenhando os recursos técnicos e humanos necessários para garantir a efetividade das leis. Por derradeiro, compete ao Poder Judiciário adotar critérios rigorosos e equilibrados na apreciação de demandas acidentárias, de modo a inibir, de forma pedagógica, condutas negligentes por parte do empregador.

Todavia, nos casos em que o infortúnio se materializa, é necessária a reparação do dano causado ao trabalhador. Como demonstrado, a indenização recebida a título de auxílio acidentário é geralmente insuficiente, de tal forma que o legislador abriu espaço para a sua complementação através da ação fundada na responsabilidade civil do empregador.

A doutrina conceitua a responsabilidade civil como a obrigação de uma pessoa em reparar o prejuízo gerado a outra, ou seja, reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros. Esta ação é de direito comum e pode ser cumulada com o auxílio-acidente. No caso de acidente de trabalho ou doença ocupacional, o Código Civil de 2002 instituiu a teoria do risco, ao passo que o art. 7º, inciso XXVIII da Constituição de 1988, correlaciona o dever de reparar com a culpa ou dolo do empregador. Desta forma, a modalidade de responsabilidade a ser aplicada tem sido objeto de controvérsias na Justiça Trabalhista.

Após inovações infraconstitucionais, notadamente em virtude do Código de Defesa do Consumidor e da Lei dos Interesses Difusos (Lei nº 7.347/1985), setores da doutrina e jurisprudência têm reconhecido a existência do instituto do dano moral coletivo e a incidência da teoria do risco nestes casos, sobretudo nos casos em que o empregador coloca em perigo a integridade de vários trabalhadores ao descumprir diretrizes de segurança. Nas atividades que não importarem em risco aos empregados, o entendimento jurisprudencial que vem prevalecendo é no sentido de que incumbe ao empregador demonstrar que teria agido eficazmente, sem espaço à culpa.

Independentemente da teoria aplicada, é importantíssimo analisar o caso concreto, auferir a extensão do dano e a conduta dos envolvidos em cada caso e mensurar o grau de periculosidade ao qual o empregado estava sujeito ao exercer as suas funções. Também será fundamental apurar se o empregador era capaz de estimar a possibilidade e as dimensões de um eventual sinistro laboral.

É evidente que a indenização civil não é devida em qualquer situação, sob pena de sacrificar o livre exercício da atividade econômica; tampouco os trabalhadores devem ser deixados à mercê da própria sorte. Esta é a lição de Humberto Theodoro Junior, no prefácio do livro do Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira:

“Os princípios da solidariedade social e da justiça distributiva não podem ser enfrentados apenas com o achar alguém para indenizar o dano em qualquer situação em que ele ocorra, seguindo-se rigidamente a teoria da responsabilidade civil objetiva (...) Há de se ter em mente que nem sempre o agente dispõe de meios ou recursos para suportar toda a carga da responsabilidade objetiva generalizada sem sacrificar sua própria subsistência e a de sua família.” (THEODORO JUNIOR. Prefácio. In: OLIVEIRA, 2017, p. 24)

Trata-se, portanto, de alcançar um fino equilíbrio entre a necessidade de reparação civil dos ofendidos, de forma que esta não se dê a qualquer custo, não transbordando os limites da responsabilidade do empregador. Neste sentido, conforme Silvio Venosa, a teoria da responsabilidade objetiva “atende melhor à justiça social, mas não pode ser aplicada indiscriminadamente para que não se caia no outro extremo de injustiça”.


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Sobre o autor
Otavio Morato de Andrade

Doutorando em Direito (UFMG). Possui mestrado em Direito (UFMG); pós-graduação em Direito Civil (PUC-MG); graduação em Direito (UFMG) e graduação em Administração (PUC-MG). Exerce a advocacia em Belo Horizonte, com ênfase em Direito Imobiliário, Direito Constitucional, Direito de Família e relações consumeristas. É autor do livro "Governamentalidade algorítmica: democracia em risco?", assim como de diversos artigos publicados nacional e internacionalmente, tratando das mais variadas áreas jurídicas. Ministrou aulas, palestras e conferências no campo do Direito Civil. É parecerista das Revistas Direito em Debate e E-Civitas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORATO, Otavio Andrade. Acidentes de trabalho em massa: responsabilidade civil do empregador na reparação do dano moral coletivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6134, 17 abr. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81215. Acesso em: 25 dez. 2024.

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Artigo originalmente publicado na Revista do TRT3

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